Moacir Pimentel
Caravaggio - Davi com a cabeça de Golias (imagem wikimedia) |
Em 18 de Julho, 1610, um homem chamado Michelangelo Merisi
morreu na costa sul da Toscana, miseravelmente, dizem que ou envenenado por
chumbo ou assassinado. Há relatos que descrevem uma espécie de surto estranho,
um ataque fatal de impaciência e fúria, que o teria feito perseguir a pé, ao
longo da costa escaldante, o barco no qual estava a sua bagagem e que teria
zarpado antes que ele embarcasse.
O falecido tinha apenas trinta e oito anos e a
posteridade o conheceria como Caravaggio, o nome da aldeia onde nascera, no
norte da Itália, e que ele transformara em assinatura artística.
Quatrocentos e dezesseis anos depois, ele tornou-se,
segundo os especialistas, o favorito entre os velhos mestres, tendo
ultrapassado em trabalhos acadêmicos publicados nos últimos anos, até mesmo o
xará e até então insuperável Buonarroti. No último meio século, dizem, tem-se
pesquisado e escrito mais sobre Caravaggio do que sobre qualquer outro artista.
Por que o pintor italiano tem merecido tamanha atenção
acadêmica? Por causa dos detalhes sensacionalistas de sua vida é a primeira
reposta que me vem à mente. Caravaggio viveu envolvido em escândalos e inúmeras
brigas, fugiu dramaticamente da prisão na ilha de Malta, foi acusado de
homicídio e condenado à morte pelo Papa, passou anos com a cabeça a prêmio e
estava retornando a Roma para receber o perdão do pontífice quando morreu.
Mas, apesar de tudo isto contribuir para uma emocionante
biografia, tal comportamento não era tão incomum para um artista da época. O
ourives e escultor Benvenuto Cellini, por exemplo, em sua autobiografia listou,
orgulhosamente, os inúmeros assaltos e assassinatos que cometera. Tais crimes
não o transformaram, no entanto, num herói da história da arte, como aconteceu
com Caravaggio.
A razão mais profunda da popularidade do artista pode ser
encontrada na própria obra de Caravaggio. Há nela uma mistura escura de
violência e sexualidade que apela para a sensibilidade torta do nosso tempo, que
glorifica rebeldes, iconoclastas e revolucionários.
Eu escolhi a tela Davi com a cabeça de Golias na mão para
abrir o post, em primeiro lugar por que ela é um estudo da vida e da alma tortuosas
de Caravaggio e, finalmente, porque de acordo com os historiadores de arte, o
quadro seria um auto retrato duplo do pintor.
Muitos acreditam – e eu faço coro - que ambos os personagens
representavam Caravaggio. O Davi seria um Caravaggio jovem, e a cabeça
destacada e sangrenta de Golias, um Caravaggio adulto e prestes a ser derrotado
por si mesmo
Esse David que segura a cabeça do seu maior inimigo pelos
cabelos e olha para ela com uma expressão abatida, tem sido objeto de muitas
conjecturas. Alguns acreditam que trata-se de um olhar triste, compassivo e
cheio de remorso. Outros vêem um olhar de triunfo tranquilo em um rosto brilhante
em contraste com o resto da pintura.
A decisão de mostrar um Davi pensativo em vez de
jubiloso, ao fim e a cabo, criou um vínculo psicológico incomum entre ele e
Golias. Este vínculo é ainda mais complicado pelo fato de que Caravaggio, por
escrito, descreveu a si mesmo como o modelo do Golias, e afirmou que o modelo
para David teria sido "o seu pequeno Caravaggio".
Muitos especialistas acreditam que o pintor teria se
referido, nestes termos, ao jovem Cecco del Caravaggio, o assistente de estúdio
de Caravaggio que morou muitos anos na casa do patrão em Roma e que, dizem os
doutos, teria sido seu amante. Parece substanciar tal hipótese, outra frase
escrita por Caravaggio na qual se referiu ao jovem como "aquele que dorme
comigo”.
