Joachim Sorolla - Bailaoras en el Café Novedades de Sevilla (1914 - Metropolitan Museum, NY) |
Dia desses o Antônio, nosso vizinho de mundo e de blog, mencionou
Sevilha em um comentário. E estou lendo um livro cuja trama se desenvolve na
Espanha sobre um homem que como Alonso Quijano, o Dom Quixote, um dia decidiu
que teria em vez da sua ordinária e sórdida vida, aquela que sonhou: O
Impostor, de Javier María Cercas.
Pronto! Foi o bastante para que me batessem duas vontades: comer uma
paella e escrever sobre a capital da Andaluzia.
Começo a conversar sobre a bela Sevilha com a ajuda das telas de autoria
de Joachin Sorolla, “o pintor da luz”:
As cenas que acabamos de ver fazem parte de um conjunto de quatorze
magníficos murais batizados conjuntamente de Visión de España, cada um deles
descrevendo uma das províncias espanholas.
Tais murais se estendem por setenta metros de cumprimento e quatro de
altura, foram executados entre 1916 e 1919 e hoje moram em um dos salões da
Sociedade Hispânica da América, no bairro de Manhattan em Nova York.
Apesar da imensidão das telas, Sorolla pintou todas elas ao ar livre
para celebrar a paisagem e utilizou como modelos os moradores de cada
localidade vestindo seus trajes típicos e muito orgulhosos da cultura de seus
chãos.
Não conheço, em tela, maior e mais bela homenagem a Sevilha, a capital
da Andaluzia, uma cidade festeira, cheia de personalidade, calorosa e famosa
por seus arabescos mouriscos, suas guitarras e castanholas e as encantadoras
janelas.
Não é preciso passar muito tempo em Sevilha para entender porque tantas
óperas tiveram a cidade como pano de fundo. Um senso de drama permeia a capital
andaluza, desde os seus palácios mouriscos, suas extravagantes festividades até
o modo como o toque das cordas de uma guitarra tende a enviar uma sala inteira
direto para as palmas sincopadas. Talvez seja essa paixão e propensão à
grandiosidade que mantenha a cidade dinâmica mesmo em tempos difíceis.
Sevilha foi o berço dos imperadores romanos Trajano e Adriano, dos
magníficos reales alcázares e da estupenda Catedral gótica, a maior de toda
Espanha, cujo campanário era um minarete - a Giralda! – e que serve de túmulo
para Cristovão Colombo.
Sim, os exploradores Cristóvão Colombo, Américo Vespúcio e Fernão de
Magalhães saíram do grande porto fluvial da cidade para descobrir as abundantes
riquezas do Novo Mundo - ouro, prata, cacau e tabaco – que durante o período,
sem datas precisas, do florescimento da arte e da literatura espanhola que
ficou conhecido como o Siglo de Oro, transformaram Sevilha na porta de entrada
para as novidades do Novo Mundo e na maior e mais rica cidade da Espanha.
Pense em belas mulheres bailando com elegantes e sexy movimentos de mãos
e entusiasmadas batidas de saltos sobre um tablado. Ou em um toureador em um emocionante
embate com um furioso animal em uma arena dourada pelo sol minguante. Ou em um
velho e animado bar de tapas e muita gente falando alto e ao mesmo tempo em
torno de mesas trôpegas cobertas por pequenas travessas repletas de quitutes
como azeitonas acima do peso, presunto e chorizos serranos, tudo sendo lavado
por um valente tinto enquanto a casa tem o perfume de um excepcional Jerez!
Pensou? Então você entende porque não dá para não comprar as danadas das castanholas de lembrança para levar pra casa.
Hoje a cidade andaluz nos oferece a sua quota de projetos arquitetônicos
de modernoso perfil; como a imensa estrutura em forma de cogumelo projetada
pelo arquiteto alemão Jürgen Mayer-Hermann que paira sobre a Plaza de La
Encarnación no bairro antigo.
