Moacir Pimentel
Antes de relaxar naquelas cadeiras verdes que se espalham gratuitas e
convidativas pelo Jardim das Tulherias e de colocar – quem sabe? - aquela
garrafinha de vinho para esfriar n’água de uma das piscinas a gente olha em
torno e é como se as nossas antigas aulas de história da França estivessem ali
e tridimensionadas diante de nossos olhos. As Tulherias contam muitos dos
capítulos da história da França.
Essa conversa começou em 1559 quando a rainha Catarina de Médicis, já
viúva de Henrique II, decidiu mudar-se para o Palácio do Louvre, junto com seu
filho, o novo rei François II e construir um jardim inspirado nos jardins de
sua Florença natal.
Para tanto ela escolheu uma área cercada pelo Sena ao sul, a Rua
Saint-Honoré ao norte, o Louvre ao leste e as muralhas da cidade a oeste onde
hoje mora a Praça da Concórdia. Desde o século XII o local fora ocupado por
pequenas fábricas de telhas, chamadas de tuileries. Ela mandou plantar
laranjeiras e assim teve início o turbulento enredo do Jardim.
Henrique IV, o genro de Catarina, construiu uma alameda plantada com
amoreiras - aquela que hoje é a de Diana - onde ele esperava cultivar
bichos-da-seda e começar a indústria da seda na França.
Em 1610, aos nove anos, Luís XIII tornou-se rei e transformou o Jardim
em um enorme parque infantil, usando-o para caça e para a criação de animais,
construindo estábulos e uma escola de equitação.
Quarenta anos depois o jovem Luís XIV contratou o arquiteto e paisagista
André Le Nôtre para redesenhar o Jardim das Tulherias. Le Nôtre – que era neto
de Pierre, um dos jardineiros de Catarina de Medici - trabalhou no projeto de
1666 a 1672.
Em 1667, a pedido do famoso autor de contos de fada Charles Perrault –
homenageado por uma das estátuas do jardim - o Jardim da Tulherias foi o
primeiro jardim real a ser aberto ao público. Mas, em 1682, o rei, furioso com
os parisienses por resistirem à sua autoridade, abandonou Paris e mudou-se para
Versalhes.
Mesmo assim e apesar de abandonado, em 1719, dois grandes grupos de
estátuas equestres, La Renommée e Mercure, do escultor Antoine Coysevox, foram
trazidos da residência do rei em Marly e colocados na entrada oeste do jardim
defronte a Praça da Concórdia.
Em seguida outras estátuas de Nicolas e Guillaume Coustou, Corneille van
Clève, Sebastien Slodz, Thomas Regnaudin e de Coysevox foram colocadas ao longo
da alameda central.
fotografias Moacir Pimentel |
Após a morte de Luís XIV, vieram os outros Luíses e mais modificações até a Revolução Francesa e aquela multidão que, a 10 de agosto de 1792, invadiu as Tulherias. Em 1794, o novo governo encomendou a renovação dos jardins e foi concebido um jardim decorado por pórticos romanos, portais monumentais, colunas e outras decorações clássicas.
Mas tal projeto jamais foi concluído. Tudo o que resta dele hoje são
duas belas e tranquilas êxedras - átrios semicirculares murados por bancos e
decorados por estátuas nas piscinas gêmeas - os dois lagos menores e mais
próximos do Louvre - e as muitas dezenas de estátuas trazidas de outras casas
reais para decorar os jardins.
Napoleão Bonaparte, prestes a tornar-se Imperador, mudou-se para o
Palácio das Tulherias em 1800, e construiu um pequeno arco do triunfo no meio
da Place du Carrousel, como a entrada cerimonial de seu palácio.
Ele ainda tomou as providências para a abertura de uma nova rua na
margem norte das Tulherias, defronte do Terrasse des Feuillants, que tinha sido
ocupado por cafés e restaurantes. Adornada por arcadas, ela foi chamada de Rue
de Rivoli, em memória da vitória de Napoleão em 1797.
No século XIX, o Jardim das Tulherias já era o lugar onde o povo
parisiense ia para relaxar, encontrar-se, passear, desfrutar do ar fresco e
verde, e se divertir.
Depois da queda de Napoleão, o jardim serviu de acampamento dos soldados
austríacos e russos invasores. Em 1852, após uma nova revolução e a Segunda
República, o novo imperador Luís Napoleão decorou o espaço com plantas e flores
exóticas e novas estátuas e construiu os dois pavilhões, que hoje abrigam os
acervos dos museus Jeu de Paume e Orangerie.
Em 1870, o imperador foi derrotado e capturado pelos prussianos e rolou
o levante da Comuna de Paris e o Palácio das Tulherias foi incendiado tendo o
Louvre, na ocasião, escapado por pouco do mesmo destino. O local onde antes se
erguia o Palácio, entre os dois pavilhões do Louvre, tornou-se parte do jardim.
fotografia Moacir Pimentel |
No final do século XIX e início do século XX, o jardim foi invadido por
entretenimento para o público: acrobatas, teatros de marionetes, barracas de
limonada, pequenos barcos nas piscinas, passeios de pônei.
Nos Jogos Olímpicos de Verão de 1900, os Jardins hospedaram a competição
de espada na esgrima. Há fotos das suas belas esculturas cercadas por sacos de
areia durante a Primeira Guerra e, efetivamente, alguma artilharia de longo
alcance alemã aterrissou no Jardim.
