Comparação de um dos "navios do tesouro" com a "Santa Maria" de Colombo - modelos no Ibn Batuta Mall, Dubai |
Domingos Ferreira
As dinastias
mongóis dominaram a China entre 1206 e 1368, quando foram substituídas pela
dinastia Ming, o que fez os descendentes de Gengis Kahn retornarem para as
extensas fronteiras de seu território original. Alguns “canatos” mongóis ainda
mantiveram o poder, por variados períodos, em vastas áreas no Oeste e na Ásia
Central. Sua maior permanência ocorreu no Norte da Índia, onde estiveram até
meados do século XVIII, ao chegarem os ingleses.
A dinastia
Ming (1368 _ 1644), com elevada participação da etnia “han”, protagonizou a “Idade
de Ouro” da civilização chinesa, como conhecida até hoje. Em seu início, os
governantes ainda se preocupavam com a histórica ameaça mongol de tentar uma
retomada do poder, pelo que mantinham dispendiosos dispositivos defensivos ao
Norte.
O imperador
Yongle (Felicidade Eterna) usurpou o trono de seu sobrinho Jaiwen em 1402,
tornando-se o terceiro monarca da dinastia Ming. Naquela ocasião, a ameaça
mongol diminuíra bastante, resultando em redução da presença militar chinesa na
fronteira norte. O país começara a viver um período de grande prosperidade,
gerando forte atividade comercial, tanto interna quanto com povos vizinhos,
próximos ou distantes.
Yongle,
necessitando afirmar sua liderança, dentro e fora do país, concebeu intervir no
crescente mercado internacional por via marítima. Essa atividade era executada,
de forma errática e sem cobrança de impostos, por embarcações privadas, alvos
de forte pirataria, notadamente de japoneses.
Em
conseqüência, ele fez o governo “assumir” e “proteger” esse transporte, com a
criação do que seria hoje uma “empresa estatal”. Além disso, a presença
recorrente de navios chineses, mercantes e de guerra, nos mares próximos e
distantes, seria uma clara demonstração do poder nacional da China, na época
atingindo uma população estimada em oitenta milhões de habitantes.
O imperador
precisava escolher o homem certo para dirigir esse gigantesco empreendimento. A
ele caberia programar viagens, comandar esquadras e comboios, entender-se com
autoridades estrangeiras, gerenciar atividades financeiras, supervisionar
portos, construir navios, preparar pessoal, processar a movimentação de carga,
atender ao transporte de autoridades e de passageiros comuns, etc...
A escolha
recaiu em um cortesão, o jovem Zheng He, nascido em 1371, na província de
Yunam, no Sudoeste da China, fronteiriço com o atual Miamar. Ele fora
aprisionado em 1381, ainda menino, com o nome de Ma He, quando da invasão da
província pelas forças Ming, expulsando os mongóis, a quem sua família servira
em cargos importantes, por gerações.
Zheng He - estátua no Stadthuys Museum, Malacca (imagem Wikipedia) |
Conforme as práticas da época, ele foi castrado e, devido a seu nível social, enviado, como eunuco, para a corte Ming. Lá, frequentou a Escola Central Real que preparava jovens selecionados para atividades militares e funções burocráticas. Ma He logo se destacou, tanto pela inteligência e dedicação, como por características de liderança, no que foi muito ajudado por sua enorme estatura, físico avantajado e conhecida “voz de trovão”, não afetada pela castração.
Em pouco
tempo, ele caiu nas graças do então príncipe real Cheng Tzu, tornando-se seu
conselheiro, que muito o ajudou na luta pelo trono ao qual ascendeu em 1402,
como Yongle. O novo imperador passou a atribuir diversas missões, inclusive
militares, ao seu precioso auxiliar, a quem deu o nome definitivo de Zheng He e
o promoveu a Almirante.
A
implantação do programa de comércio marítimo teve inicio em 1403, com a
construção de navios e embarcações de vários tamanhos e finalidades. Essa
atividade ocorreu de forma frenética, nos principais estaleiros chineses, de
modo que, ao final da primeira década, tinham sido lançadas ao mar mais de mil
unidades.
