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02/05/2017

Esses pequenos seres chamados netos

Desenho do Heitor

 Ana Nunes
Essas criaturinhas que chegam assim de repente, invadem nosso espaço, enchem nossos dias de calor e quando vão embora deixam nossas almas esfarrapadas de saudade.
Esperadas, desejadas, algumas vezes até programadas são como sóis em nossas vidas. Elas amansam perdas já sofridas, renovam expectativas já cansadas e dão vigor aos sonhos já muito sonhados.
Fiquei vó tardia, aos cinquenta e seis anos. Por isso mesmo paguei micos incríveis como correr atrás de conhecidos para mostrar ultrassom de neto e dizer que seria feio mas muito amado. Saíram lindos, julgamento de vó. Ou parar pai com bebê em supermercado para perguntar  a idade, porque já fazia sons e o meu nada. E aí aparece a mãe vermelha de brava achando que eu estava de paquera... Pois é, coisa de vó, porque o avô nunca pagou mico!
Esses netos são surpresas que a gente acompanha com os olhos ou a alma para descobrir pezinhos ambulantes e incertos na descoberta do caminho. E as mãozinhas lindas e ágeis na curiosidade do sentir!
E os primeiros sons que eles fazem parecer borboletas voando ao sol e sinos coloridos de verão. Perceber seus pensamentos tocando a beira do infinito e voltando rápido na forma de sorriso.
Meus netos têm olhos grandes e escuros de ameixa preta ou de jabuticaba doce. Longos cílios iguais aos da mãe.
O mais velho, de onze anos, me dá sorrisos de Mona Lisa, enigmático, cheio de segredos. O mais novo, de seis, desde bem pequeno me dá sorrisos escancarados e felizes. Os cabelos são lisos, escuro e claro e têm um delicioso cheiro de neto. Quando falo para o mais velho que cheiro bom ele tem, ele sempre responde que tomou banho. Nem desconfia que é cheiro de neto!
Quando ainda era só o mais velho, com mais ou menos quatro anos, dei de duvidar da sua criatividade. Ele sempre pedia estórias, lidas ou contadas e quando acabadas dizia,- De novo! Muitas vezes eu disse, agora é a sua vez, e ele nada. Pedia - de novo!
Construí então um livro aberto, só com imagens. A base de um pouco mais de dois metros tinha só céu, terra e mar. Os bichos, montanhas, árvores eram desenhos soltos que ele montaria como quisesse. Chamei de Aventura no Mar. E quando dei, disse que era um livro onde ele contaria a história. Para variar ele respondeu que eu ia contar. Mas quando perguntou se o pinguim podia pular a montanha, soube que estava ganho. Brincou durante cinco horas com as aventuras mais loucas pulando da sua cabecinha para o papel. E parou de brincar chorando porque era hora de dormir!
Durante um bom tempo eu recebi encomendas a la carte, tipo, agora quero aventura na África, agora aventura no zoólogico , aventura dos dinossauros e por aí vai. 
detalhe da Aventura dos Dinossauros

Com o avô ele foi criando uma aventura cheia de detalhes do habitat e de alimentação, onde ele era um Mangusto em evolução e o avô, um Cientista. Acabou em um livro ilustrado que ele recebeu pelo correio, como uma encomenda. Fez sucesso, está guardado na sua biblioteca.
Os pais são exigentes, claro, em seus papéis! E assim fazem cenas interessantes. Como a de um pai bravo e impaciente, que ajudando o filho relutante e reclamante a trocar de roupa para ir embora, diz para o menino inconformado, - Respira fundo, respira fundo! E a criança, com sua lógica subestimada, retruca com vozinha delicada porém firme - Por que você não respira fundo também?
Fomos comprar o presente de aniversário de seis anos do menor. Foram vó, vô, tia, carro cheio. Aborrecido com o trânsito o avô xinga baixinho - Filho da puta! e o neto maior fala - Vovôô! Na frente de uma criança de seis anos que nem sabe o que quer dizer? Emendei depressa, - quando a gente chegar vamos lavar a boca do vovô. E o menor, que pensávamos longe e distraído - Com Ypê, vamos lavar com Ypê!
Doutra feita, em uma loja de brinquedos, o pequeno já com seu lego novo garantido, vê o irmão em dificuldades de escolha dentro do valor previsto, justifica bem sério para a vendedora "cheia de boa vontade", - A vovó é aposentada, sabe... Ri, mas ri muito. Lógico. Esse é dos meus, sincericida!
Outro dia, estávamos ele e eu na rede na casa da outra avó. Maior enlevo e aconchego e ele diz delicadamente - Estou um pouco entediado! Lá se vai o enlevo!
O mais velho quase que adolesce. Aumentam-se-lhe os pelos das pernas e braços. Pelo telefone sempre pergunto se o bigode já está igual ao do outro avô. E pessoalmente pergunto se os pelos já chegaram nas “outras partes”. E ele pergunta - Vó, por que faz essas perguntas? E eu respondo - Porque vó TEM que saber! 
Desenho do Artur


