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19/03/2017

A Sevilha de Murillo

Joachim Sorolla - Bailaoras en el Café Novedades de Sevilla (1914 - Metropolitan Museum, NY)


Moacir Pimentel
Dia desses o Antônio, nosso vizinho de mundo e de blog, mencionou Sevilha em um comentário. E estou lendo um livro cuja trama se desenvolve na Espanha sobre um homem que como Alonso Quijano, o Dom Quixote, um dia decidiu que teria em vez da sua ordinária e sórdida vida, aquela que sonhou: O Impostor, de Javier María Cercas.
Pronto! Foi o bastante para que me batessem duas vontades: comer uma paella e escrever sobre a capital da Andaluzia.
Começo a conversar sobre a bela Sevilha com a ajuda das telas de autoria de Joachin Sorolla, “o pintor da luz”:
As cenas que acabamos de ver fazem parte de um conjunto de quatorze magníficos murais batizados conjuntamente de Visión de España, cada um deles descrevendo uma das províncias espanholas.
Tais murais se estendem por setenta metros de cumprimento e quatro de altura, foram executados entre 1916 e 1919 e hoje moram em um dos salões da Sociedade Hispânica da América, no bairro de Manhattan em Nova York.
Apesar da imensidão das telas, Sorolla pintou todas elas ao ar livre para celebrar a paisagem e utilizou como modelos os moradores de cada localidade vestindo seus trajes típicos e muito orgulhosos da cultura de seus chãos.
Não conheço, em tela, maior e mais bela homenagem a Sevilha, a capital da Andaluzia, uma cidade festeira, cheia de personalidade, calorosa e famosa por seus arabescos mouriscos, suas guitarras e castanholas e as encantadoras janelas.
Não é preciso passar muito tempo em Sevilha para entender porque tantas óperas tiveram a cidade como pano de fundo. Um senso de drama permeia a capital andaluza, desde os seus palácios mouriscos, suas extravagantes festividades até o modo como o toque das cordas de uma guitarra tende a enviar uma sala inteira direto para as palmas sincopadas. Talvez seja essa paixão e propensão à grandiosidade que mantenha a cidade dinâmica mesmo em tempos difíceis.
Sevilha foi o berço dos imperadores romanos Trajano e Adriano, dos magníficos reales alcázares e da estupenda Catedral gótica, a maior de toda Espanha, cujo campanário era um minarete - a Giralda! – e que serve de túmulo para Cristovão Colombo.
Sim, os exploradores Cristóvão Colombo, Américo Vespúcio e Fernão de Magalhães saíram do grande porto fluvial da cidade para descobrir as abundantes riquezas do Novo Mundo - ouro, prata, cacau e tabaco – que durante o período, sem datas precisas, do florescimento da arte e da literatura espanhola que ficou conhecido como o Siglo de Oro, transformaram Sevilha na porta de entrada para as novidades do Novo Mundo e na maior e mais rica cidade da Espanha.
Pense em belas mulheres bailando com elegantes e sexy movimentos de mãos e entusiasmadas batidas de saltos sobre um tablado. Ou em um toureador em um emocionante embate com um furioso animal em uma arena dourada pelo sol minguante. Ou em um velho e animado bar de tapas e muita gente falando alto e ao mesmo tempo em torno de mesas trôpegas cobertas por pequenas travessas repletas de quitutes como azeitonas acima do peso, presunto e chorizos serranos, tudo sendo lavado por um valente tinto enquanto a casa tem o perfume de um excepcional Jerez!
Pensou? Então você entende porque não dá para não comprar as danadas das castanholas de lembrança para levar pra casa.
Hoje a cidade andaluz nos oferece a sua quota de projetos arquitetônicos de modernoso perfil; como a imensa estrutura em forma de cogumelo projetada pelo arquiteto alemão Jürgen Mayer-Hermann que paira sobre a Plaza de La Encarnación no bairro antigo.
Mas Sevilha conserva seus centenários tesouros, como a beleza indizível da Praça de Espanha... 
fotografia Moacir Pimentel


