fotografia Liang Cheung (USAF - Wikimedia commons) |
Antonio Rocha
Veja no magnífico Dicionário Houaiss o vocábulo gol, entrou para a nossa
língua portuguesa em 1904. Mestre Houaiss esclarece quanto ao plural: “gols é
um barbarismo consagrado pelo uso”.
Já outro mestre, Aurélio, em seu também excelente Dicionário ensina que
“barbarismo é erro de pronúncia, grafia, forma gramatical ou significação”.
Interessante que todo mundo lê, fala, escreve, comenta os “gols da
partida” e ninguém fica escandalizado.
Ainda sobre o plural de gol, o Dicionário Aurélio afirma as duas formas
certas: “gois e golos. É incoerente o plural gols, para uma palavra
aportuguesada. Contudo, parece-nos difícil que se venha a fugir desse
barbarismo, tão arraigado está”.
Para colocar mais lenha nessa fogueira do barbarismo, os professores
gaúchos Édison de Oliveira e Maria Elyse Bernd, em “Escreva Certo”, L&PM
Pocket, 2002, explicam:
“O vocábulo inglês goal, há muito tempo, foi aportuguesado para gol (ou
golo). Mas... e o plural?
Goles, gois, golos ou gols?
Todas essas formas, exceto a última, são coerentes com os processos de
formação do plural segundo nossa gramática. Goles ajusta-se à norma pela qual
substantivos terminado em L podem formar o plural com o acréscimo de es.
Exemplos: Cônsul, cônsules; mal, males; gol, goles.
Gois enquadra-se no princípio de acordo com o qual os substantivos
terminados em L também podem formar o plural em ois. Exemplos :
farol, faróis; álcool, álcoois; gol, gois.
Golos, supondo-se para o singular a forma golo, é também perfeitamente
aceitável. Exemplos: rolo, rolos; bolo, bolos; golo, golos.
A única forma incoerente em relação à nossa tradição gramatical é,
infelizmente, aquela que o uso consagrou: gols. Em Português é tão absurdo
dizer gols como dizer farols e álcools. Entretanto, esse fato está tão
arraigado em nossa língua, que será muito difícil superá-lo. (páginas 83 e
84)”.
Como dizia o grande poeta Manuel Bandeira (1886-1968): “a língua certa
do povo, a língua errada do povo”.
Pensando nisso, escrevi os versos abaixo:
Carta aos Gramáticos
Queridos
gramáticos:
Como
os senhores bem sabem
Não há
jeito que dê jeito
Da
gente falar direito.
É
tanta regrinha
Impossível
gravar
Ninguém
mesmo usa
Na
hora de falar.
Os
senhores também sabem
Que o
falar muito varia
De
pessoa, de lugar
Da
noite para o dia.
Por
que essa fixidez?
Normas
tão duras!
Não é
uma beleza
O
falar das ruas?
Seja
lá o que for
Fenômeno
ou evolução
É
falar e ouvir
Criar
a oração
Então,
essa tal de
Louçania
da linguagem
No
fundo, no fundo
Me
cheira a bobagem
Pois
como disse Manuel Bandeira:
“A língua errada do povo.
A língua certa do povo”.
Não me
levem a mal, mas
Não
sejamos radicaes
Nem
tantas, nem tão poucas
Convenções
gramaticaes
Gramática
e cachaça*
É tudo
uma coisa só
Queridos
senhores
De
nós, tenham dó.
Não
adianta fardão
Sem
ser, erudito,
É o
povo quem decide
É só,
tenho dito.
(*) Sinônimos, conforme “Dicionário Aurélio Século XXI”.
Muito legal este teu artigo, Rocha, e instrutivo!
ResponderExcluirAqui, no RS, usamos o plural correto, golos, apesar de ser divertida a pronúncia.
- Chê, quanto tá esta peleia?
- Bah, mas tá três golos a zero!
O melhor tem sido evitar dizer gol:
- Chê, quanto tá este troço?
- Nem te falo, cinco a zero, mas que barbaridade!
