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21/06/2016

O Zé Mania

Mais uma do Chico e seu táxi:

Francisco Bendl


                         Nós, taxistas do ponto do Menino Deus, gostamos de fazer corridas para o aeroporto porque seu valor é significativo, apesar de maioria das vezes não apanharmos passageiros na volta, porém, duas ou três idas ao Salgado Filho rendem uma boa féria somada a diferentes percursos que se faz no dia.

Como eu alterava o trabalho em dois carros, o 3212 e o 2040, o primeiro no bairro e o segundo no Ponto do Hotel Albert, seguidamente eu transportava piloto de avião, comissários de bordo, tripulação de aeronaves, enfim.
Logicamente que outros colegas os conduziam também.

Nosso amigo, o motorista Zé Mania (assim apelidado por sempre apresentar uma paixão repentina, seja na moda, no andar, no falar...), inescrupulosamente se aproveitava de situações novas ou diferentes para vivenciá-las.
O “obrigaduuuuu”, do cantor Fábio Jr., nos tirava a paciência, a ponto de respondermos com  um palavrão cuja rima é impublicável, a quantidade de vezes que o Zé repetia este bordão; o uso de bandana por causa do Romário o tornava ridículo, ainda mais quando ele usava uma delas com o desenho do Piu Piu; ao surgir a moda dos óculos com armações coloridas e lentes espelhadas, o Zé achou por bem que a roupa também deveria ser multicolorida, passando a se vestir como aquele cantor cearense, alto e magro, muito divertido, o Falcão.

Mais tarde o Ponto iria se arrepender amargamente por ter comparado o Zé com o folclórico artista nordestino, pois ele o incorporou de vez, cantando somente as músicas estilo “brega” do cara. Ninguém agüentava mais ouvir toda hora que “menino é menino e boiola é boiola”, um refrão maluco.

Foi assim com a mais nova mania do Zé, que seu táxi era um avião!
Ar condicionado ligado era “o carro estar com a cabine pressurizada”; o vento nas esquinas da Otávio Rocha com a Senhor dos Passos era chamado por ele de “tesouras de vento”, que tinham força suficiente para alterar o curso do táxi; descer a Senhor dos Passos em direção a Voluntários da Pátria lhe obrigava a “usar os freios aerodinâmicos”; vir pela Cristóvão, Alberto Bins e Otávio Rocha “somente com os flaps acionados”; subir a Dr. Valle era “decolar à base de instrumentos”, tais como, altímetro, radar, bússola...; a temperatura dos “reatores” era o Zé verificar a pressão do gás veicular nos cilindros (dois) que o táxi tem no porta-malas ao abastecer; descer a longa Tarso Dutra que segue Salvador França em direção à zona sul era necessário cálculos vetoriais, ângulos de descidas, a quantos nós estavam as rajadas de vento e condição das nuvens; quando o fluxo do trânsito exigia que andássemos em baixa velocidade em razão de engarrafamento, o Zé comentava do “perigo” de o seu táxi “estolar” (!?); o Ponto era denominado “Terminal”.

O Zé enchia o saco de tanto falar no jargão aeronáutico e expressões espaciais e siderais.
Chegou ao cúmulo de comprar calça azul marinho, camisa branca e gravata preta para se parecer usando uniforme de piloto. Cravou no bolso esquerdo da camisa duas tampinhas de Pepsi e duas de Fanta que ele mandara soldar, dizendo que aquilo era o seu “brevê”; no bolso direito, o Zé mandou bordar “ZÉ ÉR’ (imagino que ele queria escrever Zé Air, mas a pronúncia deve tê-lo traído).
E ele andava para cima e para baixo ostentando a sua condição de piloto de jato.