Os
principais navios eram muito maiores e mais complexos e especializados do que
os existentes na Europa na mesma época, bem anterior às “Grandes Navegações”.
Há diversas fontes a respeito deles, às vezes contraditórias, a seguir
resumidas:
- Os
maiores “Navios do Tesouro” teriam atingido dimensões de cento e quarenta
metros (!?) de comprimento por cinquenta e cinco metros (!?) de boca (largura),
em vários conveses, transportando quinhentos homens, além da tripulação; sua
construção era toda em madeira de lei, com grampos de ferro, em encaixes
perfeitos das partes, dentro da excelência da marcenaria chinesa; tinham até nove
mastros, portando velas de lâminas de madeira; seu armamento incluía vinte e
quatro canhões de bronze com alcance de trezentos metros.(1)
Tais navios
eram construídos em estaleiros dispondo de diques adequados às suas dimensões,
incluindo as enormes bocas. Em volume, eram de doze a quinze vezes maiores que
as naus portuguesas do século seguinte, estas com trinta metros de comprimento
máximo, devido aos limites dos maiores troncos de carvalho que lhes serviam de
quilhas.
Aliás, a
engenharia naval europeia só superou essa limitação no século XVII, atingindo
em torno de setenta metros de comprimento e vários conveses, no final do século
XVIII. Tal foi o caso da fragata “Victory”, capitânia do Almirante Nelson, na
batalha de Trafalgar, em 1805, quando derrotou definitivamente os franceses e
espanhóis. Esse navio era uma obra-prima de madeira, tendo sido derrubados seis
mil cedros para sua construção. Ele media 72,50m de comprimento x 17,10m de
largura, com cento e quatro canhões e oitocentos e cinquenta tripulantes.
Há registros
confirmados de navios chineses, de 1410, com dimensões de 60m x 12m a
90m x 16m, os maiores deles também identificados como “navios do
tesouro”. Desses, existe uma réplica, no museu dedicado ao Almirante Zheng He,
em Nanjing, na Baía do Dragão, sede do estaleiro onde foram construídas muitas
unidades de suas frotas.
A vasta
programação das atividades marítimas, sob comando do Almirante Zheng He, se
efetivou em sete grandes viagens, de dois a três anos, entre 1405 e 1433. Seus
dados principais aparentam ser absurdos. porém há muitas fontes detalhadas que
lhes garantem credibilidade. O que mais surpreende é o contraste existente, em
escala e organização, dessas atividades e o que ocorria na Europa, na mesma
época.
A primeira
viagem (1405/1407) incluiu cerca de trezentos navios (!) e embarcações
oceânicas, guarnecidos por vinte e oito mil homens (!!). Dentre eles, viajavam
autoridades, tais como embaixadores, políticos, religiosos muçulmanos,
astrólogos, grandes e pequenos comerciantes, etc... O grosso dos embarcados era
constituído por grandes quantidades de tripulantes e de tropa, além de
especialistas em diversas atividades, tais como intendentes, médicos,
intérpretes, meteorologistas, artesãos diversos, etc...
As várias
classes de navios eram distribuídas, conforme suas finalidades:
-Navios do
tesouro - capitânias da frota e transportes de grandes quantidades de produtos
comerciais;
-Navios de
abastecimento - alimentos para o pessoal;
-Navios-transportes
de tropas - militares de infantaria, com equipamentos e armamentos;
-Navios-transporte
de equinos - cavalos, alimentos e equipamentos de cavalaria; material e pessoal
para manutenção dos navios;
-Navios de
guerra - equipados com canhões para combate;
-Navios-patrulha
- vela e remo - combate com abordagem;
-Navios-tanque
- abastecimento de água doce.
Em linguagem
atual, o Teatro de Operações (TO) dessas viagens, onde operava uma gigantesca
Força Tarefa Permanente (FTP), abrangia vasta área marítima, desde as águas
frias do Mar da China, ao longo de suas costas e da Coréia, da ilha de Taiwan,
do Laos e do Vietnam até as águas mornas do Oceano Índico. A conexão entre esses
dois amplos espaços ocorria, partindo dos arquipélagos do Sudeste asiático, ao
cruzarem, em ambos os sentidos, o estreito de Málaca, entre Indonésia e Malásia.
imagem Wikipedia |
As atividades dos navios chineses, na vastidão do Índico, os levava a percorrer o golfo de Bengala, contornar as costas da Índia e do Sri Lanka, navegar no mar da Arábia, bem como penetrar fundo tanto no golfo Pérsico como no Mar Vermelho. Além disso, navegavam ao longo da costa leste da África, atingindo o atual porto de Mombaça, no sul do Quênia, próximo à linha do Equador.
Nesse afã,
seria impossível navegar com todos os trezentos navios reunidos, algo também
impensável, mesmo atualmente. Deve-se atentar para as limitações da época, tais
como dependência total do vento, comunicações visuais, precariedade dos portos
(inexistência de cais, apoio logístico limitado, embarcações a remo),
etc... Além disso, esses problemas existiam mesmo nos próprios portos em
território chinês, onde os navios ficavam originalmente distribuídos.
Os registros
históricos enumeram “sete viagens” efetuadas por Zheng He e seus comandados nas
primeiras décadas do século XV, a saber:
- 1405/1407;
1407/1409; 1409/1411; 1413/1415; 1416/1419; 1421/1422 e 1430/1433.
Na verdade,
a expressão “viagens” pode ser melhor qualificada como “ciclo de viagens”, em
que uma enorme Força-Tarefa Permanente (FTP) se dividia em diversos
Grupos-Tarefas (GTs) menores, com razoáveis dez a vinte unidades, cada um
executando uma ou mais missões específicas, em determinadas áreas marítimas, em
diferentes tempos, durante o período considerado.
Tais
procedimentos, simultâneos ou sequenciais, exigiam um vasto e acurado
planejamento e um firme controle de execução. Isso, certamente, era feito a
partir da seleção, pelo Comando superior, de áreas e portos a serem visitados,
para atingir os objetivos definidos a níveis políticos, estratégicos, militares
e comerciais.
A título de
exemplo, era praxe o transporte de embaixadores e cobradores de impostos de
vassalagem, de e para a China, com ou sem demonstrações de força, conforme
necessário. Outro fator de grande importância era o religioso, ao qual o
Almirante Zheng He dava muita atenção, por ser um muçulmano fervoroso. O que
muito contribuiu para a disseminação dessa religião nos arquipélagos do Sudeste
asiático, em especial na Indonésia e Malásia, muito visitados pelos navios e
com colônias de chineses.
O número de
navios e de pessoal empregados em cada um dos sete “Ciclos de Viagens” se
manteve, com poucas diferenças. Na verdade, houve um grande número de navios
substituídos por desgaste, o que elevou sua construção a mais de duas mil (!!!)
unidades ao longo das quase três décadas de operações.
Já as áreas
marítimas e portos visitados variavam de acordo com a evolução dos interesses
chineses a serem atendidos. Com certeza, dentre as rotas mais percorridas,
destacavam-se as que ligavam a China à Indonésia, à Índia e ao Oriente Médio,
pelo volume de negócios e importância político-estratégica. O Almirante Zheng
He deve ter participado da maioria delas.
O Imperador
Yongle faleceu em 1424, após o sexto “Ciclo de Viagens”, o que veio a paralisar
a atividade, da forma organizada como era. Seu sucessor, Hongxi, durou somente
dois anos no poder, sendo substituído por Xuande, em 1425. Após um longo hiato,
apesar da resistência do novo imperador, efetuou-se o sétimo e último “ciclo de
viagens”, em 1430/1433. O Almirante Zheng He veio a falecer, quase ao final
desse Ciclo, e seu corpo foi lançado ao mar, na costa Malabar, na Índia,
próximo a Calicut.(2)
Os motivos
políticos para o encerramento desse extraordinário empreendimento chinês
derivaram, em parte, da recorrente ameaça mongol ao Norte e da feroz inveja dos
mandarins da corte em relação ao extraordinário líder e eunuco Zheng He. Além
disso, a decisão do imperador Xuande de encerrar as viagens encontrava respaldo
na doutrina política herdada do fundador da dinastia Ming, imperador Hong Wu
(1368/1398). Essa doutrina fora relegada pelo imperador Yongle, nas décadas
iniciais do século XV, quando estimulou as viagens.
Tal atitude
de Xuande foi uma das medidas adotadas no processo de isolamento do arrogante “Império
do Meio”, nas mãos da dinastia Ming, de 1368 até 1644, quando a população
atingia cerca de cento e oitenta milhões de indivíduos, com elevada
participação da etnia han.
Nesses três
séculos, o gigante asiático tornou-se o reinado mais poderoso e evoluído do
mundo, em todos os sentidos, enquanto a Europa bracejava em infindáveis guerras
religiosas. Tal fato pode ser resumido na seguinte citação: “Os Ming criaram um
dos maiores períodos de organização governamental e estabilidade social na
história da Humanidade”.(3)
É oportuno,
ao encerrar este capítulo, tentar esclarecer dois aspectos sobre as
extraordinárias atividades do Almirante ZhenHe. O primeiro refere-se à possível
realização de incursões além da área marítima onde ocorreram as conhecidas e
documentadas “Sete Viagens”. Existem textos, mapas e roteiros de navegação da
época que abordam essa possibilidade, incluindo a circunavegação da Terra e o
levantamento hidrográfico das costas dos cinco continentes. Contudo, nada foi
encontrado que comprovasse, de fato, sua veracidade.
O outro
aspecto refere-se à real existência dos maiores “navios do tesouro”, de 140m x 55m
e nove mastros, cuja operacionalidade no mar sempre foi motivo de muita
controvérsia. Há uma versão que assegura sua construção somente para ficarem
nos principais portos do país, com o objetivo de impressionar, principalmente,
os visitantes estrangeiros. Quando o porto era na foz de um rio ou em uma baía,
eles poderiam navegar em suas águas tranquilas, sem se aventurarem em mar
aberto.
A propósito
da criatividade chinesa, existe um “Navio de Mármore”, no lago do Palácio de
Verão, em Pequim. Ele foi ali colocado em 1755, para que os imperadores
pudessem “viajar” com segurança. A última a utilizá-lo foi a imperatriz, Ci Xi,
de etnia manchu, como representante da dinastia Qing (1644/1912), que se seguiu
à dinastia Ming. Seu reinado foi encerrado pela proclamação da República da
China, em 1912. Atualmente, o “Navio de Mármore” é uma visita obrigatória para
os visitantes da capital.
Observações:
(1) Uma das
alegorias apresentadas pela China, em um gigantesco telão, na abertura dos
Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim, mostrava um “Navio do Tesouro” de nove
mastros.
(2) Existe um
túmulo/memorial de Zheng He, em Nanjing, então capital imperial. Ele está vazio.
(3)
Universidade de Calgary, Canadá.
Muito bom artigo, Domingos, e que nos traz um aspecto ainda relativamente pouco divulgado da China antiga.
ResponderExcluirA história da fabricação e navegação desta frota chinesa é interessantíssima; atrai-me especialmente conjeturar como eles teriam conseguido construir e operar navios de madeira tão grandes com os recursos tecnológicos da época. Sabemos da qualidade da marcenaria chinesa, mas estamos falando aí de estruturas muito grandes, que já seriam complicadas simplesmente de sustentarem o seu próprio peso, sem falar nos esforços a que eram submetidas pela navegação.
Outro ponto interessante é que tipo de madeira teriam utilizado na sua construção, na engenharia para a resistência das quilhas e cavernas imensas e os múltiplos e longos mastros e as próprias velas, de chapas finas reforçadas com nervuras; sabemos que no apogeu da marinha britânica de vela ela praticamente acabou com os carvalhos das Ilhas Britânicas e de um bocado mais da Europa para a fabricação dos seus navios.
Só podemos imaginar como o mundo poderia ter sido diferente não fosse a decisão do imperador Xuande de abortar esse programa tão ambicioso e tão bem sucedido. Talvez falássemos chinês nas Américas e vivêssemos sob um equilíbrio de forças completamente diverso...
Amigo Mano
ExcluirMuito obrigado por suas observações e pela escolha das fotos. Elas são adequadas ao teor do artigo.Aproveito esta "introdução" para fazer uma correção de datas no texto entre as duas primeiras ilustrações. Ali existem as datas de "1205 a 1233" e "(1205/1207)" que, obviamente, são "1405 a 1433" e "(1405/1407)".
Você diz que a "história...é interessantíssima". Imagine o que se passou na minha cabeça de velho marinheiro, professor de Estratégia Naval, quando "descobri" esses fatos há poucos anos. Pior ainda,estive na China em 1984, por algumas semanas, como turista, e o único navio que visitei foi o de mármore, no lago do palácio imperial...
Esta trilogia é uma síntese civil do enorme cabedal de informações sobre a "Marinha do Exército de Libertação Popular da China" (PLANavy - People Liberation Army Navy) com que tenho lidado, ultimamente, no CEPE - Centro de Estudos de Política e Estratégia da Marinha.
O curioso é que todos nós temos as mesmas reações de incredibilidade perante os fatos narrados quanto a sua viabilidade de execução gerencial, técnica e logística. Contudo, eles ocorreram e fazem parte da cultura chinesa. Afinal de contas, os chineses construíram sua muralha, mobilizando centenas de milhares de homens, em diferentes séculos.
Tudo isso desemboca na atualidade, em que a China, desde 1950, está construindo sua Marinha de Guerra, a qual
já é a maior do planeta, em número de unidades. Buscam, agora, dar musculatura a ela comparável à USNavy. Já dispõem de quase uma centena de submarinos, dos quais cerca de metade são de propulsão nuclear, incluindo uma dezena com mísseis balísticos intercontinentais.Além disso, estão construindo , em série, cinco porta-aviões(!!!), do porte dos americanos, a entrar em operação até 2030. Vide Kublai Khan, em 1280.
Mas isso é assunto da terceira parte do texto.
Um forte abraço
Domingos
1)Gosto muito dessas bandas: China, Laos, Vietnam. Parentes e amigos já passearam por lá, depois conto...
ResponderExcluir2)Obrigado Domingos pela ótima aula de História.
3)Lembrei então do famoso livro: "Quando a China despertar, o mundo tremerá"... penso que já está acontecendo...
Estimado Antonio
ExcluirEstou realmente muito satisfeito pela oportunidade de trazer ao "nosso" blog aspectos novos e diferentes sobre a China e seus entorno e história. De fato, o Império já despertou e está buscando seu espaço.
Quem viver verá...
Abraço fraterno.
Domingos
Caro Domingos,
ExcluirVocê já pode tranquilamente tirar as aspas desse "nosso"...
Prezado Domingos,
ResponderExcluirUm excelente e bem ilustrado. A China continua um mistério mas então era traduzida pelo seu nome ancestral: O Reino do Meio. Ou seja, o centro do mundo sendo que, é claro, o miolo era a excelência. E o resto? A periferia habitada por bárbaros incultos. Uma civilização orgulhosa e autocêntrica, com vastos e ricos territórios circundantes e a inventora, como você coloca, de um sistema tributário de vassalagem e de uma burocracia especializada em recolher impostos bem à sua beira. Não acredito que os Mings tivessem interesse em estabelecer territórios menores além de qualquer mar. Então por que esse investimento gigantesco para lançar essa frota fantástica ao mar se eles nada conquistaram, não ficaram, não plantaram, não estabeleceram relações comerciais? Apenas para dar um chega para lá nos piratas sonegadores?
