Moacir Pimentel
A maioria das pessoas parece tomar como verdadeiro tudo o que escuta na
TV ou lê na internet. Passamos a acreditar no que nos é dito entre plim-plins
globais, pelos amigos do Facebook, pelas manchetes dos jornais, pelos
comentaristas dos nossos blogs prediletos e a permitir que formadores de
opinião reescrevam por nós, sob medida e quiçá que patrocínios, a realidade.
É tão bom encontrar tudo já pronto para consumir, tão bonitinho e
mastigadinho! De resto é só dar um Ctrl-C / Ctrl-V - no caso da tchurma da
idade jurássica que usa email ou comenta nos blogs – ou um compartilhar ou um
share no Facebook e passar adiante. Diante do volume de informações com as
quais passamos a lidar, vale a pena ponderar qual a postura mais proveitosa: se
o ceticismo ou se a credibilidade.
Na verdade há centenas de milhares de anos a mente humana vem sendo
programada para reagir às novas informações. Mas de que forma? Nós acreditamos
de pronto em uma novidade ou tentamos primeiro entender, de modo que a crença
ou descrença venha depois de uma análise crítica de um novo assunto?
Esta discussão sobre se a crença é automática ou se a ela é um processo
posterior ao entendimento de um enunciado, vem acontecendo há pelo menos
quatrocentos anos. O filósofo francês René Descartes argumentava que a
compreensão e a crença eram dois processos separados. Que primeiro as pessoas
recebem a informação, analisam-na com atenção, para em seguida decidir o que
fazer, ou seja, acreditar nela ou não. Tal entendimento de Descartes parece
estar de acordo com a maneira ideal pela qual gostaríamos que as nossas mentes
trabalhassem.
Já o filósofo holandês Baruch Spinoza, um contemporâneo de Descartes,
tinha uma visão bem diferente. Ele pensava que o próprio ato de compreender uma
informação já era acreditar. Que somos capazes de mudar nossas mentes depois da
percepção inicial, quando nos deparamos mais adiante com uma prova em
contrário, por exemplo, mas que até esse momento, acreditamos em tudo.
A abordagem de Spinoza é desagradável porque sugere que temos que perder
tempo e energia extirpando as falsidades que outras pessoas possam ter
pulverizado aleatoriamente em nossa direção, seja presencialmente, seja pela
TV, pela internet ou qualquer outro meio de comunicação. Que cansaço!
Mas então, quem estava certo, Spinoza ou Descartes? Infelizmente a
ciência e a academia já provaram que Spinoza estava certo. Acreditar não é um
processo de duas etapas envolvendo primeiro entendimento e, em seguida, a
crença. Em vez disso fomos programados para crer, uma fração de segundo depois
de tomar conhecimento, até que outra faculdade – o poder de crítica – entra em
ação para mudar um processo mental concluído.
Nós realmente queremos acreditar. É tão mais fácil assumir que os outros
estão dizendo a verdade. O problema é que, à luz da afirmação de Spinoza, nós
só perguntamos depois…
Se calhar!
Pois tudo neste mundo – inclusive as nossas cabeças! – gira pela lei do
menor esforço. Simples e infelizmente os da nossa espécie têm preguiça de
questionar depois!
Essa nossa mentalidade crédula parece ser uma má notícia ou conversa
fiada ou apenas um argumento contra a liberdade de expressão. Afinal se
acreditamos em tudo que escutamos e lemos então temos que tomar muuuuuito
cuidado com o que escutamos e lemos.
A dura verdade é que é por uma falha humana básica todos nós somos muito
rápidos para acreditar, para engolir corda, para tomar as coisas pelo seu valor
nominal do que para envolver as nossas faculdades críticas e o nosso escasso
tempo em tantas “narrativas”.
Só que o ceticismo é saudável. Pesar a plausibilidade e a origem de uma
mensagem é cognitivamente mais trabalhoso do que, bovinamente, aceitar de saída
que a mensagem é verdadeira. Duvidar requer motivação adicional, tempo e
energia. Se o assunto não for muito importante ou se tivermos outras coisas
mais importantes em mente, o mais provável é que nossa cabeça seja feita, que a
desinformação se instale e que nós a passemos adiante. Só poderemos definir
informações como falsas e deixar de ser manada se passarmos a pesá-las como
plausíveis e, neste sentido, é sempre aconselhável avaliar a fiabilidade da
origem das mensagens que lemos, indo atrás do “link” original.
