Antonio Rocha
Nessa época eu era Sub-Síndico (Membro do Conselho
Fiscal nas funções de...) do prédio onde resido. Belo dia eu ia saindo, às
pressas, para levar minha filha na Escola quando na portaria presenciamos um
bate-boca entre duas vizinhas que não se davam e que já não moram mais no
edifício.
Não liguei para as alterações de vozes das mesmas e
saí para a minha tarefa, visto que, depois, iria para o trabalho.
Então, uns dias depois, estávamos eu e Heloisa em
casa, como sempre eu lendo e ela ou bordando ou fazendo outra coisa. Nossa
filha na escola.
A campainha toca, interessante que não chamou no
interfone. Veio direto para o andar onde estamos. Heloisa estava próxima, olhou
pelo olho mágico e não reconhecendo perguntou:
- Quem é?
-É a Polícia,
tenho uma intimação para o Sr. Antonio... E falou o meu nome todo.
Espantada ela abriu a porta e perguntou:
- Antonio, o que
foi que você fez?
Me levantando respondi sorrindo:
- Dessa vez não
fiz nada, sou inocente.
O policial entrou. Era uma intimação para eu
comparecer à Delegacia do bairro. Assinei e me prontifiquei a ir ao local.
Uma das vizinhas que discutiram na portaria do
prédio, tinha registrado queixa, alegando ameaça de morte. E me arrolaram, não
sei se o termo certo é esse, como testemunha, sem eu saber.
No dia seguinte, lá fui eu ao Distrito Policial.
Feitas as documentações de praxe, fui chamado para depor lá dentro em uma mesa.
Esclareço que fui educadamente atendido do início ao fim. De quando cheguei à
Delegacia até sair.
Respondi que não presenciei nenhuma ameaça de
morte, ninguém estava armado, nem com arma de fogo, nem faca, nem similar.
Apenas vi e ouvi duas vizinhas brigando, as quais sempre brigaram, desde que
fui morar no imóvel e não me preocupava com a vida alheia. Na condição de
subsíndico minha tarefa era ajudar na boa manutenção do prédio.
Então a investigadora que me perguntava, questionou
se eu ouvira muitos palavrões.
- Sim respondi,
muitos palavrões, muitos termos chulos, palavras obscenas, mas nada que caracterizasse
ameaça de morte.
Por fim esclareci:
- Eu sou
professor de Português e vejo os palavrões como uma interjeição, uma
exclamação, um desabafo. Não é para humilhar a pessoa ou diminuir, apenas um
recurso de Linguagem.
Tudo isso foi anotado no meu depoimento.
- Inclusive, uma
das pesquisas que fazemos na Faculdade é na área de Sociolingüística, estudando
os palavrões. Até, digamos, um pretexto literário. Como a gente diz: pré-texto
e o texto pode ser no âmbito da Literatura Oral... Comunicação e Expressão...
Nada mais havendo a acrescentar. Assinei e fui
liberado. Uma outra testemunha arrolada foi outra vizinha, uma senhora já
idosa, filha de um pastor protestante. Não presenciei o seu depoimento, mas
pelo que percebemos foram parecidas nossas falas, sem termos combinado nada,
claro, pois um não sabia que o outro tinha sido intimado.
A polícia percebeu que, pelo emocionalismo da
discussão, a que registrara a queixa viu demais e ouviu demais.
E esta, é mais uma crônica para abordar o Palavrão,
uma introdução à Resenha do Dicionário.
Uma das coisas que eu acho bonita na Lingüística é
que “rezar e xingar” são matérias pesquisáveis, estudáveis, temas de algumas monografias,
dissertações de mestrado, teses de doutorado e afins.
Uma professora já aposentada que eu admirava muito
fazia uma pesquisa de pós-doutorado em gírias.
Ou seja, porque uma pessoa fala assim ou assado?
Isso tem implicações em sua família, em seu grupo social, econômico etc.
Lembro de memorável entrevista ao jornal
humorístico Pasquim, que na década de 70 conversou com um falecido juiz de
futebol, e ele disse que levava na esportiva... era assim que se falava
antigamente e ele declarou:
- Tenho a mãe
mais xingada do mundo, mas ela não liga para essas coisas...