Não há outros retratos conhecidos de Cecco, o que torna
uma identificação do modelo do Davi impossível mas a intimidade sexual entre o
David modelo e o Golias pintor parece ser uma conclusão inevitável.
A arma na mão de David não é a famosa funda da história
bíblica, mas a própria espada de Golias na qual olhares mais atentos conseguiram
ler a seguinte inscrição... H-AS OS... que se acredita ser uma abreviação para
a frase latina Humilitas occidit
superbiam, para qual a tradução é A humildade matará o orgulho.
Tem sido dito que todos os pintores se retratam nas suas
obras e embora generalizações sejam via de regra bobices, aqui ela se aplica ao
Davi e à cabeça de Golias. Pois o rosto de Golias, tem uma notável semelhança
com os retratos de Caravaggio já adulto,
que contemplei tantas vezes na Galleria Borghese. No entanto, eu entendo que o
David em vez de mostrar um Caravaggio juvenil retratou, isto sim, a sua própria natureza auto-destrutiva.
Independentemente das identidades dos modelos retratados
nesta pintura intensa, a emoção nela ainda é palpável hoje. O conflito está presente
em vários níveis: entre o pequeno e o grande, o forte e o fraco, a vitória às
custas de uma vida humana e, last but not least, a derrota de um valentão por
um rapazote que sabe o que deve fazer. Isto é por demais evidente.
O interesse biográfico pela pintura adiciona outra camada
de significado para uma obra já de si complexa : o triunfo do bem sobre o mal.
Essa obra foi enviada, não por acaso ou amizade, como um presente de Caravaggio
para o cardeal Borghese, o funcionário papal com o poder de conceder um perdão
ao artista pelo tal crime de assassinato do qual fora acusado. Assim, a tela
também é interpretada como uma confissão de culpa, uma demonstração de
arrependimento e um apelo por misericórdia.
O fato é que Caravaggio
destilava suas próprias experiências no imaginário sagrado, que terminava por
transcender o pessoal para se tornar uma declaração lancinante da condição
humana. E nela sempre em destaque uma das obssessões do artista : as armas
brancas, as onipresentes facas e espadas.
E você pode ver pela forma como o carrasco segura a
espada seja na tela que abre o post, ou mais abaixo, na Decapitação de São João
Batista, ou na maneira decidida como Judite degola Holofernes que Caravaggio
sabia exatamente qual a maneira mais brutalmente eficaz para empunhar aquelas armas.
Caravaggio - Judite decapitando Holefernes / Decapitação de São João Baptista (imagem wikimedia) |
Os registros da passagem de Caravaggio pelos tribunais
italianos por arruaça, dívidas não saldadas, violência física, difamação e
assassinato, nos mostram um indivíduo sempre dominado pela própria e turbulenta
natureza, de temperamento pertubado e controverso, de reputação nebulosa e
sombria e capaz de violência letal.
Porém há uma outra razão para o fascínio que Caravaggio
exerce sobre o século XXI: ele realizou uma das revoluções mais surpreendentes
da história da arte e os seus quadros ainda hoje nos surpreendem e nos parecem
estranhamente modernos.
A violência visceral e o erotismo de seu trabalho são
apenas um aspecto do realismo extraordinário que ele alcançou. Sua pintura era
totalmente diferente da de seus antecessores e contemporâneos. Ele inventou um
mundo negro que não existia antes - certamente não em Florença ou Roma - mas na
sua negritude Caravaggio também reinventou a iluminação.
A arte de Caravaggio foi veementemente criticada, mesmo odiada,
pelos pintores mais velhos mas influenciou os jovens artistas, que o imitaram
imensamente. Como resultado desta diferença geracional de se ver o trabalho do
artista, as primeiras biografias de Caravaggio foram hostis e enfatizatam o
comportamento violento do pintor e, bem assim, as suas excentricidades.
