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Wilson Baptista Junior
Esta
montanha que abre o post fica no deserto da Judéia, perto do rio Jordão e do
Mar Morto. Seu nome é Massada, e sua história é sangrenta.
Em 1998, por ocasião da Copa do Mundo, Ana e eu estávamos na França, em
Marselha, cidade do Zidane, onde eu tinha ido apresentar um trabalho sobre
aprendizado experiencial num congresso internacional, e aproveitamos para
visitar um de nossos filhos que estava morando em Israel, trabalhando em um
projeto da empresa onde é engenheiro de software com uma empresa de tecnologia
israelense. Todos os participantes do congresso, e a maioria dos franceses,
tinham certeza de que o Brasil levaria a copa. Na abertura do congresso o
orador me apresentou aos demais como “o inimigo”...
Dias depois da final da copa, de que eu prefiro não me lembrar, tomamos
o TGV de Marselha para o Charles de Gaulle em Paris, e embarcamos para Tel
Aviv e de lá para Haifa, onde morava o nosso filho. O passeio em que ele nos levou por Israel talvez venha a render outras conversas, quem sabe,
mas por enquanto vamos falar só de Massada.
Muito antes de Cristo nascer já havia na montanha uma fortaleza,
aproveitando o seu topo quase inexpugnável pela dificuldade de acesso. O único caminho,
ingreme e sinuoso, era tão estreito que dois soldados não podiam passar nele
lado a lado, o que tornava a defesa da fortaleza muito fácil.
Herodes o Grande aumentou as defesas da fortaleza, que foi guardada por
soldados romanos, e construiu quase no
topo da sua escarpa um palácio de verão, dos terraços do qual a vista se
estendia até o Mar Morto.
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Do palácio de Herodes pouco sobrevive hoje, passados dois mil anos, apenas
alguns terraços com suas colunas e pedaços de paredes com mosaicos protegidos
por vidros.
fotografias WBJ |
Do outro lado do platô as colinas do deserto da Judéia se estendem até encontrarem ao longe as mais altas do deserto do Negev.
Perto de cem anos depois da construção do palácio, um grupo extremista
judeu se revoltou contra o Império Romano, tentando a libertação da Judéia.
Eram um corpo de assassinos chamados “sicarii”, porque usavam uma adaga pequena chamada de “sica”, fácil
de esconder nas suas roupas (daí vem nosso termo “sicários”).
O que sabemos dessa revolta é o que nos deixou um historiador judeu,
Flávio Josefo, que se tornou cidadão romano. Ele nos conta que os sicários,
auxiliados por outro grupo dissidente, os zelotes, ocuparam a Fortaleza
Antonia, em Jerusalém, e conseguiram tomar de surpresa a guarnição romana de
Massada, massacrando os legionários e ocupando a fortaleza.
Os romanos reagiram e retomaram primeiro Jerusalém, incendiando o Templo,
o lugar mais sagrado dos judeus. Os sicários que conseguiram fugir se
refugiaram com suas famílias em Massada, mais de novecentos combatentes.
Para que os ocupantes do palácio e da fortaleza pudessem ter água tinham
sido cavadas, durante sua construção, enormes cisternas onde se armazenava a
água das chuvas, que poderiam garantir por muito tempo a sobrevivência de seus
ocupantes, que se prepararam para resistir ao cerco que inevitavelmente viria.
E veio. O governador romano da Judéia comandou a Décima Legião, com mais
de oito mil combatentes, contra a fortaleza. Como não teria a vantagem da
surpresa, que os rebeldes tinham tido, a legião romana cercou toda a montanha
com um fosso e estabeleceu seus acampamentos em volta dela. E começou a
construir uma rampa de areia, aproveitando uma espora rochosa, para conseguir
levar suas máquinas de guerra até as muralhas.
Um dos acampamentos da legião, e o que restou da rampa (fotografias WBJ) |
Os rebeldes, que não poderiam descer para atacar os construtores da
rampa sem sofrerem grandes perdas, assistiram durante três meses à subida
implacável do caminho por onde viria o assalto. Quando a rampa chegou abaixo
das muralhas, os legionários levaram até lá em cima uma torre de assalto com um
aríete, ao mesmo tempo em que arremessavam tochas acesas incendiando as
muralhas de madeira.
Quando conseguiram afinal entrar na fortaleza, descobriram porque não
houve resistência ao assalto final: sabendo que a derrota era inevitável, os
defensores escolheram morrer todos, com suas famílias, para não serem
capturados. Conta-nos Josefo que, como o suicídio era proibido entre os judeus,
os rebeldes foram se matando uns aos outros até que sobrou apenas um, o único
que efetivamente se suicidou. Diz ainda Josefo que apenas duas mulheres e cinco
crianças, que se esconderam numa das cisternas, escaparam ao massacre.
Vinte séculos depois ainda é impressionante caminhar pela montanha e
imaginar o drama que se passou ali. Pensar nos rebeldes vivendo lá em cima,
esperando o fim que sabiam inevitável, e enquanto isso vivendo as tradições do
seu povo, mandando seus filhos à escola onde aprendiam a Torá, entrar nas
cisternas enormes onde esteve a água preciosa de que eles dependiam, olhar o
céu varrido pelos ventos do deserto e ver os corvos que são hoje os únicos
habitantes da antiga fortaleza.
fotografia WBJ |
fotografia WBJ fotografia Ana Nunes |
E que talvez, como o do nosso amigo Poe, pensando nisso tudo digam também “Nunca
Mais!”, mas, como eu não falo hebraico, não posso jurar...
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Caro Wilson,
ResponderExcluirO episódio de Massada é trágico, pois além da resistência empregada houve falta de comida e água, e os acontecimentos em decorrência são inenarráveis.
Evidente que várias lições podem ser extraídas deste fato histórico, no entanto, conforme seria o teu desejo e o meu, Nunca Mais assistirmos algo semelhante, JAMAIS!
Se, a Segunda Guerra Mundial, que foi o maior conflito da história da humanidade, e que deveria servir como divisor de águas, haja vista ter detonado o primeiro artefato atômico e com consequências indescritíveis não contribuiu para que o homem criasse juízo, Massada, distante há mais de dois mil anos muito menos!
Também não adianta tu me perguntares as razões pelas quais resolvemos nossas diferenças desta forma, à base de armas, mas a verdade é esta, indiscutível, insofismável.
Agora, imagino a tua emoção quando pisaste no solo desta fortaleza, e o que veio à tua mente!
No meu Rio Grande do Sul também existem locais sagrados da Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos, a maior revolta nacional, que durou quase dez anos, e a gauchada reverencia com respeito e consternação as localidades das batalhas, das mortes, das reuniões, a ponto de cultuarmos o 20 de setembro como a data magna dos gaúchos, merecidamente!
Aliás, um dos episódios que deveria ser mais divulgado, pois aconteceu numa época onde o povo ainda tinha coragem, determinação, valentia, para ir de encontro às decisões governamentais - no caso, o império -, e mudar o que não lhe agradava.
Perdemos a revolução, pois não havia como enfrentar o exército imperial, comandado por Caxias, que não era Duque ainda, mais tarde também patrono do Exército Nacional, conforme decreto lavrado em 1.962, recente, portanto.
Ótimo assunto abordado Mano, apesar da dramaticidade do evento, porém enaltecendo a resistência de um povo quando violentado, invadido, explorado, pois a luta pela liberdade e independência vale qualquer sacrifício, até da própria vida!
Um grande e forte abraço, Wilson.
Saúde e paz!
Amigo Chicão,
Excluirrealmente a experiência de pisar num lugar como Massada é forte. Há lugares que, independentemente da beleza arquitetônica ou de paisagem nos fazem sentir fundo na alma as emoções das gerações passadas. Como apoiar as mãos nas pedras do Muro das Lamentações sem sentir o peso dos vinte séculos de orações feitas ali pedindo a volta para Eretz Israel, ou olhar por cima das ameias da fortaleza de São João d'Acre sem imaginar o que deviam sentir os cavaleiros templários de pé no mesmo lugar e vendo chegar o exército de Saladino que vinha retomar a cidade? Ou, para quem acredita, caminhar pela Via Dolorosa e saber que por ali subiu Jesus carregando a cruz, mesmo sabendo que estamos pisando quase dois metros acima do chão do tempo d'Ele?