Um belo dia o Zé bateu o carro. Na verdade encostou a roda no cordão da calçada com relativa força, rasgando o pneu, danificando o rodado e possivelmente alterando a geometria, nada grave. Porém, o Alberto, dono do carro, muito zeloso que era, aguardava pelo Zé Mania no Ponto para ouvir as devidas explicações sobre o ocorrido.
Ao chegar, o “piloto” encontrou a platéia que queria, pois todos nós queríamos escutar a sua versão sobre o acidente:

- Olha, eu vinha pela Ramiro em direção a Farrapos, começou o Zé a falar. Ao iniciar o meu procedimento de descida acionei os freios aerodinâmicos, baixei os flaps e trem de pouso e controlava a velocidade através dos manches, de modo a não ultrapassar o ponto crucial da pista para não ter de arremeter, sabem como é, o jato é “liso”, qualquer impulso a mais é varar a cabeceira...

Impaciente e nervoso pela justificativa que o Zé apresentava cada vez mais absurda, o Alberto interrompe:
- Mas bateu a roda por quê?
- Comandante, responde o Zé, o meu táxi “aéreo” estolou, dando uma guinada forte à esquerda.
Furioso, o Alberto indaga:
- Que história besta é esta de estolou?
Sem saída e na maior cara de pau, o Zé conclui:
- Ora, chefe, foi o pneu que estolou e eu bati no cordão, pô.

A gargalhada foi geral e uníssona. Não bastasse isso, o Zé ainda queria a compreensão do Alberto:
- Esperem, vou provar para vocês o que digo.
Dirigiu-se ao carro, abriu o porta-malas e retirou uma caixa de sapatos preta. Na frente do incrédulo Alberto e para nosso espanto, o Zé cheio de razão exclama:

- Vou abrir a caixa preta do meu avião para lhe entregar, comandante, os dados registrados nos gravadores da aeronave sobre o acontecido.
Ao alcançar para o Alberto um papel com riscos que ele fizera alegando que se tratavam dos gráficos sobre o acidente – eu não parava de tanto rir -, o Alberto, roxo de raiva e cuspindo-se todo, corria atrás do Zé berrando a plenos pulmões:
- Esse relatório está incompleto, miserável, aqui não diz que o piloto morreu, desgraçado, o piloto morreu, infeliz!
O episódio foi lembrado por nós durante meses a fio e sem que perdesse a graça,  o fim trágico do Zé Mania como “piloto de avião”.

2 comentários:

  1. Moacir Pimentel22/06/2016, 15:54

    Bendl,
    Os seus textos são leves , bem escritos ,fazem-me rir e rir é o "melhor remédio". O riso, mesmo depois que acaba , continua fazendo a gente se sentir bem. A boa sensação permanece, levanta o astral , melhora o humor, ajuda a manter uma perspectiva positiva através de tempos difíceis, das péssimas "notícias" e das situações complicadas.Mais do que apenas um refúgio para a tristeza uma boa gargalhada nos dá força e ânimo para encontrar esperança e saídas.
    Agora...O tal do Zé Mania aí é mesmo uma parada. Perto dele o nosso Serginho - o vendedor de sanduíches natureba e biscoitos de polvilho na praia - que eu achava ser hilário, é uma missa de sétimo dia.Mais magro e feio do que a fome , o sujeito é metido a galanteador. Assedia o mulherio , quanto mais bonitas e saradas foram as vítimas mais malucas são as cantadas . Nenhum fora o convence a tomar a dose cavalar de simancol da qual precisa. Qualquer dia vai preso.
    Cansado de testemunhar as constrangedoras situações nas quais o galã se mete todos os finais de semana certa vez ousei aconselhar:
    - "Ô, cara,se liga.Vai procurar a tua turma.Não está vendo que essas garotas não vão lhe dar a menor bola?"
    Ele coçou a cabeça , piscou o olho , sorriu e mandou ver:
    - "Sei lá,mermão.E se uma dessas minas for tarada?"
    Abraço

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  2. Grato, Pimentel, pelo comentário.

    Eu tinha comigo que, se eu não aliviasse a responsabilidade de conduzir vidas alheias com as situações hilárias acontecidas durante o trabalho, o serviço seria muito difícil, que levaria ao estresse facilmente.

    Assim, decidi escrever certos episódios que considerei valerem a pena registrá-los, apenas vinte, ao longo de sete anos dirigindo táxi pelas ruas de Porto Alegre.

    Um abraço, meu caro.
    Saúde e Paz!

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