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Moacir Pimentel
O rio de pessoas que avança continuamente pelas Ramblas – a avenida de
pedestres mais famosa de Barcelona - só para quando a fachada metálica do
Mercat de la Boquería aparece encravada entre os edifícios históricos. Mas a
sua simplicidade não antecipa o seu intenso mundo interno ou a extensa história
da qual é consequência.
Há algo sobre a terra ancestral em um mercado de alimentos. É como se
olhar para as pilhas de batatas e tomates e legumes fizesse a gente se sentir
como se os tivesse plantado e colhido.
Creio que me encantei pelos mercados da vida aos vinte anos, em Roma,
onde costumava ir de manhã muito cedo ao mercado de Campo de Fiori para, depois
de dar bom dia à estátua do Giordano Bruno, comprar os ingredientes para as
refeições diárias do velho senhor para quem trabalhava.
Depois, passei a comprar roupas de segunda mão e a negociar preços no
velho mercado de Porta Portese e então vieram as medinas árabes, os coloridos e
espetaculares mercados de rua indianos e aqueles fluviais da Tailândia e
pronto! Fiquei viciado.
Dizem que não há maneira mais rápida de se aprender uma língua
estrangeira do que namorar uma nativa falante. É verdade (rsrs) Da mesma forma,
a culinária é o caminho mais curto e prazeroso para se entender um povo. O
alimento é sobre o cotidiano, sobre a lida e diferentemente da filosofia e da
arte que apenas valorizam a vida, ele tem o valor da sobrevivência.
Os mercados públicos possuem algo de vital, algo de saudável e
sustentável ao se escolher cuidadosamente ingredientes frescos e saborosos e
levar o necessário para o preparo de refeições caseiras. Eles têm uma qualidade
a um só tempo animada e relaxada, uma lentidão agradável que torna divertido
estar lá e difícil dar as costas aos vendedores animados, aos produtos de
qualidade e aos aromas gloriosos.
Mas não são apenas os produtos que tornam os mercados especiais. Nesta
época plástica, quando quase tudo que consumimos vem com uma data e um prazo de
validade é como se nós perdéssemos o contato com nossos sentidos. Em um mercado
nós voltamos a olhar, tocar, cheirar, mordiscar, perseguindo a qualidade e
implorando pela aventura do estranho e maravilhoso.
Para qualquer amante de comida – por favor me inclua na categoria - o
mercado público La Boquería em Barcelona é um destino de peregrinação, um
surpreendente paraíso de alimentos deliciosos capazes de tentar um santo de
pedra e a mais radical das anoréxicas.
No ano 13 AC o imperador Augusto fundou a colônia Iulia Augusta Paterna
Barcino Faventia. Dona Lenda insiste em afirmar que as raízes do Boquería podem
ser escavadas no Barcino romano e que, no século IX, por ali já batiam ponto
mercadores ambulantes de carne. Há registros históricos provando que desde
1217, no local funcionou um mercado a céu aberto. O certo é que o Mercat de Sant
Josep de la Boqueria foi construído a meio caminho entre o mar e a atual Praça
da Catalunya, no mesmo lugar das Ramblas onde, em 1835, fora queimado o
Convento de Sant Josep. O fato é que o primeiro mercado público de Barcelona
foi inaugurado em 1870.
Se tais datas forem precisas, elas fariam do Boqueria um dos mercados
mais antigos ainda em funcionamento do mundo, como o Grande Bazar de Istambul.
Porém e com certeza ele é um dos principais, ao lado de outros de grande
estirpe como, por exemplo, o da Rue Mouffetard com sua atmosfera medieval e os
edifícios que datam do século XII perto do bairro latino de Paris ou o de Les
Halles em Lyons, que muitos identificam como sendo a capital culinária da
França pois situa-se entre as áreas agrícolas mais ricas do país.
Ou como o Mercado Vucceria, em Palermo, na Sicília, maravilhoso e
caótico, colorido e barulhento, que se estende por quilômetros e cujas origens
remontam ao regime sarraceno da Sicília no século IX.
Dignos de menção honrosa entre os italianos são ainda os mercados mal
cheirosos de peixe da Porta Nolana, sob um dos portões da muralha da cidade de
Nápoles e o apaixonante Pescheria, escondido sob os arcos ao lado da Ponte
Rialto em Veneza onde as gôndolas carregadas de produtos frescos brilham sob o
sol nascente.