Mas Sevilha conserva seus centenários tesouros, como a beleza indizível
da Praça de Espanha...
fotografia Moacir Pimentel |
e impressionantes exemplos do estilo mudéjar, um híbrido arquitetônico
islâmico-cristão encarnado ali mais famosamente pelos Reales Alcázares de
Sevilla – o Alcázar - o antigo forte árabe e um dos mais belos palácios e
jardins mouriscos do mundo.
Mas a verdadeira magia de Sevilha é a própria cidade e suas tradições
únicas do sagrado ao secular. Depois do Natal e do Carnaval e entre o Domingo
de Ramos e a Páscoa, ao longo de oito dias e sete noites, centenas de milhares
de fieis reúnem-se para assistir as famosas procissões “de pasos” – mais de cem
andores com esculturas de madeira hiperrealistas que retratam a Paixão do
Cristo com todo o esplendor.
Em toda a cidade, mas principalmente no seu centro histórico, todos
param e se debruçam às janelas para assistir, com intenso fervor devocional,
desfilarem os santos, as flores e as nuvens de incenso. Nenhuma outra cidade
espanhola, nem mesmo Toledo, celebra o catolicismo com tanto entusiasmo como
Sevilha.
Em seguida a cidade se enfeita para a Feira de Abril, o famoso festival
da primavera que, ao fim e ao cabo, é só mais um pretexto para que velhos e
jovens bebam e cantem e dançem e comam nas barraquinhas espalhadas por todos os
lados, por mais uma semana.
fotografia Moacir Pimentel |
Nessa parada não carnavalesca mas quase, desfilam todos garbosos homens
e mulheres, muitos montados a cavalo, as prendas nas garupas, com os trajes
típicos da cidade e das aldeias circundantes, classificados nas origens pelos
trajes e acessórios como chapéus, mantilhas, estampados, joias e demais
adornos.
Tem de tudo: os cavaleiros andaluzes com seus chapéus de abas largas, os
toureiros com suas calças extraordinariamente apertadas - ¡carajo! - e as ricas
capas, os aldeões e suas famosas boinas, as camponesas de aventais bordados, os
burros com sombreros coloridos, as senhoras de olhos mouros e flores nos
cabelos e franjas nos xales, rodopiando seus vestidos, tão parecidas com as
suas vizinhas de fronteira, as cachopas portuguesas, arrebitadas nos ranchos de
São João - cheias de ouro nas orelhas e no colo! – felizes e faceiras debaixo
dos mesmos céus ibéricos e violáceos plagiados de El Greco!
Sim, Sevilla é o berço do flamenco e o melhor lugar para se experimentar
esta forma emotiva de dança e música, de estalar os dedos, de bater os pés, do
palco ressoando os saltos impetuosos, das dançarinas movendo-se seguras e
sinuosas, dos corpos que falam, do suor colando as blusas dos vestidos, das
saias a girar, do clicar das castanholas, das mantilhas andaluzas, das
guitarras espanholas, do ritmo que prende.
Em Sevilha o que não falta são as apresentações de flamenco amador e
profissional. Tropeça-se nos shows de flamenco turístico para gringo ver, mas
de alguma forma eles são reais e contagiam as plateias que batem palmas e
incentivam os dançarinos e se juntam à festa circundante gritando..... Olé!
Faz já valentes e muitos anos que me encantei por um tablado de
flamenco, do outro lado do rio, no antigo distrito cigano de Triana, sem nome e
número. Nele se apresentava quando e se lhe dava na telha - e sempre depois da
meia-noite! - uma bailarina e beldade local – ui! - de nome Maria, em um
pequeno salão para lá de dilapidado.
De alguma forma devia correr pelo bairro a notícia de que a diva estava de
bom humor e querendo dançar porque naquela noite o que nos chamou a atenção,
foi a fila que os nativos faziam defronte da porta da casa da “patroa”, muito
antes da hora da bruxaria.