Quando vão embora, meu corpo exausto se arrasta pelo chão, puxado por uma alma leve, colorida, cheia de vozes tilintantes e tiradas inesperadas. Na cama, enquanto o sono não chega, me embalo escutando de novo, revendo aquelas carinhas lindas de olhos grandes e cabelos macios.
E, de manhã, nós, avós babões, ficamos entre os lençóis comentando as criaturinhas interessantes , suas tiradas, abraços, e perdemos a hora, perdidos que estamos nessa coisa maravilhosa chamada netos!
Como escrevi num dia desses de saudade,
Seu sorriso já nem sei
se é estrela, lua ou dia
se é sonho ou fantasia.
É mais do que sonhei.



13 comentários:

  1. 1) O texto é Poesia Pura, parabéns Ana. Parabéns também aos netinhos que inspiraram um artigo maravilhoso.

    2) Começamos bem a semana.

    3) Desenhos e ilustrações nota 10 !

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    1. Olá Antônio,
      Obrigada pelas palavras elogiosas.
      Meus netos sempre me inspiram. Para fazer "coisas erradas " também. Sou muito vigiada pelos pais! Papel de vó, não é?
      Até mais.

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  2. Moacir Pimentel02/05/2017, 09:38

    Caríssima Donana,
    Há textos que de tão poéticos e verdadeiros e maravilhosos a gente lê e, aconchegado, fica meio abestado. Se sente como que abraçado e nos abraços emocionados não há lugar para muita conversa. É o caso das suas pretinhas irretocáveis e das lindas obras de arte dos seus netos nesse seu post. Obrigado e parabéns!
    Só lhe digo que também babamos por dois peraltas que, de vez em quando, pernoitam aqui na taba e inventam um mundo maravilhoso habitado por super heróis e máquinas possantes e muuuuito desenho e fé no futuro.
    Um deles eu acho que é músico. Porque o que para nós é barulho para ele é melodia tanto que dança feito um perdido ao som do liquidificador (rsrs) O nosso modus operandi nas sessões de "arte" é diferente. Cada um dos avós e netos, por exemplo, desenha a sua própria praia. Não tenho palavras para descrever minha alegria quando um deles ao ver o garoto jogando bola que desenhei na minha cena marinha pede com sua vozinha de nada:
    Vô, bota esse seu minino aqui na minha praia?"
    Nem o orgulho imenso que me toma quando ao deixar escapar um p@rr@ escuto de pronto:
    "Pode não vovô, qué i para a cadeirinha da disciplina?".
    Nem o misto de preocupação e divertimento quando o outro ao ser colocado na caminha declara que
    "Quero mimi no á conado com vô e vó".
    A vovó da minha vida explica pacientemente que no quarto dele também tem ar-condicionado e que criança só dorme com a vovó e o vovô quando está doente. O espertalhão parece convencido e todos vão felizes da vida para suas respectivas camas. Mas...
    Praí uns dez minutos depois a babá eletrônica berra: vovó! vovô! VÓ! VÔ! Minha mulher finge que já dormiu e lá vou eu para o sacrifício. Encontro-o sentado na cama com uma carinha triste e a mão no pescoço.
    Que auê é esse? pergunto-lhe eu. Me responde ele:
    "Vô, tô duenti. Duendo. Com febe kenti!" (rsrs)
    Viva a corrente inquebrantável da vida e "até muito, muito mais."

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    1. Olá Moacir,
      Que bom que você se sentiu assim, porque escrevi com o coração. Não há outro jeito quando se fala de netos.
      Aqui em casa também temos nossas sessōes de arte. Os meninos já têm seu espaço na terceira gaveta da mapoteca. Onde guardam seus blocos de papel e canetinhas que pegam quando querem. Lápis de cor é comigo. Lá também guardam os desenhos que vou trocando e pregando pela casa. Tem giz de cera lavàvel no banheiro, para eles e outras crianças que por aqui aparecem, desenharem nas paredes. De vez em quando tem gente grande deixando recados. É muito divertido.
      Gratíssima.Até mais.

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  3. Francisco Bendl02/05/2017, 10:44

    Nada mais prazeroso que falarmos dos netos!

