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23/03/2017

A Praia de Pilatos


fotografia WBJ

Wilson Baptista Junior
Pouco mais de trinta quilômetros ao sul da cidade de Haifa, banhada pelas águas azuis do Mediterrâneo, fica a cidade de onde Pôncio Pilatos governou a antiga província romana da Judéia.
Construída no local de uma estação naval de comércio que tinha sido fundada trezentos anos antes pelo rei de uma das cidades-estados fenícias, os lares dos primeiros grandes navegadores, a cidade foi dedicada por seu construtor Herodes, o Grande, ao imperador César Augusto.
Pôncio Pilatos, que não era bobo, preferia ficar em Cesaréia, junto ao mar, longe do calor e do tumulto de Jerusalém, para onde só se deslocava quando era absolutamente necessário.
Os grandes quebramares do porto construído por Herodes estão hoje submersos. O concreto hidráulico utilizado, feito com uma liga de calcário e de uma cinza vulcânica que foi trazida da Itália em mais de quatrocentos navios não resistiu à atividade sísmica da região e a um tsunami que atingiu a costa cem ou duzentos anos após a construção do porto. Na praia atual, perto das fortificações construídas onze séculos depois pelos cruzados, uma quantidade de antigas âncoras de pedra resgatadas do fundo do mar são a única lembrança visível do grande porto em mar aberto que os relatos do tempo diziam que rivalizava com o de Alexandria.
fotografia WBJ











Do lado de dentro das grossas muralhas, as seteiras já não têm as plataformas de madeira onde os arqueiros subiam para atirar suas flechas nos atacantes.
fotografia WBJ

A cidade foi construída nos moldes das cidades romanas de então. Palácio para Herodes, hipódromo com mais de vinte mil lugares para as corridas de quadrigas no estilo Ben-Hur, a Fórmula I daquele tempo, anfiteatro para representações de peças, prédios administrativos. Pouca coisa resta dessas construções, exceto o anfiteatro, do qual grande parte sobreviveu, e que ainda hoje é utilizado para concertos e shows. Na fotografia pode-se ver a estrutura do palco e do sistema de iluminação que estavam sendo montados quando estivemos por lá.
fotografias WBJ e Ana Nunes
Para abastecer a cidade construíram um aqueduto que trazia a água das fontes no sopé do Monte Carmelo, dezesseis quilômetros para o nordeste.
Depois da morte de Herodes, quando os romanos incendiaram Jerusalém durante a repressão da revolta dos grupos dissidentes de que contamos no passeio em Massada, a capital da província foi transferida para Cesaréia.
Seis séculos depois os árabes tomaram Cesaréia, e os cavaleiros da Primeira Cruzada por sua vez a tomaram dos árabes em 1101. Uma história interessante dessa tomada é que, durante o saque que se seguiu, cavaleiros genoveses encontraram um prato feito de vidro egípcio verde, que pensaram ser de esmeralda e por isso imaginaram ser o Santo Graal, o cálice que teria sido usado por Cristo na última ceia e que as lendas daquele tempo diziam ter sido um presente da Rainha de Sabá ao Rei Salomão (as lendas, claro, nunca se preocuparam em explicar como uma preciosidade dessas teria saído do Templo para as mãos de um punhado de pobres pescadores da Galiléia). O prato foi levado para a catedral de Gênova, onde é chamado de Il Sacro Catino.
Saladino retomou a cidade das mãos dos cruzados, para perdê-la novamente pouco tempo depois para Ricardo Coração de Leão.
O rei Luís IX, São Luís de França, que passou um tempo em Cesaréia depois de libertado de sua prisão no Egito em 1251, reforçou as muralhas da cidade, que, dizem, ajudou a construir com as próprias mãos. Treze anos depois, quando os árabes mais uma vez retomaram a cidade, o Sultão que a retomou demoliu as muralhas, contam que dizendo que “o que um rei construiu outro rei destruirá”.
Cesaréia hoje é uma cidade turística, muito procurada por suas praias onde os visitantes hoje se banham nas águas do mesmo mar onde Herodes e Pilatos vinham descansar do calor do deserto...