Aqueles que conseguiram passar pelo crivo severo do olhar da prezada
senhora - no papel de leão de chácara! - foram brindados por um tradicional e
arrepiante show de flamenco de deixar qualquer um de queixo caído e berrando:
“Vamonoooos, Maria!”
Maria era uma deusa! A entrada foi gratuita mas todos consumiam
bebidas como se não houvesse amanhã. Era pedir compulsivamente ou enfrentar a
ira sagrada da dona da “peña” que, a essas alturas do baile já disfarçada de
maitre, estava atarefadíssima a manter cheios os copos e a apontar a porta da
frente aos moderados (rsrs)
De longe os melhores shows de flamenco em Sevilha rolam nessas “peñas”,
pequenos clubes privados concebidos e mantidos por aficionados dedicados à
preservação da arte.
A divulgação é feita boca-a-boca, ou por cartazes pregados em postes de
luz, ou como aconteceu conosco, simplesmente seguindo a música nos bairros
antigos. Quem tem sorte experimenta flamenco na veia - um cru, intransigente,
maravilhosamente inebriante espetáculo no qual artistas fervorosos revelam um
pedaço de suas almas fundas em cada estrofe, e entregam-nos o coração da
Andaluzia e a trilha sonora da Espanha.
Em Sevilha até mesmo a comida é um evento teatral.
O jantar é um ato que facilmente pode ser esticado por muuuitos bares de
tapas se prolongando por variados caminhos através da cidade e pela madrugada
adentro.
Aos chorizos al vino blanco da Casa Morales, seguem-se os montaditos nas
bodeguitas da vida, os pequenos kebabs e um pouco de queijo manchego - em bares
onde os pedidos são rabiscados à giz na paredes! - que nada ficam a dever às
sardinhas grelhadas, aos camarões embrulhados em toicinho e aos chocos fritos
da famosa La Cantina lá no velho Mercado da Feria, um dos mais antigos da
cidade, famoso pelas arcadas e ofertas de frutos do mar frescos.
A tradição das tapas coloridas teve seu início na Andaluzia e em Sevilha
- onde os bares de tapas clássicos estão em toda parte, embora hoje em dia disputem
espaço com os tais “lugares gourmet” metidos a besta com cardápios “criativos”
que proliferam mesmo em tempos econômicos difíceis quando outros negócios
fecham as portas.
Talvez porque desde a crise de 2008 e com o colapso da indústria da
construção na Espanha, engenheiros, arquitetos e outros profissionais -
ansiosos por uma oportunidade de negócio - estão investindo em novos bares
modernos.
Eu sempre aprendo algo novo quando viajo e naquelas paragens entendi que
a vida é muito curta para comer jamón medíocre. Portanto em Sevilha, sem olhar
para a coluna à direita, recomenda-se o melhor presunto serrano da casa.
Mas – atenção! - é preciso ir a uma abacería, uma das sombrias
mercearias antigas do século XIX, que funcionam como bares de tapas, para
entender o que são tais petiscos. Somente espremido na parte de trás de uma
dessas casas, esfregando cotovelos com os nativos apreciadores de tapas,
cercado por sardinhas e polvos, e lulas e mexilhões enlatados e outras coisitas
se começa a desvendar a secreta gastronomia andaluz.
Na ementa não podem faltar os doces dos encantadores mosteiros de
Sevilha feitos a partir de receitas transmitidas por séculos; as bolas de San
Leandro feitas com gema de ovo e limão; os ricos dulces de chocolate, os
pestiños, os pastéis fritos em azeite e caramelizados do Convento de Santa Ana
- também conhecido pelo seu retábulo de Maria e Santa Ana do século XVII - para
não falar do Convento de Santa Paula onde não se vai para admirar a sua torre
gótica do século XIII e sim para levar para casa um vidro de compota de figo.