Caravaggio não era estimado entre seus pares
principalmente por falar mal e compulsivamente de todos os pintores – os do
passado e também os do seu tempo - os quais, por óbvio, ele tinha certeza de já
ter ultrapassado.
Em outras palavras, Caravaggio comportava-se como se
tivesse feito uma grande descoberta, como se dominasse um conhecimento do qual
o resto dos mortais sequer desconfiasse.
A grande questão contra Caravaggio sempre foi o terrível
naturalismo do seu trabalho que quebrou muitas das sagradas regras de
composição renascentistas, legadas à pintura por Rafael e Michelangelo.
Algumas críticas ao trabalho de Caravaggio procedem.
É verdade que suas pinturas têm falhas que um competente
artista dos séculos XVI e XVII não cometeria. Suas figuras às vezes não
ocupavam espaços consistentes. Alguns personagens parecem ocupar o mesmo espaço
pictórico, como as três mulheres amontoadas atrás do drama principal, na obra O
Enterro de Cristo na montagem abaixo.
Caravaggio - O Sepultamento de Cristo / A Prisão de Cristo |
Não se sabe qual das figuras está mais à frente ou mais
atrás e nem a quem pertence aquela mão acima da cabeça do Cristo morto, porque
seria preciso um braço enorme para conectá-la à sua possível dona, a senhora
com a cabeça coberta por panos.
Tais esquisitices anatômicas ocorrem frequentemente no
mundo de Caravaggio : veja como o braço esquerdo de Judas é grotescamente curto
na tela à direita de nome A Prisão de Cristo.
A razão para tudo isso é evidente. Ele não usava o método
convencional para elaborar uma pintura, qual seja o de se desenvolver uma
composição idealizada através de uma série de desenhos prévios dos seus
personagens que em seguida eram rabiscados na tela, um a um. Caravaggio não
desenhava, ou se o fazia, nem um único de seus desenhos sobreviveu.
Em vez, ele trabalhava diretamente na tela, transcrevendo
da realidade, com manchas, deformidades e imperfeições e, inclusive, os famosos
pés sujos dos seus modelos, um detalhe que enfurecia seus críticos.
As únicas marcas preparatórias que Caravaggio fazia numa
tela eram linhas ásperas de contorno que podem ser comparadas com aquelas marcas
de giz usadas pela polícia para marcar, no chão da cena de um crime, o local
exato onde um corpo fora encontrado.
É interessante observar ainda que desde os seus
primórdios ele usara nos seus espaços pictóricos uma única e forte fonte de luz
que iluminava suas figuras contra a escuridão, como se elas estivessem num
palco de teatro, iluminadas por um único refletor.
Tais características da imensa obra de Caravaggio são
indícios de que ele usava um dispositivo, um equipamento óptico com espelhos
e/ou lentes, que projetariam numa tela uma a uma, personagem a personagem, não
apenas as imagens e formas mas também as cores dos seus modelos, até reunir
todas elas no conjunto pretendido por seu tema. Em outras palavras, os
historiadores da arte desconfiam que Caravaggio usava um tipo de câmara escura.
E o que era uma câmara escura?
A câmara escura, que os filósofos
gregos já descreviam no século IV A.C., nada mais era do que um compartimento
fechado - uma caixa ou um quarto - com um pequeno orifício ou uma janela em um
de seus lados. Quando os raios de luz entravam por esse buraco, produziam no
lado oposto uma projeção invertida da imagem exterior. Para tirar proveito
desse fenômeno óptico, alguns artistas usaram um quarto como uma grande câmara
escura e, aos poucos, foram aperfeiçoando o método com o uso de lentes e
espelhos.
Ora, uma grande inovação tinha
ocorrido, sim, na pintura no início do século XV, com a invenção da perspectiva
linear, que permitiu aos artistas colocar em escala as pessoas, objetos e
outros elementos como lhes pareciam quando olhados a partir de um único ponto.
Mas a perspectiva linear não
explica as sombras, dobras e brilhos encontrados nas pinturas a partir de 1430.
