Comodos para alugar (Charles Williams, 1914) - um exemplo de duplo sentido |
Antonio Rocha
Todas as línguas tem isso, os jogos de palavras, os trocadilhos, as
bromas. Comecei a observar isso, mais precisamente, na Graduação, nas aulas de
Lingüística, da minha querida Faculdade de Letras, da UFRJ.
Havia um professor da área acima citada que, por motivos do Departamento
a que pertencia, tornou-se o Diretor de Ensino, um órgão administrativo para
Registro de alunos e professores. Era um brincalhão, um gozador em potencial,
hoje, diríamos que, fazia zoação com todo mundo, mas a característica dessa
irreverência era sempre no tal “duplo sentido”.
Então aconteceu que uma recém voltada de Paris, uma professora terminara
o seu pós-doutorado na belíssima capital francesa, que em determinada época era
a Cidade Cultural do Mundo Civilizado. Mas o que depunha contra a docente é que
era muito vaidosa, até arrogante e vivia se pavoneando. Como os alunos
identificavam: “muito metidinha”...
Então aconteceu que, bela manhã, lá estava eu na tal sessão burocrática,
solicitando algum documento, juntamente com outros alunos.
A referida professora chegou toda coquete... sendo Mestra, passou na
frente da fila (estava certo, hierarquia) e perguntou ao nosso amigo Chefe do
setor:
- ô Fulano (ele já é falecido,
vou ocultar o nome) você viu o meu
negócio?
- Como professora, a senhora ainda não
me mostrou!
Os alunos na fila começaram a rir. Sorrindo a professora levou na
brincadeira:
- Seu safado, você não toma jeito. Olha, o meu negócio não alugo nem
está à venda.
Nosso professor ponderou:
- Bem professora, questão de foro
íntimo, cada um tem as suas escolhas...
- Fulano, para por aí, antes que a
gente brigue.
Todos ficaram rindo.
Mas tem outros duplos sentidos que aprendi na minha querida cidade
satélite do Gama, DF. O pessoal brincava:
- Não confunda “viaduto” com “veado
adulto”!
Quando a outra pessoa reclamava algo, o primeiro dizia:
- Estou falando do animal, mente suja!
Mas tem outros trava-línguas mais amenos, culturais, como o título do
excelente livro “Três Tigres Tristes”, do escritor cubano que ficou muitos anos
exilado em Londres, Guillermo Cabrera Infante (1929-2005). Considerado uma obra
prima da Literatura Caribenha, retrata as noites de Cuba: estudantes
universitários, intelectuais, políticos, prostitutas.
O “Duplo Sentido” parece que é infinito. Tem o conhecidíssimo:
- A cachorra da Fulana é muito braba!
Alguém pode, seriamente, perguntar:
- Mas qual a finalidade dessa crônica?
Para explicar que existe uma parte da Linguística chamada “Sociolingüística”
que eu gosto muito.
Como destaque abordarei mais adiante o ótimo livro: “Dicionário do
Palavrão e Termos Afins”, de Mário Souto Maior, mais de três mil palavras
digamos ...
Antonio, o duplo sentido, ou como dizem os franceses, o "double entendre", ou aquilo que se escuta de duas maneiras, é sempre um dos testes para quem quer saber bem conversar...
ResponderExcluirPode ir do fino ao grosseiro, dependendo de como se sabe fazê-lo. E suas consequências, bem... também vão das divertidas às trágicas :)
Belo livro, os "Tres Tigres Tristes". Boa lembrança.
Um abraço do
Mano
o travalínguas original:
ExcluirTres tristes tigres
tragaban trigo
en tres tristes trastos,
en tres tristes trastos
tres tristes tigres
tragaban trigo en un trigal
1) Valeu Mano, o comentário e o complemento com o travalínguas !
Excluir2)O duplo sentido, às vezes, é uma forma de criatividade - como vc bem disse - às vezes, de forma inconsequente pode chegar ao óbito ...
3)Opto então ter tranquilas tergiversações.
Olá Antonio,
ResponderExcluirMuito bom esse tal de duplo sentido! Mas como você bem o disse, pode levar ao óbito.
Esperando pelo dicionário de palavrões. Adoro essas coisas!
Até mais.
1) Obrigado Ana. O apoio de vcs é ótimo !
Excluir2)O Dicionário tem umas preciosidades literárias. Abri ao acaso e encontrei: "Pé de Pano":
3)"O leitor talvez não saiba
O que significa Pé de Pano
no Maranhão esse apelido
É para qualquer fulano
que namora mulher casada
Pensando que faz engano".
4)Bom fim de semana !
Rocha,
ResponderExcluirImagino o que este tal de duplo sentido ou, muitas vezes, mal entendido, já não ocasionou de problemas!
Eu, por exemplo, depois que confundiram a minha gentileza em avisar ao motorista do carro ao meu lado que ele estava com a porta aberta, e o burro entender que eu o chamara de "boca aberta", e quase entramos em confronto, que cada um cuide do modo como anda, com exceção de portas traseiras, então ainda aviso ao distraído!
Ótimo texto, Rocha, que serve de alerta para evitarmos este tipo de situação constrangedora.
Um abraço.
Saúde e paz.
Antônio,
ResponderExcluirÓtimo tema e obrigado pela dica de leitura. Para além dos trava-línguas , os duplos sentidos, as sátiras, os trocadilhos denotam espírito, a capacidade de brincar com as pretinhas, de transformar uma delas em outra. Talvez influenciado pela ilustração do post me lembrei de que tais cascas de banana são a cara Shakespeare , um mestre no duplo sentido, o qual ele que cometia frequentemente, muitas vezes de um jeito "picante", com conotações sexuais , outras vezes para estabelecer o "contraditório".(rsrs)
Uma das linhas mais deliciosamente ambíguas do Bardo mora em Hamlet: "The rest is silence". Na língua inglesa REST quer dizer RESTO mas também significa DESCANSO. Então ...O RESTO é silêncio?...ou...O DESCANSO é o silêncio?
Porém note que, algumas linhas antes, Hamlet se encontrara com o tal do "fantasma" - a alma paterna ou o diabo ? - e que o novo personagem vindo do país "não descoberto" dissera ao príncipe que se encontrava proibido de falar dos "segredos da sua PRISÃO".
Sucede que hoje nós lemos Shakespeare mas antigamente ele era representado por atores em cima de palcos. Então a palavra REST pode ter ainda outro significado. Porque dita por um ator a coisa poderia soar contraída como...
Th'ARREST is silence. E ARREST significa PRISÃO .
Na verdade, a questão principal era , a essa altura do show , com Hamlet prestes a morrer, qual seria a sua parada seguinte, se o céu ou se o inferno. Essa é a questão que o preocupa a maior parte da peça. Ou seja , a PRISÃO , ou o castigo, ou o inferno , não poderiam ser justamente o ...SILÊNCIO ?
Nunca saberemos por que o escritor silenciou (rsrs)
Escreva mais sim sobre os trava-línguas, sobre os ditados populares,sobre a sátira na literatura brasileira e que o "casalinho" tenha um Feliz Dia das Mães