Para não falar dos incríveis e exóticos mercados fluviais de Bangkok e
do Viktualienmarkt em Munique, onde se toma cerveja de trigo e come-se as
saborosas linguiças de porco com saurkraut; do londrino Borough Market,
inundado por cogumelos selvagens, enguias defumadas e muita cidra; do Központi
Vásárcsarnok, o mercado central de Budapeste que mora em um edifício Art
Nouveau do século XIX, foi desenhado por Gustave Eiffel e cujas barracas vendem
de cebolas a caviar russo.
Sim, eu gosto imenso de mercados. E confesso que um dos meus prediletos
é justamente o Boquería mesmo que ele tenha se tornado uma das principais
atrações turísticas da cidade por algumas razões simples: localiza-se na
artéria mais famosa de Barcelona – Las Ramblas! – a exibição de todas aquelas
coisas comestíveis é de impressionante beleza, seus produtos são impecáveis e
por lá come-se muito bem e barato.
Então apesar do turismo circundante, o Boquería ainda vale a visita
porque quando se vê tudo aquilo... Caramba! É amor à primeira vista!
Ao entrar no mercado, de saída, somos surpreendidos por barracas
recheadas de guloseimas, doces, chocolates, pirulitos e muitas outras delícias!
Já imaginou um picolé de Mojito? Aquelas são as barracas mais coloridas e mais
saborosas para as fotos! Se você é chocolátra(o), muito cuidado e – atenção! -
as amêndoas caramelizadas do Mercat de la Boquería são altamente viciantes!
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Em seguida, aparecem os quiosques de frutas, verduras e legumes vendendo
de tudo: das cerejas às goiabas e mangas. As frutas também são
vendidas cortadas e embaladas em copos transparentes com talheres. Muito
prático para quem não aguenta a tortura de ver tanta coisa gostosa sem experimentar!
Frutas exóticas como abacates e mangostins e pitaias sul-americanas e
asiáticas ganham destaque nas barracas. Os vendedores de frutas não param um
minuto sequer ocupados em colocar as cerejas brilhantes em caixas e a preparar
maravilhas com as pitaias, o que nos dá a certeza de que são movidos pelas
vitaminas que vendem.
Todos são especialmente cuidadosos na apresentação dos produtos e
portanto encontramos arranjos e combinações estupendas de formas e cores, das
laranjas e bananas às uvas e maçãs de muitas cores.
Este capricho estético - o que não exclui os deliciosos sabores de todo
o mundo - se repete em todo os quiosques, desde aquele mais sofisticado que
vende os vinhos D.O.Q de Priorat - a única região vinícola espanhola que,
juntamente com a de Rioja, obteve a denominação prestigiada de
"qualificada" - até a banca modesta que comercializa bacalhau
salgado.
Ao lado das barracas de frutas moram os quiosques dos sucos de variados
e inenarráveis sabores e misturas. Já experimentei um de mirtilo com coco.
Pense em um casamento estranho mais interessante! Durante nossas estadias em
Barcelona, vira e mexe vamos ao mercado só para isso: tomar um delicioso suco
logo ali na entrada.
E o que mais? São cerca de trezentos quiosques ao longo de onze corredores
nos oferecendo os manjares dos deuses: pernas de porco curadas penduradas como
cortinas; montanhas de nozes, e amêndoas e castanhas; estranhos cogumelos
almiscarados; frascos gigantescos de cascas de frutas cristalizadas, chocolates
de todos os feitios e recheios.
As pessoas ficam ali paradas no vão central, meio atordoadas, incapazes
de decidir se seguem em frente pelo corredor onde moram os picolés e sorvetes
em direção a outro mundo povoado pelos frutos do mar da costa espanhola e de
outros mares e rios: mexilhões, camarões, ostras, navajas, almêijoas, lulas,
sépias deliciosamente expostos.