A grande inovação técnica no início do século XV, segundo os especialistas, foi
a descoberta pelos artistas de como utilizar lentes e espelhos adaptados a uma
câmara escura e, assim, criar imagens fiéis da realidade.
O artista medieval ou
renascentista não procurava representar o mundo de um modo diferente do que ele
o enxergava e suas obras representavam a realidade. Ou melhor, suas pinturas
eram a realidade.
Por isso qualquer instrumento ou
artifício que surgisse e permitisse ao artista retratar o mundo da maneira mais
fiel possível não seria desprezado. O pintor que, de repente, conseguisse
retratar com perfeição jamais vista, a beleza da esposa de algum poderoso, por
exemplo, ou os príncipes da Igreja, passaria a atrair toda a atenção para si e
choveriam encomendas para o seu atelier.
Daí, talvez, todo o segredo em
torno do assunto e a consequente falta de registros escritos das técnicas
ópticas usadas embora a câmara escura já tivesse sido fartamente documentada na
época.
A pergunta é: os pintores e entre
eles Caravaggio conheciam esses instrumentos e técnicas no início do século XV?
Parece que sim. O conhecimento, à
época, estava concentrado nas mãos do mesmo grupo ao qual pertenciam artistas,
cientistas, religiosos e a realeza. Além disso, os retratos desse tempo, apesar
de pintados por vários artistas e em vários países, são estranhamente
semelhantes entre si. Tais obras tinham algo em comum: os retratados nelas
apareciam como se tivessem sido observados através de uma janela, ou através de
uma abertura numa das paredes de uma câmara escura.
Nesse conjunto de possíveis obras
de arte “coladas”, encontra-se – pasme! – até mesmo a Mona Lisa de Leonardo da
Vinci, que deixou em seus cadernos inúmeras anotações sobre projeções ópticas e
experimentos realizados em uma câmara escura, além de ter inventado uma máquina
para esmerilhar e polir espelhos côncavos. Prato cheio para as teorias de como
os artistas moviam as lentes e espelhos para conseguir o foco sobre a área
desejada e, nesses movimentos, como dominaram as perspectivas.
Da mesma maneira, os pintores
poderiam construir a cena que queriam retratar a partir de janelas de imagens
parciais. Uma colagem de vários elementos formando uma imagem maior. A
habilidade do artista seria apenas nos convencer de que tudo fora colocado em
um mesmo espaço de forma coerente.
Mas como foi que Caravaggio entrou
nesse jogo dos espelhos mágicos?
Em algum momento do século XVI, as
lentes convencionais adquiriram tamanho e qualidade suficientes para substituir
o espelho côncavo, trazendo a grande vantagem de um campo de visão mais amplo.
Caravaggio é o mestre dessa transição e a história documenta espelhos em meio
aos pertences do italiano. Além disso, Caravaggio tinha como patrono o cardeal
Del Monte, notável conhecedor de assuntos ópticos pois chegara a orientar
Galileu sobre o aperfeiçoamento do telescópio.
Tem mais. Parece comprovar a teoria da câmara escura o fato do seu
uso por artistas ter sido defendido em 1584 pelo escritor italiano Giambattista
della Porta. Sucede que Della Porta se relacionava muito bem com o patrono de
Caravaggio, o onipresente Cardeal del Monte.
Eu imagino que, no início do século XVII, tais métodos e
imagens devem ter causado tanta admiração e espanto quanto os filmes 3D fizeram
quando nos deram o ar da graça deles. Porém o tema era perigoso e Della Porta
viu-se diante da Inquisição e teve os seus livros proibidos na década de 1590.
Não nos esqueçamos que em 1600 Giordano Bruno foi queimado vivo em Roma, em
parte por suas atividades científicas.