E depois?
Depois e para fazer a digestão o melhor é caminhar pela noite balsâmica
para gastar as calorias da refeição, vagueando pelo Bairro Santa Cruz, uma
próspera judiaria tantos séculos atrás. Este labirinto de ruelas muito delgadas
para carros é perfeito com suas pequenas praças, pátios cobertos de azulejos,
casas caiadas de branco, as belíssimas janelas mouriscas e os gatos e jardins
floridos.
Perder-se é fácil e recomendável. Ao longo do Rio Guadalquivir os casais
namoram mirando a Torre del Oro antes de deixar nas grades da Ponte San Telmo
os cadeados do amor e de jogar as chaves nas águas como manda a tradição para
que nada possa separá-los.
Os ritmos mudam rapidamente em Sevilha, da intensidade do flamenco ao
silêncio noturno. As laranjeiras abundam e, quando florescem no início da
primavera, o aroma é celestial.
Mas as laranjeiras de Sevilha que bordam de múltiplos tons de amarelos
todas as ruas e sitiam até mesmo a imponente Catedral ficam para outra
conversa.
Sempre que penso nessa bela cidade lembro de um de seus mais ilustres
filhos; Bartolomé Esteban Murillo. Um grande pintor espanhol que motiva
divergências profundas.
A maioria absoluta dos especialistas acredita que o pintor Murillo é de
uma debilidade que só se pode classificar de piegas. Aqui entre nós e baixinho,
ele fez mesmo umas Anunciadas melosas, uns anjinhos mutcho barrocos, umas
figuras bem caricatas de crianças miseráveis e adoráveis.
No seu tempo ele foi um dos mais estimados artistas espanhóis. Suas
imagens religiosas eram populares e sua maneira de pintar teve até mesmo nome
de marca: estilo vaporoso. Mas então, no século XIX, Murillo se tornou sinônimo
de sentimentalismo e não mais mereceu consideração.
O erro está em achar que esse Murillo fraquinho e choroso seja o único
Murillo. Embora ele não se mostre tão vigoroso ou tão profundo quanto
Velásquez, naquela sua visão da realidade humana sob a mais que perfeita luz,
embora ele não possua a calma sacramental de Zurbarán, para mim Murillo é um
mestre espanhol esquecido. Aprecio, de forma especial, os sorrisos de Murillo.
Pense numa coisa difícil de pintar: um sorriso! Algumas imagens do
artista são convincentes de tão risonhas. Há raríssimos sorrisos na pintura.
Tudo bem que o da Mona Lisa é imbatível, mas depois de Leonardo seja no
Renascentismo, no barroco espanhol, na pintura clássica e nos ismos ninguém
pintou, e tão bem, mais sorrisos do que Bartolomé Estebán Murillo.
A impressão que tenho contemplando certos trabalhos do artista é que
ele, ao contrário do que indicam as suas tragédias biográficas, deve ter sido
um sujeito de bem com a vida, boa praça, desses com quem é bom se jogar
conversa fora e tomar um porre de tinto beliscando tapas.
Diante de seus quadros sou forçado a acreditar que, se Murillo foi
ameno, demasiadamente alienado, se não pintou a vida de frente com todas as
suas crueldades, foi porque, lá dentro dele, havia uma ternura qualquer, um
encanto, um maravilhamento com tudo que o rodeava, que só percebe quem olha bem
de perto as suas telas.
Entre todas as suas obras mundanas - as sacras não me chamam a atenção -
na tela Duas Mulheres na Janela encontramos em imagens bem nítidas os dotes
autênticos de um Mestre.
Murillo - La Duena (1655/1660) |
Eis uma imagem magnífica, reticente, que nos faz querer conhecer e
compreender as suas duas protagonistas.