e impressionantes exemplos do estilo mudéjar, um híbrido arquitetônico islâmico-cristão encarnado ali mais famosamente pelos Reales Alcázares de Sevilla – o Alcázar - o antigo forte árabe e um dos mais belos palácios e jardins mouriscos do mundo.
Mas a verdadeira magia de Sevilha é a própria cidade e suas tradições únicas do sagrado ao secular. Depois do Natal e do Carnaval e entre o Domingo de Ramos e a Páscoa, ao longo de oito dias e sete noites, centenas de milhares de fieis reúnem-se para assistir as famosas procissões “de pasos” – mais de cem andores com esculturas de madeira hiperrealistas que retratam a Paixão do Cristo com todo o esplendor.
Em toda a cidade, mas principalmente no seu centro histórico, todos param e se debruçam às janelas para assistir, com intenso fervor devocional, desfilarem os santos, as flores e as nuvens de incenso. Nenhuma outra cidade espanhola, nem mesmo Toledo, celebra o catolicismo com tanto entusiasmo como Sevilha.
Em seguida a cidade se enfeita para a Feira de Abril, o famoso festival da primavera que, ao fim e ao cabo, é só mais um pretexto para que velhos e jovens bebam e cantem e dançem e comam nas barraquinhas espalhadas por todos os lados, por mais uma semana.
fotografia Moacir Pimentel

Nessa parada não carnavalesca mas quase, desfilam todos garbosos homens e mulheres, muitos montados a cavalo, as prendas nas garupas, com os trajes típicos da cidade e das aldeias circundantes, classificados nas origens pelos trajes e acessórios como chapéus, mantilhas, estampados, joias e demais adornos.
Tem de tudo: os cavaleiros andaluzes com seus chapéus de abas largas, os toureiros com suas calças extraordinariamente apertadas - ¡carajo! - e as ricas capas, os aldeões e suas famosas boinas, as camponesas de aventais bordados, os burros com sombreros coloridos, as senhoras de olhos mouros e flores nos cabelos e franjas nos xales, rodopiando seus vestidos, tão parecidas com as suas vizinhas de fronteira, as cachopas portuguesas, arrebitadas nos ranchos de São João - cheias de ouro nas orelhas e no colo! – felizes e faceiras debaixo dos mesmos céus ibéricos e violáceos plagiados de El Greco!
Sim, Sevilla é o berço do flamenco e o melhor lugar para se experimentar esta forma emotiva de dança e música, de estalar os dedos, de bater os pés, do palco ressoando os saltos impetuosos, das dançarinas movendo-se seguras e sinuosas, dos corpos que falam, do suor colando as blusas dos vestidos, das saias a girar, do clicar das castanholas, das mantilhas andaluzas, das guitarras espanholas, do ritmo que prende.
Em Sevilha o que não falta são as apresentações de flamenco amador e profissional. Tropeça-se nos shows de flamenco turístico para gringo ver, mas de alguma forma eles são reais e contagiam as plateias que batem palmas e incentivam os dançarinos e se juntam à festa circundante gritando..... Olé!
Faz já valentes e muitos anos que me encantei por um tablado de flamenco, do outro lado do rio, no antigo distrito cigano de Triana, sem nome e número. Nele se apresentava quando e se lhe dava na telha - e sempre depois da meia-noite! - uma bailarina e beldade local – ui! - de nome Maria, em um pequeno salão para lá de dilapidado.
De alguma forma devia correr pelo bairro a notícia de que a diva estava de bom humor e querendo dançar porque naquela noite o que nos chamou a atenção, foi a fila que os nativos faziam defronte da porta da casa da “patroa”, muito antes da hora da bruxaria.
Aqueles que conseguiram passar pelo crivo severo do olhar da prezada senhora - no papel de leão de chácara! - foram brindados por um tradicional e arrepiante show de flamenco de deixar qualquer um de queixo caído e berrando:
“Vamonoooos, Maria!”
