Mestre Vitalino - Homem com cestos (imagem UFJF, divulgação) |
Domingos Ferreira
“Quem
a vaca cara compra
Vaca cara pagará.”
Vaca cara pagará.”
(Cego Aderaldo – Cantador)
Acordou com
a barulheira das crianças brincando no terreiro da frente da casa, na parte
alta da curva grande do riacho, junto ao capão de mato baixo.
A tapera,
meia água de um só espaço, tinha teto de folha de babaçu. A parede da frente,
feita de pau-a-pique e barro socado, mostrava uma única porta fora de centro e
mal fechada por uma esteira descuidada, velha e suja. As laterais de palha trançada
em varas de pé, terminavam nos esteios de apoio do teto. A parte de trás abria
para um arremedo de quintal, descendo até a beira d'água. O espaço era dominado
por uma mangueira imensa em cuja sombra dormitava um curralzinho, com um bode,
duas cabras e os cabritinhos.
Alguns
cachorros, uma porca grande com bacorinhos, galos, galinhas e patos conviviam
livremente em volta da casa. Um ou outro lagarto aparecia no esquentar do sol,
apressado e muito atento aos demais bichos que corriam na tentativa de pegá-lo.
Já os sapos só chegavam depois do anoitecer, com sua cantoria sincopada. Uma
passarada barulhenta e incontáveis mosquitos completavam a cena, onde havia uma
certa fartura, apesar da extrema pobreza dos moradores.
José de
Ribamar- o Matucão - fixava um olho só na velha espingarda de carregar pela
boca, herdada do avô, que ficava pendurada no teto, longe das crianças. O outro
olho estava tapado pelo braço cruzado sobre a cabeça. Seus pensamentos não
paravam de ferver, infernizando o caboclo maranhense. Passara a noite sem
sossego, se mexendo na rede, suando frio, a raiva crescendo cada vez que
lembrava do ocorrido na véspera. Acontecera na loja da fazenda, no pátio
grande, um pouco afastada da casa dos brancos, de onde o coronel Targino
governava Curral Novo com mão de ferro.
Todo mundo
sabia que Matucão era um cabra corajoso. Pelo menos, ele pensava assim. Caboclo
grandalhão, musculoso, a cabeça meio grisalha, sempre levantada e de cenho
cerrado, onde brilhavam olhos curiosamente azuis, em referência a um perdido
ancestral francês, dos tempos da fundação de São Luis, Ele, de fato, impunha
respeito pela simples presença, enquanto estava calado. O problema era que
falava demais. Adorava contar vantagem em estórias as mais mirabolantes, nas
quais decidia e resolvia, na marra, qualquer questão.
Era
analfabeto, como quase todos os “agregados” da fazenda, naqueles idos dos anos
quarenta, no interior perdido do Maranhão. Ali, havia caboclos, negros, índios,
mestiços e brancos, que moravam em regime de meiação com os donos de terra,
cuja autoridade se impunha incontestada há séculos.
O
vocabulário muito limitado, dessa coletividade pobre e conformada, não impedia
Matucão de dar asas à imaginação ao contar suas estórias e fanfarradas,
acompanhadas por muita gesticulação, caretas e gargalhadas. A audiência adorava
as cenas e mangava dele barulhenta, pondo em dúvida os exageros sempre reafirmados
com o bordão “se percisar eu mato inté o cão”, origem do famoso apelido.
Uma de suas
estórias preferidas narrava a conhecida discussão com tropeiros cearenses, por
razões que mudavam a cada versão e que quase terminara em briga de morte. Os
três cabras, de peixeira na mão, haviam cercado Matucão, mas ele espalhara o
grupo ao puxar seu famoso facão da enorme bainha sempre amarrada na cinta. Os
bestas saíram correndo sem olhar pra trás e nunca mais apareceram. Para
terminar o conto, Matucão falava mal dos cearenses em geral, fugidos da seca,
que cada vez mais, apareciam nas fazendas do coronel Targino, ocupando
laboriosamente as terras férteis e os serviços.
