-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

22/06/2017

La Boquería de Barcelona

fotografia Moacir Pimentel


Moacir Pimentel
O rio de pessoas que avança continuamente pelas Ramblas – a avenida de pedestres mais famosa de Barcelona - só para quando a fachada metálica do Mercat de la Boquería aparece encravada entre os edifícios históricos. Mas a sua simplicidade não antecipa o seu intenso mundo interno ou a extensa história da qual é consequência.
Há algo sobre a terra ancestral em um mercado de alimentos. É como se olhar para as pilhas de batatas e tomates e legumes fizesse a gente se sentir como se os tivesse plantado e colhido.
Creio que me encantei pelos mercados da vida aos vinte anos, em Roma, onde costumava ir de manhã muito cedo ao mercado de Campo de Fiori para, depois de dar bom dia à estátua do Giordano Bruno, comprar os ingredientes para as refeições diárias do velho senhor para quem trabalhava.
Depois, passei a comprar roupas de segunda mão e a negociar preços no velho mercado de Porta Portese e então vieram as medinas árabes, os coloridos e espetaculares mercados de rua indianos e aqueles fluviais da Tailândia e pronto! Fiquei viciado.
Dizem que não há maneira mais rápida de se aprender uma língua estrangeira do que namorar uma nativa falante. É verdade (rsrs) Da mesma forma, a culinária é o caminho mais curto e prazeroso para se entender um povo. O alimento é sobre o cotidiano, sobre a lida e diferentemente da filosofia e da arte que apenas valorizam a vida, ele tem o valor da sobrevivência.
Os mercados públicos possuem algo de vital, algo de saudável e sustentável ao se escolher cuidadosamente ingredientes frescos e saborosos e levar o necessário para o preparo de refeições caseiras. Eles têm uma qualidade a um só tempo animada e relaxada, uma lentidão agradável que torna divertido estar lá e difícil dar as costas aos vendedores animados, aos produtos de qualidade e aos aromas gloriosos.
Mas não são apenas os produtos que tornam os mercados especiais. Nesta época plástica, quando quase tudo que consumimos vem com uma data e um prazo de validade é como se nós perdéssemos o contato com nossos sentidos. Em um mercado nós voltamos a olhar, tocar, cheirar, mordiscar, perseguindo a qualidade e implorando pela aventura do estranho e maravilhoso.
Para qualquer amante de comida – por favor me inclua na categoria - o mercado público La Boquería em Barcelona é um destino de peregrinação, um surpreendente paraíso de alimentos deliciosos capazes de tentar um santo de pedra e a mais radical das anoréxicas.
No ano 13 AC o imperador Augusto fundou a colônia Iulia Augusta Paterna Barcino Faventia. Dona Lenda insiste em afirmar que as raízes do Boquería podem ser escavadas no Barcino romano e que, no século IX, por ali já batiam ponto mercadores ambulantes de carne. Há registros históricos provando que desde 1217, no local funcionou um mercado a céu aberto. O certo é que o Mercat de Sant Josep de la Boqueria foi construído a meio caminho entre o mar e a atual Praça da Catalunya, no mesmo lugar das Ramblas onde, em 1835, fora queimado o Convento de Sant Josep. O fato é que o primeiro mercado público de Barcelona foi inaugurado em 1870.
Se tais datas forem precisas, elas fariam do Boqueria um dos mercados mais antigos ainda em funcionamento do mundo, como o Grande Bazar de Istambul. Porém e com certeza ele é um dos principais, ao lado de outros de grande estirpe como, por exemplo, o da Rue Mouffetard com sua atmosfera medieval e os edifícios que datam do século XII perto do bairro latino de Paris ou o de Les Halles em Lyons, que muitos identificam como sendo a capital culinária da França pois situa-se entre as áreas agrícolas mais ricas do país.
Ou como o Mercado Vucceria, em Palermo, na Sicília, maravilhoso e caótico, colorido e barulhento, que se estende por quilômetros e cujas origens remontam ao regime sarraceno da Sicília no século IX.
Dignos de menção honrosa entre os italianos são ainda os mercados mal cheirosos de peixe da Porta Nolana, sob um dos portões da muralha da cidade de Nápoles e o apaixonante Pescheria, escondido sob os arcos ao lado da Ponte Rialto em Veneza onde as gôndolas carregadas de produtos frescos brilham sob o sol nascente.
Para não falar dos incríveis e exóticos mercados fluviais de Bangkok e do Viktualienmarkt em Munique, onde se toma cerveja de trigo e come-se as saborosas linguiças de porco com saurkraut; do londrino Borough Market, inundado por cogumelos selvagens, enguias defumadas e muita cidra; do Központi Vásárcsarnok, o mercado central de Budapeste que mora em um edifício Art Nouveau do século XIX, foi desenhado por Gustave Eiffel e cujas barracas vendem de cebolas a caviar russo.
Sim, eu gosto imenso de mercados. E confesso que um dos meus prediletos é justamente o Boquería mesmo que ele tenha se tornado uma das principais atrações turísticas da cidade por algumas razões simples: localiza-se na artéria mais famosa de Barcelona – Las Ramblas! – a exibição de todas aquelas coisas comestíveis é de impressionante beleza, seus produtos são impecáveis e por lá come-se muito bem e barato.
Então apesar do turismo circundante, o Boquería ainda vale a visita porque quando se vê tudo aquilo... Caramba! É amor à primeira vista!
Ao entrar no mercado, de saída, somos surpreendidos por barracas recheadas de guloseimas, doces, chocolates, pirulitos e muitas outras delícias! Já imaginou um picolé de Mojito? Aquelas são as barracas mais coloridas e mais saborosas para as fotos! Se você é chocolátra(o), muito cuidado e – atenção! - as amêndoas caramelizadas do Mercat de la Boquería são altamente viciantes!
fotografias Moacir Pimentel