O peixe é parte da dieta mediterrânica e o mercado reflete isso: entre
peixe fresco, peixe congelado e salgado, há mais de cinquenta quiosques. As
luzes do teto abobado que brilham sobre seis mil metros quadrados de comida se
refletem nas escamas prateadas e vermelhas dos peixes de olhos claros e dos
frutos do mar sendo tratados e arrumados sobre camas de gelo triturado,
enquanto caranguejos vivos são pesados com destreza profissional. Olhando olho
no olho dos bichos, escolhe-se o mais fresco e apetitoso.
E depois?
É só levar o salmão, ou o mojama – atum! - ou o polvo para outro
quiosque muito animado - de nome La Ramba - o único lugar do mercado onde você
pode levar seus próprios ingredientes para que sejam grelhados na plancha – um
tipo de churrasqueira! - por uma pequena taxa. E saborear um peixe honesto com
uma cerveja gelada depois de filés de boquerones – anchova! - de entrada, é
claro.
Os mini polvos que fecham a montagem fotográfica acima com chave de ouro
são chamados de chipirones, uma especialidade local tão emblemática da cozinha
catalã quanto o polvo, o atum e as anchovas. Mas em uma das peixarias mais
respeitadas do pedaço, as lulas da Dona Marta também são lendárias.
São deliciosos os quiosque de azeitonas acima do peso, onde nos deixam
“provar” com fartura para descobrir que as do norte são mais amenas que as do
sul, geralmente amargas e/ou picantes. E, bem ao lado, na Bacalharias Gomá,
mora um rei: o Bacalla d'Importacio, claro e salgado e oriundo da Islândia.
Aparentemente os Gomá estão entre os pioneiros fundadores do La
Boquería. Hoje o quiosque é o feudo de Dona Carmen que com uma cara de poucos
amigos coordena o negócio de takeaway no estilo catalão: peixe e batatas fritas
em cones de papelão, os pintxos – espetinhos! – e os buñuelos de bacalao. Foi
ali que experimentamos pela primeira vez uma posta de bacalhau lustroso e
carnudo lambuzada por um mel estranho antes de ser grelhada. Huuuum!
Quem vira à direita logo na entrada descobre os produtos do monte a
começar pelos queijos. Na Boquería se tropeça em montanhas de queijos
diferentes que enchem o ar com uma pungência surpreendente mas deliciosa. São
queijos feitos à mão de leite de cabra e de ovelha e de vaca, e uma variedade
de outros produtos lácteos recém fabricados.
Dizem os safos nativos que aquilo que não se encontra na Boquería não
vale a pena comer. Lá estão coisas que aprecio enormemente como as conservas e
compotas caseiras e os pães rústicos de campanha. Ah, o cheirinho de pão fresco
e crocante no ar. E que tal um sanduíche de cordeiro assado fatiado bem
fininho? Nada disso! Eis que aparece o presunto serrano!
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Foi na Boquería que aprendi que os melhores presuntos ibéricos têm
cascas muito escuras e que a carne de porco de maior qualidade é a dos animais
menores alimentados à base de bolotas de carvalho.
Entre as dezenas opções de provas e beliscadas enquanto passeamos por
esse parque de diversões comestíveis não se pode pular o jamón Ibérico. Os
presuntos curados ficam todos pendurados, esperando para ser cortados e nos
provocando água na boca. Parecem pedir: “Provem-nos”!
Não nos fazemos de rogados e, em vez de levar para comer mais tarde no
quarto do hotel, fazemos como os nativos que desfilam pelas ruas de Barcelona
com cones nas mãos, só que cheios e transbordantes de jamon serrano e não de
sorvete! É pegar e comer a iguaria cuja espetacular profundidade de sabor vai
se acentuando enquanto mastigamos.
Quem aprecia a carne branca termina no quiosque Avinova com sua gama
estonteante de pássaros, coelhos, aves de caça e caracóis oriundos da Catalunha
e da França . Fazem sucesso os animais alimentados com alecrim.
Além de todas as criaturas comestíveis de duas pernas, na Boquería
encontramos ovos de todas as cores e tamanhos: de peru, pato, frango, codorna,
cisne ou de emu. Pois é. Eu não me contive e perguntei e trata-se de uma
parente próxima e australiana da avestruz.
