montagem Maria João Pimentel |
Moacir Pimentel
A “conversa” entre as esculturas
de Auguste Rodin e as de Camille Claudel, continua evidente se confrontamos os
trabalhos acima. À esquerda vemos a pungente escultura de nome comprido que
Auguste Rodin fez da velhice - Ela Que Foi a Bela Esposa do Fabricante de
Capacetes. A obra é também conhecida como A Velha Mulher ou A Velha Cortesã ou até
mesmo Inverno. À direita se encontra a estupenda e medonha Clotho esculpida por
Camille Claudel que, de forma inflexível, nos escancara o impacto do tempo no
corpo humano.
Existem diferenças notáveis,
no entanto, entre as velhas senhoras de Rodin e Camille. Enquanto a idosa personagem
de Rodin olha para baixo aparentemente envergonhada de seu corpo envelhecido, a
assombrosa Clotho avança indomável.
Foi uma mulher de oitenta e
dois anos chamada Caira, a vovozinha de uma das modelos italianas do artista,
quem posou para A Velha Mulher, modelada por Rodin em um dos seus momentos de
fascinação pelo inevitável declínio dos seres humanos e, é claro, pelo estudo
da feiúra versus a personalidade na arte. Como se vê no seu Homem com o Nariz
Quebrado, Rodin descobrira que aquilo que comumente chamamos de feio, pode tornar-se
na arte algo de grande beleza.
”Na arte,” dizia ele, “só o
que tem caráter é belo, o caráter é a verdade essencial de qualquer objeto”.
Clotho nada mais é do que uma
figura da mitologia greco-romana, uma das três irmãs tecelãs dos destinos, aquelas
que giravam os fios das vidas humanas antes de serem cortados. No mito, Clotho
era representada segurando um novelo de fios e um fuso. Nessa escultura
Camille, brilhantemente, linkou os longos cabelos de Clotho aos fios do
destino.
Exatamente como a garota da
escultura O Deus Desaparecido, essa Clotho inventada por Camille também tem uma
cabeleira emaranhada, embora de madeixas mais grossas e aneladas, como as
raízes ou ramos de uma árvore velha, lembrando-nos – talvez! - do poeta romano
Ovídio, cujas Metamorfoses descrevem a transformação dos seres humanos em
flores, árvores e constelações mitológicas e aprisionam a Morte na paisagem
orgânica do universo. É o caso, por exemplo, como já conversamos anteriormente,
da escultura Apolo e Daphne, a obra-prima da escultura barroca e a mais famosa
interpretação escultórica de Ovídio, da lavra do grande Bernini.
A leitura e a tradução de
Clotho é mais do que meramente visual, e revela a intenção mitológica não
apenas nela, mas também no elenco de outra extraordinária escultura de Camille,
de nome a Idade Madura, onde Clotho voltaria a aparecer.
De fato, um título alternativo
para obra a Idade Madura – a obra-prima de Camille que veremos a seguir – é O Destino, um tema central da narrativa de
Ovídio, que Camille, inclusive, mencionou em uma carta escrita para seu irmão, enquanto
trabalhava em sua primeira versão em gesso da obra principal, afirmando que ela
pretendia incluir nela uma árvore. E incluiu sim, uma insinuação de árvore, uma
estilização dela, que percebemos quando olhamos para as costas das figuras
esculpidas.
montagem Maria João Pimentel |
Veja como a escultora optou
não pela forma biomórfica mas por uma enorme e tortuosa cortina que, quando
vista de trás, assume um caráter claramente arbóreo.
Além da mitologia
greco-romana, o motivo da árvore está ligado ao Destino em muitos outros
sistemas de crenças culturais, a cruz na qual Cristo foi crucificado, a árvore
Bodhi sob a qual o senhor Buda alcançou a iluminação, a árvore Yggdrasil onde
Odin se sacrificou.
Em seguida, os especialistas
nas artes que, da mesma forma que fazem as mulheres, quando procuram acham,
passaram a associar o trabalho à estética da feiúra, ao memento mori popular na
Alta Idade Média e a um poema de François Villon que contém um diálogo sobre a beleza
com data de validade expirada entre um velho fabricante de capacetes e sua
esposa. Dizem os versos de Villon:
“Quando
eu me olho completamente nua /E me vejo tão mudada/ Pobre, ressequida, fina,
encolhida/ Quase enlouqueço.
O que
aconteceu com minha testa lisa /Meu cabelo loiro/ Meus ombros esbeltos/ Meus
seios pequenos, tímidos, firmes/ Altos, limpos, perfeitamente feitos/ Para os
prazeres do amor?
Este é o
destino da beleza humana! / Braços encolhidos e mãos em garras/ Completamente
corcunda/ E esses seios que murcharam como meus quadris...”
Foi por essa razão e versos
que a escultura da velha senhora de Rodin foi apelidada como a esposa do
fabricante de capacetes.
Ambas as esculturas dessa
senhora idosa me remetem à bela Itália e à Madalena de Donatello com essas
peles dependuradas em dobras flácidas sobre o esqueleto, as costelas se
sobressaindo sob o pergaminho que as cobre, e os corpos que parecem balançar,
tremer, murchar, afundar.
No entanto, nesses corpos ao
mesmo tempo grotescos e dolorosos, uma grande tristeza respira. Pois o que
temos diante de nós é a angústia infinita de uma pobre alma enamorada pela eterna
juventude e beleza, olhando impotente para a desgraça de seu envelope de carne.
Sem desconfiar que a substância perece, a carne morre, mas os sonhos e desejos
são imortais.