Em seguida, aparecem os quiosques de frutas, verduras e legumes vendendo de tudo: das cerejas às goiabas e mangas. As frutas também são vendidas cortadas e embaladas em copos transparentes com talheres. Muito prático para quem não aguenta a tortura de ver tanta coisa gostosa sem experimentar!
Frutas exóticas como abacates e mangostins e pitaias sul-americanas e asiáticas ganham destaque nas barracas. Os vendedores de frutas não param um minuto sequer ocupados em colocar as cerejas brilhantes em caixas e a preparar maravilhas com as pitaias, o que nos dá a certeza de que são movidos pelas vitaminas que vendem.
Todos são especialmente cuidadosos na apresentação dos produtos e portanto encontramos arranjos e combinações estupendas de formas e cores, das laranjas e bananas às uvas e maçãs de muitas cores.
Este capricho estético - o que não exclui os deliciosos sabores de todo o mundo - se repete em todo os quiosques, desde aquele mais sofisticado que vende os vinhos D.O.Q de Priorat - a única região vinícola espanhola que, juntamente com a de Rioja, obteve a denominação prestigiada de "qualificada" - até a banca modesta que comercializa bacalhau salgado.
Ao lado das barracas de frutas moram os quiosques dos sucos de variados e inenarráveis sabores e misturas. Já experimentei um de mirtilo com coco. Pense em um casamento estranho mais interessante! Durante nossas estadias em Barcelona, vira e mexe vamos ao mercado só para isso: tomar um delicioso suco logo ali na entrada.
E o que mais? São cerca de trezentos quiosques ao longo de onze corredores nos oferecendo os manjares dos deuses: pernas de porco curadas penduradas como cortinas; montanhas de nozes, e amêndoas e castanhas; estranhos cogumelos almiscarados; frascos gigantescos de cascas de frutas cristalizadas, chocolates de todos os feitios e recheios.
As pessoas ficam ali paradas no vão central, meio atordoadas, incapazes de decidir se seguem em frente pelo corredor onde moram os picolés e sorvetes em direção a outro mundo povoado pelos frutos do mar da costa espanhola e de outros mares e rios: mexilhões, camarões, ostras, navajas, almêijoas, lulas, sépias deliciosamente expostos.
O peixe é parte da dieta mediterrânica e o mercado reflete isso: entre peixe fresco, peixe congelado e salgado, há mais de cinquenta quiosques. As luzes do teto abobado que brilham sobre seis mil metros quadrados de comida se refletem nas escamas prateadas e vermelhas dos peixes de olhos claros e dos frutos do mar sendo tratados e arrumados sobre camas de gelo triturado, enquanto caranguejos vivos são pesados com destreza profissional. Olhando olho no olho dos bichos, escolhe-se o mais fresco e apetitoso.
E depois?
É só levar o salmão, ou o mojama – atum! - ou o polvo para outro quiosque muito animado - de nome La Ramba - o único lugar do mercado onde você pode levar seus próprios ingredientes para que sejam grelhados na plancha – um tipo de churrasqueira! - por uma pequena taxa. E saborear um peixe honesto com uma cerveja gelada depois de filés de boquerones – anchova! - de entrada, é claro.
 