As horas passam rápido - e salivadas! - pelas alamedas coloridas de La
Boquería, de quiosque em quiosque, de sabor a sabor, das azeitonas aos brotos
de manjericão, dos ovos de codorna aos tomates maduros, dos chocolates às
frutas cristalizadas e às nozes caramelizadas, dos sucos de fruta ao picolé de
mojito, das vieiras às navajas, dos peixes aos leitões, das especiarias às pimentas
secas.
Chama a atenção nas gôndolas além do requinte das exibições dos produtos
de mar o exotismo dos frutos do monte, a variedade das carnes – corações,
coelhos, cabeças de cordeiro, leitõesinhos inteiros - e tantíssimos fumados e
embutidos e foie gras.
Os vibrantes quiosques de especiarias coloridas exibem uma enorme
variedade de perfumados temperos: açafrão, curries indianos e malaios
autênticos, ervas secas, folhas de louro enormes, tempero tikka muito rústico,
que inclui pimentões secos, paprika vermelha viva, flocos de cebola e sementes
de cominho picante. E, como se não bastasse a variedade de valentes temperos do
vasto mundo, ainda oferecem às senhoras a oportunidade de misturar especiarias
para formar seu próprio tempero especial em sacos de tecidos. Pense em um
quiosque cheiroso!
Devo confessar que face a todo esse assalto aos meus sentidos, tonto
diante de tão grandes e súbitas tentações, eu tenho que me segurar durante às
loooongas conversas gastronômicas para não girar à esquerda e correr na direção
dos bares de tapas onde se pode sentar no balcão e abrir de uma vez o
expediente com una copa de Cava e dar umas deliciosas mordidas em qualquer
coisa boa como, por exemplo, uma empanada!
O mercado tem dezenas de pequenos bares onde via de regra os nativos
esperam de pé, para comer os quitutes preparados à sua frente como as truitas
de patates ou o feijão branco típico da capital catalã preparado em panelões
por senhoras usando impecáveis aventais brancos.
Aquela cornucópia bem ali no coração de Las Ramblas é também um ímã para
os turistas de olhos arregalados que, em determinadas horas, superam os nativos
presentes exclamando “meu Deus!” em todas as línguas do planeta azul...
“Oh My, Mon Dieu, Mein Gott!”
E fotografando o espetáculo de cores em vez de experimentar-lhe os sons
cheiros, perfumes, texturas e sabores. Meus Deus, pergunto eu, como não comer
um daqueles xuxos?
Um xuxo é um cruzamento entre um croissant e um eclair vendido em
qualquer café de Barcelona. E os xuxos do Juanito são os melhores da cidade.
Esse tal de Juanito é uma unanimidade tão grande que, desconfiados que somos
das indicações pavlovianas, sentamos pela primeira vez nos baquinhos do bar de
tapas dele – o famosérrimo Bar Pinotxo! – com um pé atrás quanto a sua tão decantada
“autenticidade”. Terminamos fregueses (rsrs)
Dizem que a família de Juanito Bayén, capitaneada pela senhora sua
bisavó, costumava estar na rua de trás do La Boqueria às quatro da manhã
cozinhando para os trabalhadores que, nas madrugadas, abasteciam o mercado na
virada dos séculos XIX e XX. Hoje o Bar Pinotxo é a primeira coisa que se vê
quando se entra no mercado pela entrada principal das Ramblas.
É bom demais chegar na Boqueria morto de fome às 8 horas da matina e ir
direto para o Pinotxo famoso pelo café da manhã “dos campeões" que oferece
no cardápio mais de uma dúzia de ovos mexidos e omeletes diferentes, servidos
com aquelas torradas esfregadas com tomate e alho típicas de Barcelona. E pense
em um café realmente bom! No Boquería entre uma miríade de coisas
irresistivelmente boas está o café perfumado recentemente moído.
Mas o definitivo destaque do café-da-manhã no Bar Pinotxo é mesmo o
substancioso prato de feijão garbanzo ao molho de sangue com chouriças e
morcilas. E não faça careta! Os feijões são magnificamente temperados e se nota
muito levemente o sabor sangrento (rsrs)
Quem realmente adentra o La Boquería de manhã muito cedo e antes dos
primeiros ônibus de turistas, olha em volta com enorme satisfação. O Boquería
não é apenas uma mistura de diferentes produtos de culturas diversas reunidos
sob o mesmo teto. É uma das peças mais interessantes da arquitetura da cidade:
uma estrutura de ferro enorme e ainda assim infinitamente delicada, sustentada
por colunas jônicas e iluminada pela luz solar filtrada pelos gigantes paineis
de vidro do teto que rodeiam uma rotunda central com cara de prima legítima das
belas loucuras de Gaudí.