É preciso mais trabalho mental sim e, é claro, sempre checar a fonte das
notícias. Tem mais. Mentiras e desinformações podem tornar-se profundamente
enraizadas quando estão em conformidade com os nossos pontos de vista
preexistentes, sejam eles políticos, sociais e ou religiosos. A desinformação
não seria tão eficaz, sem o fator oculto mais emocional e comportamental. Così è se vi pare (Assim é se lhe parece),
já dizia Luigi Pirandello.
Só que a persistência da desinformação tem implicações bastante
alarmantes pois pode levar a péssimas escolhas, consequências desastrosas e
danos consideráveis.
Há que se concentrar em informações factuais e precisas, pois com o
advento da internet todos nós hoje fazemos conteúdos e, de certa forma, somos
jornalistas. Na tentativa de perseguir o sonho de um mundo melhor onde morem a tolerância
e o respeito à liberdade de pensamento e não se cale opiniões, não precisamos
abrir mão da nossa honestidade intelectual.
Melhor checar antes de fomentar a desinformação alheia.
1) Importantíssimo texto.
ResponderExcluir2)Vejo no povão, na massa, uma tendência a aceitar tudo o que a TV fala e as demais mídias. Acreditam piamente. E isso é estimulado para não se mudar nada.
3)Além do que foi sabiamente escrito pelo Pimentel, temos hoje as distorções, as interpretações com vistas a não mexer na posição ou cargo daqueles que socialmente dirigem a Nação.
4)O povo é ingênuo, em nosso caso brasileiro, trocaram a Escola pela TV, propositalmente o sistema trocou e é por isso que a Educação é tão desprestigiada...
5) https://www.vagalume.com.br/ze-ramalho/admiravel-gado-novo.html
6)Diz o refrão acima, do poeta Zé Ramalho: "Ê vida de gado, povo marcado, povo feliz".
Vizinho Antônio,
ExcluirNa testa! Essa receita do pão e circo ...ó....é velha! Quanto mais alienado e desinformado e ignorante e distraído e dependente for um povo , mais manipulável e bovino ele será. Daí é só a gente se perguntar como fazia o prezado Hercule Poirot:
“A quem interessa o crime?”
Abração
ResponderExcluirÉ isso aí, Moacir. Você disse quase tudo. Faltou o mais triste. Se discordo das mensagens 'compartilhadas' sou bloqueada ou excluída kkk Obrigada!
Mônica,
ExcluirObrigado pelo ótimo comentário! Bem, não creio que você leve a sério os seus “amigos” do Face. Mas é triste sim que as tribos que sempre moraram no planeta azul tenham involuído para guetos. É lamentável que na era das comunicações a desrazão, a crença cega e o radicalismo impeçam que , até mesmo no éter, as pessoas se reúnam para aprender com as suas diferenças.
Abração
Caríssimo,
ResponderExcluirVivemos tempos extremos: ou concorda ou vira inimigo, por maneiras como a Mônica destacou acima. A ignorância estimulada, a mentira repetida, a vitimização seguem como mecanismos eficientes para garantir mais do mesmo - como refere o Antonio mais acima -, manutenção de posições individuais, de privilégios de toda sorte e estagnação coletiva. Afinal, é esse conjunto nefasto que mantém tudo exatamente como está.
Aos crédulos de primeira e de todas as horas, Pirandello cai como uma luva. E se junta ao velho ditado popular "O pior cego é aquele que não quer ver". Abração.
Grande Mestre Heraldo,
ExcluirIsso é o que eu chamo de um comentário inteligente e oblíquo (rsrs) E vou continuar na mesma língua.
Tem coisa melhor do que a sabedoria do povo de todas as nossas aldeias nos ensinando que Seguro morreu de velho e Desfiado ainda está vivo ou que quando o mar bate na pedra quem se lasca é o mexilhão e que pra quem tá se afogando jacaré é tronco?