fotografias Moacir Pimentel
Os mini polvos que fecham a montagem fotográfica acima com chave de ouro são chamados de chipirones, uma especialidade local tão emblemática da cozinha catalã quanto o polvo, o atum e as anchovas. Mas em uma das peixarias mais respeitadas do pedaço, as lulas da Dona Marta também são lendárias.
São deliciosos os quiosque de azeitonas acima do peso, onde nos deixam “provar” com fartura para descobrir que as do norte são mais amenas que as do sul, geralmente amargas e/ou picantes. E, bem ao lado, na Bacalharias Gomá, mora um rei: o Bacalla d'Importacio, claro e salgado e oriundo da Islândia.
Aparentemente os Gomá estão entre os pioneiros fundadores do La Boquería. Hoje o quiosque é o feudo de Dona Carmen que com uma cara de poucos amigos coordena o negócio de takeaway no estilo catalão: peixe e batatas fritas em cones de papelão, os pintxos – espetinhos! – e os buñuelos de bacalao. Foi ali que experimentamos pela primeira vez uma posta de bacalhau lustroso e carnudo lambuzada por um mel estranho antes de ser grelhada. Huuuum!
Quem vira à direita logo na entrada descobre os produtos do monte a começar pelos queijos. Na Boquería se tropeça em montanhas de queijos diferentes que enchem o ar com uma pungência surpreendente mas deliciosa. São queijos feitos à mão de leite de cabra e de ovelha e de vaca, e uma variedade de outros produtos lácteos recém fabricados. 
fotografia Moacir Pimentel

Dizem os safos nativos que aquilo que não se encontra na Boquería não vale a pena comer. Lá estão coisas que aprecio enormemente como as conservas e compotas caseiras e os pães rústicos de campanha. Ah, o cheirinho de pão fresco e crocante no ar. E que tal um sanduíche de cordeiro assado fatiado bem fininho? Nada disso! Eis que aparece o presunto serrano!
fotografia Moacir Pimentel