Com certeza no interior do pavilhão de vidro de La Boquería rolam a cada
momento oportunidades de fotos memoráveis dos alimentos sazonais catalães e das
pessoas que os plantam e criam e vendem nos quiosques animados, em exposições
coloridas e vinhetas deslumbrantes que nos fazem querer levar para casa tudo
aquilo que não podemos experimentar no local, já que os vendedores são
generosos com as amostras grátis para aqueles com pinta de prováveis
consumidores.
Mas mesmo que a variedade e a quantidade de produtos disponíveis seja de
deixar qualquer um tonto e bobo à medida que nos dirigimos para os fundos do
mercado, para longe da multidão de turistas, percebemos que a qualidade tende a
subir ao passo que os preços descem.
O ambiente - o ritmo rápido, mas com um toque pessoal e amigável – é
muito agradável, ainda mais se fazemos paradas técnicas nos bares de tapas para
conhecer melhor tudo o que foi observado (rsrs)
Aliás um dos bares de tapas obrigatório mora exatamente na parte
traseira do mercado. Viva El Quim de La Boquería, um humilde e pequeno bar nos
seus primórdios que tornou-se um dos locais mais populares do mercado perfeito
para um almoço de sonho. Da diminuta cozinha do El Quim saem coisas bonitas e
deliciosas como, por exemplo, as tapas de lulas servidas na própria tinta beeem
salgaditas ou os ovos estrelados com chipirones ou a estrela do cardápio: cinco
tipos de cogumelos cozidos no Porto e servidos com cebolas e um tijolaço de
fígado de pato caramelizado. É de endoidar gente sã principalmente se
acompanhado por uns copos de bom tinto Rioja.
E de sobremesa?
Eu resolvi “conversar” sobre o mercado de La Boquería porque li
recentemente que passará por algumas mudanças. A explosão de cores e a
fascinante mistura de comidas de todos os tipos — de frutas exóticas a ostras e
de doces árabes a porco assado — vão continuar as mesmas, mas a Prefeitura da
cidade deseja resgatar a autenticidade do mercado, já que a população reclama
das multidões de turistas que impedem os moradores de frequentar os quiosques
para fazer suas compras diárias.
Parte importante da cena cultural e gastronômica catalã, o mercado
reduzirá gradualmente o número desses pequenos bares que vendem comida pronta,
dando mais espaço para alimentos frescos, como frutas, verduras e peixes. A
ideia das autoridades é limitar os pontos de degustação lá dentro, transferindo
os bares de tapas para as ruas laterais do mercado, facilitando assim a
circulação do público e das suas cestas de compras.
Não pretendo aqui fazer, como está fazendo a Prefeitura de Barcelona, a
louvação dos demais trinte e tantos mercados da cidade, diante dos quais
raramente se vê um ônibus turístico ou um japonês tomando uma raspadinha de
maracujá e continuarei um fã de carteirinha do mercado com turistas ou sem
turistas e recomendando veementemente La Boquería, sem dúvida o melhor naquelas
paragens.
Mas tem desaparecido de lá, nas últimas décadas, a antiga camaradagem, a
interação entre os vendedores e os clientes que se conhecem há anos, que
persiste no entanto, em dezenas de outros mercados de bairro espalhados por
Barcelona, como o Mercado Galvany, no bairro de Sant Gervasi, com seus azulejos
representando frutas maduras e seus belos vitrais ou o arejado Mercado de Santa
Catarina no Born erguido na década de 1870 como o primeiro edifício de ferro
fundido e vidro de Barcelona ou mesmo o pequenino Mercado del Ninot, no
Eixample.
No entanto, eu apoio a inicativa da Prefeitura da cidade. Gostei de ler
que La Boquería não permitirá que grupos de mais de quinze turistas tenham
acesso ao lugar até as 15hs às sextas-feiras e sábados inicialmente e que tais
providências poderão vir a ser diárias.