8 comentários:

  1. Belo cenário, hem redator?
    Gostei muito. Vai ter mais? Bjok

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    1. Wilson Baptista Junior23/03/2017, 20:43

      Obrigado. talvez mais um ou dois, quem sabe?
      Se continuarmos escolhendo nossas fotografias.

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  2. Francisco Bendl23/03/2017, 12:29

    Os artigos do Wilson são muito importantes quando abordam o Oriente Médio porque relatam com muita propriedade o homem tocando, pisando, interligando-se aos grandes episódios históricos do passado, e não somente pela História, mas quanto ao aspecto divino que enleva esta visita que nos narra com precisão, riqueza de detalhes e fotos!

    Imagino – e mais não posso -, a emoção que não deves ter sentido em perambular pelas ruas onde Jesus tenha feito o mesmo, Pilatos, Pedro, Maria, a mãe de Cristo e Madalena!

    Pedras que talvez guardem as lágrimas e o sofrimento atroz que o Filho de Deus padeceu sob o poder de invasores, e cuja pena, a crucificação, tenha sido não só o maior julgamento da História pelas suas consequências, mas a maior injustiça que se tenha perpetrado contra um inocente!

    Olha, Wilson, inegavelmente és um abençoado neste particular, de conheceres a região conhecida como Terra Santa – particularmente discordo dessa qualificação. A meu ver, uma área que deu início a vários impérios, a Mesopotâmia, e que há milhares de anos jamais conheceu a paz, a harmonia, a convivência sem guerras, batalhas, revoltas, mortes incalculáveis de seres humanos, jamais poderia ser assim denominada, de Santa, mas é somente a minha opinião.

    Acho que chamá-la desta forma ofende ao Deus dos islâmicos, judeus e cristãos, o mesmo, por sinal, então - sabe-se lá - tanto ódio, intolerância e desejo de vingança!

    Grande artigo, Wilson, que faz jus à qualidade do teu blog, e este tema que escolheste é muito importante, tanto pelas implicações históricas, repito, quanto pelo significado religioso, de fé, crença, dogmas e mandamentos a serem observados, se quisermos viver melhor e ser recebidos pelo Criador quando desaparecermos deste planeta!

    Um grande abraço, Wilson.
    Parabéns efusivos pelo assunto que abordaste.
    Saúde e paz.




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    1. Wilson Baptista Junior23/03/2017, 21:05

      Obrigado, Chicão. Realmente a sensação de passar por estes lugares que tanto significam para quem acredita é muito forte. Fiquei muito contente de ter podido andar por lá, junto com a Ana, conduzido por um de nossos filhos que estava morando lá -uma combinação ideal para um passeio por uma terra em que nunca tínhamos estado.
      Se não pudermos, pelos motivos que você coloca, chamar aquela terra de Terra Santa, então a nenhuma outra também poderíamos. Ali nasceram, por uma complexa conjunção de fatores, algumas das maiores civilizações e três das grandes religiões que perduram até hoje - os povos do livro. Foi o próprio fato do seu crescimento que fez crescer também as disputas e os violentos embates que, mudando embora de forma, nunca mais pararam. Não há lugar no mundo que tenha ficado imune à sua influência. Mas não há também nenhum outro lugar do mundo que não tenha tido suas guerras pela ânsia de dominação dos grupos humanos que se formavam em cada um deles. Nem nas nossas Américas, nem nos mares do sul, nem em qualquer lugar da Ásia, nem na pequena Europa.
      Quem sabe um dia nossos descendentes possam testemunhar uma idade de tolerância e cooperação que nós certamente não veremos mas para a qual, na pequena medida dos nossos esforços, temos tentado pavimentar o caminho...
      Um abraço esperançoso do
      Mano

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  3. Moacir Pimentel23/03/2017, 17:54