Maria era uma deusa! A entrada foi gratuita mas todos consumiam bebidas como se não houvesse amanhã. Era pedir compulsivamente ou enfrentar a ira sagrada da dona da “peña” que, a essas alturas do baile já disfarçada de maitre, estava atarefadíssima a manter cheios os copos e a apontar a porta da frente aos moderados (rsrs)
De longe os melhores shows de flamenco em Sevilha rolam nessas “peñas”, pequenos clubes privados concebidos e mantidos por aficionados dedicados à preservação da arte.
A divulgação é feita boca-a-boca, ou por cartazes pregados em postes de luz, ou como aconteceu conosco, simplesmente seguindo a música nos bairros antigos. Quem tem sorte experimenta flamenco na veia - um cru, intransigente, maravilhosamente inebriante espetáculo no qual artistas fervorosos revelam um pedaço de suas almas fundas em cada estrofe, e entregam-nos o coração da Andaluzia e a trilha sonora da Espanha. 
fotografia Moacir Pimentel
Em Sevilha até mesmo a comida é um evento teatral.
O jantar é um ato que facilmente pode ser esticado por muuuitos bares de tapas se prolongando por variados caminhos através da cidade e pela madrugada adentro.
Aos chorizos al vino blanco da Casa Morales, seguem-se os montaditos nas bodeguitas da vida, os pequenos kebabs e um pouco de queijo manchego - em bares onde os pedidos são rabiscados à giz na paredes! - que nada ficam a dever às sardinhas grelhadas, aos camarões embrulhados em toicinho e aos chocos fritos da famosa La Cantina lá no velho Mercado da Feria, um dos mais antigos da cidade, famoso pelas arcadas e ofertas de frutos do mar frescos.
A tradição das tapas coloridas teve seu início na Andaluzia e em Sevilha - onde os bares de tapas clássicos estão em toda parte, embora hoje em dia disputem espaço com os tais “lugares gourmet” metidos a besta com cardápios “criativos” que proliferam mesmo em tempos econômicos difíceis quando outros negócios fecham as portas.
Talvez porque desde a crise de 2008 e com o colapso da indústria da construção na Espanha, engenheiros, arquitetos e outros profissionais - ansiosos por uma oportunidade de negócio - estão investindo em novos bares modernos.
Eu sempre aprendo algo novo quando viajo e naquelas paragens entendi que a vida é muito curta para comer jamón medíocre. Portanto em Sevilha, sem olhar para a coluna à direita, recomenda-se o melhor presunto serrano da casa.
Mas – atenção! - é preciso ir a uma abacería, uma das sombrias mercearias antigas do século XIX, que funcionam como bares de tapas, para entender o que são tais petiscos. Somente espremido na parte de trás de uma dessas casas, esfregando cotovelos com os nativos apreciadores de tapas, cercado por sardinhas e polvos, e lulas e mexilhões enlatados e outras coisitas se começa a desvendar a secreta gastronomia andaluz.
Na ementa não podem faltar os doces dos encantadores mosteiros de Sevilha feitos a partir de receitas transmitidas por séculos; as bolas de San Leandro feitas com gema de ovo e limão; os ricos dulces de chocolate, os pestiños, os pastéis fritos em azeite e caramelizados do Convento de Santa Ana - também conhecido pelo seu retábulo de Maria e Santa Ana do século XVII - para não falar do Convento de Santa Paula onde não se vai para admirar a sua torre gótica do século XIII e sim para levar para casa um vidro de compota de figo.
E depois?
Depois e para fazer a digestão o melhor é caminhar pela noite balsâmica para gastar as calorias da refeição, vagueando pelo Bairro Santa Cruz, uma próspera judiaria tantos séculos atrás. Este labirinto de ruelas muito delgadas para carros é perfeito com suas pequenas praças, pátios cobertos de azulejos, casas caiadas de branco, as belíssimas janelas mouriscas e os gatos e jardins floridos. 
fotografia Moacir Pimentel


