Octave Tassaert - O Suicídio (1852) |
Antonio Rocha
Quando estávamos em Portugal, eu e Heloisa moramos um tempo na casa de
grandes amigos. Um ótimo casal com duas crianças. Ele dinamarquês, já falecido,
ela gaúcha de Porto Alegre. Não vou citar, são pessoas muito queridas,
eternamente amadas, até nas próximas vidas estarei sendo grato a eles.
Ele era o representante do Banco Mundial em Portugal, andava em carro
com chapa diplomática, mas ele mesmo dirigia, não queria motorista, certa feita
foi homenageado pela Rainha da Inglaterra pelos serviços prestados ao Reino
Unido, quando trabalhou por lá. Ela estudava comigo na Faculdade de Letras da
Universidade Clássica de Lisboa, poetisa maravilhosa. Em função do cargo dele,
viajavam com frequência e já haviam morado em diversos países, tanto que o
filho mais velho, nascera em um país e a filha caçula em outro.
Ele adorava mesmo, no sábado, colocar uma bermuda e andar de bicicleta e
domingo íamos todos para algum recanto da Lusitânia.
Mas, como nem tudo são flores, essa amiga, vez por outra tinha crises
brabas de depressão. Uma vez tentou o suicídio e não morreu. Então eu,
budisticamente, ficava conversando com ela e parar com essas idéias malucas.
Belo dia ele me disse:
- Eu não sei como você tem paciência para
ficar tentando tirar essa idéia maluca da cabeça dela.
Eu pensava, ledo engano, que estava conseguindo convencê-la. Que nada, o
que eu falava entrava por um ouvido e saía pelo outro.
Ele não falava português direito. Entendia bem para sobreviver, mas
falar, achava muito difícil nossa Gramática.
Éramos todos alegres e felizes. Fomos bem aceitos pela família
internacional. Até porque eles moravam em uma vivenda, os portugueses chamavam
assim um casarão de três andares tipo mansão. E tinha um cachorro tipo Lassie,
daqueles filmes da TV de antigamente. Um doce de cachorro, belíssimo.
Então um dia, estava clareando e ele bateu fortemente na porta do quarto
me acordando e disse:
- Rápido vamos para o hospital ela tentou
suicídio mais uma vez.
Troquei de roupa rapidíssimo, joguei água no rosto para acordar e corri
para o andar de baixo. Ela havia cortado os dois pulsos com uma faca
enferrujada.
Heloisa estava grávida e falei:
- Não desce, fica aí, ela fez bobagem.
Enquanto nosso amigo ia ligar o carro e tirar da garagem, arrumei
correndo umas roupas velhas, embrulhei as duas mãos dela, vi que podia andar se
apoiando em mim. E saímos.
No hospital, como eu falava português fui fazer a ficha na recepção e
ele encaminhou-a para a maca lá dentro.
Passei todos os dados dela e empaquei na hora de falar a causa do
acidente. Fiquei morto de vergonha, como se fosse o fim do mundo.
Os dois funcionários que estavam na recepção, perceberam o meu
constrangimento e me acalmaram.
- É tentativa de suicídio, o senhor fique
tranqüilo. É a coisa mais comum por aqui.
Então relaxei mais calmo. Não era nenhuma novidade e eles, funcionários
e médicos já estavam acostumados com isso. Eu que fiquei surpresíssimo pois na
minha educação kardecista se diz que uma das coisas mais terríveis é a morte
por suicídio, pois a pessoa jogou fora uma bela oportunidade de evoluir.
Felizmente nossa amiga não morreu. Foi um belo susto que nos pregou.
Está viva até hoje. Ficou algumas semanas com os pulsos enfaixados e quando os
filhos perguntavam a mãe dizia:
- Filhos, mamãe se machucou na cozinha.
Mas agora vou ter mais cuidado e não vai acontecer mais.
- Acho bom!
Eu exclamava brigando como se
fosse um irmão mais velho.
- Eu fiquei dias, horas conversando com
você para tirar isso da cabeça. Um absurdo.
- Desculpa Antonio!
- Tudo bem, você deve pedir perdão a cada
um desta casa, seu marido, seus filhos, até o cachorro.
- E a você e a Heloisa também.
- Fiz a minha parte. Mais do que
obrigação, vi que era uma iniciação esotérica. Conhecendo mais o ser humano.
- O problema é que eu não acredito nas
religiões que você acredita.
- Então acredite na Literatura, na Arte e
vamos parar com essa conversa. Olha nunca mais, se você quer ser minha amiga,
nossa amiga para sempre, não faça mais isso.
- Tudo bem!
- Promete?
- Prometo.
- Então pare de beber álcool e similares. Você estava alcoolizada quando
fez a besteira.
De fato,
ela nunca mais tentou esses tolices e nossa boa amizade permanece. Anos depois
ficou viúva e hoje dedica-se a escrever poesias, ler poesias, estudar poesias.
Viver é
bom! Depressão nunca mais!
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