E os homens continuam tentando dominar uns aos outros e impor suas idéias pela força. Será que nestes séculos todos não aprendemos nada?
Wilson,
ResponderExcluirMassada foi uma das páginas mais intrigantes da História e você a descreve e ilustra fisicamente à perfeição. O que começou como uma questão militar de cunho religioso - a submissão à Roma, então no seu pináculo de força, era considerada um pecado pois envolvia concessão a adoradores de ídolos e tal- era uma causa perdida desde o início e os zelotes estavam carecas de saber e tudo o que sempre pretenderam foi demonstrar ao resto do povo judeu que se podia resistir ao Império. Vale grifar que as revoltas zelotes dos dois primeiros séculos resultou na expulsão dos judeus de Israel.
Mas a questão do suicídio em massa detalhadamente planejado e iniciado por cada homem tirando a vida de sua esposa e filhos para driblar com "jeitinho" às leis do Deus que defendiam, leva Massada para outra dimensão.
Esses homens decididos a não ser servos de Seu Ninguém, que viveram nesse canto do deserto uma vida de acordo com a sua fé, mataram-se por entender que ser dono do seu chão e nele viver e morrer em liberdade valia mais do que a própria vida e - atenção! - do que os ensinamentos do Deus que, através do suicídio, ao fim e o cabo renegaram.
Como até hoje os soldados do exército de Israel juram jamais deixar Massada cair de novo, como os do outro lado da atual trincheira pensam muito parecido e com igual radicalismo , vale a pena fazer uma leitura moral de Massada e nos perguntar que Deus, que fé, que bandeira , que causa, que paixão e que certeza merecem ser defendidos até o total e geral aniquilamento?
Pensar em Masada - ainda que seja ouvindo as civilizadas Traviatas dos estupendos festivais de Ópera que rolam por lá - é um negócio angustiante e mesmo sem saber rezar a gente reza mesmo inultimente para que "nunca mais", sobre a Terra, escorra sangue tão vão e inútil.
Abraço
Moacir,
Excluirsim, até hoje os guerreiros dos dois lados pensam, uns em não perder um palmo da terra conquistada, outros em voltar às terras dos seus antepassados de onde foram expulsos Terras que mudaram de mãos tantas vezes ao longo dos séculos. Quando passávamos pelas estradas cruzávamos às vezes com os caminhões israelenses carregando tanques e soldados, e mesmo na solidão do deserto de repente ouvíamos um avião de caça que surgia silenciosamente do nada acima de nós e desaparecia num instante no azul uma fração de segundo antes de ouvirmos o estrondo da barreira do som que corria inutilmente atrás dele.
E me pergunto se algum dia se resolverá este conflito que já foi só dos dois lados lutando pela liberdade e onde hoje metade do mundo usa os combatentes como peões num jogo de cobiça onde talvez quem está lutando e morrendo não saiba de verdade, ou finja não saber, porque puxa o gatilho ou tira o pino da granada...
1)Belíssimo texto e fotos. Parabéns Mano.
ResponderExcluir2)Me fez lembrar do Dalai Lama que, belo dia, recebeu um convite para visitar Israel. e disse ele, mais ou menos com estas palavras:
3) Considerando que os judeus conseguiram ao longo de milênios preservar sua língua, sua cultura e sua religião, eu gostaria de aprender com vcs a melhor forma de preservarmos a língua, a cultura tibetana e o Budismo.
4) Parece que ele está conseguindo !
Nosso mestre Antonio,
Excluirrazão tem o Dalai Lama... Mas talvez seja chegado o tempo em que os Povos do Livro precisem aprender um pouco com os discípulos de Buda para voltarem ao tempo em que viviam juntos.
Admiro o povo judeu e sua história ! os retratos são ótimos, parabéns pelo texto,Léa
ResponderExcluirObrigado, Léa. Foi um passeio interessante, quem sabe ainda escrevo mais sobre ele...
ResponderExcluirUm abraço do
Mano