Diz a lenda que Rodin criou a
sua Velha Senhora como resposta à escultura Miséria de seu talentoso assistente
Desbois. Com Clotho, Camille Claudel também aceitou o desafio de representar
essa carne retorcida, essa magreza cadavérica, esse feio que, na realidade, se
torna belo aos olhos do artista, por sua expressividade e força de caráter.
A visão predominante dos
críticos com relação às esculturas Clotho e, em seguida, A Idade Madura, foi a de que
os trabalhos são uma representação simbólica do destino. Porém em 1893, Rodin
tomou a decisão de deixar Paris para se estabelecer em Meudon ao lado de sua
companheira e mãe de seu filho, Rose Beuret.
Com isso em mente, ao invés da
inevitável passagem do tempo, o tema original de Camille pode ter variado de
foco. Os sentimentos da escultora a respeito da decisão de Rodin podem ter
guiado o seu cinzel.
Essa figura quase diabólica de
Clotho não é lisonjeira como um retrato de Rose. E esteja certo que os quatro
desenhos caricaturais que Camille Claudel enviou a Rodin eram ainda mais
cáusticos e explícitos (rsrs)
Estou entre os amadores que
acreditam ter Camille nas suas Clotho e A Idade Madura, pela primera vez,
deixado à mostra todo o ressentimento que nutria pela mãe do filho de seu
amante. Mas... e felizmente, como todas as grandes obras de arte, Clotho e A
Idade Madura resistem a essas leituras alternativas (rsrs)
Sem quaisquer dúvidas, A Idade
Madura e suas variantes - nas quais Camille trabalhou de 1893 a 1900 - são os
trabalhos que mais se prestam a uma interpretação baseada na narrativa
autobiográfica: o fim da relação entre ela e Rodin.
Na verdade, a associação das
três personas da obra A Idade Madura – a juventude, o homem e a velhice - com as
pessoas Camille Claudel, Auguste Rodin e Rose Beuret surgiu algum tempo depois
que a escultura ter sido exibida pela primeira vez.
Os críticos inicialmente a
perceberam como um simbolismo para o homem envelhecido que é arrancado do amor,
da juventude e da vida e o trabalho foi o ponto de virada na carreira de
Claudel, o ápice da sua obra, instante no qual ela alcançou o pleno domínio de
seus poderes e seu talento imenso começou a ser reconhecido.
E, penso eu, também o momento–chave
e definitivo quando ela percebeu que nunca atingiria as alturas que poderia,
justificadamente, almejar.
No meu entender ao invés de
excludentes, de se cancelarem umas as outras, todas as interpretações deveriam
se cruzar e aprofundar, em todas as abordagens possíveis para entender o que se
passava na mente brilhante e criativa de uma artista não mais confinada nas suas
escolhas de meio ou de assunto, ao criar sua obra-prima.
Na primeira versão em gesso da
Idade Madura, o homem está no centro, dividido entre duas mulheres, uma idosa,
a outra jovem. A segunda versão, cheia de poderosos movimentos, intensifica o
drama: desta vez o homem volta as costas para a suplicante figura da jovem
mulher, tendo largado as suas pequenas mãos, para ser levado pelo tempo
representado pela velha mulher.
E é esse homem nos últimos anos de sua maturidade, sendo puxado vertiginosamente pela velhice enquanto
estende uma mão impotente para a juventude, são essas figuras nuas envoltas em
cortinas flutuantes que acentuam a velocidade do movimento em imagens
impressionantes.
montagem Maria João Pimentel |
Veja no vídeo:
Se a escultura ilustra ou não
Rodin hesitando entre sua companheira envelhecida e sua jovem amante, não vem
ao caso, pois não altera o fato de que a obra é muito bem construída e executada.
Se na primeira maquete o homem
ainda é mantido firmemente pela juventude e pela vida, na segunda, incapaz de
resistir ele é levado, é puxado dos braços estendidos da jovem suplicante pela
velhice e a morte. O drapeado atormentado dessa capa que envolve os personagens
à frente e o forte uso da sombra mostram a influência da estética Art Nouveau
na composição derrareira.
No gesso primordial a figura
ajoelhada se conecta fisicamente com o homem e a figura masculina parece
passiva, quase em colapso, o braço direito pendurado sobre os ombros da mulher
mais velha, que se inclina, olhando para a jovem ajoelhada, evidentemente
consciente de que ela é uma rival.
Essa interação entre as
figuras que representam a juventude e a velhice evoluiu em favor de uma dinâmica
mais atraente na qual duas das figuras avançam na mesma direção, como se compelidas
pela inescapável força do tempo, e a terceira é deixada para trás.
Na versão final, a futilidade e o fracasso da juventude para deter o
avanço em direção à velhice é captada acentuadamente na pequena mas
significativa lacuna que isola a jovem, em um nível relativamente mais baixo,
das outras duas figuras.
Por outro lado os panos drapeados que escondem a virilidade do homem que
acaba de escolher entre o fogo da paixão e a segurança na velhice parecem
insinuar as impotência e submissão no personagem.
Camille Claudel nesse trabalho
faz uso expressivo de formas orgânicas, notadamente a cortina ondulada que une
o homem à mulher mais velha e os três níveis de rocha que terminam em uma onda,
demonstrando cabalmente a influência da estética da Art Nouveau na sua obra no
final da década de 1890, mas também e talvez reeditando a teatralidade da
escultura barroca.
É claro que o grupo de esculturas evoca e insinua a hesitação de Rodin entre
as mulheres de sua vida e que a escultora se incluiu no bronze como a terceira figura
que ela chamou de A Mulher que Implora. Mas para além dos detalhes de sua
história pessoal, Camille produziu um trabalho simbólico e provocador sobre as
relações humanas.
Das três figuras nuas, a jovem de joelhos cujas mãos estendidas parecem
ter acabado de soltar as mãos do homem mais velho nos braços de outra mulher
idosa, é a mais comovente.
