Ilustração de W. Heath Robinson para o livro The Water Babies, de Charles Kingsley (1915) |
Antonio
Rocha
O tema de hoje é delicadíssimo. Sou budista, portanto, a favor da vida,
sou contra o aborto, mas não condeno (quem sou eu?!) os casais que por algum
motivo o fizeram. Faço orações para os três envolvidos na questão: o pai, a mãe
e o feto abortado.
O Budismo japonês tem uma prática interessante na área: é a “Cerimônia
das Crianças de Água”. Com toda solenidade, respeito e reverência, sem criticar
ninguém, perante o altar de Buda, os pais do feto abortado escolhem um nome para
a criança espiritual, não importa há quanto tempo tenha sido o aborto. É feita
uma “Certidão de Nascimento” como se tivesse nascido o feto. Não sabendo o
gênero do bebê, se homem ou mulher, geralmente recomenda-se nomes que sirvam
para os dois gêneros, muitos casais usam nomes de plantas, de árvores, de aves,
de montanhas, da natureza.
A cerimônia pode ser realizada pelo casal, se ainda estiverem juntos, ou
só por um dos pais. Às vezes marcam o sagrado momento em placas de madeira
escrevendo o nome do “Ser” que está sendo batizado espiritualmente e a
“tabuleta de madeira” como chamam, fica eternamente no altar da família, ou em
um templo que se permita.
Em japonês o ritual é conhecido como “mizuko kuyo” que podemos traduzir
como “serviço religioso pelas crianças de água”.
Confirme no ótimo livro Religiones de Japon, de Michiko Yusa, ediciones Akal,
Madrid, 2005, 128 páginas. A autora é professora da Western Washington
University, USA.
Depois da Cerimônia o casal pode declarar, por exemplo: “Temos dois
filhos encarnados e um no plano espiritual”. E dali por diante, o Ser
Espiritual passa a fazer parte “oficialmente” da família. Recebendo sempre as
orações e reverenciando-se a possível data natalícia, é só fazer os cálculos.
Há quem afirme que isto pode ser um mero paliativo, contudo, vemos que a
cerimônia ajuda muitíssimo as famílias envolvidas.
Falando nisso, um caso parecido: era um jovem casal, moram até hoje em
uma cidade do entorno no DF. Logo que casaram veio a gravidez e foram
informados de que o feto tinha grave síndrome (não lembro o nome), se nascesse,
não falaria, teria os braços e pernas defeituosos e provavelmente viveria muito
pouco, talvez dois anos no máximo.
Estes conhecidos são espíritas, kardecistas convictos e portanto, contra
o aborto. Disseram para os médicos que não iriam tirar a criança, queriam vê-la
nascer e seria tratada com todo o carinho.
Como previu a Ciência, a menina não falava, ficou até os treze anos,
quando faleceu recentemente, em uma cadeira de rodas.
No começo os freqüentadores do Centro Espírita se cotizaram, compraram a
cadeira de rodas para o casal que não podia, e sempre que a criança ia ao
médico arranjavam um carro ou bancavam um táxi.
Se estava prevista para só viver até os dois anos, o carinho da família
e os irmãos do Centro Espírita lhe deram forças para ir até os treze anos.
A menina reconhecia as pessoas, os parentes, os amigos de Fé. Às vezes
ficava alegre e tinha os seus momentos de impaciência. Os pais aprenderam muito
e nós também, uma vez por ano vou a Brasília e revejo-os.
O casal se diz feliz, contente, cumpriram a missão com a filha. Quando
ela faleceu, todos choramos... no sepultamento.
Mistérios da Vida. Insondáveis Caminhos por onde caminhamos em nosso
encontros, reencontros, desencontros.
Penso que, a menina, com toda dificuldade de expressar-se e viver ou
sobreviver era Feliz juntamente com os pais, amigos e conhecidos.
Antônio,
ResponderExcluirO tema do seu post é delicadíssimo porque essa é uma decisão pessoal. O que percebo é que , como todo e qualquer assunto polêmico hoje em dia, quem defende e quem condena o aborto o faz com sangue nos olhos e faca entre os dentes. E então a irracionalidade e a falta de temperança não me convencem nem de um lado nem de outro e eu vou me equilibrando. Não dá para levar a sério os conservadores que acreditam na sacralidade da vida antes do nascimento mas defendem a pena de morte. Nem para concordar com a banalização da prática, em se tirar um filho como se tira uma camisa. Cada caso é um caso e cada um sabe de si e vamos em frente devagar com o andor pelo caminho do meio tomando decisões lucidamente. No entanto consigo entender que a cerimônia japonesa descrita por você traga consolo e - quem sabe? - ajude a lidar com essa coisa destrutiva chamada de sentimento de culpa.
Abração
1)Pimentel, eu concordo com vc.
Excluir2)Tenho abordado vários itens do Budismo e este é um tema polêmico.
3)Vejo a cerimônia como uma forma de terapia.
4)Abraços e de fato o assunto mexe com a atualidade.
Também sou contra o aborto.
ResponderExcluirDecididamente um ser humano não pode ser imolado porque seus “genitores” se arrependeram do sexo que fizeram, como se não soubessem das consequências de uma união carnal.
Evidente que existem casos que justificam o aborto, devidamente esclarecidos, onde até mesmo a vida da mãe pode estar em jogo se não fizer este procedimento, mas o aborto por capricho, por descomprometer os pais irresponsáveis e criminosos de suas obrigações posteriores, vaidade da mulher, abandono da companheira pelo “homem” que fugiu ou que não assumiria o filho ... decididamente não são razões para o aborto!
Mais a mais, o “pai” que não assume a criança, a mãe tem condições de trazê-lo à realidade via Judiciário, obrigando-o ao pagamento de pensão alimentícia.
Agora, abortar nas condições acima, onde esta prática seria um assassinato e depois dar um nome “espiritual” à criança morta, por favor, trata-se de ode ao cinismo e à hipocrisia!
E digo isso porque Buda não esclarece as causas desta morte, se criminosa ou não, mas quanto à cerimônia de fetos que de onde estiverem teriam nomes e seus “pais” rezariam por eles.
Bom, por essas e outras que jamais serei santo, pois no lugar do Buda eu pegaria o casal de pulhas – o aborto em situações onde a criança nasceria com saúde ou tivesse chances de sobrevivência – e desancaria os dois a pauladas, e as rezas que fariam para seu filho teriam de ser destinadas a mim, de modo que eu parasse de afofar-lhes o brim diariamente!
Reitero que gosto do Budismo. No entanto, certas passagens ou ritos me incomodam pela tolerância e compreensão excessivas, que até mesmo contrastam com Cristo quando perdeu a paciência no Templo, e expulsou seus vendilhões a chibatadas!!!
E, pior seria com o Deus Pai – olho por olho, dente por dente!
Enfim, eu me questiono que tipo de pais teria esta criança, que foi morta antes de nascer, com seus genitores dotados de sentimentos tão afetivos e paternos, credo!
Obrigado pelo texto, Rocha.
Os ensinamentos de Buda na maioria das vezes me enriquecem, e ainda bem que são poucos os que me deixam meio exasperado, então recorro a outras religiões ou filosofias que vêm ao encontro das minhas emoções e reações neste sentido, de os pais relapsos e assassinos terem de pagar pelo crime cometido, ELE E ELA, e não somente a mãe, que aborta, pois o feto foi feito por um casal e não apenas pela vontade da mulher.
Um forte abraço, meu amigo.
Saúde e paz.
1) Amigão Bendl, desculpe, acho que vc não entendeu o post.
Excluir2)Essa não é uma prática proposital de budistas que matam o feto e depois fazem a cerimônia, não foi isso que escrevi...
3)A cerimônia é uma forma de terapia para ajudar os pais que por algum motivo praticaram o abordo, não é e nunca foi uma recomendação budista, nem de Buda.
4)De acordo com os Ensinamentos o mais importante em qualquer situação é a Vida, a Compaixão, o amor ao próximo.A Cerimônia é uma ajuda terapêutica para os pais que sofrem com o fato.
5)Cristo nunca perdeu a paciência, observe que ele perdoou até os algozes que o crucificaram. É discutível a expulsão e as chibatadas no templo contra os vendilhões. Há controvérsias e muitos afirmam que este fato não é verídico.
6) Qto ao olho por olho, dente por dente, foi na Lei Mosaica, mas Cristo disse: "Um novo mandamento vos dou: amai ao próximo como a si mesmo". Ou seja, com este novo mandamento Jesus invalidou o mandamento atribuído a Moisés, não foi Deus que mandou, é discutível.
7) Amigão, da próxima vez não fique exasperado. Respire fundo, conte até 10 inspirações e expirações sem pressa e então toque para a frente.
8)Me pareceu que vc comentou como se o número de abortos fosse pouco, mas olha são bilhões de fetos abortados em todos o mundo. Madre Teresa de Calcutá tem uma frase que gosto muito: "Só haverá paz no mundo quando não houver mais abortos no planeta Terra".
9) A cerimônia budista citada parece, em parte, com as reuniões espíritas de desobsessão. Doutrina-se os pais e os fetos-espíritos.
10) Neste sentido, os fetos-espíritos que recebem os nomes espirituais também são doutrinados budisticamente.
11) Abração.
Olá Antônio budista,
ResponderExcluirBelo e delicado texto para abrir esse blog no mes em que se comemora o dia da mulher.
Delicado para todos mas principalmente para nós, mulheres, porque a decisão final sempre é nossa mesmo.
Não me acho apta para julgar certo ou errado, cada um tem suas razões. Mas penso ser uma conquista nossa, uma liberdade e responsabilidade com o nosso corpo.
Tanto quanto o texto , achei bonita e delicada e adequada a ilustração. O redator estava inspirado, você não acha?
E quanto ao nosso amigo insurgente e revoltado "afofando brins"? O que dizer para acalmá-lo? Conto com sua sabedoria budista!
1) Nós temos bastante sorte, pois o editor tem sido muito feliz nas ilustrações. Parabéns Mano.
Excluir2)Eu tb não julgo ninguém,sou contra em termos pessoais, apenas retratei um fato que faz parte da cultura japonesa e esclareço que em outros países budistas esta cerimônia não existe. É específica do Japão, até onde já estudei.
3) Não conhecia a expressão "afofar o brim".
4)Reverência às mulheres no mês de março e nos demais meses do ano.
Querida Aninha e meu amigo Rocha,
ResponderExcluirPermitam-me, por favor, eu explicar porque sou radical com relação ao aborto:
ABORTAR É CRIME!
Pronto, simples e direto.
COM EXCEÇÃO - pois toda a lei tem a sua exceção - de casos que coloquem em riscos a vida da mãe, de um bebê sem chances de viver, e concedo também o aborto quando houve estupro, sim.
Portanto, posso não ter compreendido o texto Rocha, em face das minhas limitações, que sempre as deixei claro neste blog extraordinário, porém, assim escreveste, Rocha:
"O Budismo japonês tem uma prática interessante na área: é a “Cerimônia das Crianças de Água”. Com toda solenidade, respeito e reverência, sem criticar ninguém, perante o altar de Buda, os pais do feto abortado escolhem um nome para a criança espiritual, não importa há quanto tempo tenha sido o aborto. É feita uma “Certidão de Nascimento” como se tivesse nascido o feto."
1 - O Budismo japonês ... o Budismo, portanto;
2 - Os pais do feto abortado ... não explica como houve este aborto;
3 - Não importa há quanto tempo tenha sido o aborto.
Ora, se o aborto foi praticado conforme estipulo quando inaceitável - o Budismo japonês não é claro neste sentido, Rocha -, a minha dedução "lógica" porque sou de poucas luzes, só poderia ser uma cerimônia estabelecida por muitos cínicos e hipócritas que, depois de mataram o filho, vão acender velas e dar-lhes um nome!
Ora, a própria palavra "aborto", serve como alerta para um tipo de prática incomum, que se não explicada adequada e corretamente, POSSO, SIM, DEDUZIR que se trata de um ato até mesmo sarcástico, de deboche à vida!
Rocha, não fui contra o teu artigo, claro que não, entenda, eu te peço. Mas, de acordo com o que li - e reitero que se li errado é porque sou uma besta quadrada, um ignorante de quatro costados -, a minha conclusão é que os pais desta criança não nascida seriam muito safados, cujo arrependimento tardio deveria ser condenado, e foi o que fiz!
