De Roncos e Libertações

József Rippl-Rónai - O Ronco Mais Alto é Agora - 1918 (imagem wikimedia commons)

Antonio Rocha

Vou lhes contar hoje algumas presepadas soníferas e ronquíferas ao longo destes 64 anos:

Minha filha sempre reclamou que eu roncava e ronco demais, mesmo dormindo em outro quarto.

Uma vez me disseram que era a forma dela se libertar do tal Complexo de Electra, segundo Freud.

Consciente ou inconscientemente, ela casou em 2004 e foi morar bem longe; em Lille, norte da França. Hoje estão na Espanha. Literalmente casou e mudou.

Minha sorte é que a Heloisa não ouve nada e, ao meu lado, dorme feito uma anja.

Certa feita, acordei de madrugada com a vizinha do andar de cima, uma senhora idosa, batendo na minha janela, com um cabo de vassoura comprido. Deduzi que era para eu parar de roncar.

De outra feita fui fazer um retiro espiritual em um fim de semana em Arujá, SP, uma belíssima fazenda onde fica o “Seiti = Terra Sagrada” da PL – instituição Religiosa Perfect Liberty. Um local lindíssimo. Homens para um lado, mulheres para o outro. Quartos grandes, em cada um dez homens.

Na manhã seguinte, os outros nove disseram que dormiam e acordavam com o meu ronco. E só não me deram uma sacudidelas devido à Compaixão que fazia parte do treinamento no retiro. Desculpei-me, mas...

Então, depois dos quarenta anos para ver se melhorava a asma fui fazer yoga, ou será ioga? Só que, no final da aula, tinha o momento do relaxamento e mal eu fechava os olhos caía no sono e... roncava alto profundamente.

A professora reclamou, o meu ronco estava atrapalhando o relaxamento dos demais alunos. Expliquei que, talvez, em função do meu constante Estado de Meditação eu vivo descansado, dormindo. Se eu fechar os olhos, em qualquer lugar e em qualquer hora eu durmo, e se dormir eu ronco.

Ela respondeu que talvez fosse uma doença, este excesso de sono. Que eu procurasse um médico. De fato procurei e a resposta da doutora é que eu devia parar com as aulas de yoga, pois em algumas posturas eu ficava com tonteira.

Conclusão: abandonei as aulas de ioga. Nem todo mundo pode praticar aquelas posições. E a médica ainda falou que eu deveria ter apnéia do sono e que isso mata, a pessoa pode morrer dormindo... precisava então fazer uma série de exames, dormir com um aparelho no braço. Mas, claro que não fiz... fiz sim, umas orações ao Senhor Yama, o deus budista da morte para que ainda não me levasse e, graças ao Bom Buda, estou por aqui... dormindo bastante.

Fui então fazer um retiro de Meditação Vipássana (uma linhagem budista leiga) perguntei ao professor se eu podia fazer meditação com os olhos abertos, como eu tinha aprendido no Zen-Budismo, olhos semi-fechados. Ele disse que não, que na interpretação Vipássana, o certo são os olhos completamente fechados.

Fazia esforço para não dormir, mas uma bela tarde após o almoço, sentado na clássica postura de lótus, caí em profundo sono e ronquei tão alto, atrapalhando os oitenta meditantes (quarenta mulheres, quarenta homens) que o gerente da parte masculina veio me acordar e perguntou se eu estava passando bem. Desculpei-me e pensei: “Eu bem que avisei!”

Para completar, se bem que eu ainda tenho outras peripécias na área, mas vou ficando por aqui; às vezes contento-me explicando para mim mesmo que é bem possível que a minha iniciação no Budismo talvez favoreça a tanto sono.

Recebi o nome budista de “Hakuan”, que em japonês significa “Serenidade/Tranqüilidade”. A última sílaba “an” vem de Antonio. E as duas primeiras identificam o meu mestre (de fato, ele tem mestrado em Língua e Literatura no Japão e doutorado em Budologia) e a linhagem que vem do próprio Buda.

Falando nisso, vou já dormir, boa noite!