Uma das mais interessantes das opiniões sobre A Idade Madura, a obra prima
de Camille Claudel, é a de Paul Claudel:
"Minha irmã Camille, aquela soberba e orgulhosa criatura, está ali
implorando, humilhada, de joelhos e o que está sendo arrancado dela, ali mesmo
diante de seus próprios olhos, é sua alma".
imagem zenandtheworldwelivein/musee-rodin-paris-ile-de-france-france |
No final do século XIX já havia um número crescente de mulheres entre os
artistas mais progressistas da sua época. É difícil, porém, encontrar entre
elas uma criadora cujas obras sejam tão radicais em estilo e execução como as
de Camille Claudel.
A amplitude e a seriedade da sua realização artística são inegáveis e
formam um legado duradouro, daquela que mais do que a amante / musa de Rodin
foi uma grande escultora por mérito e direito próprios.
Em 1898, o Governo francês
planejou encomendar um bronze de Camille Claudel que deveria fazer uma alegoria
do envelhecimento humano, do homem que inexoravelmente se move em direção à
morte.
Em meados de 1899, a versão de
gesso foi exibida na Sociedade Nacional de Belas Artes da qual Rodin era
presidente do júri de admissão e da seção de escultura. O
trabalho de Camille não foi aprovado. Alguns especialistas acreditam que Rodin desempenhou
um importante papel na rejeição da obra devido a uma interpretação que o
envolvia pessoalmente: que ela retratara o triângulo vivido por ele, Camille e
Rose.
No entanto, ele nunca procurou
impedir que a Idade Madura fosse exibida. Mas Camille, convencida de que Rodin
fora a causa de seus problemas, jamais o perdoou e deixou a Sociedade, em 1900.
A Idade Madura só foi fundida em bronze em 1902.
O fato de não ter recebido uma
comissão do governo francês aumentou a paranóia de Camille Claudel em relação a
Rodin, a quem ela apelidou de "O Furão" e cuja influência ela
imaginava estar por trás de cada um de seus fracassos.
As investigações artísticas de
Camille a partir da obra Idade Madura mudaram de direção, enquanto ela passava a
explorar o que chamou de “novas pequenas coisas", cenas da vida cotidiana
tratadas com veia narrativa.
montagem Maria João Pimentel |
O jogo de cor e o uso de
materiais preciosos - especialmente o mármore de ônix - como em As Fofoqueiras
e A Onda, são evocativos do japonismo e da Art Nouveau. Muitas vezes modeladas
em pequena escala, essas obras são esculturas introspectivas, com títulos como
Pensamento Profundo ou Sonho à Beira do Fogo.
Foi como se, sentindo-se
proscrita das encomendas e das praças públicas e banida do ar livre, a
escultura de Camille tivesse se interiorizado, se retirado para aquela sala
solitária onde o poeta dá abrigo aos seus sonhos proibidos. Camille Claudel foi
a primeira praticante desta escultura
interior. Seus outros trabalhos parecem indicar sua inspiração minguante, já
que muitas vezes reutilizou composições prévias.
Eu aprecio particularmente as pequenas
Fofoqueiras pela diversidade dos materiais utilizados pela artista senão pelo
tema (rsrs) Ou talvez por avaliar que é preciso um dom especial para extrair da
própria observação da vida o que constitui o elemento primordial da obra-prima
que é, de certa forma, o testemunho da verdade, o sentido da sua beleza.
Para mim as quatro mulheres sacudindo conversa fora, sentadas em círculo em torno de uma ideia que as domina, em torno de uma paixão que as inspira, são um poema escrito magnificamente, onde o sangue circula, onde alguma coisa palpita, onde há ombros que alguma emoção interior curva e peitos que respiram, onde se comprova, enfim, a prodigiosa riqueza da vida. Essa pequena escultura, que cabe na palma de uma mão, como um segredo, parece fazer Camille respirar através do tempo.
Para mim as quatro mulheres sacudindo conversa fora, sentadas em círculo em torno de uma ideia que as domina, em torno de uma paixão que as inspira, são um poema escrito magnificamente, onde o sangue circula, onde alguma coisa palpita, onde há ombros que alguma emoção interior curva e peitos que respiram, onde se comprova, enfim, a prodigiosa riqueza da vida. Essa pequena escultura, que cabe na palma de uma mão, como um segredo, parece fazer Camille respirar através do tempo.
No início da década de 1890,
Camille produziu ainda uma série de retratos de crianças, que novamente
refletem suas investigações sobre a vida humana e o destino, focando nas características
imaturas que as crianças transmitem, nas múltiplas possibilidades que terão em
suas vidas futuras.
De acordo com documentação –
questionável! - Camille Claudel teve dois filhos de Rodin que teriam sido
entregues para adoção, durante os longos e sabáticos meses que separaram os
artistas, enquanto Camille Claudel se refugiava na Inglaterra, para respirar
longe do opressivo amante.
Seu próprio irmão, o poeta e
diplomata Paul Claudel, sugere em seus escritos o fato de que ela teve, pelo
menos, um aborto. Alguns historiadores de arte acreditam que a culpa
insuportável resultante do abandono dos supostos filhos pode ter contribuído
para a espiral descendente em um buraco de depressão e instabilidade de
Camille.
Contribui para a teoria da
maternidade frustrada o fato de Rodin ter esculpido, em 1886, do nada, uma
escultura chamada O Beijo das Crianças, não consistente com seus trabalhos mais
eróticos, mas feito em um estilo mais doce e –dizem – contaminado por culpa ou
remorso.Esta escultura se encontra ao lado das de Camille, no seu salão no
Museu Rodin.
fotografia Moacir Pimentel |
Infelizmente Camille Claudel
era uma prisioneira de sua própria criatividade e sonhava com o sucesso. Grande
parte do tormento em sua vida decorreu de sua interminável batalha para
libertar o seu talento da influência de Rodin e fazê-lo florescer com um estilo
único e seu.