Essa estória
tinha um segredo guardado por ele com muito cuidado e que, no intimo, lhe
causava enorme satisfação O facão ameaçador não existia, Era só o cabo de osso
enfiado na bainha de couro grosso, bem larga e esticada, Para Matucão, essa era
a melhor parte da estória, pois a caboclada sempre acreditava, fazendo-o feliz
ao perceber o olhar deles fixo no cabo do facão, enquanto encenava sua peça. A
única pessoa que ele desconfiava saber a verdade era Mãínha, mas nunca
comentara nada.
Levantou-se
da rede sem dizer uma palavra e foi até o riacho onde obrou e se lavou. Na
volta, passou pela trempe nos fundos da tapera, onde a mulher preparara um café.
Pegou uma cumbuca de cabaça meio cheia mais um pedaço de beiju grosso moqueado
e foi para o terreiro da frente olhar a filharada.
Eles estavam brincando com um teiú, ao qual
tinham amarrado uma fieira de embira de tucum, feita com ossos de rabada
deixados há dias na boca do formigueiro, para livrá-los de qualquer pedacinho
de carne ou cartilagem. O lagarto assustado, de bom tamanho, tentava arrastar
aquela tralha e, a cada arranco, as crianças gritavam e batiam palmas. Estavam
tão concentradas que não deram a menor atenção ao pai, piorando seu mau humor.
Acabou de
tomar café e, apressado, vestiu a camisa, pegou um pequeno saco de aniagem com
paçoca de carne seca e farinha grossa, apanhou a espingarda e duas pontas de
chifre de meio palmo, uma com pólvora e outra com balins de chumbo e
pedras-de-fogo. Sempre resmungando, calçou as precatas de couro grosso e,
botando o chapéu de palha na cabeça, tomou o rumo da porta.
Mãínha,
preocupada com seu homem desde o dia anterior, sabia que esse ritual
significava uma jornada para caçar. Mas ficou intrigada com o fato de ele ter
calçado as precatas, indicando uma ida até o pátio grande, em frente da sede da
fazenda, onde, em sinal de respeito, era exigido não andar descalço nem portar
arma de fogo.
Mãínha não
se conteve:
- Onde é qui tu vai desse jeito Ribamar?
- Vou acertá umas conta muié; me deixa!
- Toma tenção di num fazê besteira, homi ....Deus castiga!
Matucão fingiu
não ouvir a recomendação. Saiu pisando duro e, ao passar pelas crianças, Toínho,
seu filho adolescente que ele costumava chamar para caçar, gritou:
- Meu pai, me deixa eu ir cum o sinhô!?
Sem
responder, Ribamar apressou o passo e tornou o rumo da sede da fazenda pelo
caminho do riacho. Era uma meia légua até lá. O sol já ia alto, mas estava meio
encoberto, refrescando o calorão. Pouco depois, ao chegar ao angico branco,
parou para carregar a espingarda, o que sempre fazia longe de casa por
segurança dos filhos. Era um verdadeiro cerimonial.
Apoiou a
arma em um toco de pau, com a boca para cima. Destampou a ponta de um dos
chifres e virou devagar, derramando a pólvora pelo cano, com o pensamento no
Nonato Caroço, o cearense, filho de uma égua, com quem discutira na véspera, na
loja da fazenda. Colocou bastante pólvora, o dobro do normal para matar um
veado. Em seguida, rasgou uma tira de pano de caroá, fez a bucha e socou bem na
espingarda, usando uma vareta de aço destacada da lateral da própria arma. Da
outra ponta de chifre, derramou alguns balins e pedras-de-fogo na palma da mão
grossa e, escolhendo o chumbo mais pesado, o fez escorregar pelo cano. Amassou
uma bolinha de caroá, que também foi socada de leve na arma, para segurar o
balim. Por último, catou uma das pederneiras e colocou no seu alojamento junto
ao gatilho. A arma estava pronta para derrubar um touro.
Trincando os
dentes de raiva, com as mãos trêmulas e a respiração ofegante, Matucão foi até
a beira do riacho e molhou o rosto e o pescoço, procurando se acalmar, O calor
aumentara bastante, apesar do céu nublado. De repente, escutou passos de animal
grande. Voltou-se para trás de forma brusca e deu de frente com a égua Mimosa,
que se aproximava para beber água.
