fotografia de Ravi Novaes |
Antonio Rocha
Em março de 2009 a
“revista ieb”, do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de
São Paulo, nº 48, dedicou, além da capa e folha de rosto, trinta e quatro
páginas sobre o trabalho de Heloisa Pires Ferreira, incluindo gravuras em metal
e bordados, e mais doze fotografias de sua produção criativa.
Os textos ficaram a cargo dos professores Leon Kossovitch e Mayra
Laudanna. Esta última foi a Curadora da exposição que a artista realizou na
Biblioteca do Estado de São Paulo Mário de Andrade, na ocasião, comemorando as
suas mais de quatro décadas de artes plásticas.
A foto que ilustra este artigo foi um painel que Heloisa pintou dias
antes da inauguração do evento.
Uma aluna de artes fez uma monografia sobre a vida e a obra da artista
plástica; a professora Marilena Chauí, da USP, já em 2003 colocava na capa de
seu livro “Convite à Filosofia” uma gravura de Heloisa, e a professora
Laudanna, em 2001, publicou um volume de bolso com depoimentos de Heloisa, mas
estes fatos iremos abordar em outra oportunidade.
Voltemos à “revista ieb”, o professor Leon escreve:
“Jubila Heloisa Pires Ferreira na fala, que, fonte, fá-la nascer: mais
que instrumento que cubra o silêncio no qual a artista se teve por muito tempo
aprisionada, a fala é o solo de que brotam os atos que a declaram liberta.
Fabulação de evento, a fala incide em duas narrativas discursivas que
preceituam a arte e a linguagem, às quais se desloca quando se ergue como
educadora na cura e na libertação. Nessa ascensão, a fala faz florescer
enunciados ficcionais que partilham com as proposições técnicas a arte e a
linguagem de Heloisa. Também é nesta fabulação que a fala expõe a artista como
dispensadora do bem, sem, por isso, retirar da linguagem a função discursiva em
que a verossimilhança técnica domina. Não se situando na derivação de uma
linguagem única que se estabeleça como primitiva enquanto discurso técnico, a
arte de Heloisa tampouco se reduz, com a fala que a envolve, a efeito ou
aplicação; quanto à inoperância de hierarquia entre a linguagem e a arte, ambas
se explicitam tecnicamente equivalentes, o que as faz espelhar-se, como
discursivas, em abismo. Entretanto, como ambas, enquanto discursividades
procedimentos verossímeis, estão separadas da fala, a fabulação, nesta, é o que
as envolve com narrações vindas de outra vertente: miraculadas em seus efeitos,
a arte e a linguagem se fazem admirar, pela fala, no gênero maravilhoso”.
O painel Constelações que ilustra a presente matéria nos lembra os céus,
o espaço sideral. Ao mesmo tempo que estrelas, pontos de luzes, explosões
galácticas giram em órbita do centro em pleno azul infinito. Podem ser flores
espaciais, cascatas derramando-se em inumeráveis brilhos, chamas, raios de
beleza. Bolas de fogo incandescente, objetos voadores não identificados. Pontos
que explodem em miríades de sóis, nebulosas, detalhes multi/polifacetados
criando-se e recriando-se, um constante surgir e ressurgir. Eis essa exposição
de Heloisa.
E o texto da revista que também teve a participação da professora Mayra
explica:
“Embora o bordado seja a arte com a qual Heloisa se inicia, é a gravura,
mais que o desenho e a aquarela, que insiste em sua fala. O devir dos bordados
cruza o das gravuras, estando ambos associados à figuração comum, assim, seus
pássaros, à diferença, decerto, dos supra-aludidos tapetes, dispensados da
figura. (...).
“A ênfase dada ao buril não apaga outras técnicas de gravação em
Heloisa: na calcogravura, a água tinta opera efeitos pictorialistas, enquanto a
xilogravura, ocasionalmente empregada com o metal, entremostra-se em efeitos
análogos na variação produzida pela impressão da superfície da placa da madeira
de fio.”
Por fim, mas nunca é o fim, Heloisa declara:
“Quando comecei pintando e desenhando – eu mexia com arte desde pequena e
pintava muito e desenhava, não fazia gravura – tinha muito a questão dos pontos
que eu fazia: dos pontos rebuscados, os detalhes de um ponto... Quando comecei
a fazer gravura, era fruto dessas pinturas que não tenho mais. Essas gravuras
eram como se fossem elétricos: tinham pontos e uma coisa de energia que ia
girando para um outro ponto, era um ponto em relação a outro ponto...”.
Um conjunto de pontos, interconectados, interativos.
1)Obrigadíssimo Mano pela oportunidade de publicamente, manifestar minha gratidão à Heloisa.
ResponderExcluir2)Qdo citei o parágrfo dela e ela fala em pontos, eu me lembrei do livro "O Ponto de Mutação", de Fritjof Capra, físico austríaco radicado nos EUA que faz uma aproximação entre a Ciência Ocidental e o Misticismo Oriental.