Com certeza nessa batalha de
titãs – a de tirar uma grande mulher da sombra de um grande homem - não havia
tempo para filhos.
Vários fatores contribuíram
para a deterioração da relação de Rodin e Camille e da vida da artista. Quando
eles se encontraram, o artista passou a desfrutar de sucesso crítico e
comercial em todo o mundo, e sua reputação, juntamente com suas poderosas
conexões no mundo da arte, faziam dele uma figura influente - que poderia
ajudar a construir ou quebrar a carreira de outros artistas.
Os críticos de arte muitas
vezes se referiam à escultora como “aluna de Rodin” e, constantemente,
comparavam suas esculturas com aquelas do seu professor, como se seu talento
derivasse principalmente da sua capacidade de imitá-lo. Camille ressentiu-se
dessas associações e a insegurança levou-a a se ressentir também de Rodin.
Ela deliberadamente foi se distanciando
de Rodin em sua determinação de estabelecer-se como uma artista por direito próprio . Soma-se a esse turbilhão de emoções a frustração de Camille por ter de
suportar o preconceito contra as mulheres artistas - especialmente as mulheres
escultoras - e a resultante falta de oportunidades profissionais.
Outro obstáculo foi o
relacionamento de Rodin com Rose Beuret. Embora profundamente apaixonado por Camille
Claudel, Rodin jamais teve a menor intenção de abandonar o primeiro amor, com
quem já tinha vivido por quase vinte e cinco anos quando Camille surgiu na sua
vida e com quem viveria outros tantos mais. O fracasso de suas tentativas de
fazer Rodin abandonar Rose, os ciúmes que sentia das conquistas do amante, o
ressentimento com relação a críticas ao seu trabalho e a frustração contínua
resultante de tudo isso fizeram com que Camille se desiquilibrasse e o casal se
afastasse.
Após a separação, suas vidas
tomaram caminhos muito diferentes. A carreira de Rodin se consolidou. Os
críticos o confirmaram como “o artista mais famoso do mundo”, e ele era
frequentemente mencionado como o maior escultor desde Michelangelo, de quem
tomara emprestado a técnica do “non finito”.
E, realmente, foi depois da
separação, foi após o fim do caso de amor, foi quando se viu libertada
permanentemente da influência demasiadamente intrusiva do ex-amante, que
Camille criou suas mais belas obras.
Sozinha e no auge de sua
carreira artística, Camille Claudel lutou bravamente para estabelecer sua
própria identidade criativa e romper completamente com a de Rodin. Ela seguiu uma
direção totalmente diferente em suas pesquisas e arte, experimentando novas
cenas intimistas que até então estavam restritas ao campo da pintura e,
inclusive, usou novos materiais.
Rodin continuou a se aproximar
de colecionadores, jornalistas e funcionários do governo para recomendar o
trabalho de Camille e, é claro, a apoiá-la financeiramente, pagando pelo
aluguel de seu estúdio. Mas Camille retirou-se para a solidão. Seu estado
mental começou a cobrar um pedágio pela desestruturação das emoções.
Os problemas e carências mal
resolvidas de Camille Claudel exacerbaram nela um desequilíbrio que aos poucos
a devorou: aos quarenta anos nada restava de sua lendária beleza. Diante de
graves dificuldades materiais e financeiras, Camille mergulhou em sofrimento
psicológico e em um delírio de perseguição.
Aqueles que a conheciam –
noves fora a mãe e a irmã e o famoso irmão poeta e diplomata – sempre afirmaram
que Camille Claudel não era louca, mas sim uma mulher atormentada. Ela era
assombrada por seu próprio infortúnio, lutando contra um mundo de homens e nele
perdida por ter ido além dos seus limites para provar-se.
A anormalidade é aquilo que escapa da
normalização imposta pelos poderes. Escapar completamente das regras – ou seja:
ser livre – é algo que só se alcança coletivamente. A sensação do escape
individual não é mais do que uma mera ilusão, já que sempre existirá outro
mecanismo disciplinar pronto para agir. E não se pode agir contra esses
mecanismos individualmente.A única medida da patologia deveria ser o sofrimento
e não a inadequação a um sistema ele próprio patológico. A loucura é um saber,
algumas vezes fechado, inacessível, inquietante.
Como nos diz Michel Foucault:
“Não há
civilização sem loucura. Ela acompanha a humanidade por todo lugar onde haja
imposição de limites”.
O fato é que, pouco a pouco,
Camille sacudiu para o alto todas as chances de uma vida normal, entristeceu de
uma maneira que poucos entendiam, afastou-se dos amigos. Sabe-se, por exemplo,
que Camille deu uma cópia da escultura Valsa ao compositor Claude Debussy, um
amigo fiel, que manteve o presente em local de honra em sua casa até sua morte.
Muitos especulam a amizade entre os dois como tendo sido um relacionamento
romântico. Se foi, o jovem Debussy foi mais apaixonado por Camille do que
vice-versa.
Atormentada por seus demônios
durante esse período de grande desespero e rejeição, a infeliz escultora
destruía seus trabalhos, criando-os
compulsivamente para, em seguida, esmagá-los em pedaços e depois recomeçar a
esculpí-los de novo.
