Vermeer - Mulher com balança (detalhe) - 1665 |
Francisco Bendl
Diariamente somos convocados a buscar dentro de nós mesmos o equilíbrio
para certos momentos. Apesar de mais gostarmos de exigir dos outros que sejam
equilibrados, detestamos quando nos criticam por termos agido
desequilibradamente.
Nós mesmos colaboramos para dificultar que haja harmonia e sensatez, paz
e equilíbrio em nossas vidas, a ponto de preferirmos elogiar alguém equilibrado
que ser como ele; apreciamos e aplaudimos decisões equilibradas, mas não nos
peçam para decidir desta forma.
Somos atraídos inapelavelmente pelo imã do repente, do inconsequente, do
impensado.
O trânsito nos mostra constantemente motoristas desequilibrados,
agressivos, perturbados; os jornais publicam o desequilíbrio de certas facções
políticas e/ou religiosas que levam seus adeptos radicais à morte; o cenário
político brasileiro mostra nossos “representantes” sempre em desequilíbrio, ora
pendendo para um lado ora pendendo para o outro, em busca sempre de suas
conveniências pessoais, notadamente em contraste à honestidade; uma aeronave
com seu peso e velocidade não condizente despenca pelo desequilíbrio entre
ambas; um navio sem lastro aderna e com muito lastro afunda, ambas situações
estavam em desequilíbrio com a distribuição do peso em seus compartimentos, e
por aí vai...
Nós vivemos este intrincado problema de desequilíbrio geralmente com
muita dificuldade, sem conseguir solucioná-lo muitas vezes.
Isto porque somos dotados de um corpo físico, portanto, limitado. Ele
pode ser pesado, medido, calculada a sua envergadura, enfim, qualquer área do
nosso físico pode ser determinada.
Mas a nossa mente, como medi-la, calculá-la?
A nossa imaginação, quem pode dimensioná-la?
Nossos pensamentos, quem pode invadi-los ou descobri-los?
Vou me tomar como exemplo:
Como posso equilibrar o meu corpo pesado, limitado, com a mente que me
faz voar mais rápido que a velocidade da luz?
Como exigir equilíbrio quando a imaginação me transforma em rico quando,
na verdade, sou pobre?
Quando me faz pensar que sou bonito e nenhuma mulher me olha?
Como obter uma equalização quando uma dessas partes – ou mente ou corpo
– adoece e aprisiona a outra?
Como fazer com a mente que me faz sonhar e meu corpo acusar que não
passo de um pesadelo?
Como aplacar a mente que martela os ouvidos me dizendo haver
possibilidades inúmeras de sucesso, mas o meu físico sentir que não tenho mais
tempo?
Meu imaginário clamar por um grande amor e eu me encontrar só e
abandonado à noite?
Pensar que posso reencontrar o equilíbrio na vida, mas o vício não me
abandona?
De que forma explicar à mente, que assegura eu poder superar obstáculos,
se eu não subo uma escada?
Que meus sonhos mais me atormentam que me ajudam?
Complicado encontrarmos uma sintonia para corpo e mente ou convivermos
com forças tão antagônicas às vezes.
Certamente esta questão é crucial para nosso desenvolvimento como seres
humanos, isto é, aceitarmos melhor nossas deficiências e enaltecermos as
virtudes, e nos analisarmos de forma mais condescendente e com menos rigor e
exigências.
Também me pergunto se, lá pelas tantas, esta autoconcessão não iria
acarretar resignação ou acomodamento ou permitir que se ficasse lamentando as
circunstâncias que impediram que se atendesse ao apelo de planos realizáveis
ou, até mesmo, deixar de lado o desenvolvimento espiritual.
Abraham Lincoln (1809-1865), décimo sexto presidente dos Estados Unidos,
que presidiu esta nação durante a sua guerra civil (Secessão), um homem de
grandes qualidades políticas, desenvolveu para si uma espécie de equilíbrio em
vida muito interessante.