Tudo mudou
ao ver seu animal de estimação. A tensão desapareceu como por milagre, A égua
prenha chegou-se a ele que passou a mão em sua cabeça abaixada, como se fosse
de uma criança, enquanto ela semifechava os olhos com satisfação.
Ela lhe fora
dada pequena, logo que desmamou. O filho mais novo do coronel Targino, doutor
Lino, adorava ouvir suas estórias desde criança. Quando se formou de advogado,
na festa que o pai celebrara na casa grande, foram dados presentes para os
agregados mais antigos da fazenda, cabendo a eguinha para o fiel Matucão. Ela fora
entregue a ele, pessoalmente, pelo jovem advogado, o que calara fundo no
caboclo.
Mimosa fazia
parte da família, como se fosse uma filha. As crianças montavam nela, para cima
e para baixo, sem o menor risco, em grande algazarra. Vivia solta, sem nunca se
afastar muito da tapera. Até que um dia, acontecera o previsível.
Matucão se
lembrou do que ia fazer e retomou a caminhada, deixando a égua na beira do
riacho. Conforme acelerava os passos, as lembranças ruins cresciam e a raiva
voltava. Fora mais ou menos por ali que ele se deparara com a cena causadora de
toda essa confusão e angústia. Há alguns meses, ao dobrar uma curva do caminho,
levara o susto de ver o jumento Pezão cobrindo a Mimosa, no maior fogo. O
desgraçado estava quase matando a bichinha, meio agachada para facilitar as
coisas, os dois fazendo um barulhão arretado.
O peste
daquele jumento ficara famoso na fazenda, pela sua macheza e outros predicados.
Muito doido, não deixava em paz as éguas, as mulas e, diziam, até as novilhas.
Pior, o dono dele era o diabo do Nonato Caroço, que trouxera a besta desde o
Ceará, quando se mudara para a fazenda havia uns três anos. E já tinha vindo
com o nome de Pezão.
Matucão
nunca mais se esquecera daquela visão. Era como se tivesse acontecido com uma
filha. Sentira uma ciumeira doida da Mimosa, mas não contara nada em casa, até
que ela aparecera prenha. Aí não tinha mais jeito. E ele, já mais acostumado
com a idéia, antevia o nascimento da cria como se fosse de um neto. A discussão
na loja da fazenda, na véspera, fora exatamente porque o parto iria ocorrer em
breve, pois Mimosa já estava muito redonda.
O caboclo
desgostara da peste do Nonato Caroço, desde sua chegada como caixeiro novo da
loja, por saber ler e fazer conta. Ele tivera o desplante de o mandar “inventar
essas estórias” lá fora, no alpendre, pois estava atrapalhando o movimento do
balcão. No dia anterior, quando o caboclo entrara calado para tomar uma pinga,
Nonato Caroço, viera com uma conversa atravessada de que ele lhe devia dois
sacos de feijão, pela cria que o Pezão fizera na Mimosa.
Matucão
endoidou com aquela cobrança inesperada. Ele alegou que a cria sempre pertence
ao dono da fêmea, enquanto Nonato Caroço dizia que, no Ceará, o dono do macho
recebia um certo pagamento em espécie, logo depois do nascimento. O tom foi
subindo. O maranhense mandou o outro voltar para a terra dele, lugar de
pau-de-arara, cabeça chata de caroço de manga. A resposta, aos gritos, foi que
ele era um tabaréu ignorante, preguiçoso e mentiroso, contador de lorota.
A discussão
ficou feia e só acabou quando o gerente da loja, Seu Neuto, interveio ameaçando
contar tudo para o coronel Targino. Matucão saiu pelo alpendre, corrido e
engasgado. Ao se deparar com o jumentão do maldito cearense,amarrado num moirão
perto da porta, esperando a hora do dono voltar para casa, teve a brilhante
idéia de se vingar de tudo aquilo, matando o Pezão.
Era com
essas lembranças que o caboclo prosseguia pela trilha do riacho e adentrava no
brejal perto de sua nascente. O mato foi ficando mais alto e fechado e a trilha
bastante sombreada e fresca, apesar de o dia já ir pelo meio. Matucão notou
algo diferente no ar, além de um forte cheiro de jaca.