A mulher mais velha parcialmente escondida atrás da persiana de madeira,
puxando o xale para esconder o riso parece ser uma dama de companhia. Sim, ela
está rindo mas não vemos esse riso, apenas as faces por ele enrugadas e coradas
pela alegria. Os olhos brilhantes demonstram que ela se vinca assim de pura
jovialidade, sardônica e visceral, de algo que só faz a mocinha sorrir para si
mesma, sem afetação. Sem se deixar contagiar pela alegria. A mais velha é capaz
de ver mais, de compreender com mais sagacidade a realidade do que essa garota
bonita. Murillo mostra isso com refinamento. Ele é sutil na mensagem.
Nessa pintura extraordinária as mulheres são enquadradas pelos ângulos
vertical e horizontal da janela. A menina, centro emocional da pintura, com o
queixo na mão, inclina-se sobre o peitoril, olhando a vida lá fora com uma
irônica falta de envolvimento. A mulher, no entanto, já provou da vida
intensamente e não aparenta já ter desistido dela.
Murillo e a mulher mais velha sabem que, na prática, as opções de
distanciamento da garota - seja da dor, seja da alegria - são severamente
limitadas. A vida costuma entrar janela adentro sem pedir licença.
Mas, noves fora a interpretação psicológica dessa obra prima, ela é
importante pela dinâmica, pela maneira como Murillo a concebeu para intrigar e
envolver seus observadores.
Note que nela observa-se uma cena de rua em Sevilha, embora nenhuma rua
apareça. A rua em frente dessas duas mulheres está implícita. Assim como um
terceiro personagem é essencial para o desenrolar da trama.
Vê-se uma sala de fria escuridão ao fundo e a luz que cai sobre as
figuras é a alta luz do dia. Esta cena interior é um predicado de um mundo ao
ar livre invisível e anterior a ela. Os olhares das mulheres não podem ser
compreendidos sem se imaginar para o que estão olhando: a vida passando por uma
rua de Sevilha.
A gente entende que a moldura da janela corresponde à borda do mundo das
tintas e que as mulheres olham pela janela e através dela para outro espaço: a
rua! E que a rua é o espaço do espectador.
Logo essas duas mulheres estão nos observando, somos aqueles que, da
rua, estão retribuindo os olhares da jovem mulher e da senhora.
É uma cena que conta com um espectador passante, que necessita de um terceiro
personagem fora da ribalta e que depende da sua chegada. Sem um observador ela
é de mentirinha.
Todo o drama está contido lá, no olhar da moça, para fora, para a rua,
para você para mim. A jovem se inclina sobre o peitoril, de ombros nus, a
cabeça apoiada na mão, meio sorridente, de frente e olhando para frente. E o
seu olhar pode ser lido, não como contato visual real, mas como algo anterior.
Ela está acompanhando com os olhos alguém que ainda não está olhando
para ela. E quando nos aproximamos desse quadro e encontramos esse olhar que
estava nos esperando, nos seguindo, nos convidando o tempo todo, antes mesmo
que percebessemos,.. @#$%&@!, não tem como não ficar encantado com a
inteligência da pintura!
Mas há um segundo olhar nesta cena, é claro. A mulher mais velha, a dama
de companhia, espiando por trás do véu, querendo contato visual tanto quanto a
senhorita. Mas é claro que as reivindicações dos dois olhares são desiguais. A
mulher mais jovem, mais ousada, mais atraente, tem prioridade. A mulher mais
velha, observando, é uma figura secundária.
Estamos cônscios dela, é claro, nas nossas visões periféricas, pelo
canto dos olhos, desse outro olhar, também apontado para nosotros e que
poderíamos encarar mas não queremos. O papel do segundo olhar é acabar com a
nossa festa, é cometer uma imperdoável interferência na nossa troca de olhares
com a moça. A senhora,.. ó... está de olho em nós! E a intrusão e o
patrulhamento intensificam o intercâmbio íntimo entre a mulher mais nova e nós,
lá na rua.