Dizia ele:
“Não estou sempre pronto para vencer, mas
estou sempre pronto para ser autêntico. Não estou sempre pronto para ter
sucesso, mas estou sempre pronto para viver à altura da luz que tenho.”
Essas dificuldades de se conseguir que corpo e mente sejam solidários um
com o outro, que se apoiem quando necessário, que consigam ampliar nossos
horizontes de uma forma que se torne a vida factível, possível, enseja em mim
uma relativa angústia porque constato, aos sessenta e sete anos, diferenças
abismais entre querer e poder; da possibilidade de ter sido e não ter atingido
o ideal; de ter deixado lacunas na realização profissional.
Não posso me deixar ser inoculado pelo desânimo que, neste momento, a
falta de realizações aumentaria em demasia minhas frustrações. Na minha idade
todo o cuidado é pouco com relação às desilusões, seja porque o reservatório já
se encontra cheio delas, o que me preocupa muito ou porque ainda sobra espaço,
o que me aterroriza!
Enfim, sem querer jogar a toalha à vida e a novas emoções, atingir
objetivos é bem mais difícil na minha faixa etária, porém muito mais intrincado
seria colecionar derrotas, decepções, a esta altura da existência.
Meu momento passou, resigno-me.
O que eu tinha de fazer conforme as condições que eu possuía e construí
para mim mesmo à época foi feito.
Muito pouco adiantaria agora certos êxitos, pois o tempo que me resta não
me deixará usufruí-los.
Está na hora de eu valorizar o que tenho, o que obtive, o pouco ou quase
nada que conquistei.
Viver mais com os filhos (incomodar, quero dizer); compartilhar o
crescimento das minhas netas e netos, conversar mais com a minha esposa, ter
mais tempo para abraçá-la e reconhecer através de atitudes e gestos ter sido
ela a mulher da minha vida; reverenciá-la diariamente, pois ela me deu sentido
à existência, tanto quanto homem quanto pai e avô.
Uma vez que eu consegui o equilíbrio na vida pessoal e familiar - no que
tange às realizações profissionais tento me equilibrar entre o fracasso e a
mediocridade -, procuro me adaptar entre não ter sido ninguém de sucesso, de
grandes obras, patrimônio invejável, mas reconhecido pela família como um
lutador (em várias ocasiões mais teimoso e rebelde que efetivamente um
desbravador).
Aliás, neste aspecto, eu gostaria que, ao morrer, colocassem na minha
lápide o seguinte epitáfio:
“Aqui jaz um rebelde”.
Questionado pelos meus filhos as razões pelas quais eu escolhera algo
tão sem sentido para o primogênito, desnecessário para o do meio e
inconsequente para o caçula – minha mulher deu uma gostosa gargalhada sobre a
minha “rebeldia” após tantos anos casado com ela, quase cinco décadas -,
lembrei-lhes solenemente de Machado de Assis (1839-1908), o mais importante
escritor da literatura brasileira, um trecho do livro Memórias Póstumas de Brás
Cubas:
“Gosto dos Epitáfios: eles são, entre a
gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem
a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou.”
Tento encontrar dentro de mim, então, o devido equilíbrio de alguém que
justifica a sua vida colaborando com a realização de outras, que não ter
conseguido sequer ter sido útil tanto para si quanto aos demais.
Se alguém julgar os meus conceitos sobre a existência e me condenar como
pessimista, resgato Ernest Hemingway (1899-1961), notável escritor
norte-americano, sobre uma frase do seu livro O Velho e o Mar, que lhe rendeu o
prêmio Pulitzer de 1953:
“Mas o homem não foi feito para a derrota.
Um homem pode ser destruído, mas não derrotado.”
Pois bem, convido a todos para que nos equilibremos nessa corda bamba
que é a vida e suas surpresas, de modo que possamos compreender melhor esse
complexo corpóreo limitado, e em
dissonância ao quanto nossa mente é ilimitada, e não aumentar o desequilíbrio
entre ambos; tratemos de amenizar a violência que somos jogados entre a realidade
e desejos, sobretudo conciliar que fomos forjados pelas circunstâncias do meio
que nascemos, e bagagem hereditária que recebemos que nos deu as formas
físicas, e que precisamos criar a nossa própria vida e elaborar a nossa existência e conviver com
altos e baixos.