Foi na Boquería que aprendi que os melhores presuntos ibéricos têm cascas muito escuras e que a carne de porco de maior qualidade é a dos animais menores alimentados à base de bolotas de carvalho.
Entre as dezenas opções de provas e beliscadas enquanto passeamos por esse parque de diversões comestíveis não se pode pular o jamón Ibérico. Os presuntos curados ficam todos pendurados, esperando para ser cortados e nos provocando água na boca. Parecem pedir: “Provem-nos”!
Não nos fazemos de rogados e, em vez de levar para comer mais tarde no quarto do hotel, fazemos como os nativos que desfilam pelas ruas de Barcelona com cones nas mãos, só que cheios e transbordantes de jamon serrano e não de sorvete! É pegar e comer a iguaria cuja espetacular profundidade de sabor vai se acentuando enquanto mastigamos.
Quem aprecia a carne branca termina no quiosque Avinova com sua gama estonteante de pássaros, coelhos, aves de caça e caracóis oriundos da Catalunha e da França . Fazem sucesso os animais alimentados com alecrim.
Além de todas as criaturas comestíveis de duas pernas, na Boquería encontramos ovos de todas as cores e tamanhos: de peru, pato, frango, codorna, cisne ou de emu. Pois é. Eu não me contive e perguntei e trata-se de uma parente próxima e australiana da avestruz.
As horas passam rápido - e salivadas! - pelas alamedas coloridas de La Boquería, de quiosque em quiosque, de sabor a sabor, das azeitonas aos brotos de manjericão, dos ovos de codorna aos tomates maduros, dos chocolates às frutas cristalizadas e às nozes caramelizadas, dos sucos de fruta ao picolé de mojito, das vieiras às navajas, dos peixes aos leitões, das especiarias às pimentas secas.
Chama a atenção nas gôndolas além do requinte das exibições dos produtos de mar o exotismo dos frutos do monte, a variedade das carnes – corações, coelhos, cabeças de cordeiro, leitõesinhos inteiros - e tantíssimos fumados e embutidos e foie gras.
Os vibrantes quiosques de especiarias coloridas exibem uma enorme variedade de perfumados temperos: açafrão, curries indianos e malaios autênticos, ervas secas, folhas de louro enormes, tempero tikka muito rústico, que inclui pimentões secos, paprika vermelha viva, flocos de cebola e sementes de cominho picante. E, como se não bastasse a variedade de valentes temperos do vasto mundo, ainda oferecem às senhoras a oportunidade de misturar especiarias para formar seu próprio tempero especial em sacos de tecidos. Pense em um quiosque cheiroso!
Devo confessar que face a todo esse assalto aos meus sentidos, tonto diante de tão grandes e súbitas tentações, eu tenho que me segurar durante às loooongas conversas gastronômicas para não girar à esquerda e correr na direção dos bares de tapas onde se pode sentar no balcão e abrir de uma vez o expediente com una copa de Cava e dar umas deliciosas mordidas em qualquer coisa boa como, por exemplo, uma empanada!
O mercado tem dezenas de pequenos bares onde via de regra os nativos esperam de pé, para comer os quitutes preparados à sua frente como as truitas de patates ou o feijão branco típico da capital catalã preparado em panelões por senhoras usando impecáveis aventais brancos.
Aquela cornucópia bem ali no coração de Las Ramblas é também um ímã para os turistas de olhos arregalados que, em determinadas horas, superam os nativos presentes exclamando “meu Deus!” em todas as línguas do planeta azul...
“Oh My, Mon Dieu, Mein Gott!”
E fotografando o espetáculo de cores em vez de experimentar-lhe os sons cheiros, perfumes, texturas e sabores. Meus Deus, pergunto eu, como não comer um daqueles xuxos? 
Um xuxo é um cruzamento entre um croissant e um eclair vendido em qualquer café de Barcelona. E os xuxos do Juanito são os melhores da cidade. Esse tal de Juanito é uma unanimidade tão grande que, desconfiados que somos das indicações pavlovianas, sentamos pela primeira vez nos baquinhos do bar de tapas dele – o famosérrimo Bar Pinotxo! – com um pé atrás quanto a sua tão decantada “autenticidade”. Terminamos fregueses (rsrs)
Dizem que a família de Juanito Bayén, capitaneada pela senhora sua bisavó, costumava estar na rua de trás do La Boqueria às quatro da manhã cozinhando para os trabalhadores que, nas madrugadas, abasteciam o mercado na virada dos séculos XIX e XX. Hoje o Bar Pinotxo é a primeira coisa que se vê quando se entra no mercado pela entrada principal das Ramblas.
É bom demais chegar na Boqueria morto de fome às 8 horas da matina e ir direto para o Pinotxo famoso pelo café da manhã “dos campeões" que oferece no cardápio mais de uma dúzia de ovos mexidos e omeletes diferentes, servidos com aquelas torradas esfregadas com tomate e alho típicas de Barcelona. E pense em um café realmente bom! No Boquería entre uma miríade de coisas irresistivelmente boas está o café perfumado recentemente moído.
Mas o definitivo destaque do café-da-manhã no Bar Pinotxo é mesmo o substancioso prato de feijão garbanzo ao molho de sangue com chouriças e morcilas. E não faça careta! Os feijões são magnificamente temperados e se nota muito levemente o sabor sangrento (rsrs)
Quem realmente adentra o La Boquería de manhã muito cedo e antes dos primeiros ônibus de turistas, olha em volta com enorme satisfação. O Boquería não é apenas uma mistura de diferentes produtos de culturas diversas reunidos sob o mesmo teto. É uma das peças mais interessantes da arquitetura da cidade: uma estrutura de ferro enorme e ainda assim infinitamente delicada, sustentada por colunas jônicas e iluminada pela luz solar filtrada pelos gigantes paineis de vidro do teto que rodeiam uma rotunda central com cara de prima legítima das belas loucuras de Gaudí.
Com certeza no interior do pavilhão de vidro de La Boquería rolam a cada momento oportunidades de fotos memoráveis dos alimentos sazonais catalães e das pessoas que os plantam e criam e vendem nos quiosques animados, em exposições coloridas e vinhetas deslumbrantes que nos fazem querer levar para casa tudo aquilo que não podemos experimentar no local, já que os vendedores são generosos com as amostras grátis para aqueles com pinta de prováveis consumidores.
Mas mesmo que a variedade e a quantidade de produtos disponíveis seja de deixar qualquer um tonto e bobo à medida que nos dirigimos para os fundos do mercado, para longe da multidão de turistas, percebemos que a qualidade tende a subir ao passo que os preços descem.
O ambiente - o ritmo rápido, mas com um toque pessoal e amigável – é muito agradável, ainda mais se fazemos paradas técnicas nos bares de tapas para conhecer melhor tudo o que foi observado (rsrs)
Aliás um dos bares de tapas obrigatório mora exatamente na parte traseira do mercado. Viva El Quim de La Boquería, um humilde e pequeno bar nos seus primórdios que tornou-se um dos locais mais populares do mercado perfeito para um almoço de sonho. Da diminuta cozinha do El Quim saem coisas bonitas e deliciosas como, por exemplo, as tapas de lulas servidas na própria tinta beeem salgaditas ou os ovos estrelados com chipirones ou a estrela do cardápio: cinco tipos de cogumelos cozidos no Porto e servidos com cebolas e um tijolaço de fígado de pato caramelizado. É de endoidar gente sã principalmente se acompanhado por uns copos de bom tinto Rioja.
E de sobremesa? 
fotografia Moacir Pimentel