Na verdade quase oito milhões de pessoas visitam a capital catalã todos
os anos. E nesse número não estão incluídos os dois e meio milhões de
cruzeiristas, que apenas desembarcam dos navios para passar o dia na cidade e
que quase sempre acabam no Boquería. Para que você tenha uma noção do que
representam tais números, o Brasil inteiro recebe cerca de seis milhões de
turistas estrangeiros por ano.
A decisão da Prefeitura, é necessário registrar, foi tomada a pedido dos
próprios comerciantes. Os donos dos postos de venda do mercado pagam fortunas
para estar ali e os turistas, em sua esmagadora maioria, querem apenas olhar e
fotografar, entupindo os corredores e impedindo a circulação de clientes.
Para quem mora nas imediações, fazer compras no Boquería se tornou um
inferno e muitos velhos e fiéis clientes deixaram de frequentar o mercado há
muitos anos.
Sucede que, do outro lado do Atlântico, a classe média europeia não está
acostumada com a moleza, ninguém tem secretárias do lar, as pessoas vivem
existências corridas e portanto fogem como o diabo da cruz de tudo que lhes
complique a rotina, que inclui esfriar a barriga no tanque e a esquentar no
fogão, lavar o próprio banheiro, usar o transporte público e as próprias
pernas, caminhar até a padaria e o mercado para comprar o que comem
diariamente, encher o tanque de gasolina com as próprias mãos.
É o preço que se paga para não conviver com algo que faz parte das
nossas vidas: o cruel abismo social e, portanto, a mão de obra barata e
disponível para qualquer necessidade do dia a dia.
Só que nesse ritmo simplesmente não se pode, por causa de um tipo de
turismo não sustentável, perder uma hora e meia para fazer as compras que,
noutro mercado qualquer, seriam feitas em meros trinta minutos.
Nós os seus fãs de carteirinha não nos privamos das maravilhas do
Boquería cedo pela manhã ou à noite antes de voltar para o hotel da vez. Mas
diferentemente dos nativos que para fazer suas compras só têm disponíveis a
hora do almoço ou aquela corrida depois do trabalho, podemos evitar os horários
de pico, chegando antes ou depois das hordas invasoras, quando os vendedores
ainda acham divertido o fato de sermos “guiris” e o ambiente ainda está calmo e
o movimento normal permite que as pessoas interajam e é exatamente nisso que
está a graça, certo?
Mas aconteça o que acontecer a profusão de belos e coloridos e frescos
alimentos, seus cheiros e cores é esmagadora e o cenário é tão bonito que
enfrentaremos hoje e amanhã mesmo a maior das multidões para visitar La
Boquería.
Eu procurei você na Leiteira logo cedo e não encontrei nem uma palavra mas agora apareceu no mercado. Você arrasou, Moacir. Amei! Só de olhar as fotos maravilhosas já estava morrendo de fome na metade do artigo kkk. Obrigada!
ResponderExcluirMônica,
ExcluirÀs vezes a gente fica sem sinal de internet e não consegue agradecer os comentários exagerados (rsrs) "Obrigado!"
Embora atrasado passo só para lhe dizer que se algum dia visitar a cidade deixe a mala no hotel e corra para La Boquería: é o melhor da festa!
Abração
Oi?! Acho que entrei no lugar errado mas daqui não saio. Isto é que é post!
ResponderExcluirMárcio,
ExcluirDigamos que todas as estradas levam à mesa e que comer em Barcelona já faz a viagem valer a pena. Que bom que aprendi a falar a sua língua (rsrs) Bom apetite!
1)Belos parágrafos e fotos desfilam diante dos meus olhos.
ResponderExcluir2)Leio as linhas, contemplo as fotos... e como aprendo !
3)Parabéns Pimentel !
Vizinho Antonio,
Excluir"Gratidão!" É importante aprender também - à parte as delícias e belezas da Boquería - que qualquer cidade que se sacrifica no altar do turismo de massa e passa a ser um parque temático acaba com a qualidade de vida dos seus moradores.
