15/04/2012
Muito se tem falado atualmente do inegável processo de
desindustrialização que a economia brasileira vem sofrendo, com a queda
da participação da indústria de transformação tanto no conjunto do PIB
quanto no volume das exportações brasileiras. As exportações diminuem e o
mercado interno é invadido por produtos estrangeiros a preços mais
baixos do que os nacionais.
Os industriais gritam, o governo
promete medidas para ajudar a recuperação da indústria, e todos eles
reclamam da excessiva valorização do real, como se a maior culpada do
processo fosse a taxa de câmbio, que deveria ficar no entorno de 2,50
reais por dólar para que a indústria brasileira pudesse ter
competitividade.
Para tentar resolver o problema imediato, o
governo faz esforços para segurar a valorização do real e toma medidas
de restrição às importações, com o aumento das taxas ou até a imposição
de cotas. E procura aumentar a disponibilidade de crédito para aumentar o
mercado consumidor interno e com isso escoar a produção industrial.
A coisa não é tão simples assim.
É
evidente que a taxa de câmbio influi, e muito, no equilíbrio entre as
exportações e as importações. Claro que é mais fácil exportar quando o
real está desvalorizado, o que melhora a nossa competitividade no
mercado externo, e as importações aumentam quando ele está valorizado, o
que piora a nossa competitividade no mercado interno. Mas para a
competitividade de nossa indústria a taxa de câmbio é só um dos fatores,
que, além de ser de difícil controle, porque as medidas que o governo
tem para tentar atenuar suas variações num regime de câmbio flutuante
são reduzidas e de custo muito alto para o país, está longe de ser o
mais estratégico.
Um índice bastante utilizado para determinar
aproximadamente a sobre ou sub valorização de uma moeda em relação ao
dólar é o "BigMac Index" publicado pela revista inglesa "The Economist",
que começou como uma brincadeira mas evoluiu e hoje já pode ser
utilizado como uma aproximação bastante razoável do valor de compra da
moeda de diferentes países.
Ele compara o preço ao consumidor de um
Big Mac da McDonald's, convertido para dólar, numa série de países com o
seu preço atual nos Estados Unidos. A escolha do Big Mac é porque o
sanduíche é feito, nestes países, utilizando os mesmos insumos básicos e
o mesmo processo de produção, e, como as lojas são franquias, com uma
qualidade de produto pelo menos comparável. Claro que um resultado mais
preciso poderia ser obtido utilizando uma cesta maior de produtos, mas é
difícil escolher uma cesta de produtos que obedeçam todos a estes
critérios e tenham os mesmos insumos disponíveis numa ampla gama de
países.
A última tabulação disponível do BigMac Index (http://www.economist.com/blogs/graphicdetail/2012/01/daily-chart-3)
publicada em 12 de janeiro mostra um sanduíche BigMac no Brasil
custando US$ 5,68 contra US$ 4,20 nos Estados Unidos e apenas US$ 2,44
na China. Se considerarmos, à falta de maiores informações, que a margem
de lucro dos fabricantes e revendedores seja aproximadamente igual
nestes três países, chegaremos à conclusão que a China consegue produzir
o mesmo BigMac por menos de metade do custo do produzido no Brasil, e
os Estados Unidos por um custo 26% menor do que o Brasil.
O que
significa que nestas condições para assegurar a competitividade do
Brasil com a China o dólar deveria estar valendo mais do dobro do seu
valor atual, e isso sem considerar os efeitos negativos que uma tal taxa
de câmbio produziria na nossa indústria pelo encarecimento das
importações (porque a nossa indústria ainda depende da importação de
máquinas e equipamentos de produção e de outros insumos, para não falar
de hardware e software de informática).
O verdadeiro obstáculo à
nossa competitividade são os custos que fazem com que um produto
fabricado aqui custe muito mais caro do que o produto equivalente
fabricado lá fora.