Eu resolvi “conversar” sobre o mercado de La Boquería porque li recentemente que passará por algumas mudanças. A explosão de cores e a fascinante mistura de comidas de todos os tipos — de frutas exóticas a ostras e de doces árabes a porco assado — vão continuar as mesmas, mas a Prefeitura da cidade deseja resgatar a autenticidade do mercado, já que a população reclama das multidões de turistas que impedem os moradores de frequentar os quiosques para fazer suas compras diárias.
Parte importante da cena cultural e gastronômica catalã, o mercado reduzirá gradualmente o número desses pequenos bares que vendem comida pronta, dando mais espaço para alimentos frescos, como frutas, verduras e peixes. A ideia das autoridades é limitar os pontos de degustação lá dentro, transferindo os bares de tapas para as ruas laterais do mercado, facilitando assim a circulação do público e das suas cestas de compras.
Não pretendo aqui fazer, como está fazendo a Prefeitura de Barcelona, a louvação dos demais trinte e tantos mercados da cidade, diante dos quais raramente se vê um ônibus turístico ou um japonês tomando uma raspadinha de maracujá e continuarei um fã de carteirinha do mercado com turistas ou sem turistas e recomendando veementemente La Boquería, sem dúvida o melhor naquelas paragens.
Mas tem desaparecido de lá, nas últimas décadas, a antiga camaradagem, a interação entre os vendedores e os clientes que se conhecem há anos, que persiste no entanto, em dezenas de outros mercados de bairro espalhados por Barcelona, como o Mercado Galvany, no bairro de Sant Gervasi, com seus azulejos representando frutas maduras e seus belos vitrais ou o arejado Mercado de Santa Catarina no Born erguido na década de 1870 como o primeiro edifício de ferro fundido e vidro de Barcelona ou mesmo o pequenino Mercado del Ninot, no Eixample.
No entanto, eu apoio a inicativa da Prefeitura da cidade. Gostei de ler que La Boquería não permitirá que grupos de mais de quinze turistas tenham acesso ao lugar até as 15hs às sextas-feiras e sábados inicialmente e que tais providências poderão vir a ser diárias.
Na verdade quase oito milhões de pessoas visitam a capital catalã todos os anos. E nesse número não estão incluídos os dois e meio milhões de cruzeiristas, que apenas desembarcam dos navios para passar o dia na cidade e que quase sempre acabam no Boquería. Para que você tenha uma noção do que representam tais números, o Brasil inteiro recebe cerca de seis milhões de turistas estrangeiros por ano.
A decisão da Prefeitura, é necessário registrar, foi tomada a pedido dos próprios comerciantes. Os donos dos postos de venda do mercado pagam fortunas para estar ali e os turistas, em sua esmagadora maioria, querem apenas olhar e fotografar, entupindo os corredores e impedindo a circulação de clientes.
Para quem mora nas imediações, fazer compras no Boquería se tornou um inferno e muitos velhos e fiéis clientes deixaram de frequentar o mercado há muitos anos.
Sucede que, do outro lado do Atlântico, a classe média europeia não está acostumada com a moleza, ninguém tem secretárias do lar, as pessoas vivem existências corridas e portanto fogem como o diabo da cruz de tudo que lhes complique a rotina, que inclui esfriar a barriga no tanque e a esquentar no fogão, lavar o próprio banheiro, usar o transporte público e as próprias pernas, caminhar até a padaria e o mercado para comprar o que comem diariamente, encher o tanque de gasolina com as próprias mãos.
É o preço que se paga para não conviver com algo que faz parte das nossas vidas: o cruel abismo social e, portanto, a mão de obra barata e disponível para qualquer necessidade do dia a dia.
Só que nesse ritmo simplesmente não se pode, por causa de um tipo de turismo não sustentável, perder uma hora e meia para fazer as compras que, noutro mercado qualquer, seriam feitas em meros trinta minutos.
Nós os seus fãs de carteirinha não nos privamos das maravilhas do Boquería cedo pela manhã ou à noite antes de voltar para o hotel da vez. Mas diferentemente dos nativos que para fazer suas compras só têm disponíveis a hora do almoço ou aquela corrida depois do trabalho, podemos evitar os horários de pico, chegando antes ou depois das hordas invasoras, quando os vendedores ainda acham divertido o fato de sermos “guiris” e o ambiente ainda está calmo e o movimento normal permite que as pessoas interajam e é exatamente nisso que está a graça, certo?
Mas aconteça o que acontecer a profusão de belos e coloridos e frescos alimentos, seus cheiros e cores é esmagadora e o cenário é tão bonito que enfrentaremos hoje e amanhã mesmo a maior das multidões para visitar La Boquería.