Uma semana após a morte de seu
pai, em 10 de março de 1913 ela foi internada em um asilo para doentes mentais
em Seine-et-Oise e logo depois transferida para um hospital psiquiátrico em
Montdevergues perto de Avignon. Lá, sem nem sequer tentar lutar contra o seu
confinamento, ela desistiu da escultura e morreu sozinha em 19 de outubro de
1943, aos setenta e nove anos, após mais de trinta anos de prisão forçada. Paul Claudel não compareceu ao funeral da irmã. Ela foi enterrada como indigente e seu corpo jamais foi encontrado.
Em seus vinte e nove anos de
internação, Camille implorou que Paul Claudel a tirasse de Montdevergues. Este período é
retratado nas cartas que Camille escrevia para o irmão, que aliás foram o tema
central do filme Camille Claudel em 1915, com Juliette Binoche no papel principal, lançado em 2013.
Por mais que fique claro na tela que ela sofre de
mania de perseguição, fazendo sua própria comida por um alegado temor de ser
envenenada, é interessante como o filme tece um segundo protagonista - Paul
Claudel, o carcereiro da irmã, aquele que a manteve reclusa.
Esse irmão famoso e poderoso emerge na foto como um moralista carola, rígido, ensimesmado, que parece punir a irmã por seus desvios de conduta, como por exemplo por ter tido um aborto não muito espontâneo durante o caso com Rodin.
Esse irmão famoso e poderoso emerge na foto como um moralista carola, rígido, ensimesmado, que parece punir a irmã por seus desvios de conduta, como por exemplo por ter tido um aborto não muito espontâneo durante o caso com Rodin.
O filme situa muito bem o desequilíbrio de poder
entre os sexos, assim como o contexto de uma época em que mesmo uma mulher
libertária e talentosa como Camille Claudel não escapou aos rigores de uma
moral enrijecida por preconceitos, embora na segunda década do século a
psicanálise já fosse uma realidade.
Escreveu Camille Claudel:
“Hoje, três de março, é o aniversário do
meu sequestro em Ville-Evrard. Faz sete anos que faço penitência nos asilos de
alienados. Depois de terem se apoderado da obra de toda a minha vida, mandam-me
cumprir os anos de prisão. Durante
todo inverno não me aqueci, estou gelada até os ossos, cortada ao meio pelo
frio (...) É medonho! Quanto a mim, estou tão desolada por continuar a viver aqui
que eu não me sinto mais uma criatura humana”.
Em 1913, quando Camille foi confinada
naquele asilo, Rodin era um homem velho, com saúde bastante abalada. A guerra
explodiu no ano seguinte e ele não tinha mais a antiga influência.
Porém ele jamais esqueceu a
ex-amante e amiga de seu espírito e decidiu, antes de partir para o andar de
cima, incluir um espaço de exposição reservado para as obras de Camille Claudel
no futuro museu que abrigaria a coleção de suas obras legadas por ele ao Estado
francês.
O Salão Camille Claudel só se
tornou realidade em 1952, quando Paul Claudel doou quatro trabalhos da irmã ao
museu: Vertumnus e Pomona, duas versões da Idade Madura e Clotho. Mais
recentemente o museu comprou a linda Jovem com a Grinalda e hoje abriga a maior
coleção de obras de Camille Claudel do vasto mundo.
Eu discordo veementemente das acusações
de que Camille Claudel não tinha estilo próprio, de que foi uma reprise de
Rodin, incapaz de se extrair da representação literal e física do amante ou de
que que não há coesão na sua obra, ou de que Camille deveria ter ousado mais.
Quem pensa assim equivoca-se
ou não prestou atenção ao design da coisa. Ou pior ainda, pretende transformar
Camille em um peão na discussão feminista, ou em uma heroína nas batalhas vãs dentro
do mundinho crítico das artes.
Se o elogio à obra de Camille
é pequeno, o problema é o escopo do que é considerado seu trabalho, que, aliás,
muitos não conseguem apreciar devido à intensidade da sua expressão, que foi
imoderada e visceral, com certeza.
Mas o trabalho de Camille
Claudel permanece imenso. Reconhecemos a mão de Camille sempre que vemos o
design instantâneo muito diverso dos agônicos arranjos maduros de Rodin,
esticados, configurados e recombinados. Sabemos que estamos diante de Camille
quando vemos a inocência recatada, diferente de tantos melodramas carentes de sinceridade
emocional.
Sabemos que a mão de Camille
passou nas paragens marmóreas quando vemos uma pose que faz sentido, quando o
movimento é de bailarinos, quando joelhos femininos estão fechados para balanço
(rsrs), quando o toque das mão é leve e é doce a atitude da cabeça feminina.
Camille Claudel continuou após
a ruptura da sua relação com Rodin a idealizar, a produzir formas que
transmitem uma idéia clara de cada vez, a se concentrar nas relações entre
homem e mulher e no tema da criança: o vínculo na relação homem-mulher que
Rodin se recusou a reconhecer.
É inútil cogitar se, sozinho,
talvez Rodin tivesse sido um famoso escultor de heróis franceses para os
jardins públicos e de mitologia para os palácios e grandes museus. Ou se sozinha,
talvez Camille tivesse idealizado trabalhos mais próximos dos de um Alberto
Giacometti.
Com Camille, o trabalho de
Rodin se tornou puro, simples e elegantemente romântico. Podemos acreditar que
por inspiração dela, mas a evidência nos aconselha a dizer que graças à influência
da amante. Foi depois que a amou que o grande artista começou a expressar
pensamentos singulares nas suas esculturas, em vez de apenas idolatrar a forma
física.
Na vida de Rodin, Camille
chegou e promoveu uma grande mudança justamente em um dos momentos menos
criativos do seu professor, notoriamente muito pouco elogiado por ser uma usina
das idéias.
Rodin, predominantemente,
antes de Camille esculpia a forma masculina: Camille Claudel fazia o contrário.