E estes custos se devem a uma infraestrutura que
provoca altos custos de logística, porque as estradas para o transporte
rodoviário são ruins, mal projetadas, mal construídas e pior
conservadas, porque falta transporte ferroviário e praticamente inexiste
o transporte hidroviário e porque a navegação de carga de cabotagem é
fraca e os portos são ineficientes. Se devem a um custo financeiro dos
mais altos do mundo, a uma taxação também exageradamente alta, a um
excesso de burocracia que implica em perda de tempo e custos para as
empresas, a uma formação deficiente da mão de obra por causa do baixo
nível da educação nas escolas.
Então, com essa estrutura de
custos, incentivar o mercado interno pelo aumento do crédito vai apenas
fazer com que os produtos importados continuem abocanhando uma grande
fatia desse aumento do mercado. Dificultar a entrada dos produtos
importados pela imposição de taxas e cotas é uma medida que não resolve o
problema da nossa competitividade lá fora, provoca uma retaliação dos
demais países que complica ainda mais essa competitividade, e não passa
de um paliativo de efeito estritamente temporário para a indústria
aumentar sua participação no mercado interno.
O que temos de fazer é o
que todos os países que conseguiram melhorar a sua posição competitiva
fizeram: investir maciçamente em educação e em infraestrutura, diminuir a
carga tributária e reduzir a burocracia. Mas para isso o governo tem
que fazer o que não vem fazendo, parar de achar que propaganda e
palavras resolvem, reduzir suas despesas de custeio e acabar com o
desperdício de dinheiro para poder ter dinheiro para fazer os
investimentos que não tem feito e reduzir a carga tributária sobre os
setores produtivos para que eles possam fazer a sua parte dos
investimentos. E não é um processo que dê resultados imediatos de curto
prazo, é um processo longo de efeitos a médio e longo prazo que tem que
ser perseguido com obstinação e determinação para reverter o quadro
atual de desindustrialização e levar o país a um progresso real que
possa também acabar com a oscilação interminável entre aumento de renda e
aumento de inflação, onde cada aumento de consumo que deveria
beneficiar o mercado interno leva a um aumento de inflação de demanda
porque a produção não teve como crescer para acompanhar esse aumento de
consumo, o que então provoca um esforço do governo para restringir o
consumo pelo aumento dos juros e por aí vai. E isso não é de agora, há
décadas que nós todos acompanhamos este vai e vem que tem segurado o
Brasil enquanto outras nações com menos recursos naturais e de população
têm disparado na frente e se transformado em potências industriais e
tecnológicas.
Para quem quiser mais informações, um estudo de janeiro de 2011 da FIESP (http://www.fiesp.com.br/agencianoticias/2011/01/10/desindustrializacao_depecon_29_11_10.pdf)
faz uma análise da variação da participação da produção industrial no
PIB brasileiro, de 1947 a 2009, prevendo uma participação de 15,9% em
2010. O resultado real de 2010 foi 15,8%, caindo ainda mais em 2011 para
14,6%. Uma análise desta variação mostra que a participação da
indústria, que era de 11,27% em 1947, subiu para 13,75% em 1956, quando o
presidente Juscelino iniciou a execução do seu "plano de metas", e
continuou num forte processo de subida que atingiu seu pico em 1985, com
27,2%. Daí para a frente entrou em processo de descida, com pequenos
períodos de inflexão de subida, descendo para 15,7% em 1997.
Com a
fortíssima desvalorização da moeda brasileira a partir de 1999, quando o
real chegou a valer quase quatro vezes menos do que o dólar no início
de 2003 (http://www.indexmundi.com/xrates/graph.aspx?c1=BRL&c2=USD&days=3650),
e a consequente diminuição das importações, a participação da indústria
ensaiou uma pequena recuperação, chegando a 18,02% em 2002 e 19,02% em
2004, mas daí em diante voltou a descer até os 14,6% do ano passado. É
claro que intervieram outros fatores, mas se a taxa de câmbio favorável
fosse a solução mágica, a recuperação da indústria entre 1999 e 2003
teria sido muito maior do que o foi.
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