Vamos lá, compreender porque nascemos, compreender o que não se sabe,
compreender a nós mesmos!
Como dizia São Paulo:
“Eu morro todos os dias – e é por isso que
eu vivo.”
Não me lembro direito o poeta que disse “a vida é uma metáfora”, talvez Pablo Neruda, não sei, peço perdão
se estou enganado mas, humildemente, eu completaria o pensamento afirmando que,
se “a vida é uma metáfora”, a existência é um paradoxo!
Wilson,
ResponderExcluirImito o nosso amigo Rocha, elogiando a foto que colocaste no texto.
Belíssima!
UM abraço.
Saúde e paz.
1) E bota bonitas nisso ! Essas mulheres pintadas pelo Vermeer, a meu ver, são elegantésimas !
Excluir2) Chicão, parabéns pela reflexão.Eu penso que vc criou filhos, educou-os de forma bela e agora os netos. Portanto, cumpriu a missão.
3) Aprendi que não devemos ficar nos comparando a outros. Cada pessoa é um universo único.
4) Impossível comparações. Essa é a beleza da diversidade da vida !
Rocha, meu caro,
ResponderExcluirLendo estas tuas palavras e advindas de um budista, agradeço imensamente tu dizeres que cumpri a minha missão!
Na verdade, internamente penso da mesma forma, mas sendo dita por um amigo e profundamente inteligente e voltado também às questões espirituais, causa-me tranquilidade, calma, uma grande satisfação.
Um forte abraço.
Saúde e paz.
Como é bom ler neste oásis de boa Literatura.
ResponderExcluirOs sábios Hebreus, através do Rabbi BEN ZOMA diz:
Quem é Sábio? Aquele que aprende com cada Pessoa.
Quem é Forte? Aquele que domina as suas inclinações.
Quem é Rico? Aquele que contenta-se com o que tem.
E nosso excelente Escritor Sr. FRANCISCO BENDL complementa:
Quem é que tem a melhor Conduta? Aquele que é EQUILIBRADO.
Abrs.
Mestre Bortolotto,
ExcluirQue satisfação novamente a tua presença neste blog extraordinário, e comentando um dos meus rabiscos!
E com a sabedoria de sempre, pois exemplo de equilíbrio nas tuas colocações tanto neste espaço cultural quanto em outros locais que lidam com a politica.
Certamente sabes que sou um admirador do teu trabalho, sensatez, conhecimentos, portanto, também sempre será uma honra tu dirigires qualquer texto a mim em quaisquer circunstâncias e contendo qualquer conteúdo.
Um forte e fraterno abraço.
Saúde e paz.
Bendl,
ResponderExcluirA saudade do que não fomos e fizemos é bonita demais no poema da Cecília mas , de resto, perfeitamente inútil. Está feito e jogo jogado e pronto. O jeito é levantar a cabeça, olhar para a frente e seguir adiante tentando fazer o possível, do melhor jeito possível.O que mais se pode pedir a um homem?
Talvez que se lembre que a paternidade não é um contrato que termina quando os filhos formados saem de casa para caminhar sobre as próprias pernas. Filhos sempre precisarão da sombra das velhas árvores.
Quanto ao meu epitáfio, jamais pensei nisso. Mas bem que poderia ser:
Enfim, mudo! (rsrs)
Abração
Pimentel,
ExcluirEu sabia do teu talento magnífico para a literatura. Pois vejo, agora, que tens um humor refinado, estilo inglês.
O epitáfio que pensaste na tua lápide foi magistral como piada, e acho que devemos mesmo brincar com a morte, não levá-la a sério, pois ela não nos comunica quando nos visita, tratando-se de uma senhora mal educada e desrespeitadora!
Obrigado pelo comentário.
Um forte abraço.
Saúde e paz.
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluir