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17/06/2017

Uma Barcelona mais nova

fotografia Moacir Pimentel

Moacir Pimentel
Passeando por Barcelona é sempre uma boa idéia dar uma pausa refrescante da densa cidade velha e ir rumo ao norte, para o moderno bairro Eixample arrojado e arborizado, com as suas amplas calçadas, lojas elegantes e joias Art Nouveau e modernistas sobreviventes, como o lampião acima e La Pedrera ao fundo, assinados por Gaudí.
A cidade estava explodindo para fora de suas muralhas medievais por volta da metade do século XIX e assim uma cidade nova - chamada o Eixample, ou a expansão – teve que ser concebida. A visão original era igualitária: cada distrito de vinte quarteirões deveria ter seu próprio hospital e um grande parque, mercados, escolas e creches.
Mas ao longo do tempo o Eixample tornou-se uma vitrine para os abastados industriais e seus modernosos arquitetos, que nas ricas casas que criaram transformaram o estilo Art Nouveau florescente de então no modernismo catalão, tão emblemático de Barcelona, com suas características formas coloridas, frondosas e fluidas nas entradas, nas fachadas, e nos tetos dos edifícios.
O mais famoso arquiteto e artista modernista de Barcelona, Antoni Gaudí, criou fantasias arquitetônicas impressionantes entre as quais se destacam La Pedrera – também conhecida como Casa Milà - a extraordinária Casa Batlló e a inacabada Basílica da Sagrada Família, que terão posts para chamar de seus.
Hoje em dia depois da Sagrada Família o Parc Güell é outro cartão postal da cidade, um jardim surreal, com passagens sombreadas, oitenta e tantas colunas dóricas, arcos doidos de pedra, um banco em serpentina decorado com belos mosaicos que circunda um gigantesco terraço voltado para o mar e a marca registrada de Gaudí: os dragões de bronze nos portões de entrada de seus pavilhões e as salamandras de mosaico em meio as rampas e degraus do parque que construiu. Sem falar na Casa Museu Gaudi! 
fotografias Moacir Pimentel
A vida em Barcelona é uma mistura diversa do agito e da movida de Madri ou da joie de vivre parisiense. Não é à toa que a segunda maior cidade da Espanha é hoje um dos destinos turísticos mais populares do mundo e que as suas atrações se transformam com frequência em engarrafamentos humanos. A oferta cultural é absurda, espantosa, deixa a gente tonto.
Barcelona é a cidade mais cosmopolita e divertida da Espanha e tem atitude – como diz a juventude! - na arte originalíssima, na cultura ímpar, na arquitetura lúdica e na política separatista.
Encanta-se por aquelas paragens quem perambula pelas Ramblas, percorre os cantos escondidos da Cidade Velha, corre atrás das coisas de Gaudí e se maravilha com o “modernisme” de outros arquitetos, descobre o litoral, as praias feitas pela mão humana para as Olimpíadas de 1992 onde, desde o mes de maio, com um vento ainda friozinho mas muito sol – e me permita a leve vulgaridade! - as mulheres já desfilam de bunda de fora, com os shorts mais curtos do planeta e as areias da velha e boa Barceloneta - Valha-me Deus Nosso Senhor! - ficam lotadas, inclusive de gente pelada. Os antigos moradores do velho bairro de pescadores devem estar indóceis em seus túmulos!

        Digna de nota é a gigantesca escultura Peix, um peixe metálico de autoria do arquiteto Frank Gehry, que graças à luz solar refletida de suas escamas parece estar se movimentando nas águas do Mediterrâneo.
É sempre prazeroso um passeio à beira mar, entre o porto e o Monumento de Cristovão Colombo no final da Rambla Catalunya indo até a Rambla del Mar. Um lugar cheio de bares e restaurantes, o cinema Imax, o Aquário de Barcelona. 
fotografias Moacir Pimentel
                E a última foto da montagem? Saímos do mar para o monte ?
Trata-se de  Montserrat, é claro!
Por quase mil anos, os monges beneditinos viveram no topo de Montserrat - a “montanha serrada” - que se ergue dramaticamente no vale noroeste de Barcelona. Os poetas afirmam que a montanha foi esculpida por pequenos anjos com serras douradas e os geólogos culpam a natureza pelo trabalho. De qualquer forma, com suas formações rochosas únicas e um mosteiro, Montserrat é um convidativo passeio para peregrinos, caminhantes e amantes da natureza desde que calçados com sapatos apropriados.
Diz Dona Lenda que, na época medieval, crianças pastoras viram luzes e ouviram canções vindas de uma caverna na montanha, onde encontraram uma imagem que foi batizada de La Moreneta - a Madona Negra.
O mosteiro rapidamente se tornou um ímã para devotos e hoje a pequenina Maria de madeira mora atrás de um vidro protetor na basílica de Montserrat. Os recém-casados em particular buscam a sua bênção.
Um funicular se aventura a trezentos metros acima do mosteiro e as vistas nos dias claros são espectaculares: do Mediterrâneo até os Pirineus.
Porém, quem é devoto de Salvador Dalí por nada neste mundo deixa de ir a Figueres de trem - uma viagem de não mais que uma hora a partir da Estação Passeig de Gràcia - e ao estranho e fantasioso Teatro-Museu Dalí que, para os fãs do surrealismo, é um dos museus mais agradáveis da Europa.
Desnecessário seria dizer que o museu foi projetado pelo próprio artista, nos anos sessenta, para ser erguido na Figueres dos Dalí i Domènech, onde Dalí nasceu, ao lado da igreja onde ele foi batizado e no lugar do antigo teatro da cidade quase destruído durante a Guerra Civil espanhola. O artista está sepultado numa cripta abaixo do centro do palco do seu teatro.
O antigo teatro foi pintado de rosa choque, cravejado de rosquinhas douradas e encimado com ovos monumentais - um dos elementos recorrentes na obra de Dalí significando o nascimento e a transformação - e adornado por uma cúpula geodésica. No entanto se entra nessa santa loucura pelo outro lado do prédio, no qual da fachada foram preservadas as características do antigo teatro de Figueres, onde o artista fez suas primeiras exposições.
fotografias Moacir Pimentel e Дмитро Ломоносов (фотографія)

O grande destaque do Museu é o quarto da diva Mae West, aquela lendária e sensual atriz da década de trinta especialista em personagens provocantes a quem é atribuída a famosa frase:
 “Quando eu sou boa, sou ótima. Quando eu sou má, sou melhor ainda” 
Percebemos - olhando do local certo e de cima de uma pequena escada - que no quarto o sofá é a boca, a chaminé o nariz, os quadros na parede os olhos e as cortinas a cabeleira platinada da moça.
Vagueando por esse lugar, não se pode deixar de perguntar: Estou louco, ou é só Dalí?
Como descrever a experiência surrealista desse Museu? Complicado! Mas eu diria que grande parte da arte nele exposta é móvel e interagimos com ela. Logo no pátio de entrada nos deparamos com paredes arredondadas e enfeitadas com estatuetas douradas, que são primas legítimas dos Oscares - só que de braços levantados! - em volta de um enorme escultura de ferro de uma deusa pagã que, na realidade, é uma paródia da Rainha Esther, uma obra da lavra de Ernst Fuchs o artista austríaco que fundou a Escola de Realismo Fantástico de Viena.
A prezada senhora se encontra de pé em cima do Cadillac preto de Dalí em uma instalação que foi batizada de O Taxi Chuvoso. Enquanto que, para o comum dos mortais, é chato tentar pegar um táxi na chuva, no mundo de Dalí chove é dentro do carro. Se alguém inserir nele uma moeda (rsrs)
Cada sala abriga pedaços do gênio do artista: ele imita telas famosas de vários amigos – como Matisse e Picasso - em trabalhos hilários, se auto retrata das formas mais inusitadas, expõe peças de todas as suas fases, das primeiras pinturas figurativas até a Galatéia das Esferas, uma representação surrealista de Gala, sua mulher e musa inspiradora.
O museu dá guarida à famosa tela Gala com o Ganso, nos remetendo sem escalas para a mítica obra perdida de Leonardo da Vinci e a muitas outras Galas inclusive aquela no pé da qual o prezado Salvador está fazendo cócegas ( rsrs)
São dezenas de desenhos, colagens, instalações, esculturas e até holografias, além de algumas obras da coleção particular do artista, como um São Paulo pintado por El Greco.
Lá estão painéis gigantescos, tetos afrescados, a inenarrável escultura de um piano que mais parece um ectoplasma, uma porta que se transforma diante dos nossos olhos em uma garotinha composta por bonecas e espigas de milho, buracos nas paredes por onde se olha e se enxerga verdes e secretos jardins e last but not least as joias desenhadas por Dalí que fariam corar de vergonha as de Lalique (rsrs) e repetem elementos já nossos velhos conhecidos de outras artes do artista : o elefante surrealista, o relógio derretido, que nos faz refletir sobre a relatividade do tempo, e até mesmo um coração que pulsa.
Aquilo é um labirinto surreal do qual se sai com a sensação de se ter sonhado e com uma necessidade urgente de normalidade, de terra firme e de mar à vista, de uma cerveja gelada no aconchego da pequena aldeia de Sitges, a trinta minutos de trem de Barcelona, com um pulso muito mais lento do que o da capital
Trata-se de uma cidadezinha que consegue ser familiar e pós moderna, sem perder todo aquele charme do Velho Mundo: casas de estilo modernista aqui e alguns pequenos museus ali, cafés e lojinhas nas ruas caiadas de centro histórico. Em seguida, tudo o que se quer é cair de cabeça na água e aproveitar o sol e o mar velhos de guerra.
Nove praias, separadas por quebra-mares, se estendem para o sul da cidade e ao longo do caminho dezenas de chiringuitos - bares à beira-mar - nos convidam para uma paella e vinho e tapas.
Afinal para sair do perímetro de Barcelona só se for mesmo para experimentar o sagrado, o surreal, ou o mar. Da arte às tapas, Barcelona especializa-se em ser animada mas nada lhes posso falar sobre os restaurantes da cidade, porque quando em Barcelona o que se quer é tapear!!!
Frutos do mar, gambas al ajillo, pa amb tomaquet - pão com tomate, alho e azeite - patatas bravas, jamón iberico, chorizos, queijos variados, azeitonas, escabeches, maravilhosos defumados, croquetas, bolinhos de bacalhau, berberechos, polvo, lulas, anchovas, migas, montaditos, tortillas, pimentões, alcachofras, beringelas, cogumelos, anchovas, muuuuito azeite e muuuuito mais. Quem sabe dia desses não fazemos uma boquinha lá no mercado da Boquería?
Faltou descrever mais alguma imperdível atração de Barcelona? Com certeza! Muitas. Jamais estive, por exemplo, em Camp Nou, o estádio do Barcelona. Um dia ainda vou assitir a uma final do campeonato espanhol entre o Real Madri e o Barça, torcendo contra o Neymar.
Alguma coisa tem que ficar para a próxima...



12 comentários:

  1. 1) Dicas de Turismo do melhor quilate.

    2)Lances Culturais detalhados com esmero.

    3)A Prosa Pimenteliana é um primor pá !

    4)Bom sábado para todos (as).

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    1. Moacir Pimentel18/06/2017, 08:28

      Antônio,
      Se por ter esposa e duas filhas fiz mestrado em matéria de "mulher" você fará pós-doc no assunto "espanha" já que é o orgulhoso avô de uma espanhola da gema. Se prepare para levar muitos "olés" e vá aprendendo a marcar o "ritmo" com palmas!(rsrs)
      Abração

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  2. Mônica Silva17/06/2017, 10:50

    Que viagem, Moacir. Obrigada! Tudo é tão lindo que nem sei o que falar. Mas amei a descrição e as fotos do Museu do Dali e ri demais quando você descreveu a praia e as comidas. Até parece menino guloso kkk

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    1. Moacir Pimentel18/06/2017, 08:31

      Mônica,
      Gosto sim de comer! Sem culpas! Sabe? O problema com os "meninos" é que , às vezes,  quando  crescem preferem continuar acreditando que o mundo é um conjunto de fatos dados e inevitáveis contra os quais nada se pode fazer além de pedir socorro ao pai herói, à rainha do lar, aos santos e aos salvadores da pátria. Mas tente manter pela estrada em todas as suas idades algumas características da menina que você foi um dia, como tão bem escreveu o Lewis Carroll para a Alice:

      E, por fim, curiosa – 
      desvairadamente curiosa, 
      com um gozo ávido da Vida 
      que só ocorre nas horas felizes da infância,
      quando tudo é novo e justo, 
      e quando Pecado e Dor são apenas nomes -
      palavras vazias que nada significam”

      Abração

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  3. Flávia de Barros17/06/2017, 11:09

    Moacir,


    O parque de Gaudi é encantador mas não se compara com a maravilhosa Igreja da Sagrada Família.Vou esperar ansiosa para ver o que você vai falar dela.Também não fiz as excurções que você descreve tão bem que é como se eu estivesse lá vendo cada detalhe. Destaco o trecho:


    'Afinal para sair do perímetro de Barcelona só se for mesmo para experimentar o sagrado,o surreal e o mar'. Aproveitei tanto a cidade que não lamento ter perdido o surrealismo mas não me perdoo não ter conhecido o Monastério de Montserrat. Parece ser um lugar de muita beleza e espiritualidade.


    Um abraço para você

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    1. Moacir Pimentel18/06/2017, 08:38

      Flávia,
      Ir até Montserrat é uma peregrinação. La Moreneta e São Jorge são os padroeiros da Catalunha e as filas para ver de perto a imagem do século XII são enormes e, bem assim a apresentação do coro dos meninos da Escolania de Montserrat que literalmente lota a Basílica.

      https://www.youtube.com/watch?v=B-Vaasx4r_s

      Mas mesmo para os que não são devotos marianos ou para os que não almejam fazer o trekking de respeito da base do monte até o monastério e/ou o topo,  o lugar vale a pena porque as formações calcárias emergindo do nada são únicas, como se tivessem jogado um poucachinho das montanhas da Capodócia turca no nordeste da Espanha e aproveitado para esculpir as pedras que sim parecem terem sido serradas e daí o nome.
      Montserrat vale muito a pena pela paisagem e as longas vistas diante das quais simplesmente fazer um piquenique já é uma oração. Mas se você voltar a Barcelona e ainda não  o visitou não perca outro Monastério, o de Pedralbes, que mora ao lado do Palácio de nome idêntico totalmente esnobado pelos turistas. Trata-se de um conjunto arquitetônico gótico da gema que, cercado por muralhas, mais parece um pequeno burgo medieval.  
      Outro abraço para você

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  4. Olá Moacir,
    Fiquei sem fôlego ao passear por essa Barcelona nova. Quanta coisa nova, ás vazes até mesmo estranhas! Também juntando Gaudi e Dali não poderia ser diferente. Tanto mosaico maravilhoso, tanta arte, cultura e peladecas! E você, o primeiro do blog falar em bundas com todas as letras! Até que enfim...parece que se tem pudor com a palavra e atração desvairada pelo objeto!
    Muito bom. Melhor ainda que teremos mais.
    Até então. Bom domingo.

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    1. Moacir Pimentel18/06/2017, 08:43

      Caríssima Donana,
      Vá devagar e pela sombra porque sim teremos mais do mesmo já que infelizmente , como tão bem sabe o nosso paciencioso Senhor Editor o tal do poder de síntese não é o meu forte (rsrs)
      Quanto as "peladecas" são notícia velha. Desde que botei o pé na velha Europa, em 1978, elas já tinham invadido as praias.Dizem que até mesmo a Frau Angela Merkel já foi adepta e o pior é que Google Images confirma (rsrs) Quanto às bundinhas "saradas" circundantes bem que as aprecio de loooonge nos calçadões da vida. Fazem muito bem ao meu espírito.(rsrs)
      "Até mais"

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    2. Folgo em sabê-lo (rsrs)!
      Até mais.

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  5. Alexandre Sampaio17/06/2017, 20:05

    Pimentel,
    Um ótimo texto escrito para ser leve e divertido enquanto fornece informações importantes sobre Barcelona. Nota dez.

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    1. Moacir Pimentel18/06/2017, 08:45

      Sampaio,
      Um sete já estaria de muito bom tamanho mas espero continuar merecedor da sua leitura e generosos comentários.



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  6. Francisco Bendl19/06/2017, 01:27

    Pimentel,

    Itália, França, Espanha ... teus conhecimentos impressionam uma pessoa nas minhas condições, que jamais saiu deste Continente.

    Teus relatos e detalhes causam admiração nos leitores, que reconhecem a vasta experiência que tens de viagens mundo afora, e pelo qual volto a te agradecer por mais este registro importante sobre uma das cidades mais belas do planeta.

    Um grande e forte abraço.
    Saúde e paz.

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