Notícia no "Estado de Minas" de hoje nos diz que comissão de juristas do Senado que discute um novo Código Penal aprovou
nessa segunda-feira a inclusão de um capítulo para crimes cibernéticos. Uma de suas medidas torna o crime de falsidade ideológica, aplicado a quem criar um perfil falso de pessoa ou empresa, sujeito a um agravamento da pena de um terço à metade se for cometido em sistemas informatizados ou redes sociais. Outra torna crime, punível com seis meses a um ano de prisão, o mero acesso não autorizado a um sistema informatizado, mesmo que os dados não sejam repassados e que não haja prejuizo pessoal ou para empresa.
À primeira vista, apenas uma atualização necessária do Código Penal para se adequar às novas realidades. Mas o que me preocupa aqui é a profusão de medidas sendo propostas no Congresso para evitar atos criminosos na internet, sem uma discussão ampla com a população, muitas vezes por autores que não têm uma visão abrangente do que é a internet hoje nem conhecimento dos seus aspectos técnicos, e sujeitas à análise e aprovação por um Congresso que há muito tempo deixou de se preocupar em defender os direitos da massa de cidadãos que o elege e reelege.
Basta fazer um retrospecto das notícias dos últimos cinco ou dez anos para ver a importância crescente da internet, das redes sociais e dos telefones celulares na luta das pessoas de diversas partes do mundo, contra os abusos dos regimes totalitários. Mas isso é apenas a face moderna de uma luta pelo acesso à informação (não só à sua leitura, mas principalmente à sua produção e difusão) que vem de muito antes.
Todos os regimes totalitários começam por duas medidas básicas para evitar que os cidadãos possam se revoltar contra seus excessos: desarmar a população e restringir sua capacidade de partilhar informações.
No antigo bloco soviético uma das armas dos dissidentes era o que chamavam de "samizdat" (palavra que deriva de "sam" - por si próprio, e "izdat" -editora), a cópia e difusão de informações censuradas feita por cidadãos individuais. O governo tentava dificultar isso controlando e registrando as máquinas de escrever dos escritórios, para poder identificar de onde partiam as cópias em papel carbono, e dificultando sua posse fora dos escritórios. Na Romênia o governo confiscou todas as máquinas de escrever dos particulares, tornando sua posse crime punível com pena capital, e segundo algumas informações chegou a tentar fazer com que cada cidadão fornecesse uma cópia de sua escrita à mão para os órgãos de segurança.
Na década de 80, pelas mesmas razões, os aparelhos de fax eram proibidos no bloco soviético e na China comunista.
Bem antes disso, na década de 30, Adolf Hitler proibiu os judeus de terem máquinas de escrever, mandou suspender a fabricação de uma das máquinas de escrever portáteis mais populares da época, porque o seu pequeno tamanho e peso tornavam fácil seu transporte e ocultação, e mandou confiscar as máquinas de escrever e os mimeógrafos dos grupos políticos de oposição antifascista.
Vocês me dirão agora que o Brasil é uma democracia e não um regime totalitário, que temos Presidente e Congresso e não um ditador.
Mas não é preciso haver um ditador para que um país se torne um estado totalitário. Num país onde se impõe o conceito de que apenas a polícia e as forças armadas podem deter armas, sem consultar a vontade (depois declaradamente contrária) de sua população; num país onde volta e meia retornam as pressões para que se implante, sob as mais diversas justificativas, um controle da mídia; num país onde um Congresso em que grande parte dos representantes do povo é alvo de questionamento quanto à sua correção se esconde atrás do voto secreto para defender seus integrantes e pode aprovar leis sem debate em plenário; num país onde o Executivo depende do loteamento dos cargos e principalmente das verbas públicas para conseguir governar; num país onde o Judiciário deixa que se abuse do "segredo de justiça" e permite que se impeçam órgãos de imprensa de divulgar notícias sobre governadores ou parentes de congressistas, não me parece exagero que eu pense que quem manda no país tem medo dos seus cidadãos, e que cada vez falta menos para que o povo deixe de deter o poder de resolver o seu destino. Que, a rigor, não tenho certeza de que ele jamais tenha chegado a ter.
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