1) Gravura muito boa, parabéns Mano !
ResponderExcluir2) Aproveito para desejar a todos um Feliz Dia de Santo Antonio, meu xará e amigão.
3)Ele ajuda todo mundo, é gente boa, mesmo quem não acredita.
4)Abraços Antoninos !
Antonio, acreditamos piamente no você disse à sua senhora que "daquela vez não tinha feito nada", mas confesso que todos devemos estar curiosos para saber sobre... as outras vezes :)
ResponderExcluirAntonio,
ResponderExcluirGostei muito do post. Eu concordo como você que palavrão é expressão tanto que cada um deles tem várias funções distintas como ofender, descrever, enfatizar, demonstrar surpresa e por aí vai. Nós ensinamos às crianças que é grosseiro dizer palavrão e aos poucos elas vão se censurando mas quando nós entramos em contato com palavrões em uma língua estrangeira , agimos exatamente como nossos netinhos.
No início da "conversa" apenas os repetimos porque achamos bacana mas não sacamos nada. Um exemplo? A maioria dos povos nativos falantes da língua inglesa levam a sério o tal mandamento “ não dizer o nome de Deus em vão”. Dizer “My God” ou jurar “By God” é de péssimo tom. Os cara-pálidas modificaram tais interjeições para “Oh My” ou “My Gosh” e olhe que mesmo esse linguajar é considerado vulgar. Para os latinos nada disso faz o menor sentido, não tem nada a ver e então lá vamos nós horrorizando a galera com os nossos onipresentes e inocentes “Meu Deus”! Afinal onde já se ouviu dizer que a palavra Deus é palavrão? Mas é sim e “pecado” e mais execrado do que aquela palavrinha que começa com F.
Por outro lado, mesmo sabendo o significado de, por exemplo, palavras como shit e bullshit elas parecem aos aprendizes muito mais sofisticadas do que a nossa m@rd@ e dizê-las dá uma certa satisfação sem culpa. O fato de não termos uma associação pessoal com tais palavras, faz com que elas não soem cruas e obscenas e ofensivas. Dizer palavrões em outro idioma não é o mesmo que dizê-los na língua mãe porque estamos menos ligados emocionalmente à segunda lingua e portanto nos falta conexão direta com o poder dos palavrões. Não sei porque é assim.
Mas entendo que saber quando e onde e como usar palavrões é uma parte importante da aprendizagem de um idioma. Aprender sobre os significado, peso e lugar dos palavrões em uma língua estrangeira, é perceber os dois contextos: o nosso e o deles e traduzir acertadamente. Dizer palavrões consciente e devidamente na língua alheia ajuda a entender a cultura e, portanto, a própria nova linguagem e é, com certeza, o primeiro passo para a fluência.
Desculpe se me alonguei e/ou desgalhei do assunto policial mas realmente assino embaixo quando você diz que “rezar e xingar” são matérias a serem estudadas. Quem sabe se alguém em uma dessas “monografias, dissertações e afins” já não explicou os porquês da minha “tese” ? (rsrs).
Abração
1) Pimentel, seu comentário foi brilhante !
Excluir2)Gostei das suas teses.
3)Abraços !
1) Prezado Mano, digamos... foi uma força de expressão:
ResponderExcluir2) Continuo inocente !
3)Antes de inventarem qualquer notícia !
Olá Antonio,
ResponderExcluirGostei do seu texto e do comentário do Moacir. É isso mesmo.
Gosto de palavrões , nada substitui um bem usado!
Fiz questão que meus filhos fizessem o antigo pré e primário em escola pública. E antes de começarem as aulas ensinei a eles quase todos os palavrões que conhecia. Melhor aprender em casa...
E mesmo assim, depois que aprenderam a ler, viam coisas no Pasquim e vinham com cada pergunta embaraçosa!
Um deles ainda bem pequeno segredou-me que quando crescesse não ia ser boca suja como eu. Barbaridade!
Até mais.
1) Fez muito bem Ana, ensiná-los em casa é melhor.
Excluir2)Abraços !