Abração
Moacir, quando você diz "Mentiras e desinformações podem tornar-se profundamente enraizadas quando estão em conformidade com os nossos pontos de vista preexistentes, sejam eles políticos, sociais e ou religiosos", você toca num ponto crucial que é o que se chama, em psicologia, de "viés de confirmação": tendemos a prestar mais atenção e a dar mais crédito a coisas que estejam de acordo com o que achamos e em que acreditamos. Isso é um grave impedimento à discussão esclarecida, e muito mais agora, quando, mas mídias sociais, as pessoas não estão frente à frente para se explicarem. Isso, levado ao extremo, é o que causa aquilo de que a Mônica reclama, com muita justeza, as pessoas estão simplesmente fechando as portas aos argumentos contrários aos seus próprios, bloqueando definitivamente a palavra de quem pense diferente.
ResponderExcluirIsso é eliminar a segunda etapa da compreensão segundo Spinoza - não nos deixamos chegar ao ponto de exercer uma verdadeira crítica da idéia alheia. E estamos ficando com o pior dos dois mundos - nem a razão pura do Descartes nem a avaliação crítica do Spinoza :)
Wilson,
ExcluirPois é. Parece-me , no entanto, que enquanto tanta gente por aí fecha portas e ergue muros e bloqueia a palavra dos que pensam diferente, você milita no time de São Tomás de Aquino:
“Hominem unius libri timeo!” ou “Cuidado com o homem de um livro só!” – em livre tradução (rsrs)
E que, não se dando por satisfeito, às custas de muito trabalho, abriu uma trincheira civilizatória, uma casa acolhedora, uma mesa de bar virtual , onde todos são bem vindos e na qual só está errado quem começa a conversa completamente certo.
Sim , penso como você no sentido de que a argumentação é inescapável e de que nos empobrece esse “viés” perverso , essa recusa sistemática de ler ou ouvir com desassombro opiniões das quais divergimos.
Aproveito para mais uma vez agradecer-lhe pela oportunidade que oferece a todos nós, de alargar nossos horizontes para além das nossas geografias e práticas, através de tantas boas conversas.
Um grande abraço
Pimentel,
ResponderExcluirNota dez! Para o artigo e os comentários. Uma vez perguntei a um amigo como fazia pra estar sempre bem informado. Ele me falou que toda noite navegava da extrema direita para a extrema esquerda se detendo no centro onde começava a pensar. De cowboy na mão para ajudar a descer. É por aí.
Caro Sampaio,
ExcluirAssino embaixo. Quanto mais diversamente se lê, melhor se pensa.
ResponderExcluirMoacir,
Um artigo de utilidade pública. Coitados de nós entre os lobos vestidos de ovelha que pensam que a sociedade é mentecapta e não se dão nem mais ao trabalho de ser inteligentes ao desinformar. A maioria se contenta de ler as manchetes contando a história ao inverso. Quando é capaz de ler. É assustador porque só resta tentar não cair no engodo não participar do teatro e rezar.
Um abraço para você
Flávia,
ExcluirEu sei que você não se assusta fácil e que tem fé. A julgar pela qualidade dos comentários nesse post, a “sociedade” não é mentecapta. A luz no fim desse túnel, embora precária no momento, será a educação. Como não sei rezar e como a capacidade cognitiva dos indivíduos é desenvolvida durante os primeiros anos de vida, estou no momento apostando todas as minhas fichas nos miúdos, nos meus netos, nos nossos netos, nos netos de todo o mundo, numa futura geração de modestíssimos quixotinhos que salvará o mundo em um futuro ainda distante.
Outro abraço para você
Muito bom, Moacir. Leitores on-line devem ser mais do que céticos. Informações que desconhecemos ou que divergem da nossa compreensão atual de qualquer assunto devem ter sempre as fontes verificadas. Dá trabalho mas vale a pena manter a cabeça livre de entulho virtual.
ResponderExcluirMárcio,
ExcluirPara começo de conversa você me fez lembrar dos poemas de Bertolt Brecht sobre o aprendizado nos quais ele grita:
“Não tenham medo de questionar, camaradas! Louvada seja a Dúvida! Desconfiai! (rsrs)
A internet é uma ferramenta e não um atalho para o conhecimento e devemos sim nos preservar driblando os desinformadores de opinião e os preguiçosos mentais que tentam pular etapas no aprendizado googlando e copiando.