Nos anos entre as duas Grandes Guerras, os prédios do Jeu de Paume e da
Orangerie foram transformados em Museus e durante a Segunda o primeiro foi
usado pelos alemães como um depósito para a arte que tinham roubado ou
confiscado.
Durante a libertação de Paris em 1944 houve combates no Jardim e as
pinturas dos lírios d’água de Monet foram seriamente danificadas. Até os anos
sessenta do século passado, quase todas as esculturas eram datadas do século
XVIII ou XIX: a Ninfa e a Diana Caçadora, os Tigres, a Miséria e a Medeia, o
Bom Samaritano, O Centauro, a História e a Comédia, Teseu e o Minotauro,
Cassandra e Palas, Caim e Abel.
Mas então chegaram os trabalhos contemporâneos de Aristide Maillol para
enfeitar a Praça do Carrossel, entre o Jardim das Tulherias e o Museu do
Louvre.
A maioria dessas esculturas representam o corpo de uma jovem mulher que
Maillol reinventou incessantemente: o de Dina Vierny, a modelo que se tornou
sua musa. Ela tinha apenas quinze anos quando Maillol a conheceu e continuou
inspirando-o até o final de sua vida.
Em 1964, vinte anos após a morte de Maillol, as esculturas, doadas por
Dina ao governo francês, foram instaladas nas Tulherias: Rio, Montanha, Ar,
Vênus, Mediterrâneo, Banhista, a Noite, o Verão e muitas mais.
A magia dessa maravilhosa coleção vem do equilíbrio sutil entre as suas
força, energia e sensualidade maravilhosas. Gosto particularmente das costas
das figuras de Maillol.
Hoje quatro maravilhas de Rodin – o Beijo, a Sombra, a Meditação e a Eva
– fazem companhia às velhas esculturas de mármore.
E, bem assim, às coisas mais modernas de Jean Dubuffet, Henri Laurens,
Étienne Martin, Henry Moore, Germaine Richier e David Smith. E até mesmo a
obras de artistas vivos - como é o caso das estranhezas de Magdalena Abakanowicz,
Louise Bourgeois e Tony Cragg e da Pincelada Nua de Roy Lichtenstein aí embaixo
ao lado do prezado Charles Perrault.
fotografias Moacir Pimentel |
O jardim foi transformado em um Museu de esculturas a céu aberto, obras de várias épocas e estilos, de seculares mármores à arte contemporânea. São mais de uma centena de estátuas à volta de canteiros e gramados, adornando caminhos perpendiculares e sombreadas alamedas – como a de Diana e a de Castiglione - e uma avenida central o atravessa do leste ao oeste unindo uma piscina circular na sua extremidade oriental a uma outra piscina octogonal na sua extremidade ocidental à beira da Praça da Concorde
As linhas gerais do layout de Le Nôtre no Jardim das Tulherias
permanecem: a alameda central, que leva os olhos para os Champs Elysées, as
árvores plantadas no século XIX e XX bem no meio dos jardins, os terraços e
passeios que fazem fronteira com o Sena e a Rua de Rivoli - o terraço do
Bord-de-L'Eau e aquele des Feuillants - e as três piscinas perto do Arco do
Triunfo do Carrousel.
Os jardins de Le Nôtre foram concebidos para serem vistos de cima, dos
palácios das Tulherias e de Versalhes, espaços decorados por sebes formando
labirínticos desenhos de flores e arabescos.
Mas nos tempos de Le Nôtre, as Tulherias eram principalmente cascalho e
pedra, cercadas pelo campo, enquanto que hoje é um jardim urbano tão verde
quanto possível. Quando se olha para o jardim se tem a impressão de que a grama
está comendo os caminhos e se experimenta a vontade de descobrir novas
perspectivas ou ler calmamente sob uma árvore.
Se com André Le Nôtre, com base na simetria, o princípio da ordem tentou
se impor sobre a natureza, os habitantes do século XXI gostam de caminhar
cercados de vegetação e de arte a céu aberto.
Os mais de vinte e dois hectares do Jardim das Tulherias, cobertos por
mais de duas mil árvores e cem mil plantas e flores perenes e redefinidas a
cada ano, nos ensinam que Paris não é só histórica e artística. Às vezes mesmo
no seu coração a cidade nos cerca com a natureza deslumbrante contida e cuidada
amorosamente.
Assim, embora o Jardim esteja associado a Le Nôtre e ele fosse um gênio
com o espaço e o seu jardim fosse uma caixa geométrica em que tudo estava
perfeitamente organizado em metros cúbicos e não metros quadrados, embora o
traço dele, as suas linhas de visão tenham mudado pouco em quatrocentos anos,
não faz sentido tentar amarrar um jardim a um determinado tempo.
Jardim nenhum pode pertencer a uma era apenas e então lado a lado
coexistem perfeitamente as exêdras romanas, os mármores oriundos de Marly, os
tigres e tigresas antigos e esculturas contemporâneas, incluindo: A Confiança
de Daniel Dezeuze, Força e Ternura de Eugène Dodeigne e A Árvore Vocal de
Giuseppe Penone.
O Jardim é um ótimo lugar para se estar. Pudera! Cercado que é por
arquiteturas icônicas não importa o ângulo do olhar, as vistas sempre nos tiram
o fôlego.