Vincent van Gogh - Deux Amants (estudo, 1888 - imagem wikimedia commons) |
Francisco Bendl
Completo este ano quarenta e sete invernos de casado! Uma vida.
Uma união estável, sólida, enraizada profundamente na verdade,
sinceridade, e sem segredos de ambas as partes.
O tempo que estamos juntos trilhou o nosso caminho do diálogo, da
compreensão, aplainando arestas, asfaltando o terreno, e deixando as curvas
menos fechadas e mais fáceis de serem feitas.
Diante dessa estrada segura, bem estruturada, a comunicação com a minha
esposa e dela para comigo tem sido quase que por telepatia, pois muitas vezes
sabemos o pensamento de um e outro, o que se precisa em casa, o que ela quer, o
que me pediria.
Viver casado e desta forma é um paraíso, onde as conversas são inteligíveis,
apesar de se usar meias palavras mas, para um bom entendedor...
Nosso modo de estabelecer uma conversa saudável, franca, iniciou em
plena Lua de Mel, e logo após a primeira noite!
- Chico, meu querido, tu fazes o café ou
também não sabes nem isso?!
Passei a notar ultimamente que a Marli se preocupa até hoje com a minha
profissão, por exemplo:
- Chico, por que não vais plantar
batatas?!
Certamente ela demonstra o desejo que eu fosse agricultor.
Não tendo sido eu agricultor, ontem ela deu a entender que gostaria que
eu fosse explorador!
- Chico, vai catar coquinho no asfalto!
Agricultor, explorador... semana passada ela me deu uma pista que me
chamou à atenção, ser pecuarista.
- Chico, vai amolar o boi!
Amolar o boi, como se faz esse negócio, pensei com os meus botões!?
E como gosta de brincar de esconde-esconde:
- Chico, vê se estou na esquina!
Uma preocupação que ela tem comigo e até na frente de meus amigos e
estranhos é com a minha higiene, pois ela seguidamente pede:
- Chico, vai tomar banho!
- Marli, já tomei um há pouco!
- Não importa, toma outro, então!
Assim, a nossa relação tem sido exemplo de um casal que se cuida
mutuamente, se protege e se quer bem.
E tem sido tão insistente essa atenção que ela tem a respeito de que eu
não seja um aposentado que vai jogar damas nos bancos da praça da cidade, que
hoje ela foi enfática:
- Chico, por que não morres?!
Ou seja, ela gostaria que eu estudasse filosofia, metafísica,
metempsicose, epistemologia.
A minha mulher é mesmo adorável!
Afora esta preocupação com a minha profissão ou que eu não pare, que faça
algo, naturalmente ela fica apreensiva com o meu descanso:
- Marli, boa noite.
- Boa noite, Chico. Bem que poderias
dormir para sempre, né?!
Essas gentilezas, precauções, receios, têm suas razões. A minha esposa
sempre foi religiosa, não uma carola, fanática, mas crente em Deus.
Dia desses conversávamos sobre o temperamento de nossos filhos, e ela
comprovou a sua fé, que me deixou emocionado:
- Chico, graças a Deus que MEUS filhos não
puxaram a ti. Obrigada, meu Bom Senhor!
Eu sempre tive pela cônjuge uma grande admiração pela sua capacidade de
causar surpresas, de me deixar perplexo, de me surpreender.
Ela faz um jogo fantástico, que não consigo descobrir como que ela
mantém essa inteligência inata para me deixar com a pulga atrás da orelha.
Volta e meia ela me provoca:
- Aonde fui amarrar o burro!
E ela quer que EU saiba?!
Como ela é
divertida!
A Marli sempre foi exemplo de relação amistosa, de se dar bem com as
pessoas, aceitá-las como elas são, respeitá-las, e conseguiu ao longo da sua
vida o devido reconhecimento desta qualidade de pacificadora que tem consigo:
- Chico, vê se me deixa em paz!
Gosto muito de provocá-la pedindo comidas especiais. Claro, faço para
brincar porque não gosto de vê-la me atender os desejos, que imediatamente ela
estaria disponível em ver a minha alegria:
- Marli, bem que eu queria para o almoço...
- QUÊ??!!
- Aquilo que fizeres, meu bem!
Devo ser compreensivo nesses casos, e não exigir tratamentos especiais,
pois eu ficaria constrangido pela sua aflição em cumprir com as minhas
vontades.
Agora, a Marli se revela na sua inquietude comigo com relação à minha
diversão quando somos convidados para um aniversário, casamento, uma festa.