Você respondeu - e falando chinês! - quando nos contou que os maiores navios deles eram fake e foram construídos para ficarem ali "nos principais portos do país para impressionar os visitantes" fazendo de conta "na foto" que podiam navegar em alto mar. A China não queria conversas com o resto do mundo mas queria convencer o mundo que seria suicídio lhe invadir os umbrais. E sendo assim as expedições de Zheng He não foram motivadas pelo desejo de expansão territorial. O Almirante tinha todas as condições para navegar de arquipélago em arquipélago por todo o Sudeste Asiático e pelas ilhas do Pacífico atravessando o oceano rumo a terras mais distantes. No entanto viajou por mares conhecidos onde o comércio já bombava há séculos para fazer um show , para dar uma grandiosa exibição da supremacia econômica chinesa, para hastear a bandeira, inspirar admiração e medo com o poderio militar de seus navios, ameaçar com guerra e receber tributos e presentes dos intimidados poderosos dos reinos banhados pelo Oceano Índico. Eu acho que a pergunta não é se, conforme Dona Lenda, Zheng He descobriu ou não a América. Talvez a pergunta seja: o que a China ganharia se ele tivesse chegado às nossas praias? E a resposta é quase nada porque a Europa teria colonizado as Américas de todo jeito. Note que os chineses pisaram em Taiwan e nas Filipinas primeiro e tinham todas as vantagens da proximidade mas não a vocação e quem colonizou tais países foram os europeus. Porém o mundo mudou e a China acordou e não está mais girando em torno do próprio umbigo e você tem toda razão em querer que seus netos estudem mandarim. (rsrs)
Amigo Moacir
ExcluirUma das inúmeras perguntas ainda não respondidas para mim é qual o motivo de Zeng He não ter encarado o oceano Pacífico ou o Atlântico até outros continentes, com seus navios muito (mas muito mesmo!!!) superiores aos europeus.
Há uma notável coincidência histórica que talvez traga uma resposta a essa questão. Na primeira década do século XV, Zeng He deu início a suas viagens costeiras pelo Índico, justo quando os portugueses fizeram o mesmo no Atlântico, em direção ao Sul,ao longo das costas da África.
Ocorreu, então,que os ventos no Índico eram favoráveis à navegação costeira chinesa, ao contrário do que se passava com os portugueses, cujos ventos contrários os obrigavam a se afastar, cada vez mais, para o alto mar, onde passavam muito tempo, causando-lhes a perda de orientação e de localização. Em virtude disso, nossos valentes antepassados buscaram, cada vez mais, se apoiar nos astros. Para tanto, adotaram práticas e instrumentos de uso dos beduínos em sua navegação com as caravanas pelos desertos. Naquela época, a Matemática árabe era muito mais avançada que a européia, ainda bracejando com os algarismos romanos. Daí, decorreu a adoção, pelo Ocidente, dos algarismos arábicos,incluindo o 0(zero),cujo impacto pode se comparar ao surgimento da cultura digital na atualidade. O passo seguinte foi o desenvolvimento da álgebra, cuja evolução possibilitou, dentre inúmeras coisas, a criação de sistemas de cálculo astronômico para localizar os navios no mar. Zheng He, seguramente, não tinha esses recursos. O que é comprovado pelo fato de eles terem adotado só recentemente os algarismos arábicos.
Foi assim que os portugueses "descobriram o mundo" que os chineses só agora enxergaram, e estão de olho grande nele.
Amigo Moacir, precisamos celebrar isso algum dia com o nosso grupo de dedicados e inxiridos frequentadores do blog do Mano. Ofereço o Clube Naval, na Cidade Maravilhosa, como arena para o nobre evento, desde que o nosso chefe, Wilson Baptista Junior, e os demais companheiros, estejam de acordo.
Você, como "flâneur" internacional de peso, escolherá o cardápio e os vinhos. E cada um pagará sua conta...
Forte abraço.
Domingos