Abração
Moacir,
ResponderExcluirAs suas palavras e fotos me trazem lembranças deliciosas. Saudades de Barcelona e dos tempos em que todos frequentavam as feiras dos bairros. O mercado da Boqueria anos atrás era das donas de casa e outros moradores das Ramblas e não tinha multidões de turistas. Acho que o turismo gera empregos mas pode ameaçar a cultura e as coisas que tornam os lugares encantadores para os próprios turistas. Não sei qual é a solução mas rezo para que seja encontrada.
Um abraço para você
Flávia,
ExcluirFico muito feliz que você tenha apreciado o post. Concordo com você que a solução não é acabar com o turismo mas tentar fazê-lo sustentável. Não faz muito sentido expulsar do Boquería as "donas de casa" do bairro impedidas de fazer suas compras diárias por turistas fazendo selfies ou ver Barceloneta, o tradicional bairro dos pescadores, povoado por turistas pelados para o horror dos velhos donos da praia. A resposta e a solução moram no bom senso e na conversa: nem tanto ao mar nem tanto à terra.
Outro abraço para você.
Pimentel,
ResponderExcluirChovendo no molhado vou repetir o de sempre: Parabéns pelo texto. Mas não só por ele, mais ainda pela alegria de escrever.
Sampaio,
ExcluirGosto de escrever mas a alegria alegria varia. Às vezes falta assunto, inspiração, texto e então escrever pode ser exercício sofrido que a gente se pergunta se vale a pena. Mas então comentários como os seus me enganam que sim e incentivam a continuar teclando (rsrs). Muito obrigado.
Olá Moacir,
ResponderExcluirLindo e interessante o seu post. Mas parecestes me um gajo faminto! (rrsrs)
Também sou encantada com mercados, aqui, em Sampa, ou o árabe em Jerusalém ou o de Acra com sua maravilhosamente perfumada tenda de sacos e sacos de temperos e ervas secas. Quando lá estive o vendedor não falava inglês mas nos entendemos muito bem. Descobri curiosa que a ervas se chamam parecido em qualquer língua.
As bancas de frutas e legumes e as de doces são as que mais me atraem com suas cores, formas e cheiros. Fico instantaneamente com fome! Fiquei tão fascinada na Rue Mouffetard que paguei mico. Escolhi umas uvas e não vi a fila enooorme de pagar. Estava ficando indignada com o vendedor que me ignorava sempre quando alguém gentilmente me cedeu a vez (certamente não era francês)!
Sim, fiz careta no "seu" Bar Pinotxo com o tal do feijão garbanzo cheirando a sangue! Jamais provaria! Não como nem frango ao molho pardo. E tinha horror quando criança via minha avó alemã fazendo chouriço ou "morcija" ,como diziam, quando matavam porco. E quando minha prima provava....
Também não como meus colegas de esporte, mas acho curiosas, e porque não bonitas, as bancas de peixes com olhos claros e esbugalhados e os bichos com muitas pernas e barbas, e cores diversas . São bem mais bonitos nos aquários....quando estivemos em Marselha enquanto o Sr. Redator comia peixe eu ficava com os maravilhos vermelhudos tomates com mussarela.
Não como, mas sou tão boazinha que faço para o Redator. (sempre posso trocar por algo, não é verdade?)
Atrasada, feliz com a leitura, que fez responder aos montes, e sempre esperando mais.
Bom domingo.
Caríssima Donana,
ExcluirSou um "gajo" que consegue pensar em algumas coisas - poucas! - melhores do que comer nessa vida. (rsrs) Aliás parece que a quarta geração vai na mesma toada. Perguntado se quer um "pouquinho de bolo" o netinho retruca:
“NÃO! Quero um poucão!”
A mim os mercados também dão muuuuita fome, mas aqui entre nós e baixinho confesso que sou maluco por feijão garbanzo, arroz de cabidela, linguiças de sangue, dobradinha, lambreias , polvos e outras esquisitices.
Ontem provei umas "tanajuras" fritas na manteiga com uma farofinha que... hummmm...estavam supimpas.
Consigo imaginar o Senhor Editor traçando com alguma voracidade uma bouillabaise marseillaise mas também entendo a sua solidariedade para com os seus colegas aquáticos e suas restrições alimentares. Por um acaso a única que tenho é não querer conversas com erva doce! De resto....
Viva um bom molho de "tomates vermelhudos"!
Boa semana