Desenho do Heitor |
Ana Nunes
Essas
criaturinhas que chegam assim de repente, invadem nosso espaço, enchem nossos
dias de calor e quando vão embora deixam nossas almas esfarrapadas de saudade.
Esperadas,
desejadas, algumas vezes até programadas são como sóis em nossas vidas. Elas
amansam perdas já sofridas, renovam expectativas já cansadas e dão vigor aos
sonhos já muito sonhados.
Fiquei vó
tardia, aos cinquenta e seis anos. Por isso mesmo paguei micos incríveis como
correr atrás de conhecidos para mostrar ultrassom de neto e dizer que seria
feio mas muito amado. Saíram lindos, julgamento de vó. Ou parar pai com bebê em
supermercado para perguntar a idade, porque
já fazia sons e o meu nada. E aí aparece a mãe vermelha de brava achando que eu
estava de paquera... Pois é, coisa de vó, porque o avô nunca pagou mico!
Esses
netos são surpresas que a gente acompanha com os olhos ou a alma para descobrir
pezinhos ambulantes e incertos na descoberta do caminho. E as mãozinhas lindas
e ágeis na curiosidade do sentir!
E os
primeiros sons que eles fazem parecer borboletas voando ao sol e sinos
coloridos de verão. Perceber seus pensamentos tocando a beira do infinito e
voltando rápido na forma de sorriso.
Meus netos têm olhos grandes e escuros de ameixa preta ou de jabuticaba
doce. Longos cílios iguais aos da mãe.
O mais
velho, de onze anos, me dá sorrisos de Mona Lisa, enigmático, cheio de
segredos. O mais novo, de seis, desde bem pequeno me dá sorrisos escancarados e
felizes. Os cabelos são lisos, escuro e claro e têm um delicioso cheiro de
neto. Quando falo para o mais velho que cheiro bom ele tem, ele sempre responde
que tomou banho. Nem desconfia que é cheiro de neto!
Quando
ainda era só o mais velho, com mais ou menos quatro anos, dei de duvidar da sua
criatividade. Ele sempre pedia estórias, lidas ou contadas e quando acabadas
dizia,- De novo! Muitas vezes eu disse,
agora é a sua vez, e ele nada. Pedia - de
novo!
Construí
então um livro aberto, só com imagens. A base de um pouco mais de dois metros
tinha só céu, terra e mar. Os bichos, montanhas, árvores eram desenhos soltos
que ele montaria como quisesse. Chamei de Aventura no Mar. E quando dei, disse
que era um livro onde ele contaria a história. Para variar ele respondeu que eu
ia contar. Mas quando perguntou se o pinguim podia pular a montanha, soube que
estava ganho. Brincou durante cinco horas com as aventuras mais loucas pulando
da sua cabecinha para o papel. E parou de brincar chorando porque era hora de
dormir!
Durante
um bom tempo eu recebi encomendas a la carte, tipo, agora quero aventura na África, agora aventura no zoólogico , aventura dos
dinossauros e por aí vai.
Com o avô
ele foi criando uma aventura cheia de detalhes do habitat e de alimentação,
onde ele era um Mangusto em evolução e o avô, um Cientista. Acabou em um livro
ilustrado que ele recebeu pelo correio, como uma encomenda. Fez sucesso, está
guardado na sua biblioteca.
Os pais
são exigentes, claro, em seus papéis! E assim fazem cenas interessantes. Como a
de um pai bravo e impaciente, que ajudando o filho relutante e reclamante a
trocar de roupa para ir embora, diz para o menino inconformado, - Respira fundo, respira fundo! E a
criança, com sua lógica subestimada, retruca com vozinha delicada porém firme - Por que você não respira fundo também?
Fomos
comprar o presente de aniversário de seis anos do menor. Foram vó, vô, tia,
carro cheio. Aborrecido com o trânsito o avô xinga baixinho - Filho da puta! e o neto maior fala - Vovôô! Na frente de uma criança de seis anos
que nem sabe o que quer dizer? Emendei depressa, - quando a gente chegar vamos lavar a boca do vovô. E o menor, que
pensávamos longe e distraído - Com Ypê,
vamos lavar com Ypê!
Doutra
feita, em uma loja de brinquedos, o pequeno já com seu lego novo garantido, vê
o irmão em dificuldades de escolha dentro do valor previsto, justifica bem
sério para a vendedora "cheia de boa vontade", - A vovó é aposentada, sabe... Ri, mas ri muito. Lógico. Esse é dos
meus, sincericida!