Ela me faz uma série de advertências, todas com o intuito de eu
aproveitar as efemérides da melhor forma possível:
- Chico, presta atenção, por favor:
Lembra, homem, vamos a uma festa! Nada de relatares as tuas histórias de
viajante; nada de me contares aquelas piadas indecentes; nada de dares as tuas
gargalhadas, que se ouve do outro lado da rua; nada de provocares os magros
porque és gordo; nenhuma gota de álcool na boca; não te empanturres de
refrigerante; não me detonas com os pasteizinhos; não te atraca nos doces; não
me peças à dona da casa se ela fez maionese; nada de falares de corridas de
carros e, principalmente, eu te proíbo de discutires sobre futebol e política!
- ??!!
- Nós vamos nos divertir!!!!
Deve ter sido na quarta ou na quinta-feira passada, que a Marli me fez o
maior elogio que eu poderia receber depois de quase meio século casado com ela!
- Chico, queres saber de uma coisa?
- Sim, amada, do que se trata?
- Tu és um homem imortal!
- Eu?! Por quê?
- Porque não tens onde cair morto!
1) Belo texto Chicão. Parabéns. A leitura flui célere.
ResponderExcluir2) E uma agradável ponta de humor.
3) Continue escrevendo assim !
Rocha, meu caro,
ExcluirLonge de mim tentar apresentar textos sérios, com essências informativas e dramáticas, narrativas irrepreensíveis, optei pela diversão, até o nosso Mano concordar com estas forma "literária" no seu extraordinário blog!
Obrigado pelo comentário.
Um forte abraço.
Saúde e paz!
Francisco Bendl, amigo temerário,
ResponderExcluirMeu sogro a isso chamava de cutucar a onça com vara curta!
Te cuida che!
Em caso de sobrevivência, até mais.
Aninha,
ExcluirQuando a Marli deu de olhos neste relato, ela só exclamava:
- Mas eu nunca disse isso; eu nunca falei assim; jamais eu me dirigiria a ti desta forma!
- Sim, perguntei, e como seria então?!
- Pega a tua trouxa e te manda!!!!
Aninha, a onça é feroz, pequena, mas eu sou um leão, e a domino fácil (evidentemente esta parte ela não leu e nem tomará conhecimento)!
Grato pelo comentário, colega dissidente.
Um grande e afetuoso abraço.
Saúde e paz, extensivo aos teus amados.
Chicão,
ResponderExcluirConfesso: RI ALTO dessa obra de ficção. Tiro o chapéu para o articulista e para a sua senhora: para ser colocada na berlinda desse jeito deve ter um enooooorme senso de humor.
Mas, aqui entre nós e baixinho e abaixo o patrulhamento conjugal a personagem tem um tantinho de razão :
"Não te empanturres de refrigerante; não me detonas com os pasteizinhos; não te atraca nos doces; não me peças à dona da casa se ela fez maionese." (rsrs)
Abração
Meu caro Pimentel,
ExcluirAtingi a fase onde agora sou bombeiro, e não mais incendiário.
E concluí que o humor deve ser prioridade nesta reta final da vida.
Sabe, levar mais na flauta, na esportiva, como se dizia, na "maciata".
A Marli se espanta como tenho coragem de publicar as minhas bobagens, mas ri da situação, pois já houve momentos de nós quebrarmos os pratos e, no dia seguinte, de bumbum para cima catar os pedaços para colá-los.
Agora, essas advertências quando somos convidados para uma festa são verdadeiras, e daí para pior!!!
Mas a vida tem, sido boa, com conforto, segurança ... apesar de se discutir quem será cremado, enterrado, embalsamado, quem irá escolher a criogenia ..., já se debate essas questões, meu!!!
Grato pelo comentário.
Um grande abraço.
Saúde e paz.
Chicão, fiquei curioso: futebol e política, tudo bem, entendo e concordo, mas aí nos teus pagos corridas de carros também provocam brigas?
ResponderExcluirDivertidíssimo! Mas, a Dona Marli o que achou?
Um abraço do
Mano
Wilson,
ExcluirComo o pessoal sabe que sou um conhecedor de carros - e se trata de uma única questão que não sou nada humilde, mas absolutamente verdadeiro quanto à minha forma de dirigir como um motorista de exceção -, a turma que vem com lero lero eu descarto. Volta e meia, portanto, um bate boca é natural, ainda mais sobre pneus, combustível, veículo rebaixado ... essas coisas.
E, no meu RS, se tu não és gremista és do Inter, então o pau pega solenemente. E sobre política, então, nem preciso te contar.
Obrigado pelo comentário, meu caro.
Um forte a amistoso abraço.
Saúde e paz.
Bendl, muito rico este diálogo conjugal entre você e Marly. Uma perfeita simbiose! Parabéns.
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