Desprovido da influência dela, em 1898 Rodin retornou à sua forma anatômica e à
sua devoção anterior à matéria. A maior parte do trabalho de Rodin sem Camille
Claudel poderia ser pendurada nas paredes de uma igreja. Não é bem assim, com
os trabalhos maduros de Camille.
Talvez a escultora não
estivesse assim tão perturbada quando afirmou que Rodin se apropriava do
crédito pelas ideias que ela tinha. Jamais saberemos porque a correspondência
entre os dois amantes – Monsieur R e Mademoiselle C – sumiu do Museu Rodin nos
anos 20 do século passado.
Eu certamente não penso que
Camille Claudel foi uma vítima de Rodin. Ela era uma artista, uma mulher adulta
e inteligente e uma amante que conhecia a partitura e o jogo e fez suas
escolhas. Rodin agiu como se poderia esperar de um homem do seu tempo, dada a
situação que ele criou, embora permaneçam nessa conversa algumas perguntas
ácidas sem respostas.
Rodin é o mestre escultor,
inegavelmente, e foi da sua mão que os mais belos retratos de Camille fluíram.
Sem Camille, mereceria todo o elogio e estudo que por exemplo um Canova merece.
Com Camille conseguiu chegar a apenas uma quadra de Michelangelo.
Rejeitada, caída, não mais a
sereia que fora na sua juventude, genuinamente artística no humor, irritada com
um mundo de arte incontestavelmente paternalista e dominado pelas grifes,
interpretada sob a ótica e a concepção francesa de amante, enganada e
perceptiva o suficiente para saber de tudo isso e, provavelmente, hormonalmente
desequilibrada - mas com certeza sem jamais ter merecido um hospício - e quase
desfigurada mentalmente, Camille lutou. Ela lutou por espaço e um novo estilo,
inovando, de fato, o seu próprio estilo natural, que Rodin tinha - muito
compreensivelmente - adotado.
Rodin era um cirurgião. Seu
talento era para permutar figuras e a peças desde a sua Idade do Bronze.
Camille era exatamente como as suas Pequena Sereia ou Flautista, o seu
penúltimo trabalho. Vejo Camille como um avanço, como a ponte perfeita para a
Art Nouveau.
Auguste Beuret - o filho de
Rodin com Rose – conta que um belo dia, no último ano de sua vida, Rodin fez uma
pausa meditativa diante de um busto de terracota de Camille e disse-lhe, em
lágrimas, que nenhum outro assunto lhe era mais doloroso do que sabê-la
trancafiada sem esculpir.
É ocioso o debate sobre o que Rodin e Camille
teriam feito ou sido um sem o outro. Simplesmente não teriam sido Auguste Rodin
e Camille Claudel. Não vou julgar e condenar os amantes por terem tido a
coragem de amar e criar. Admiro-os por terem vivido.
A arte de Camille Claudel e Auguste Rodin responde
a velha pergunta filosófica: o que é o amor?
O mármore já respondeu. O amor
é o sonho das pedras, bloqueado na pedra, nascido da pedra, transfigurado na
pedra, transformado em poema esculpido na pedra, ária de pedra, melodia
tranquila de pedra a chorar.
O amor é o que esses dois sentiram e fizeram. O sonho humano de resistência,
sua força estranha, sua cumplicidade, sua empatia, sua determinação de não ser
mais pedra inerte, de vencer a morte.
Amei, Moacir. Você contou muito bem uma triste história de amor enquanto nos mostrava obras de arte maravilhosas. Vi os 2 vídeos e me comovi de pena deles não terem sabido ser felizes. Muito obrigada!
ResponderExcluirMônica,
ExcluirEu compreendo a sua emoção mas tenho a impressão de que se Rodin e Camille tivessem sido felizes talvez não tivessem criado essas obras de arte maravilhosas. Tem mais. Acredito que os dois não esculpiram porque quisessem mas porque não podiam evitar. Era da natureza deles.Obrigada pelo comentário.
Abração
1)O tema me fez lembrar da "Impermanência da Vida" que nos ensinou o Buda.
ResponderExcluir2) Tudo passa, tudo acaba, não tem jeito... depois vem um novo começo...
3)O desespero de Camille que a levou a ser internada, me fez lembrar de um grupo de ajuda mútua chamado:"Mulheres que Amam Demais", tipo NA = Neuróticos Anônimos.
4)E eis que até no amor e em tudo, é recomendável o "Caminho do Meio" ... nada de extremos ...
5)Parabéns Pimentel, seu texto é profundo, mas escrito de uma forma suave, agradável. Gostei qdo vc falou da árvore do Buda e do madeiro de Cristo.
6) Bom domingo para todos desse belo blog.
Antônio,
ExcluirInteressante o seu comentário. Pelo que sei as "mulheres que amam demais" são aquelas que, compulsivamente, se apaixonam por homens indisponíveis, incapazes de construir laços duradouros e que, apesar da ausência física e emocional desses parceiros, continuam a lutar pela relação de forma obsessiva. Os americanos chamam a patologia de “daddy issues”.
Não temos banco de dados – apesar do certinho do Debussy (rsrs) - para supor que Camille rejeitava homens emocionalmente disponíveis , esses caras "bonzinhos", entediantes, sem sal, geralmente preteridos por amores impossíveis.
Eu continuo achando que a relação de Camille e Rodin foi ainda mais complicada. Por mais que o amasse, Camille queria ser uma escultora de sucesso. Ou seja, queria ser Rodin: o artista realizado, o criador respeitado, o macho poderoso, aquele que fazia o que bem endtendia. Era ISSO que o assustava na garota.
Talvez Rodin valorizasse acima de tudo a própria liberdade criativa: as amantes, as modelos, as alunas eram a matéria dele.