Outro
dia, estávamos ele e eu na rede na casa da outra avó. Maior enlevo e aconchego
e ele diz delicadamente - Estou um pouco
entediado! Lá se vai o enlevo!
O mais
velho quase que adolesce. Aumentam-se-lhe os pelos das pernas e braços. Pelo
telefone sempre pergunto se o bigode já está igual ao do outro avô. E
pessoalmente pergunto se os pelos já chegaram nas “outras partes”. E ele
pergunta - Vó, por que faz essas
perguntas? E eu respondo - Porque vó
TEM que saber!
Quando
vão embora, meu corpo exausto se arrasta pelo chão, puxado por uma alma leve,
colorida, cheia de vozes tilintantes e tiradas inesperadas. Na cama, enquanto o
sono não chega, me embalo escutando de novo, revendo aquelas carinhas lindas de
olhos grandes e cabelos macios.
E, de
manhã, nós, avós babões, ficamos entre os lençóis comentando as criaturinhas
interessantes , suas tiradas, abraços, e perdemos a hora, perdidos que estamos nessa
coisa maravilhosa chamada netos!
Como escrevi num dia desses de saudade,
Seu sorriso já nem sei
se é estrela, lua ou dia
se é sonho ou fantasia.
É mais do que sonhei.
1) O texto é Poesia Pura, parabéns Ana. Parabéns também aos netinhos que inspiraram um artigo maravilhoso.
ResponderExcluir2) Começamos bem a semana.
3) Desenhos e ilustrações nota 10 !
Olá Antônio,
ExcluirObrigada pelas palavras elogiosas.
Meus netos sempre me inspiram. Para fazer "coisas erradas " também. Sou muito vigiada pelos pais! Papel de vó, não é?
Até mais.
Caríssima Donana,
ResponderExcluirHá textos que de tão poéticos e verdadeiros e maravilhosos a gente lê e, aconchegado, fica meio abestado. Se sente como que abraçado e nos abraços emocionados não há lugar para muita conversa. É o caso das suas pretinhas irretocáveis e das lindas obras de arte dos seus netos nesse seu post. Obrigado e parabéns!
Só lhe digo que também babamos por dois peraltas que, de vez em quando, pernoitam aqui na taba e inventam um mundo maravilhoso habitado por super heróis e máquinas possantes e muuuuito desenho e fé no futuro.
Um deles eu acho que é músico. Porque o que para nós é barulho para ele é melodia tanto que dança feito um perdido ao som do liquidificador (rsrs) O nosso modus operandi nas sessões de "arte" é diferente. Cada um dos avós e netos, por exemplo, desenha a sua própria praia. Não tenho palavras para descrever minha alegria quando um deles ao ver o garoto jogando bola que desenhei na minha cena marinha pede com sua vozinha de nada:
Vô, bota esse seu minino aqui na minha praia?"
Nem o orgulho imenso que me toma quando ao deixar escapar um p@rr@ escuto de pronto:
"Pode não vovô, qué i para a cadeirinha da disciplina?".
Nem o misto de preocupação e divertimento quando o outro ao ser colocado na caminha declara que
"Quero mimi no á conado com vô e vó".
A vovó da minha vida explica pacientemente que no quarto dele também tem ar-condicionado e que criança só dorme com a vovó e o vovô quando está doente. O espertalhão parece convencido e todos vão felizes da vida para suas respectivas camas. Mas...
Praí uns dez minutos depois a babá eletrônica berra: vovó! vovô! VÓ! VÔ! Minha mulher finge que já dormiu e lá vou eu para o sacrifício. Encontro-o sentado na cama com uma carinha triste e a mão no pescoço.
Que auê é esse? pergunto-lhe eu. Me responde ele:
"Vô, tô duenti. Duendo. Com febe kenti!" (rsrs)
Viva a corrente inquebrantável da vida e "até muito, muito mais."
Olá Moacir,
ExcluirQue bom que você se sentiu assim, porque escrevi com o coração. Não há outro jeito quando se fala de netos.
Aqui em casa também temos nossas sessōes de arte. Os meninos já têm seu espaço na terceira gaveta da mapoteca. Onde guardam seus blocos de papel e canetinhas que pegam quando querem. Lápis de cor é comigo. Lá também guardam os desenhos que vou trocando e pregando pela casa. Tem giz de cera lavàvel no banheiro, para eles e outras crianças que por aqui aparecem, desenharem nas paredes. De vez em quando tem gente grande deixando recados. É muito divertido.