12 comentários:

  1. Mônica Silva22/06/2017, 11:58

    Eu procurei você na Leiteira logo cedo e não encontrei nem uma palavra mas agora apareceu no mercado. Você arrasou, Moacir. Amei! Só de olhar as fotos maravilhosas já estava morrendo de fome na metade do artigo kkk. Obrigada!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel23/06/2017, 07:50

      Mônica,
      Às vezes a gente fica sem sinal de internet e não consegue agradecer os comentários exagerados (rsrs) "Obrigado!"
      Embora atrasado passo só para lhe dizer que se algum dia visitar a cidade deixe a mala no hotel e corra para La Boquería: é o melhor da festa!
      Abração

      Excluir
  2. Márcio P. Rocha22/06/2017, 16:07

    Oi?! Acho que entrei no lugar errado mas daqui não saio. Isto é que é post!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel23/06/2017, 07:55

      Márcio,
      Digamos que todas as estradas levam à mesa e que comer em Barcelona já faz a viagem valer a pena. Que bom que aprendi a falar a sua língua (rsrs) Bom apetite!

      Excluir
  3. 1)Belos parágrafos e fotos desfilam diante dos meus olhos.

    2)Leio as linhas, contemplo as fotos... e como aprendo !

    3)Parabéns Pimentel !

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel23/06/2017, 07:58

      Vizinho Antonio,
      "Gratidão!" É importante aprender também - à parte as delícias e belezas da Boquería - que qualquer cidade que se sacrifica no altar do turismo de massa e passa a ser um parque temático acaba com a qualidade de vida dos seus moradores.
      Abração

      Excluir
  4. Flávia de Barros23/06/2017, 14:47

    Moacir,
    As suas palavras e fotos me trazem lembranças deliciosas. Saudades de Barcelona e dos tempos em que todos frequentavam as feiras dos bairros. O mercado da Boqueria anos atrás era das donas de casa e outros moradores das Ramblas e não tinha multidões de turistas. Acho que o turismo gera empregos mas pode ameaçar a cultura e as coisas que tornam os lugares encantadores para os próprios turistas. Não sei qual é a solução mas rezo para que seja encontrada.
    Um abraço para você

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel25/06/2017, 19:06

      Flávia,
      Fico muito feliz que você tenha apreciado o post. Concordo com você que a solução não é acabar com o turismo mas tentar fazê-lo sustentável. Não faz muito sentido expulsar do Boquería as "donas de casa" do bairro impedidas de fazer suas compras diárias por turistas fazendo selfies ou ver Barceloneta, o tradicional bairro dos pescadores, povoado por turistas pelados para o horror dos velhos donos da praia. A resposta e a solução moram no bom senso e na conversa: nem tanto ao mar nem tanto à terra.
      Outro abraço para você.