Note que ele só casou com Rose meses antes de ambos falecerem em 1917 , depois de mais de cinquenta anos de relacionamento.
Eu torço para que continuemos olhando para esses rostos e corpos fabulosos reconheçendo neles não apenas a tristeza de um amor infeliz, mas do desterro experimentado por todos nós que, aos tropeços, estamos evoluindo e voltando para a casa.
Abraço
Moacir,
ResponderExcluirLinda e sábia a sua visão da arte e do amor desses artistas tão talentosos. O artigo dispensa comentários além dos parabéns. Mas vendo as fotos e o vídeo fiquei com uma dúvida. São 2 esculturas da Idade Madura ou é a mesma em lugares diferentes?
Um abraço e bom domingo.
Flávia,
ExcluirCamille fez várias versões , com materiais e tamanhos diversos , da Idade Madura. No Salão Camille Claudel, no primeiro andar do Museu Rodin, moram a versão primordial em gesso na qual as três figuras - o homem e as duas mulheres ainda se tocam - e um bronze magnífico mostrado no vídeo.
Já as quatro fotos na montagem do post são da Idade Madura que pertence ao Museu D'Orsay
Obrigado e outro abraço
Li tudo, Moacir, quase se respirar, de um só fôlego. Não quis dizer nada.
ResponderExcluirPor que não quis? Sei lá, não quis. Tive a sensação de que você havia escrito tudo o que poderia ser escrito.
A sensação não deve ser verdadeira, sempre tenho alguma coisa a dizer, ainda que seja bobagem.
Então por que não digo? Não quero pensar. Não agora, não quero não.
Rodin chorou? Camille ficou isolada do mundo, jogada em um sanatório pelo próprio irmão metido a besta, censor, acima do bem e do mal?
Não vai me fazer bem futucar essa infelicidade tão longe e tão perto, trazida por você.
Tomara que ela tenha sido amada por Debussy. À toa. Por que o que desejamos nós de amores que não amamos? Sequer são consolação.
Em amor não existe a consolação de um outro. Ou é aquele ou não é ninguém.
Ah, desculpa, Moacir, meu texto tão desparagonado, como dizem os diagramadores. Ele repete minha cabeça e a alma funda.
Se alma se libertar dos grilhões que a mantêm presa, eu volto. Se não voltar é porque achei melhor assim.
E você me compreenderá, tenho certeza.
Até
Ofelia
Ofélia,
ExcluirQue bom que você leu tudo de um só fôlego e que, mesmo tão mexida pela infelicidade do casal , voltou e teclou esses belos comentários que nada têm de "desparagonados".
Não posso nem lê-los nem respondê-los como merecem agora pois estou atrasado para a lida mas voltarei mais trade.
Adianto-lhe porém que mesmo o maior dos amores, a presença mais abençoada, aquilo que nos faz mais feliz e completo e chega mais perto e fundo a qualquer momento pode ser dissolvido no nada. Então é mais prudente que o UM seja a gente, que more em nós o significado da estrada e a motivação para que sozinhos sigamos em frente.
Obrigado pela atenção e comentários
Caro Moacir,
ResponderExcluirHá 30 anos que conheci o trabalho de Rodin no antigo Museu de Belas Artes de Buenos Aires. Quase nada sabia sobre Camille Claudel. Seus artigos sobre a fantástica arte feita a 4 mãos por eles foram uma leitura enriquecedora e agradabilíssima.
Alexandre,
ExcluirQue bom que você tenha apreciou a looooonga "franquia" como diz nosso Editor. Muito obrigado pela leitura e um abraço
Outro artigo de fôlego do Pimentel.
ResponderExcluirA qualidade do texto, as informações, os detalhes, compõem um registro primoroso, irreparável, que também copio e arquivo em pasta especial, até porque complementa os anteriores a respeito do genial casal de escultores.
Parabéns, Pimentel.
Obrigado por mais um artigo primoroso.
Um forte abraço.
Saúde e paz.
Chicão,
ExcluirEu lhe agradeço imenso pelo seu "fôlego" na leitura dos meus rascunhos sobre uma arte que sei não ser aquelas do seu coração generoso: a grande música e a imensa palavra escrita.
Abração
Olá Moacir,
ResponderExcluirQue bom descobrir ter outro post sobre os dois!
Como a Ofélia, o texto deixou em mim um tantinho de infelicidade, junto com coisas aprendidas e pensamentos brigões. Mas, por enquanto, ainda sou mais Camille.
Gostei muito.
Até.
Caríssima Donana,
ExcluirPensamentos brigões? (rsrs) Nada disso. O seu temperamento artístico separa muito bem o criador da sua produção intelectual e do encanto das suas obras artísticas. Talvez o seu coração se perfile para a "guerra" sempre do lado mais fracos. Também tenho um fraco por eles, os maravilhosos perdedores e "underdogs".
Mas sinceramente? Eu vejo e aprecio a obra conjunta: para mim sem Camille, Rodin não teria sido Rodin e vice–versa.
Se a gente contextualiza entende que devido à censura de gênero, Camille jamais conseguiria obter financiamento para transformar suas ousadas ideias em esculturas devido à visceralidade delas, ao seu elemento sexual. O que realmente derrotou Camille foram as grandes dificuldades do meio e do mercado: a escultura era uma arte cara e ela não recebia encomendas porque seu estilo era altamente incomum para os gostos conservadores contemporâneos.
Portanto, ela dependia de Rodin para realizá-las , colaborava com ele e deixava-o levar o crédito. Quem usava quem?