Então se Caravaggio fazia uso de tais métodos, não
comentou o assunto nas mesas dos bares romanos ou fez anotações que o pudessem
incriminar. Acredita-se que, por volta de 1590, Caravaggio recebeu sua primeira
lente do Cardeal e que teria sido ela, associada a um espelho para recolocar as suas imagens de cabeça para cima que, gerando imagens invertidas, foi
responsável pelos canhotos que passaram a povoar as obras do artista: homens
erguendo seus copos e suas espadas com a mão esquerda.
Note como a iluminação é forte e
claramente artificial nas obras de Caravaggio. Os ambientes retratados são
escuros, aposentos com as janelas fechadas que recebem iluminação de uma única
fonte, cuidadosamente montada de acordo com a cena a ser retratada. Tal fonte
de luz, mas do que um estilo seria uma necessidade para que os fenômenos
ópticos pudessem ser utilizados pelo artista.
Se tal hipótese for verdadeira a obra de Caravaggio teria
sido uma espécie de colagem de closes quase fotográficos, o que, na verdade, é
exatamente o que ela parece ser.
Ainda que
as pesquisas apontem para o uso de artifícios ópticos, isso não tira a
qualidade de um mestre como Caravaggio. Porque a mágica da óptica não fazia
marcas nas telas, apenas produzia uma imagem, uma aparência, uma pista para
medidas das figuras. Foi preciso grande habilidade técnica para transformar
aquelas imagens em tintas.
A possibilidade da utilização de uma câmara escura por
Caravaggio é altamente controversa e divide os especialistas. Aceitar isso como
método seria uma mudança de paradigma na História da Arte. Muitos sentem que se
os velhos mestres trabalharam assim, fomos traídos. Outros entendem que se
Caravaggio usou mesmo de tais recursos ele foi criativo, e que o uso dos
espelhos foi apenas um jeito diferente e inteligente para criar imagens
poderosas.
Não há batom nessa cueca, no entanto. E sem as provas do
crime nunca saberemos com certeza como era o processo criativo de Caravaggio,
mas a hipótese da camera escura explica muito sobre a obra e da vida, sobre o
aroma de mistério e enxofre que pairava sobre sua reputação, por exemplo.
Ainda na
primeira metade do século XIX rolou nova mudança na vida que afetou a arte.
Descobriram como fixar através de um processo químico a imagem produzida por
uma lente poderosa. Surgia a fotografia. Embora restrita aos mais abastados, a
fotografia suprimiu a necessidade da mão do artista para representar o mundo
real.
Como
competir com a exatidão daquela imagem?
Não por
coincidência, surgiu a pintura de vanguarda, para mostrar além do que a nova
lente podia revelar. Manet, Cézanne, Monet e Van Gogh buscaram representar o
real por meio do sentimento. Os cubistas desconstruíram a imagem real. A
desarmonia retornou e os artistas passaram a oferecer um modo alternativo de
olhar.
A
invencível imaginação e a mão livre do artista estava novamente presente -
graças a Deus! - retomando seu lugar na história da arte.
Interessante o artigo, Moacir. Entendi que era como se ele decalcasse mas não acho que isso tire o valor do artista. A camera escura foi apenas uma nova tecnologia e sem talento não teria adiantado de nada. Se projetarem em 3D na minha frente uma casinha básica eu continuo incapaz de pintar outra kkk
ResponderExcluirMônica,
ExcluirConcordo com você que o talento de Caravaggio ninguém vai perder tempo discutindo e , com certeza, sem as tecnologias não teríamos saído das cavernas. Nada contra! Mas o uso da câmara escura criou um atalho na arte dele, poupando-o de fazer esboços para as figuras das cenas que retratou. Eu acho certos esboços preparatórios -os de Leonardo , por exemplo - mais belos do que as próprias pinturas. Lamento que Caravaggio não tenha desenhado mais.
Abração
Em 1972 a Abril Cultural formou equipes de vendas pelo Brasil para oferecer ao público as coleções desta renomada Editora.
ResponderExcluirHistória Universal, Conhecer ... e havia uma coleção cuja capa era de couro marrom, papel couchê, que se chamava Gênios da Pintura!