Mas toda essa tensão e a expectativa não resultam em nada. Se de longe
nos parecia que a intensa troca de olhares era recíproca, quando chegamos perto
e tentamos capturar esses olhos, eles não se entregam. O que parecia promissor
se torna indiferente e não nos leva a lugar nenhum.
E a garota vai continuar onde está, em devaneio, já sem interesse,
olhando através de nós sem ver, esperando o próximo movimento, o próximo cara.
Mas o que nos diz Dona História sobre esta pintura tão intrigante que
mexe com a imaginação do espectador? Na real o que foi que Murillo pintou e que
significado poderiam ter para ele essas duas mulheres aparentemente travessas?
Bem, o primeiro título do quadro foi Las Gallegas fato que de imediato
nos apresenta uma nova teoria: a jovem mulher seria uma prostituta ou cortesã
na companhia da sua duena em alguma aldeia pobre da Galiza no noroeste da
Espanha. Aliás, La Duena – A Dama de companhia – foi o segundo título da tela.
E então podemos imaginar mais uma cena: a da cortesã olhando sedutoramente
para um cliente potencial, tentando atraí-lo para sua cama enquanto a
acompanhante se diverte com os jogos de sedução.
Como Murillo jamais documentou o verdadeiro significado de suas
pinturas, as mulheres na janela de uma casa sevilhana jamais deixarão de
fascinar da sua ribalta seus observadores.
Sim, é verdade, penso em uma tela como se fora uma cena de palco. O
teatro nos oferece, da mesma maneira que uma pintura, representações das
coisas. Mas as peças, as comédias, as tragédias, as óperas têm começo e fim,
são passageiras,com tempo e ritmo marcados para começar e terminar enquanto que
a pintura permanece, está sempre à mão com suas imagens continuamente abertas
para visualização, para a retomada do relacionamento, para a continuação da
“conversa”.
Nessa vera obra de arte Murillo foi genial ao enfatizar o tempo da
visualização, a duração desse encontro. Podemos imaginar a linda jovem como
alguém que ainda não nos viu, ou como alguém que já está nos olhando, ou como
alguém que continua olhando para a rua depois da nossa passagem.
A pintura declara que a mulher permanecerá olhando, sonhadoramente, para
a rua vazia, antes e depois de quaisquer miradas transitórias. E o espectador itinerante, aquele que decide o script e o seu tempo de duração, chega e para,
olha e sai. E pode voltar ou não.
Para esta tela e para Sevilha eu voltarei sempre porque ela são extraordinárias.
Taí um país que, se eu pudesse, iria conhecer, a Espanha.
ResponderExcluirE Sevilha seria uma das cidades que obrigatoriamente eu teria de visitar, assim como Granada, Madri, Barcelona, Bilbau, Santiago de Compostela, Saragoça, Oviedo, Valência, Vigo, Salamanca, Toledo, San Sebástian, Gijón, Pamplona, Alicante, Logroño, Múrcia, Jerez de La Frontera, Ávila, Mérida, Tarragona, Badajoz ... simplesmente porque coleciono PPS de catedrais, igrejas, monastérios, mosteiros, santuários, basílicas ... e estas cidades que mencionei tenho as suas catedrais e igrejas, que me dão uma pequena visão das localidades e da grandiosidade dessas obras religiosas, que são testemunhas de tempos e eras históricas de importância no contexto mundial.
Desta forma, este artigo do nosso caro Pimentel soma com o que tenho sobre Sevilha que, sem conhecer a cidade pessoalmente, mas munido de informações trazidos pelo brilhante articulista, assim como anteriores textos postados de sua autoria, meus arquivos aumentam seus conteúdos graças aos relatos feitos com tanta precisão e riqueza de detalhes, característica do nosso célebre e notável amigo Pimentel como crítico de arte e incomparável observador como viajante internacional!