    A Ana foi muito feliz ao abordar este tema, onde os avós se identificam de forma plena e absoluta, independente de suas nacionalidades, religiões ou tendências políticas.

    Avô é avô, seja aqui ou no Nepal, Belize, Andorra, País Basco ...

    E os netos são a nossa fonte da juventude, diante do quanto nos remoçam, pois voltamos a correr, brincar, desenhar, criar personagens, fazer caretas, gritar, jogar bola, assoprar canudos que fazem bolhas misturadas com água e sabão, montar brinquedos, imitar super-heróis, inventar outros vencedores, erguer barracas, participar no cozimento de comidinhas advindas de receitas das netas ... os avós são os maiores amigos dos netos que, em compensação, nos adoram!

    Justamente esta troca de sentimentos verdadeiros, legítimos, autênticos, agrega a família, une o clã, e as correntes se tornam inquebrantáveis nesta família que jamais perderá a sua unidade.

    Certa feita criei um personagem para os meus dois netos – tenho mais três netas -, para os guris, exclusivamente.

    Diante desta moda Marvel, pedi a Marli que desenhasse uma figura tipo Batman ou Super Homem, com capa, botas, cinto de utilidades, máscara, com um grande SD no peito!

    Ao ser questionado sobre o significado das duas letras, respondi que o vovô era o Super Duplo!

    - O que é o Super Duplo, vô, me perguntaram o Bernardo e o Matheus?
    - Super Duplo porque o vovô é pai duas vezes, respondi. Pai do papai de cada um e avô dos netinhos!
    - Ah, tá!

    Enfim, a Aninha escreveu um artigo enternecedor, tocante, que nos enleva sentimentalmente porque falar de netos é reviver, ser alegre, ser feliz!

    Parabéns pelo tema postado. Escrito com maestria, desenvoltura, meiguice e sensibilidade, que somente as mulheres têm os predicados necessários quando abordam crianças, e que nos fazem admirar e aplaudir entusiasticamente as obras neste sentido, pois trazem consigo a magia feminina, o poder incomparável que possuem porque a mulher foi simplesmente a Mãe do Filho de Deus, então não existe quem possa descrever melhor a sensação de ser avó/avô, e a realização pessoal e familiar verdadeiramente indescritível quando somos chamados desta maneira.

    Um grande abraço, Aninha.
    Saúde e paz, extensivo aos teus amados.



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    1. Francisco Bendl Super DDissidente,
      Isso aí, ser avô é uma delícia! Só sabe quem é. Realmente indescritível ouvir os netos nos chamarem assim!
      E falar de neto é só começar e todo mundo fica aceso. Quem não fala de neto, fala de gato ou cachorro. Quer saber? Sou mais os netos!
      Obrigada pelo comentário, pelos elogios.
      Abraço, saúde e paz.

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  4. Léa Mello Silva02/05/2017, 11:36

    Deu pra rir e emocionar, achei ótimo !!!
    Muito bom descobrir vc pela manhã
    obrigada pelo texto e os desenhos, vó é assim mesmo, boba !!

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    1. Oi Léa,
      Neto é isso mesmo, rir e emocionar!
      Muito bom também descobrir você por aqui.
      Abraço carinhoso.

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  5. Delícia de texto Ana! O poema fechou com chave de ouro este pist maravilhoso. Ser avó ou avô é mel puro.

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    1. Oi Helta,
      É mel puro, quem tem sabe!
      Não tem como ler seu nome e não me lembrar do dr. Wilson. É como se ele viesse um pouquinho aqui, também! Bom, não é?!
      Abraço para você e Sofia.

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  6. Wilson Baptista Junior02/05/2017, 18:35

    Eu sou obviamente suspeito para comentar um texto como este da Ana, ainda mais porque dividi com ela os momentos enternecedores Contados nele. Mas ela sabe muito bem que uma de minhas ambições é de quando eu crescer conseguir escrever como ela escreve. Ainda não perdi de todo as esperanças...

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  7. Maria Laura Baptista02/05/2017, 18:54

    Ana,
    Adorei seu texto. Delicioso de ler, e me fez viajar nas lembranças de meus netos. Voce sabe que também sou vó tardia, e além disso, a maior parte do tempo, vó virtual...mas ser vó não tem preço!
    Beijo grande!

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  8. Heraldo Palmeira02/05/2017, 20:31

    Ana,
    Não tenho netos, mas sei do mel que espalham. Aqui, pude ver que os netos citados por todos têm a sorte de viver num ambiente com avôs e avós que ajudam a mostrar um mundo real, lúdico, amoroso, criativo... e muitas reticências mais. Até mais.

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