Lamentei não tê-la adquirido à época, quase meio século atrás.
Por uma dessas agradáveis surpresas do destino, eis que venho conhecer Pimentel em um blog sobre política, e depois viemos ambos para este paraíso cultural, Conversas do Mano.
Bom, quero dizer que Pimentel está compensando sobremaneira eu não ter esta obra na minha prateleira de livros, pois os seus artigos sobre essas genialidades na escultura e pintura são expostas com tantos detalhes e pormenores que, ao guardá-las em arquivos especiais, certamente estou enriquecendo a minha humilde biblioteca, e justamente com informações preciosas sobre esses tipos de arte, que revelam a criatividade humana e sua excelência no uso da mente e das mãos, que realizam, concretizam a imaginação primorosa dessas pessoas excepcionais, maravilhosas, esses gênios humanos!
Dito isso, mais uma vez agradeço ao notável crítico de artes Moacir Pimentel, que enaltece este extraordinário blog do Mano, e contribui de forma esplendorosa para que as pequenas e simples bibliotecas tenham esses artigos tão bem feitos e apresentados pelo amigo Pimentel, repito.
Um grande abraço.
Saúde e paz!
ExcluirBendl,
Eu lembro dessa coleção da Abril Cultural de nome Gênios da Pintura, mas rolou antes dela uma outra - não lembro a Editora - que foi publicada em fascículos semanais que vinham pelo correio e pelos quais, ainda garoto, eu esperava ansioso. Os meus desenhos mudavam conforme o artista da semana.(rsrs)
Obrigado pelo comentário.
"SAÚDE E PAZ"
Moacir,
ResponderExcluirJá estive diante desta obra de arte de Caravaggio na maravilhosa Vila Borghese de Roma. Lá estão vários quadros dele entre eles o de São Jerônimo inacabado e um trabalho diferente de qualquer outro que já vi de Nossa Senhora pintada com Santana o Menino Jesus e uma serpente. Gostaria muito de ler sua opinião sobre a esta Nossa Senhora. Adoro estes detalhes interessantes que você menciona como as pessoas canhotas e os braços desproporcionais. Mas fiquei um pouco decepcionada com as coladas travessas dos artistas com os espelhos. Um abraço para você.
Flávia,
ExcluirComeço pelo fim: não se decepcione jamais ao descobrir os limites de um gênio. Isso só os faz mais próximos de nós: humanos.
Folgo em saber que você aprecia os "detalhes" desimportantes das obras sobre as quais escrevo. Confesso que às vezes me pergunto se vocês não estão cansados das minhas "artes" prediletas.
Eu rascunhei outros artigos sobre a obra e a vida de Caravaggio que já se encontram com nosso Editor e, em um deles ,
"converso" sobre a tela a qual você se refere de nome La Madonna dei Palafrenieri. Peço-lhe portanto para aguardar um pouco e para continuar lendo (rsrs)
Obrigado pela leitura atenta e comentários.
Outro abraço para você
Olá Moacir,
ResponderExcluirBela aula para variar.
Interessantes as considerações sobre câmera escura, imagens invertidas e representações canhotas. E a "tal fonte de luz, mais do que um estilo seria uma necessidade". Não importa, o resultado é lindo!
Numa exposição e palestra sobre Caravaggio na Casa Fiat de Cultura opalestrante disse que o artista foi um dos primeiros a retratar a dor , no quadro Rapaz Mordido Por Lagarto.
Nessa época a dor tinha um conceito diferente , fazendo parte do cotidiano, uma vez que não havia analgésicos. E, por isso, não era retratada.
Concorda?
Até mais.
1)Bom texto, observo que, a escrita de Pimentel fica completamente solta e maravilhosa, quando ele vai falando de Arte.
ResponderExcluir2)Penso que a Arte pode, como um todo, nos ajudar a atravessar esse turbulento período que estamos estamos atravessando enquanto Brasil e Mundo.