Como nos comprometemos com os conteúdos que passamos adiante, é muito importante sim checar tudo parodiando e adotando como princípio aquela famosa frase que o Google atribui ao Voltaire: eu posso concordar ou não com as suas palavras, mas sempre lhes checarei as fontes.
Olá Moacir, Adoro seus escritos polemicosos, que ainda dão gerar outros posts, pelos menos muitas dúvidas na minha cabeça meio doida! Faço meu o comentário do Márcio Sampaio. Posso? Até sempre mais, e bom domingo para vocês!
ResponderExcluirCaríssima Donana,
ExcluirEu acho que a senhora trocou o sobrenome do autor do seu comentário sobre o meu “polemicoso” rascunho (rsrs) E daí? Aqui entre nós e baixinho - e com todo respeito e pedindo licença ao Sr. Editor! - muito aprecio “cabeças meio doidas”. Nesse contexto desinformativo acabo de me lembrar de um poema que, faz algum tempo, me mandaram assinado pelo Oscar Wilde que no entanto jamais o escreveu. Não sei quem cometeu os versos mas não importa pois como a senhora tão bem diz sobre a arte: “basta ser”.
“Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice.
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou
Pois vendo-os loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que “normalidade” é uma ilusão imbecil e estéril.”
“Até mais”
Pimentel,
ResponderExcluirAlguém já disse que a informação seria o bem mais precioso neste mundo atual, razão pela qual o sucesso dos noticiários e nas suas mais variadas formas de divulgação.
Portanto, somos ávidos por notícias, que se confundem com boatos, intrigas, contrainformação, e até mesmo com mentiras.
De modo a se peneirar o que serve e o que não serve, o que é realidade ou ilusão, a fórmula curiosamente vem sendo oferecida há muito tempo, que é o estudo, o conhecimento, exatamente o aparelho que refutará o que presta e o que não presta, arquivando o útil e agradável em detrimento de inutilidades e suposições.
Agora, cabe a nós filtrar a fonte de "conhecimento" ou a quantidade de imbecilidades que fatidicamente iremos divulgar, participando de um círculo vicioso que nos conduz à mediocridade e a tal cultura inútil ou, como se dizia no passado, conhecimentos de almanaques, apenas superficiais.
A lamentar é que somos muito mais propensos às bobagens que a verdade, pois Millôr Fernandes definia que, "se todo mundo quer saber é porque ninguém tem nada com isso".
A célebre escritora gaúcha, Martha Medeiros, também explica muito bem essa questão, ao afirmar:
"Não fale, não conte detalhes, não satisfaça a curiosidade alheia. A imaginação dos outros já é difamatória que chegue".
Excelente postagem, Pimentel.
Um forte abraço.
Saúde e paz.
Bendl,
ExcluirA informação e a opinião são direitos que os da nossa geração lutaram para ter.Tomar alguns cuidados para garantir a qualidade da informação é café pequeno.
Calar uma opinião, “bloquear ou excluir”, rouba muito mais daqueles que discordam dela, do que daqueles que a defendem. Pois se a opinião contrária for válida, somos privados de trocar o erro pelo acerto. Se, em vez, ela for falha, perdemos a chance de vê-la batendo de frente com a verdade. E finalmente se ambos os lados estiverem parcialmente certos, negamos a todos o direito de aprender, de avançar, do crescimento resultante do conhecimento e da fusão de duas verdades parciais.
Dia destes você perguntou quais eram os filósofos do presente e hoje aproveito para falar do velho Jürgen Habermas que muito tem contribuído para à compreensão e consequente valorização das comunicações hoje em dia. Ele fala, por exemplo, de “esferas públicas”, lugares onde pessoas se encontram como iguais, como aqui, para administrar diferenças, para tentar achar sentido e direção baseados na razão, sem atropelar os fatos e a lógica.
Aprender a respeitar as opiniões uns dos outros desde que honestas e fundamentadas, é o que se quer.
Obrigado pelo seu pertinente comentário
Saúde e paz e outro forte abraço