Estava
ficando escuro demais, meio que de repente. Os pássaros começaram a buscar seus
ninhos, o curiango deu de gemer e os sapos cururu iniciaram o seu cantochão
grave, junto com o repique da saparia menor. Um galo cantou ao longe. Parecia
que a noite estava chegando. Sozinho, no matagal cada vez mais escuro, o
caboclo teve a súbita lembrança das últimas palavras de Mãínha - “Deus castiga”.
A coisa ia
crescendo na sua cabeça, conforme a escuridão aumentava, ficando um breu que
parecia noite fechada. De súbito, ele se deu conta que estava tremendo e suando
muito. Estancou a caminhada e, apavorado, se jogou no chão, ajoelhado, se
benzendo sem parar. E começou a rezar para São José de Ribamar, para a Virgem
Maria, para Todos os Santos e até para o Padre Cícero, que ele tinha certeza
ser da devoção do pau-de-arara Nonato Caroço.
No meio da
rezação, cada vez mais medroso, apelou para fazer promessas. Jurou que não iria
matar o Pezão e perdoaria o cearense, inclusive pagando em dobro as sacas de
feijão cobradas pela cria do jumento. E, para confirmar suas intenções, levantou-se,
caminhou no escuro com dificuldade até o riacho e varejou a espingarda dentro
dele.
Ficou ali
parado, olhando fixo para a água corrente, quando se deu conta que ela estava
clareando. Os pássaros começaram a se agitar e o galo, desorientado, voltou a
cantar freneticamente. Um jumento zurrou ao longe, na direção da sede da
fazenda. Devia ser o Pezão amarrado na frente da loja. Aos poucos, o cenário
voltou ao normal e a luz do sol brilhou refletida na água. O eclipse terminara.
Matucão, não
entendendo nada, ficou meio abestado, sem saber o que fazer por algum tempo.
Lembrou-se, então, da tapera e da família e, preocupado, tomou o rumo de casa
num passo esperto, pois estava longe de lá. Conforme se aproximava, ia se
acalmando e crescia a vontade de ver a mulher e os filhos.
A criançada
avistou o pai quando saiu do capão de mato na grande curva do riacho. Foi uma
correria aos gritos, todos muito excitados, falando sem parar e os cachorros
pulando e latindo. Ele, instintivamente, notou que não faltava ninguém, mas
nada falou até entrar na tapera e ver a mulher debruçada sobre a panela de
ferro no fogo aceso da trempe.
Mãínha se
voltou para ele:
- Qui cara di espanto é essa homi?
- Tu não viu o escurão?
- Ah, isso num é nada, foi o crípis.
Ele não
entendeu e perguntou:
- Foi o que, muié?
- O crípis; a lua qui cubriu o sol. A nêga Perança i a índia Das
Dô vieru aqui logo dispois e falaro qui eles chama assim.
Matucão, em
um lampejo de memória, lembrou-se que, ainda menino, o avô lhe contara essa
estória de a lua cobrir o sol, testemunhada por ele na época da grande gripe.
Estava associando o “crípis” com os fatos vividos há pouco no brejal, quando
Mãínha interrompeu seus pensamentos:
- Ondi tu deixô a ispingarda, Ribamar?
Foi um
choque. Acostumado a responder rápido a seus ouvintes atentos, inventou de
pronto:
- O Curupira levô na iscuridão, quando eu tava no brejal.
Mãínha levou
um susto e se benzeu várias vezes. Começou a perguntar outros detalhes, mas o
caboclo, com medo de se confundir, cortou o assunto e perguntou se tinha comida
pronta.
Ele comeu
demais e se deitou na rede para descansar, no calor da tarde. Dormiu
pesadamente e sonhou com o Curupira aparecendo na escuridão do brejal, montado
numa capivara gigante, botando fogo pelas ventas e com os pés virados para trás.
Atirou no maldito, mas isso só fez o bicho crescer, ficar mais brabo e correr
uivando para cima dele, arrancando-lhe a espingarda das mãos e sumindo a galope,
no breu daquela noite esquisita.
Acordou com
a estória pronta e testou o enredo com a mulher. Mãínha, conhecedora do marido,
fingiu acreditar. Quem a adorou mesmo foram as crianças, excitadíssimas e com
medo do Curupira aparecer por ali. Matucão deu-se por satisfeito e achou melhor
guardá-la para o dia seguinte, com a idéia de melhorar a narrativa com calma.
Saiu cedo de
casa e, ao chegar à loja, tinha muita gente que só falava no eclipse. Era tudo
que Matucão queria. Deu um jeito de entrar nas conversas e, em pouco tempo,
começou a contar o ataque do Curupira. Juntou uma pequena multidão no alpendre
em volta dele, que teve de repetir o conto várias vezes, acrescentando detalhes
cada vez mais impressionantes. Foi um sucesso!
A estória
estava tão boa que até o Nonato Caroço saiu do balcão e foi escutá-la,
acompanhando os detalhes com muita atenção e reagindo junto com o grupo. Depois
de falar por um bom tempo, Matucão interrompeu a narração e foi tornar uma
pinga no lado de dentro. Quem o serviu, muito atencioso, foi o Nonato Caroço,
engatando uma conversa inesperada, na busca de mais detalhes do acontecido.
O assunto
encompridou e Matucão, vendo uma espingarda papo-amarelo novinha pendurada na
parede atrás do caixa, perguntou se estava à venda. Nonato Caroço disse que era
dele, mas tinha outra e, portanto, faria negócio com o amigo. Surpreso, o
caboclo se lembrou dos quatro sacos de feijão da promessa da véspera e ofereceu
oito para o cearense, incluindo o que ele lhe cobrara do serviço feito pelo
jumento na eguinha. Após algumas negaças, arredondaram o valor para dez sacas e
Matucão voltou, todo feliz, para casa com a papo-amarelo, mais três caixas de
munição.
O burrinho,
nascido um mês depois, era uma gracinha de manso e ganhou o nome de Feliz.
Pezão se enamorou de vez pela Mimosa, para desespero das outras fêmeas da
fazenda. Dessa união resultaram duas parelhas, uma de burros, o Feliz e o
Forçudo, outra de mulas, delicadas como a mãe, a Cheirosa e a Gostosa,
Já que amor
com amor se paga, o Toínho virou Tonhão e se apaixonou pela filha mais velha de
Nonato Caroço, uma linda morena com cabelos negros e lisos, de nome Iracema,
cujo beijo tinha gosto de mel... Casaram-se, e as três famílias viveram muito
felizes, debaixo daquele solão arretado da boa terra maranhense. Sem mais “crípis”.
Artes do
Curupira...
----- X
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Com este texto, celebro a grande alegria de assistir à
transposição das águas do São Francisco para o Nordeste profundo.
Meu saudoso pai, baiano, engenheiro civil competente, dedicado e
honesto, labutou arduamente no DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as
Secas, para mitigar a violência das crises de seca naquela terra maltratada e abençoada.
Criança, ouvi dele, muitas vezes, que esta seria a única solução definitiva
para a imensa e recorrente tragédia humana da região.
Graças a
Deus e a pessoas esclarecidas, está acontecendo.
Domingos, grande história! O sonho do Matucão convertido em história para sair do aperto me lembrou um pouco o Coronel Ponciano com o urutau no romance do José Cândido de Carvalho.
ResponderExcluirE as histórias que ouvia às vezes, à noite, na cozinha da casa de um dos camaradas da fazenda de um amigo do colégio.
Muito bom.
Um abraço do
Mano
Estimado Mano
ExcluirO Matucão existiu de fato.Eu gostava muito de ir para a loja da fazenda, onde insistia em ajudar o caixeiro. Como neto primogênito e com o mesmo nome do Coronel, cercado de todo cuidado, tinha um acompanhante adolescente apelidado Gambá. Vivia solto pelo mato e o riacho, com um grupo de meninos, fazendo o diabo.
A lei era aplicada por uma tia solteirona, a Teté. Apanhei muito bolo de palmatória dela, quando chorávamos juntos.
Ela era uma santa mulher que tomava conta da capela, e pajeava os padres, ou mesmo o bispo, quando vinham para a "desobriga", com batismos e casamentos, em grande festa.