3) Lembrei de um professor na Faculdade, ele era "apaixonado" por Caravaggio, e nas aulas sobre Decadentismo, fazia-nos também gostar muito do pintor Caravaggio ...
Antônio.
ExcluirÉ bom escrever sobre o que gente aprecia. Mas melhor ainda é ser lido. Difícil encontrar esse caminho do meio. (rsrs)
Também acredito que as artes ajudam a ABSTRAIR, a navegar num contexto mais amplo e a ver saídas alternativas ao fim do mundo anunciado todos os dias no café da manhã.
Quanto a Caravaggio ele pode ser visto como o decadente primordial sim e seguido por muita gente boa que apreciamos:
"Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam — se o fazem — não violentas
Almas danadas, mas apenas
Homens ocos
Homens empalhados."
TS Eliot - Homens Ocos
"Obrigadíssimo"
Donana,
ResponderExcluirConcordo com a contextualização da dor no século XVI feita pelo palestrante da Casa Fiat de Cultura. Aliás é complicado imaginar o mundo sem analgésicos!
Quanto à dor aí do Menino Mordido Por um Lagarto, para começo de "conversa" Caravaggio pintou-a não em uma mas em duas telas praticamente iguais: uma delas mora na Longhi em Florença, a outra na National Gallery de Londres. Ambas foram pintadas na última década do século XVI enquanto Caravaggio tinha como mecenas o Cardeal Del Monte e pintava para provocar, divertir e agradar o seu círculo.
Baseados na lógica somos levados a acreditar que, em primeiro lugar, o tema repetido deve ter agradado aos príncipes da Igreja e, em seguida, que o gosto pela pedofilia dos mesmos, infelizmente, não mudou muito nos últimos séculos.
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c7/Caravaggio_-_Boy_Bitten_by_a_Lizard.jpg
Caravaggio pintou a realidade e a vida com todos os seus sórdidos detalhes - os meninos de rua romanos com as unhas e os pés sujos que se prostituíam - e o que vemos nessa obra de arte é um deles fantasiado e às voltas com emoções agudas - surpresa e nojo e dor - no choque do seu dedo sendo inesperadamente mordido pelo lagarto.
O rosto do moleque é um estudo dessas emoções e as frutas e o vaso de flores são também observações contundentes. Aí estão presentes o belo claro-escuro e o realismo físico de Caravaggio e um simbolismo sexual complexo, muito do agrado do então público do artista : o ombro descoberto e a rosa atrás da orelha do menino afeminado indicam vaidade e o desejo de ser visto e admirado, as cerejas simbolizam a luxúria sexual, o terceiro dedo tinha o mesmo significado que tem hoje e o lagarto é uma metáfora fálica. A interpretação mais comum, portanto e "respeitosamente" como diz o vizinho Antônio, é a de um menino tomando consciência, com um choque, da dor do sexo entre iguais.
Considerando a abundante flora e frutos comestíveis à mesa e lembrando da árvore do conhecimento , a visão homoerótica é mais do que razoável mas de forma alguma deve ser a única.Talvez essas pinturas dêem testemunho da capacidade intelectual do artista, da habilidade que ele tinha de manipular símbolos e imagens não só para aludir, mas também para recriar um contexto mais amplo que apela à condição humana, permeado pelas suas próprias violência e instabilidade.
Talvez haja nas obras de arte um relato mais amplo da perda simbólica da inocência ao experimentar uma dor súbita ou uma perda inesperada, uma justaposição dinâmica da ignorância e do conhecimento- simbolizado aí pelo vaso que serve como um espelho, o objeto que então representava o conhecimento - uma cena na qual alguém encontra o lado doloroso da vida ou do mundo e então retrocede, tomado de surpresa.
Seja como for e na minha opinião, a surpresa mais do que a dor é a emoção maior nessas tintas. É o elemento de surpresa aquilo que nos permite interpretar a reação do garoto.
"Até mais"
Adoro aulas particulares!
ExcluirGrata.
Até mais.