Um abraço, Rocha.
Saúde e paz.
1) Chicão, bom saber que os gaúchos fazem a pronúncia correta !
Excluir2)Um Brasilzão com pequenos Brasis espalhados por aí.
3)Abraço amigo !
Os versos são seus, Antonio? Não entendi bem. Ou do Bandeira?
ResponderExcluirGramaticaes e radicaes me dizem que são dele.
Sejam de quem for, o autor está corretíssimo. E é gols. "É o povo quem decide
É só, tenho dito."
Adorei saber dessa pendenga, que nunca havia chegado aos meus ouvidos ou aos meus olhos.
Parabéns, Antonio.
Até
Ofelia
1) Oi Ofélia, os versos são meus. Eu aproveitei a frase do Manuel Bandeira: "A língua errada do povo, a língua certa do povo" e poetei.
Excluir2)Fiz uma licença poética e utilizei o português arcaico: "gramaticaes e radicaes".
3) Vez por outra, cometo poesias !
Então agora eu posso dizer que você foi fundo, e criou belamente.
ExcluirFicou mais que lindo, Antonio, belamente lindo.
Nossa!, pra dizer a verdade, fiquei impressionada com seu talento para poetar.
Sugiro apenas que você acrescente Antonio Rocha, lá em cima, antes do início do poema, mesmo você tendo escrito que escreveu os versos abaixo. Melhor não deixar dúvidas.
Que graça que ficou. E dentro do tema com total propriedade.
De novo, parabéns, Antonio.
É, aqui só tem artistas...
Abração de parabéns
Ofelia
1) Gratidão por suas palavras amiga Ofélia !
Excluir2)Obrigado pela sugestão de incluir o meu nome no início, vou atendê-la.
3)Saudações Poéticas !
Antônio,
ResponderExcluirÓtimo texto! Os portugueses se maravilham com a nossa inventividade ao falar a língua deles, com os sotaques , as expressõe ,as gírias, as maluquices beleza, a desarrumação idiomática. Viva Guimarães Rosa!
Mas não abrem mão de se expressar em português castiço e objetivo, literalmente , com a lógica que os caracteriza. Eu hoje - confesso - muito aprecio ouvir a língua mãe sem ser assassinada a cada pensamento e as criançinhas de quatro anos me dizendo que estou "equivocado", para variar a toada.
Sacumé: geral dizeno "noís vai caí matano" é dose, mermão!
Uma das coisas intoleráveis para um tuga da gema é o tal do estrangeirismo . Eles simplesmente deletam anglicanismos e francesismos sumariamente e sem piedade. É só assistir a transmissão de um jogo do Campeonato Português - um Porto X Benfica no EI, por exemplo - para entender do que estou falando.
Traduzindo: golo é gol, canto é escanteio, grande penalidade é penalty, guarda-redes é goleiro, pontapé de livre é falta fora da aérea e pontapé de baliza é tiro de meta , score é marcador por aí vai.
"Tá ligado, bro"?
Abraço
1)Isto é muito giro "pá" !
Excluir2)Uma época queriam criar a língua brasileira, mas não foi adiante.
3) E como o Brasil é um país atípico, nessa peleja do gol, venceu mesmo o estranho "gols".
"Touché"!(rsrs)
ExcluirOlá Antônio,
ResponderExcluirAdorei tudo , da total novidade para mim aos seus versos! Deve continuar .cometendo.
Mas nos meus quase 68, quase já não sou mais uma velhinha em formação, vou continuar com os gols.
Quanto aos goles, sempre!
Quanto aos golos, vou perguntar para o Bendl se ele topa fazer uns em anarquia!
Parabéns
1)Pois é Ana, este blog importante do seu marido tem marcado muitos gois...
ResponderExcluir2)Parodiando o Jorge Benjor: "Blog Maravilha nós gostamos de vc, blog Maravilha faz mais gois pra gente ver".
Artigo interessantíssimo, e concordo com a Ana, muito bem finalizado com seus versos. Parabéns!
ResponderExcluir