Quanto a Cristo, que expulsou os vendilhões do Templo a chicotadas, que escreveste "haver controvérsias", Rocha, de quem?!
Na razão direta desta alegação, Cristo não deixou prova sequer da sua existência!!!
Trata-se de um dos maiores mistérios da Humanidade!
Assim, com base EXCLUSIVAMENTE NOS EVANGELHOS - e mais nada existe com relação à vida de Jesus em nosso meio humano -, também não poderias tê-Lo citado como autor de um novo mandamento, consequentemente!
Aninha, "afofar o brim" é amolecê-lo, pois é um tecido duro, que não se amolda facilmente.
Portanto, os pais que praticam aborto merecem ter o lombo "amaciado" por relhos e chicotadas, haja vista eu ser contra a pena de morte, evidentemente, e não aceito que a pena capital seja praticada em quaisquer circunstâncias.
Mais ou menos como a pena de morte existir para "ensinar" os assassinos que não se pode matar!
Queres algo mais contraditório e paradoxal que a pena de morte, que serve como mandamento que não se pode matar?!
Então, afofemos o brim desta gente que se livra do filho como se despiram quando o desejo pulsou forte, e não pensaram nas consequências deste gesto impensado.
Nada contra o sexo até mesmo desbragado, exagerado, nada contra. MAS, há sempre um preço a pagar, e que não seja o "fruto" deste amor a ser eliminado pela vergonha de um ato onde houve arrependimento dos dois ou de uma só parte!
Um grande e forte abraço a ambos, que tanto admiro e estimo.
Saúde e paz em profusão às vossas famílias.
(Antônio, pede ao Buda que interceda por mim, e me conceda um pingo de inteligência que seja, por favor ou, então, que o Mestre diga ao Wilson que eu devo me restringir à minha insignificância, isto é, FORA DO CONVERSAS DO MANO)!
1)Amigão, o Buda mandou dizer que vc pode não querer ser santo nesta vida, mas nas próximas vc é forte candidato ao título.
Excluir2)Respeito e muito os seus pontos de vistas. Discordei democraticamente.
3)Eu tb tenho muito poucas luzes em muitos assuntos, por exemplo: engenharia, medicina, direito etc. Sou uma "besta quadrada em astronáutica". Estamos juntos Chicão !
4)nosso querido Jesus tb disse para não julgarmos ninguém: "Não julgueis para que não sejais julgados".
5)Eu tb acho que aborto é crime, mas para aí. Quem o cometeu vai acertar as contas qdo chegar do outro lado.
6)Eu tb acho que corrupção é crime, mas paro aí. O corrupto vai acertar as contas do outro lado...
7) O Apóstolo São Paulo diz assim: "odiamos o pecado e amamos o pecador".
4)As controvérsias são de várias correntes espiritualistas que dizem que algumas coisas foram retiradas dos Evangelhos e outras acrescentadas, por exemplo: Espiritismos, Rosacruzes, Maçonarias, Hermetismos etc.
5)O livro "O Evangelho Segundo o Espiritismo" de Allan Kardec fala que várias passagens foram alteradas. Outros autores espíritas falam o mesmo, não se deve ler os Evangelhos ao pé da letra.
6)Eu tb sou profundamente insignificante em Arquitetura, Bioquímica, Física Quântica etc.
7) Abraços de bom fim de semana. Não me queira mal, foi só expressão das conversas que o excelente blog do Mano proporciona.
Oi Antonio,
ResponderExcluirdeve fazer muito bem aos pais que concordaram com o aborto. Não creio que seja possível não pensar em como aquela bolinha de carne estaria hoje, com a idade que deveria ter.
É uma forma de inclusão familiar, trazer de volta quem partiu. Com a concordância, no mínimo, da mãe.
Deve ser bom, fazer muito bem a quem precisa.
Abençoados sejam os que ajudam pais assim.
E abençoado seja você por nos dar esse tipo de notícia e esperança aos casais sentidos. De sentimento, dor.
Não deve ser fácil.
Ofelia
1)Queridíssima Ofélia, gratidão pelo seu comentário. É isso !
Excluir2) Desde criança, pelas religiões por onde ando, soube de alguns casos. E contavam-me, é uma dor terrível...
3)Obrigadíssimo sempre !