Certamente não conhecerei a Europa, porém lendo as narrativas do meu amigo e vendo as imagens que tenho há uma certa compensação por esta frustração, que me deixa satisfeito e agradecido pela oportunidade que o Wilson me proporciona, de engordar meus arquivos especiais com a publicação dessas postagens sempre bem-vindas e reconhecidas pela qualidade do autor, Moacir Pimentel, meu caro amigo.
Um forte abraço, Pimentel.
Saúde e paz.
Bendl,
ExcluirMuito obrigado pelo belo comentário revelador o do seu afeto pelas catedrais das eras históricas . As de Toledo e Santiago de Compostela são memoráveis e a de Sevilha - a maior da Espanha - rodeada pelos laranjais é especial. Talvez eu volte a conversar sobre ela. Por favor continue lendo e viajando conosco.
Abração
1) Gratidão Pimentel e Mano, vcs me presentearam com um ótimo acordar de domingo !
ResponderExcluir2)Adoro Sevilha e a Espanha como um todo. Por vários motivos que ao longo dos próximos anos irei contar, enquanto o Mano me aceitar como colaborador.
3)O artigo do Pimentel é maravilhoso, nota 10, me fez re-passear por aqueles cantos belíssimos !
4)Só um detalhe, como não poderia deixar de ser... em Sevilha tem um time verde e branco, do qual sou ardoroso torcedor: Real Betis Balompié = Real em homenagem ao Reino da Espanha, Betis o nome propriamente dito, Balompié (bola no pé, outra forma de dizer futebol).Pra variar... tem jogador brasileiro lá.
Vizinho Antônio,
ExcluirFico especialmente satisfeito por você ter apreciado o post sevilhano porque a foi sua menção, dia desses, dos cadeados da Ponte San Telmo, um dos seus gatilhos . Me fez recordar o rio, o bairro cigano, a peña , a bela Maria e por aí vai. As estórias e caminhos que se entrecruzam e enriquecem por aqui. Talvez o nome disso seja "conversa". E por favor conte mais.
"Gratidão"
Amei! Do começo ao fim. A 'Sevilha de Moacir' me deixou babando e a descrição da pintura é tudo de bom. Obrigada e vamonooooos, Moacir kkk
ResponderExcluirMônica ,
ExcluirOs seus comentários são muito simpáticos. Muito obrigado por eles
Abração
Moacir,
ResponderExcluirEste artigo é um dos melhores que você já escreveu. Sem palavras a não ser de parabéns por este casamento encantador de palavras fotos e vídeos. Tudo combina tanto que tenho que ler de novo. Um abraço e um bom domingo para você.
Flávia,
ExcluirObrigado pelas palavras sempre generosas. Devo confessar que gostei de escrever sobre a cidade e as telas de Sorolla e Murillo e fico muito feliz que você tenha aprovado o conjunto da obra (rsrs)
Outro abraço para você
OLÉ!
ResponderExcluirMárcio,
ExcluirMENOS!
Abração
Olá Moacir,
ResponderExcluirDesculpe o atraso. Estive envolvida pela minha vidinha miúda e confortável, entre tarefas domésticas, desenhos em mandalas, bebidinhas camaradas, filmes e notícias escabrosas na TV.
É verdade. O teatro nos dá a cena inteira e a pintura, assim que é exposta,nos pertence para serem completadas como quisermos. E por isso acho que a segunda mulher ri mais por saber mais. Nosso redator sempre diz que o diabo só é sábio porque é velho.
Estou seduzida por Sevilha e suas danças em "peñas" intimistas.
Até mais.
Caríssima Donana,
ExcluirChegue atrasada mas chegue! As nossas vidinhas miúdas ,as bebidinhas camaradas, os curumins e miúdos de ferro são o melhor festa. Mas a senhora não imagina o quanto me alegra ler, depois da peña, as suas pretinhas sobre a tela do Murillo. Valeu!
"Obrigadíssimo e até muito mais"