Gratíssima.Até mais.
Nada mais prazeroso que falarmos dos netos!
ResponderExcluirA Ana foi muito feliz ao abordar este tema, onde os avós se identificam de forma plena e absoluta, independente de suas nacionalidades, religiões ou tendências políticas.
Avô é avô, seja aqui ou no Nepal, Belize, Andorra, País Basco ...
E os netos são a nossa fonte da juventude, diante do quanto nos remoçam, pois voltamos a correr, brincar, desenhar, criar personagens, fazer caretas, gritar, jogar bola, assoprar canudos que fazem bolhas misturadas com água e sabão, montar brinquedos, imitar super-heróis, inventar outros vencedores, erguer barracas, participar no cozimento de comidinhas advindas de receitas das netas ... os avós são os maiores amigos dos netos que, em compensação, nos adoram!
Justamente esta troca de sentimentos verdadeiros, legítimos, autênticos, agrega a família, une o clã, e as correntes se tornam inquebrantáveis nesta família que jamais perderá a sua unidade.
Certa feita criei um personagem para os meus dois netos – tenho mais três netas -, para os guris, exclusivamente.
Diante desta moda Marvel, pedi a Marli que desenhasse uma figura tipo Batman ou Super Homem, com capa, botas, cinto de utilidades, máscara, com um grande SD no peito!
Ao ser questionado sobre o significado das duas letras, respondi que o vovô era o Super Duplo!
- O que é o Super Duplo, vô, me perguntaram o Bernardo e o Matheus?
- Super Duplo porque o vovô é pai duas vezes, respondi. Pai do papai de cada um e avô dos netinhos!
- Ah, tá!
Enfim, a Aninha escreveu um artigo enternecedor, tocante, que nos enleva sentimentalmente porque falar de netos é reviver, ser alegre, ser feliz!
Parabéns pelo tema postado. Escrito com maestria, desenvoltura, meiguice e sensibilidade, que somente as mulheres têm os predicados necessários quando abordam crianças, e que nos fazem admirar e aplaudir entusiasticamente as obras neste sentido, pois trazem consigo a magia feminina, o poder incomparável que possuem porque a mulher foi simplesmente a Mãe do Filho de Deus, então não existe quem possa descrever melhor a sensação de ser avó/avô, e a realização pessoal e familiar verdadeiramente indescritível quando somos chamados desta maneira.
Um grande abraço, Aninha.
Saúde e paz, extensivo aos teus amados.
Francisco Bendl Super DDissidente,
ExcluirIsso aí, ser avô é uma delícia! Só sabe quem é. Realmente indescritível ouvir os netos nos chamarem assim!
E falar de neto é só começar e todo mundo fica aceso. Quem não fala de neto, fala de gato ou cachorro. Quer saber? Sou mais os netos!
Obrigada pelo comentário, pelos elogios.
Abraço, saúde e paz.
Deu pra rir e emocionar, achei ótimo !!!
ResponderExcluirMuito bom descobrir vc pela manhã
obrigada pelo texto e os desenhos, vó é assim mesmo, boba !!
Oi Léa,
ExcluirNeto é isso mesmo, rir e emocionar!
Muito bom também descobrir você por aqui.
Abraço carinhoso.
Delícia de texto Ana! O poema fechou com chave de ouro este pist maravilhoso. Ser avó ou avô é mel puro.
ResponderExcluirOi Helta,
ExcluirÉ mel puro, quem tem sabe!
Não tem como ler seu nome e não me lembrar do dr. Wilson. É como se ele viesse um pouquinho aqui, também! Bom, não é?!
Abraço para você e Sofia.
Eu sou obviamente suspeito para comentar um texto como este da Ana, ainda mais porque dividi com ela os momentos enternecedores Contados nele. Mas ela sabe muito bem que uma de minhas ambições é de quando eu crescer conseguir escrever como ela escreve. Ainda não perdi de todo as esperanças...
ResponderExcluirAna,
ResponderExcluirAdorei seu texto. Delicioso de ler, e me fez viajar nas lembranças de meus netos. Voce sabe que também sou vó tardia, e além disso, a maior parte do tempo, vó virtual...mas ser vó não tem preço!
Beijo grande!
Ana,
ResponderExcluirNão tenho netos, mas sei do mel que espalham. Aqui, pude ver que os netos citados por todos têm a sorte de viver num ambiente com avôs e avós que ajudam a mostrar um mundo real, lúdico, amoroso, criativo... e muitas reticências mais. Até mais.