    Wilson,
    Uma bela conversa que passeia não apenas por Cesareia mas por um Império um dia invencível pelo poderio militar e pelo engenho que no entanto o tempo cuidou de deixar em ruínas , em calçadas e milhas e pontes e anfiteatros espalhados pelo vasto mundo.
    As suas fotos falam mais alto e para além de suas margens e cores. A das âncoras de pedra nos faz pensar no mar e em como foi desbravado - por marinheiros jônicos, fenícios, romanos, polinésios, árabes, chineses e europeus que navegaram rente à costa, de ilha em ilha, de continente em continente guiando-se pelas estrelas - e a dos arcos do aqueduto nos coloca no centro dessa terra de vínicolas e do Mar Morto, das Colinas de Golã e do Lago Tiberíades, do Mar da Galileia e do Deserto de Neguev.
    Suas escrita e imagens ajudam-nos a colocar ordem nos fatos e a pensar nessa história dos povos do Livro com uma perspectiva mais larga. Olhando para essa paisagem áspera e desértica, não se tem como não admirar esses povos de almas valentes e nômades diante de grandes desafios.
    Eu espero que a franquia da Terra Santa continue a nos mostrar
    o berço das maiores religiões moneteístas, esse chão
    tão estimado por judeus, muçulmanos e cristãos cujos profetas ensinaram a mesma coisa de todos esquecida: respeitar os vizinhos.
    Parece-me que aí só há duas coisas certas: a violência não funciona e ninguém vai se mover do endereço onde está. Então é torcer para que consigam conviver pacificamente.
    Abraço

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    1. Wilson Baptista Junior23/03/2017, 21:39

      Quem sabe, Moacir, eu ainda possa mostrar um pouco do pouco que pudemos ver e que ao mesmo tempo deixou uma impressão tão funda.
      Mas, embora eu tente, para sentir realmente aquela terra é preciso poder olhar em volta e ver aquela extensão interminável de areia e pedras, o calor implacável do dia, depois o frio intenso da noite do deserto onde o ar é tão claro que as estrelas parecem estar mais perto da gente, para imaginar como as pessoas podem se agarrar tão profundamente a uma terra tão inóspita. Faz muitos anos, antes dos satélites espiões que hoje fotografam cada centímetro da superfície terrestre e antes, muito antes da internet que nos coloca essas imagens debaixo dos olhos, um amigo nosso nos levou meia dúzia de slides da NASA, e um deles era a primeira fotografia tirada do espaço que mostrava, do Mediterrâneo ao Mar Vermelho, essa terra que antigamente se chamava simplesmente Palestina. Da altura e do ângulo em que tinha sido tirada nada se via de ocupação humana, parecia só um pedaço de papel manilha amassado e salpicado de areia colada com grude como se usava antigamente para fazer a paisagem dos presépios em nossas casas e nem uma nuvem em parte alguma. E a minha reação e a das pessoas que estavam comigo foi exatamente - como se pode lutar tanto e tanto tempo por um lugar desses?
      E aí você vai lá e aquele papel enrugado se resolve em desertos e rios e oásis e cidades antigas e a cúpula dourada do Templo e escarpas e planícies e o espelho do Mar Morto e as águas azuis do mar e os beduínos com seus rebanhos e o monte Carmelo e o Monte das Oliveiras, e você começa a entender.

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  4. 1)Wilson está se revelando ótimo "tituleiro = jornalista encarregado de redigir os títulos das matérias" = Dicionário de Comunicação, Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Barbosa, Codecri, 1978.Parabéns !

    2) Obrigado pela bonita aula de História. Fotos nota 10.

    3)Como o assunto é pertinente, Espíritas dizem que a esposa de Pôncio Pilatos seguia os Ensinamentos de Jesus, e por isso Pilatos fez de tudo para não crucificarem o Cristo.

    4) Eita blog bom !

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    1. Wilson Baptista Junior23/03/2017, 21:47

      Obrigado, Antonio. E Pilatos ao tentar salvar Jesus dos seus acusadores deve ter pensado que era simplesmente uma questão política e não podia imaginar que havia um desígnio maior que não deixaria que ele conseguisse...
      Sabe, o único registro histórico concreto que existe da existência de Pilatos é uma inscrição numa laje de pedra dentro do anfiteatro de Cesaréia, com o nome dele e do imperador Tibério. Como as placas de inauguração que vemos hoje por aqui. Nenhum outro.

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