Perder-se é fácil e recomendável. Ao longo do Rio Guadalquivir os casais namoram mirando a Torre del Oro antes de deixar nas grades da Ponte San Telmo os cadeados do amor e de jogar as chaves nas águas como manda a tradição para que nada possa separá-los.
Os ritmos mudam rapidamente em Sevilha, da intensidade do flamenco ao silêncio noturno. As laranjeiras abundam e, quando florescem no início da primavera, o aroma é celestial.
Mas as laranjeiras de Sevilha que bordam de múltiplos tons de amarelos todas as ruas e sitiam até mesmo a imponente Catedral ficam para outra conversa.
Sempre que penso nessa bela cidade lembro de um de seus mais ilustres filhos; Bartolomé Esteban Murillo. Um grande pintor espanhol que motiva divergências profundas.
A maioria absoluta dos especialistas acredita que o pintor Murillo é de uma debilidade que só se pode classificar de piegas. Aqui entre nós e baixinho, ele fez mesmo umas Anunciadas melosas, uns anjinhos mutcho barrocos, umas figuras bem caricatas de crianças miseráveis e adoráveis.
No seu tempo ele foi um dos mais estimados artistas espanhóis. Suas imagens religiosas eram populares e sua maneira de pintar teve até mesmo nome de marca: estilo vaporoso. Mas então, no século XIX, Murillo se tornou sinônimo de sentimentalismo e não mais mereceu consideração.
O erro está em achar que esse Murillo fraquinho e choroso seja o único Murillo. Embora ele não se mostre tão vigoroso ou tão profundo quanto Velásquez, naquela sua visão da realidade humana sob a mais que perfeita luz, embora ele não possua a calma sacramental de Zurbarán, para mim Murillo é um mestre espanhol esquecido. Aprecio, de forma especial, os sorrisos de Murillo.
Pense numa coisa difícil de pintar: um sorriso! Algumas imagens do artista são convincentes de tão risonhas. Há raríssimos sorrisos na pintura. Tudo bem que o da Mona Lisa é imbatível, mas depois de Leonardo seja no Renascentismo, no barroco espanhol, na pintura clássica e nos ismos ninguém pintou, e tão bem, mais sorrisos do que Bartolomé Estebán Murillo.
A impressão que tenho contemplando certos trabalhos do artista é que ele, ao contrário do que indicam as suas tragédias biográficas, deve ter sido um sujeito de bem com a vida, boa praça, desses com quem é bom se jogar conversa fora e tomar um porre de tinto beliscando tapas.
Diante de seus quadros sou forçado a acreditar que, se Murillo foi ameno, demasiadamente alienado, se não pintou a vida de frente com todas as suas crueldades, foi porque, lá dentro dele, havia uma ternura qualquer, um encanto, um maravilhamento com tudo que o rodeava, que só percebe quem olha bem de perto as suas telas.
Entre todas as suas obras mundanas - as sacras não me chamam a atenção - na tela Duas Mulheres na Janela encontramos em imagens bem nítidas os dotes autênticos de um Mestre.
Murillo - La Duena (1655/1660)

Eis uma imagem magnífica, reticente, que nos faz querer conhecer e compreender as suas duas protagonistas.
A mulher mais velha parcialmente escondida atrás da persiana de madeira, puxando o xale para esconder o riso parece ser uma dama de companhia. Sim, ela está rindo mas não vemos esse riso, apenas as faces por ele enrugadas e coradas pela alegria. Os olhos brilhantes demonstram que ela se vinca assim de pura jovialidade, sardônica e visceral, de algo que só faz a mocinha sorrir para si mesma, sem afetação. Sem se deixar contagiar pela alegria. A mais velha é capaz de ver mais, de compreender com mais sagacidade a realidade do que essa garota bonita. Murillo mostra isso com refinamento. Ele é sutil na mensagem.
Nessa pintura extraordinária as mulheres são enquadradas pelos ângulos vertical e horizontal da janela. A menina, centro emocional da pintura, com o queixo na mão, inclina-se sobre o peitoril, olhando a vida lá fora com uma irônica falta de envolvimento. A mulher, no entanto, já provou da vida intensamente e não aparenta já ter desistido dela. 
Murillo e a mulher mais velha sabem que, na prática, as opções de distanciamento da garota - seja da dor, seja da alegria - são severamente limitadas. A vida costuma entrar janela adentro sem pedir licença.
Mas, noves fora a interpretação psicológica dessa obra prima, ela é importante pela dinâmica, pela maneira como Murillo a concebeu para intrigar e envolver seus observadores.
Note que nela observa-se uma cena de rua em Sevilha, embora nenhuma rua apareça. A rua em frente dessas duas mulheres está implícita. Assim como um terceiro personagem é essencial para o desenrolar da trama.
Vê-se uma sala de fria escuridão ao fundo e a luz que cai sobre as figuras é a alta luz do dia. Esta cena interior é um predicado de um mundo ao ar livre invisível e anterior a ela. Os olhares das mulheres não podem ser compreendidos sem se imaginar para o que estão olhando: a vida passando por uma rua de Sevilha.
A gente entende que a moldura da janela corresponde à borda do mundo das tintas e que as mulheres olham pela janela e através dela para outro espaço: a rua! E que a rua é o espaço do espectador.
Logo essas duas mulheres estão nos observando, somos aqueles que, da rua, estão retribuindo os olhares da jovem mulher e da senhora.
É uma cena que conta com um espectador passante, que necessita de um terceiro personagem fora da ribalta e que depende da sua chegada. Sem um observador ela é de mentirinha.
Todo o drama está contido lá, no olhar da moça, para fora, para a rua, para você para mim. A jovem se inclina sobre o peitoril, de ombros nus, a cabeça apoiada na mão, meio sorridente, de frente e olhando para frente. E o seu olhar pode ser lido, não como contato visual real, mas como algo anterior.
Ela está acompanhando com os olhos alguém que ainda não está olhando para ela. E quando nos aproximamos desse quadro e encontramos esse olhar que estava nos esperando, nos seguindo, nos convidando o tempo todo, antes mesmo que percebessemos,.. @#$%&@!, não tem como não ficar encantado com a inteligência da pintura!
Mas há um segundo olhar nesta cena, é claro. A mulher mais velha, a dama de companhia, espiando por trás do véu, querendo contato visual tanto quanto a senhorita. Mas é claro que as reivindicações dos dois olhares são desiguais. A mulher mais jovem, mais ousada, mais atraente, tem prioridade. A mulher mais velha, observando, é uma figura secundária.
Estamos cônscios dela, é claro, nas nossas visões periféricas, pelo canto dos olhos, desse outro olhar, também apontado para nosotros e que poderíamos encarar mas não queremos. O papel do segundo olhar é acabar com a nossa festa, é cometer uma imperdoável interferência na nossa troca de olhares com a moça. A senhora,.. ó... está de olho em nós! E a intrusão e o patrulhamento intensificam o intercâmbio íntimo entre a mulher mais nova e nós, lá na rua.
Mas toda essa tensão e a expectativa não resultam em nada. Se de longe nos parecia que a intensa troca de olhares era recíproca, quando chegamos perto e tentamos capturar esses olhos, eles não se entregam. O que parecia promissor se torna indiferente e não nos leva a lugar nenhum.
E a garota vai continuar onde está, em devaneio, já sem interesse, olhando através de nós sem ver, esperando o próximo movimento, o próximo cara.
Mas o que nos diz Dona História sobre esta pintura tão intrigante que mexe com a imaginação do espectador? Na real o que foi que Murillo pintou e que significado poderiam ter para ele essas duas mulheres aparentemente travessas?
Bem, o primeiro título do quadro foi Las Gallegas fato que de imediato nos apresenta uma nova teoria: a jovem mulher seria uma prostituta ou cortesã na companhia da sua duena em alguma aldeia pobre da Galiza no noroeste da Espanha. Aliás, La Duena – A Dama de companhia – foi o segundo título da tela.
E então podemos imaginar mais uma cena: a da cortesã olhando sedutoramente para um cliente potencial, tentando atraí-lo para sua cama enquanto a acompanhante se diverte com os jogos de sedução.
Como Murillo jamais documentou o verdadeiro significado de suas pinturas, as mulheres na janela de uma casa sevilhana jamais deixarão de fascinar da sua ribalta seus observadores.
Sim, é verdade, penso em uma tela como se fora uma cena de palco. O teatro nos oferece, da mesma maneira que uma pintura, representações das coisas. Mas as peças, as comédias, as tragédias, as óperas têm começo e fim, são passageiras,com tempo e ritmo marcados para começar e terminar enquanto que a pintura permanece, está sempre à mão com suas imagens continuamente abertas para visualização, para a retomada do relacionamento, para a continuação da “conversa”.
Nessa vera obra de arte Murillo foi genial ao enfatizar o tempo da visualização, a duração desse encontro. Podemos imaginar a linda jovem como alguém que ainda não nos viu, ou como alguém que já está nos olhando, ou como alguém que continua olhando para a rua depois da nossa passagem.
A pintura declara que a mulher permanecerá olhando, sonhadoramente, para a rua vazia, antes e depois de quaisquer miradas transitórias. E o espectador itinerante, aquele que decide o script e o seu tempo de duração, chega e para, olha e sai. E pode voltar ou não.
Para esta tela e para Sevilha eu voltarei sempre porque ela são extraordinárias.