      Excluir
  5. Alexandre Sampaio24/06/2017, 08:52

    Pimentel,
    Chovendo no molhado vou repetir o de sempre: Parabéns pelo texto. Mas não só por ele, mais ainda pela alegria de escrever.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel25/06/2017, 19:10

      Sampaio,
      Gosto de escrever mas a alegria alegria varia. Às vezes falta assunto, inspiração, texto e então escrever pode ser exercício sofrido que a gente se pergunta se vale a pena. Mas então comentários como os seus me enganam que sim e incentivam a continuar teclando (rsrs). Muito obrigado.

      Excluir
  6. Olá Moacir,
    Lindo e interessante o seu post. Mas parecestes me um gajo faminto! (rrsrs)
    Também sou encantada com mercados, aqui, em Sampa, ou o árabe em Jerusalém ou o de Acra com sua maravilhosamente perfumada tenda de sacos e sacos de temperos e ervas secas. Quando lá estive o vendedor não falava inglês mas nos entendemos muito bem. Descobri curiosa que a ervas se chamam parecido em qualquer língua.
    As bancas de frutas e legumes e as de doces são as que mais me atraem com suas cores, formas e cheiros. Fico instantaneamente com fome! Fiquei tão fascinada na Rue Mouffetard que paguei mico. Escolhi umas uvas e não vi a fila enooorme de pagar. Estava ficando indignada com o vendedor que me ignorava sempre quando alguém gentilmente me cedeu a vez (certamente não era francês)!
    Sim, fiz careta no "seu" Bar Pinotxo com o tal do feijão garbanzo cheirando a sangue! Jamais provaria! Não como nem frango ao molho pardo. E tinha horror quando criança via minha avó alemã fazendo chouriço ou "morcija" ,como diziam, quando matavam porco. E quando minha prima provava....
    Também não como meus colegas de esporte, mas acho curiosas, e porque não bonitas, as bancas de peixes com olhos claros e esbugalhados e os bichos com muitas pernas e barbas, e cores diversas . São bem mais bonitos nos aquários....quando estivemos em Marselha enquanto o Sr. Redator comia peixe eu ficava com os maravilhos vermelhudos tomates com mussarela.
    Não como, mas sou tão boazinha que faço para o Redator. (sempre posso trocar por algo, não é verdade?)
    Atrasada, feliz com a leitura, que fez responder aos montes, e sempre esperando mais.
    Bom domingo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel25/06/2017, 19:21

      Caríssima Donana,
      Sou um "gajo" que consegue pensar em algumas coisas - poucas! - melhores do que comer nessa vida. (rsrs) Aliás parece que a quarta geração vai na mesma toada. Perguntado se quer um "pouquinho de bolo" o netinho retruca:
      “NÃO! Quero um poucão!”
      A mim os mercados também dão muuuuita fome, mas aqui entre nós e baixinho confesso que sou maluco por feijão garbanzo, arroz de cabidela, linguiças de sangue, dobradinha, lambreias , polvos e outras esquisitices.
      Ontem provei umas "tanajuras" fritas na manteiga com uma farofinha que... hummmm...estavam supimpas.
      Consigo imaginar o Senhor Editor traçando com alguma voracidade uma bouillabaise marseillaise mas também entendo a sua solidariedade para com os seus colegas aquáticos e suas restrições alimentares. Por um acaso a única que tenho é não querer conversas com erva doce! De resto....
      Viva um bom molho de "tomates vermelhudos"!
      Boa semana

      Excluir

Para comentar, por favor escolha a opção "Nome / URL" e entre com seu nome.
A URL pode ser deixada em branco.
Comentários anônimos não serão exibidos.