Tem muita estória para contar...
Um grande abraço.
Domingos
Pois melhor ainda ficou a história depois de você ter nos contado isso. E que bom que tem ainda muitas outras, vamos gostar de ouvir!
ExcluirOlá Domingos,
ResponderExcluirSuas histórias românticas, vindas do romântico que você é, são sempre encantadoras e gostosas de ler. Você leva um pouco do Matucão com sua narrativa peculiar e fazedora de leitores.
Até mais.
Estimada Ana
ExcluirRomance de verdade foi o vivido por meus pais durante quase sessenta aos.
O engenheiro jovem e alto, educado e bonito, chegou, na fazenda, em suas andanças profissionais. Era o final da década de 20 e ele apareceu lá em um brilhante e impossível automóvel.
Sob o teto do coronel, viviam sete (isso mesmo:7) mulheres solteiras,irmãs e primas, com idades entre 20 e 35 anos.
Foi uma batalha campal,típica de Jane Austen, que durou alguns meses. Desse entrevero, saiu vitoriosa a mais nova ,a menor (1,52m), a mais sapeca, de uma alegria contagiante.
Eu sou o único e mais novo produto masculino dessa união.
Tenho que ser romântico, muito romântico..
Até a próxima.
Domingos
O nosso Domingos Ferreira tem o talento e vocação adequados para nos propiciar e brindar com artigos de qualidade, onde nos demonstra a sua técnica invejável em relatar os seus contos.
ResponderExcluirGostei muito deste texto de Matucão, genuinamente brasileiro, caipira, valente e observador.
E meus parabéns pela delicada homenagem feita ao saudoso pai pela Transposição das Águas do São Francisco, um sonho do nordestino que finalmente se realiza, depois de, sabe-se lá, quantas décadas à espera desta obra importantíssima!
Domingos, tenho sido um leitor dos teus textos porque sempre muito bem feitos, contendo seus dramas, e narrados com maestria!
Um forte abraço.
Saúde e Paz.
Amigo Chico
ExcluirMuito obrigado por suas gentis observações.
De fato, sou um apaixonado pelo Nordeste profundo, motivado pelo exemplo de meu amado pai.
Por várias razões, tive oportunidades únicas de conhecê-lo, tais como em uma viagem de dez dias, descendo o São Francisco, de Pirapora,em Minas Gerais, até Juazeiro/Petrolina, na Bahia/Pernambuco. Isso foi a bordo de um "gaiola",vindo do Mississipi, movido por uma roda de pás na popa. Só o salvamento de uma vaca atolada puxada por ele, dá para contar uma estória incrível.
Também, ainda menino, andei oito dias pela caatinga braba, na carroceria de um caminhão, sem cobertura, sentado em sacos de sal, junto com meia dúzia de caboclos, e atravessando riachos secos e o famoso Raso da Catarina, uma paisagem lunar.
Um abraço fraterno
Domingos
1) Salve Domingos, bom texto das nossas terras maranhenses.
ResponderExcluir2) Impressionou-me a descrição dos animais, aves e a passarinhada.
3)O curiango, pássaro noturno, também habita o cerrado e assim lembro do meu querido Gama, DF.
Estimado Antonio Rocha
ResponderExcluirObrigado por suas palavras de estímulo.
O conhecimento sobre a bicharada foi resultado da constante atividade no mato. Nosso grupo de moleques, sem camisa e descalços, passava o dia vadiando e o que mais nos atraía eram os diferentes exemplares que apareciam. De besouros a mutuns, de marimbondos a carcarás. De lagartos a sapos e peixes. De papagaios a pombos e urubus...
Só a título de curiosidade, esses últimos, os urubus, tomavam banho no riacho e ficavam secando as asas na areia até poderem voar para a galharia de um enorme angico próximo, branco de tanta titica. Ali permaneciam mais tempo, até terem condições de levantar voo definitivo. O local era chamado "banheiro dos urubus", onde os moleques maiores, de vez em quando, conseguiam laçar um exemplar molhado (eles tentavam fugir nadando!!!) e fazer o diabo com ele...
Foi uma época mágica de minha vida.
Um forte abraço.
Domingos