12 comentários:

  1. Francisco Bendl19/03/2017, 08:56

    Taí um país que, se eu pudesse, iria conhecer, a Espanha.

    E Sevilha seria uma das cidades que obrigatoriamente eu teria de visitar, assim como Granada, Madri, Barcelona, Bilbau, Santiago de Compostela, Saragoça, Oviedo, Valência, Vigo, Salamanca, Toledo, San Sebástian, Gijón, Pamplona, Alicante, Logroño, Múrcia, Jerez de La Frontera, Ávila, Mérida, Tarragona, Badajoz ... simplesmente porque coleciono PPS de catedrais, igrejas, monastérios, mosteiros, santuários, basílicas ... e estas cidades que mencionei tenho as suas catedrais e igrejas, que me dão uma pequena visão das localidades e da grandiosidade dessas obras religiosas, que são testemunhas de tempos e eras históricas de importância no contexto mundial.

    Desta forma, este artigo do nosso caro Pimentel soma com o que tenho sobre Sevilha que, sem conhecer a cidade pessoalmente, mas munido de informações trazidos pelo brilhante articulista, assim como anteriores textos postados de sua autoria, meus arquivos aumentam seus conteúdos graças aos relatos feitos com tanta precisão e riqueza de detalhes, característica do nosso célebre e notável amigo Pimentel como crítico de arte e incomparável observador como viajante internacional!

    Certamente não conhecerei a Europa, porém lendo as narrativas do meu amigo e vendo as imagens que tenho há uma certa compensação por esta frustração, que me deixa satisfeito e agradecido pela oportunidade que o Wilson me proporciona, de engordar meus arquivos especiais com a publicação dessas postagens sempre bem-vindas e reconhecidas pela qualidade do autor, Moacir Pimentel, meu caro amigo.

    Um forte abraço, Pimentel.
    Saúde e paz.


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    1. Moacir Pimentel20/03/2017, 07:26

      Bendl,
      Muito obrigado pelo belo comentário revelador o do seu afeto pelas catedrais das eras históricas . As de Toledo e Santiago de Compostela são memoráveis e a de Sevilha - a maior da Espanha - rodeada pelos laranjais é especial. Talvez eu volte a conversar sobre ela. Por favor continue lendo e viajando conosco.
      Abração

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  2. 1) Gratidão Pimentel e Mano, vcs me presentearam com um ótimo acordar de domingo !

    2)Adoro Sevilha e a Espanha como um todo. Por vários motivos que ao longo dos próximos anos irei contar, enquanto o Mano me aceitar como colaborador.

    3)O artigo do Pimentel é maravilhoso, nota 10, me fez re-passear por aqueles cantos belíssimos !

    4)Só um detalhe, como não poderia deixar de ser... em Sevilha tem um time verde e branco, do qual sou ardoroso torcedor: Real Betis Balompié = Real em homenagem ao Reino da Espanha, Betis o nome propriamente dito, Balompié (bola no pé, outra forma de dizer futebol).Pra variar... tem jogador brasileiro lá.

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    1. Moacir Pimentel20/03/2017, 07:30

      Vizinho Antônio,
      Fico especialmente satisfeito por você ter apreciado o post sevilhano porque a foi sua menção, dia desses, dos cadeados da Ponte San Telmo, um dos seus gatilhos . Me fez recordar o rio, o bairro cigano, a peña , a bela Maria e por aí vai. As estórias e caminhos que se entrecruzam e enriquecem por aqui. Talvez o nome disso seja "conversa". E por favor conte mais.
      "Gratidão"

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  3. Mônica Silva19/03/2017, 09:06

    Amei! Do começo ao fim. A 'Sevilha de Moacir' me deixou babando e a descrição da pintura é tudo de bom. Obrigada e vamonooooos, Moacir kkk

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    1. Moacir Pimentel20/03/2017, 07:32

      Mônica ,
      Os seus comentários são muito simpáticos. Muito obrigado por eles
      Abração

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  4. Flávia de Barros19/03/2017, 11:17

    Moacir,

    Este artigo é um dos melhores que você já escreveu. Sem palavras a não ser de parabéns por este casamento encantador de palavras fotos e vídeos. Tudo combina tanto que tenho que ler de novo. Um abraço e um bom domingo para você.

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    1. Moacir Pimentel20/03/2017, 07:35

      Flávia,
      Obrigado pelas palavras sempre generosas. Devo confessar que gostei de escrever sobre a cidade e as telas de Sorolla e Murillo e fico muito feliz que você tenha aprovado o conjunto da obra (rsrs)
      Outro abraço para você

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  5. Olá Moacir,
    Desculpe o atraso. Estive envolvida pela minha vidinha miúda e confortável, entre tarefas domésticas, desenhos em mandalas, bebidinhas camaradas, filmes e notícias escabrosas na TV.
    É verdade. O teatro nos dá a cena inteira e a pintura, assim que é exposta,nos pertence para serem completadas como quisermos. E por isso acho que a segunda mulher ri mais por saber mais. Nosso redator sempre diz que o diabo só é sábio porque é velho.
    Estou seduzida por Sevilha e suas danças em "peñas" intimistas.
    Até mais.

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    1. Moacir Pimentel20/03/2017, 09:41

      Caríssima Donana,
      Chegue atrasada mas chegue! As nossas vidinhas miúdas ,as bebidinhas camaradas, os curumins e miúdos de ferro são o melhor festa. Mas a senhora não imagina o quanto me alegra ler, depois da peña, as suas pretinhas sobre a tela do Murillo. Valeu!
      "Obrigadíssimo e até muito mais"

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