3)Estes pontos de transformações nos levam ao Caminho do Meio. O Ponto de Mutação é plural.
4)A Astrologia Chinesa (budista) afirma que todos nós temos uma (um) companheira (o)de Caminho, de vida.
5) Heloisa e eu somos caminhantes, aprendizes, meditantes...
Olá Antônio,
ResponderExcluirLindos que são vocês caminhantes, aprendizes e meditantes, mulher e marido!
E que foto mais catita! E que considerações interessantes pontos pintados, pontos gravados e pontos bordados. Pontos de vista? "Um conjunto de pontos"!
Até mais
1) Oi Ana,
Excluir2) Janeiro de 1972, eu era solteiro e morava no Templo Budista de Santa Teresa, RJ (tinha acabado de chegar do Gama, DF). Heloisa era a tesoureira da Sociedade Budista do Brasil.
3)Tempos depois pedi ao Buda que me trouxesse uma esposa. Em 1974 eu e Heloisa começamos a namorar e em 1978 casamos. O Buda me trouxe um Tesouro de tesoureira.
4)Desculpem os dados biográficos, é para homenagear o Dia Internacional da Mulher, amanhã.
Que lindo, Antonio! Parabéns.Fiquei emocionada com sua homenagem à Heloísa.
ResponderExcluirGostei muito do trecho em que você diz que pediu ao Buda uma esposa. Ah, que graça de acontecimento...
Simplesmente AMEI.
Ofelia
1) Obrigado Ofélia !
Excluir2)No Sutra Lótus, um texto sagrado, o Buda afirma: "Eu sou o Pai de todos os seres vivos e lhes darei tudo o que vcs pedirem".
3) Só temos que ter cuidado nesse pedir.
Com certeza não seria uma esposa, Antonio, não é pra mim essa escolha. Mas gostaria de me apaixonar por um homem (mesmo) e que ele se apaixonasse por mim. Aos 70 é tarde? Se for, que o Buda recuse o pedido. E estamos conversados. Na outra vida, quem sabe?
ExcluirIsso se eu não voltar uma planta...
Rocha,
ResponderExcluirParabéns pela esposa talentosa, pela artista, pela felicidade que ela te proporciona.
Imagino o teu orgulho, e também me alegro pelo bem que esta senhora te ocasiona e amor que a ela dedicas, em consequência.
Aliás, as esposas são todas artistas. Se não em pinturas, gravuras, escrituras, esculturas, música, na arte de manter uma família, no equilíbrio emocional, como algodão entre cristais quanto aos choques inevitáveis de opinião ou conduta que sempre acontecem nos clãs.
O meu abraço terno e de admiração à esposa, Rocha, ao mesmo tempo que, da tua parte, deves cuidar a linha tênue que separa o artista - a Heloísa -, do arteiro - serias tu, Rocha, um arteiro?
Brincadeiras à parte, meu amigo, um belo texto onde enalteces a cônjuge e sua especialidade, e que caminham unidos em busca de visões mais amplas sobre si mesmos e deste mundo.
Um abraço caloroso e forte a ambos.
Saúde e paz.
1) Salve Chicão.
Excluir2) Concordo com vc qdo diz que "as esposas são todas artistas".
3)Já fui arteiro (em termos políticos) no tempo da Faculdade. Mas hoje sou comportado, moderado, caminho do meio.
4)Eu era do Centro Acadêmico, em pleno regime militar, e tinha posturas socialistas.
Vizinho,
ResponderExcluirPra começo de conversa você e a Heloísa dão de dez a zero nos prezados acadêmicos ao falar da arte dela.
Em segundo lugar não tem cartilha , receita, escola pra casamento. Hoje chamam de "química" a compatibilidade física, sem a qual não se começa a caminhar de braços dados. Pela estrada afora a gente sabe que tem rolar muito mais "compatibilidades" e a pimenta das diferenças nesse chocolate.
É aquela velha história:
"Caminante no hay camino, se hace camino al andar"
Mas, e mais que tudo, é sempre preciso olhar para a companheira e sentir surpresa e encantamento por coisas pequenas e grandes que de repente ela realiza, faz, diz, cala, compreende , releva e que são tão perfeitas e exatas que a gente não tem como evitar a admiração e pensa como antigamente quanto ela aparecia toda formosa no portão: Putz! Essa garota é minha? Porque ela era tudo o que a gente queria e mais.
E se sentir agradecido e não saber se merece - vai ver que fomos uns caras legais nessas outras vidas das quais você entende mais que eu! - nem o que dizer e então ela que sorri aquele sorriso que começa nos olhos e pronto!
Foi isso que o seu post me passou: o orgulho que você sente da sua Heloísa e da vida que construíram juntos. Dizer o quê a vocês?
Sob um céu de "azul infinito e Constelações e pontos de luzes criando-se e recriando-se", que essa estrada seja longa, caminhantes!
Abração
1) Caríssimo Vizinho Cósmico !
ResponderExcluir2)Você falou tudo e captou a mensagem.
3)Obrigadão de coração !