Camille não ligava para convenções sociais nem queria ser madame, mas para sair do ghetto das amantes e ser aceita como escultora - naquele tempo e espaço - só havia uma possibilidade: casar com Rodin e ter que ser engolida pelo mundinho tacanho e vitoriano das artes. Faltou combinar com Monsieur Rodin. Não havia lugar na vida dele para uma Madame Rodin e ele colocara as cartas sobre a mesa.
Finalmente, quando seus estilos tornaram-se diferentes - Rodin mais suave e Camille mais veemente - quando ela representou-o e à Rose cruelmente na Idade Madura, Rodin passou a vê-la como sua rival e afastou-se.
Camille se separou de Rodin em 1892 e foi internada pela família em 1913, 22 anos depois. Durante duas décadas ela fez as suas próprias escolhas entre elas a destruição implacável das suas obras. Uma pena. Sim ela tinha mais talento. Mas é preciso vitalidade e foco para transformar talento em concretude. Isso quem tinha era ele.
Que maravilha que hoje as Camilles já não precisam de nenhum Rodin para serem grandes.
Finalmente... uma das sábias mulheres da minha vida dizia: "E eu quero lá ter razão? Melhor ser feliz!"
Acho que Camille viveu diferentemente.
Abração
Oi Moacir,
ResponderExcluira infelicidade mexe comigo. De que adianta um casal tão brilhante, tão apaixonado se não consegue levar adiante a sua (deles) história?
Ah, eu torço por finais felizes. E a cada ponto de desajuste, de bem querer distante, de corações que se desejam mas não ficam perto e não constroem, isso me machuca.
Não é só uma história inventada. É uma história real, construída a quatro mãos e duas almas, dois corações que doeram, cada um a seu modo.
Quando penso na Camille, acho que ela sofreu mais. Era bem mais jovem, talvez sonhasse em ter Rodin ao lado dela, não ocasionalmente, ou parte do dia, mas como a outra, sua 'companheira de vida', nome que insisto em esquecer. Mas vou dar uma subida rápida na tela para conferir. ROSE BOURET! E ela tinha um filho com Rodin. À Camille nem esse direito foi dado. O mundo costumava ser mais cruel com as mulheres. Hoje ainda é? Menos, bem menos.
Camille deixou de ganhar e ainda perdeu. Sábia a minha amiga de jornal que me desaconselhou a trazer para casa o quadrinho dela, Camille. Sempre que olhasse pra ele eu me lembraria do que a vida da jovem poderia ter sido e não foi. Do que a vida lhe negou.
Não há caminho do meio na paixão, na admiração profunda. A paixão não enxerga caminhos. Só entende e percebe UM. E nele se atira, se joga.
Creio que Rodin sofreu porque queria bem à sua jovem amante e escultora. Mas podia prescindir dela, e foi o que ele fez. Não sem culpas e roído de remorsos futuros ao relembrar a quase menina com quem trocou sexo, carinho, amor, talento e admiração.
Deve ter doído nele, mas como Rodin tinha companhia para os dias e as noites, sentia menos aflição, ele partilhava. E partilhar é um verbo soberano.
O destino do sozinho é sempre mais doloroso, embora eu ache que Camille não quisesse outro companheiro além de Rodin, que já estava com Rose quando conheceu Camille, tinham uma história juntos. Tudo de Camille estava por construir. Isso me maltrata a imaginação.
(continua)
(continuação)
ResponderExcluirNem tudo de Camille me agrada mais do que as peças de Rodin. Não. A velha de Rodin me fala mais aos olhos e à emoção. A de Camille me parece uma velha louca, de desgrenhados cabelos. Há uma tal conformação no espectro da velha de Rodin, que se aceita assim tal como ficou, que chega a me causar ternura.
Estou muuuuito longe de me tornar essa velha, mas, dia desses, ao conversar com a secretária do meu médico, que me disse, ELE, que eu estava muito bem, acabei enviando pra ela, por e-mail, uma foto minha aos 18 anos. Ele elogiou meu vestido amarelo estampado, claro, quis me botar pra cima (o vestido é realmente agradável aos olhos). Sei que ele foi sincero quanto á roupa, mas sinto a vida se despedindo de um corpo que ainda teria bastante a oferecer. E se não tem, não consigo entender por que motivo não tem.
Eu me imagino como aquele velha, Deus meu!, e creio que pouco suportaria ao me perceber tão definitivamente acabada, no fim. Ainda assim acho que estou no fim de uma vida que me doeu tantas das vezes e me alegrou em outras, como ocorre com a maioria das vidas.
Não sou fútil. Mas beleza é fundamental, como dizia... o Vinicius? É, foi ele, quando pediu perdão às feias. Feia nunca fui, me diziam olhares e espelhos. Mas essa beleza de que falamos, e que está estampada nas esculturas de Rodin e Camille, foi o que levou King Kong a se apaixonar pela mocinha do filme e a protegê-la. Beleza é o quinto poder? Talvez o primeiro. É o que chega na frente, o que todo mundo olha.
Isso tudo é só uma ficção? "Pai, você sabe o que é ficção, não é?, perguntou a filha ou filho do Moacir, na garotice.
Todos sabemos o que é ficção. O problema é que a vida pra valer não passa longe dela. Pelo menos não muito.
Quedar-se diante da beleza, seja do que for, é possível até para um gorila gigante. Quem não se toca com isso, não pode ver o filme King Kong. Ou não valerá a pena ver. A emoção da história está toda ou quase toda encerrada nesse deslumbramento, nesse amor impossível da bela e a fera.
Por que Rodin não poderia sentir amor pelos trabalhos de Camille?, por seu talento que ele tão bem conhecia?
Era uma paixão, um amor espraiado, que ia muito além do calor do sexo, das belas formas e da juventude da pupila.
Eram seres unos, inteiros, desejantes, que se admiravam mutuamente.
E nem assim ele ficou com ela.