(imagem: nerdlikeyou.com) |
Moacir Pimentel
Na semana
passada precisei consultar um otorrino. Na sala de espera do consultório médico
encontrei - pelo menos! - umas vinte criaturas, TODAS às voltas com seus
smartphones. Assustador.
O que
está faltando - e cada vez mais nas nossas vidas - é a atividade pela qual a
maioria de nós aprendeu muito do que sabe do resto do mundo. A força que criou
nossos padrões de pensamento e, num sentido importante, fez a nossa
civilização. O que está faltando é o venerável hábito da leitura.
Eu tenho
certeza que a desaceleração na leitura pode resultar num declínio cultural e
político do mundo moderno. Estamos perdendo uma espécie de hábito psíquico, uma
lógica, uma sensação de complexidade, a capacidade de simbolizar, de abstrair,
de detectar contradições e, é claro, a falsidade.
Eu já não
pergunto mais - para não embaraçar meus amigos - o que leram recentemente. Estão
trabalhando muito, ou jogando ou assistindo as séries americanas online. As
casas raramente têm espaços para a leitura. Aquelas velhas ilhas de calma
chamadas bibliotecas, escritórios e antros aconchegantes com uma poltrona ou -
quem sabe? - uma rede bem iluminada onde se lia e viajava. Há muito tempo tais
recantos passaram a se chamar home theaters e foram invadidos por telas planas,
PlayStations e Nintendos. Estantes de livros cederam lugar para outros
entretenimentos.
Se
fizerem uma pesquisa os resultados provarão que mais pessoas estão lendo
atualmente mais livros do que há 50 anos. Então por que todo mundo parece
emburrecido? Porque leem cada vez mais sobre cada vez menos. Em uma sociedade
onde o sucesso profissional agora exige familiaridade com toneladas de
informação, os livros são, muitas vezes, adquiridos para serem consultados. E
não lidos. São livros científicos ou técnicos. Esotéricos, de autoajuda, para
colorir. Até mesmo os romances, os livros de
ficção e os com temas não-ficção de interesse geral, são
livros que ultimamente parecem ter outras funções. Seus autores, muitas vezes,
os escrevem como rotas para contratos de cinema. Seus editores analisam cada
vez mais esses livros, não como coleções de frases e parágrafos que poderiam
ser esclarecedores, mas como produtos que devem ser divulgados e
comercializados divididos: volumes 1, 2, 3.
Dado o ritmo da vida moderna, os leitores destes livros fazem sobre eles voos rasantes, para melhorar a "conversa", parecer erudito, ficar bem na foto postada no Instagram. E, sendo assim, os livros têm cada vez mais funções diferentes.
Acho que
hoje se lê as resenhas e mesmo assim para decidir se vale a pena ou não
assistir ao filme. Revistas parecem ser mais
adequadas para as nossas vidas agitadas, mas os blogs estão tomando o lugar das
revistas. Perde-se menos tempo na leitura da opinião do blogueiro que, na
maioria dos casos e com raras e nobres exceções, é engajado e infalível. Mesmo
assim, ferramentas indicam que raros leitores online vão além do segundo
parágrafo de um texto.
O futuro
de jornais impressos e online parece sombrio. Para onde foi a força do hábito
de leitura de um jornal? Estamos desenvolvendo uma geração que não tem
interesse em leitura, exceto na medida em que ela lhe é atribuída nas escolas,
infelizmente aparelhadas.
Segundo
os nossos desgovernantes, nos últimos anos, a educação melhorou "pra
cacete". Tanto que quinhentos mil vestibulandos zeraram a redação no Enem. Se
a educação não estimula o desejo de ler, como fica o futuro?
Há cem
anos atrás, nos dias em que o circo não estava na cidade, as pessoas que
procuram entretenimento tinham três alternativas: fazer amor, conversar ou ler.
Livros, naqueles dias, tinham o poder único de nos transportar:
"Não há nenhuma fragata como um livro para
levar-nos longe das terras."
Agora, é claro, há muitas maneiras mais fáceis de chegar lá. Os da nossa espécie promoveram uma revolução nas comunicações, cujo primeiro passo foi o desenvolvimento de centenas de idiomas há dezenas de milhares de anos atrás; o segundo foi o simbolismo pictórico da arte rupestre; o terceiro - numa mistura das duas abstrações anteriores - foi o advento da escrita e da leitura no Oriente Médio cerca de cinco mil anos atrás; o quarto foi a invenção da prensa de impressão há quinhentos anos atrás.
O quinto
passo - o nosso - começou, talvez, com o código Morse, os telégrafos com e sem
fios, a lâmpada elétrica, o gramofone, o ditafone, o microfone, o telefone.
Filmes, gravações, rádio, telefones, televisão, fotocopiadoras, telexes,
aparelhos de fax e computadores fizeram parte dele. Mas, evidentemente, o
produto mais potente desta revolução, até agora, e o que tem levantado a maior
ameaça para leitura, depois da televisão, foi a internet. E depois, é o que
está aí: os 140 caracteres no Twitter, o Facebook, o WhatsApp, os vídeos de um
minuto e trinta segundos e por aí vai.
De certa
forma é um milagre que a gente consiga encontrar tempo para ler, mesmo o pouco
que fazemos. Ler está em declínio. Quantas crianças hoje - com nós ontem -
terminam de ler livros, graças à luz de uma lanterna, escondidos debaixo das
cobertas? Em vez disso, a leitura - como comer brócolis - agora se tornou algo
que os jovens sentem que deveriam fazer. Um mau sinal.
Uma das
características de qualquer revolução tecnológica é a nostalgia da velha ordem.
Sócrates, que viveu poucas centenas de anos após a invenção do alfabeto grego,
e foi testemunha da transformação da escrita na cultura grega, tenazmente
defendeu a superioridade da cultura oral que estava sendo substituída. Segundo
Platão - em relatos escritos! - Sócrates previra que o uso da escrita
enfraqueceria memórias e privaria os aprendizes da chance de questionar o que
lhes estava sendo ensinado.
Tais
saudades dos métodos de tradição oral - memorização, retórica etc., - os
mantiveram vivos nas escolas até o século passado. Agora faço aqui essa defesa
da leitura contra as incursões de novas tecnologias. Posso estar redondamente
enganado.
Mas, por
enquanto, sigo convicto de que os efeitos da leitura em nossos pensamentos são
profundos. Não é que as pessoas analfabetas - ou quase! - sejam menos
inteligentes do que nós. Elas simplesmente pensam de forma diferente, ou seja,
pensam circunstancialmente. Quando as palavras são escritas, e não apenas
enunciadas, elas estão livres de situações e experiências subjetivas, podemos
brincar com elas, analisá-las, reorganizá-las em categorias, fazer
correspondências, ligações ou contradições entre as várias declarações, se
cuidadosamente examinadas.
Ou por
outra, graças a elas exercitamos o nosso sistema de lógica - a nossa capacidade
de encontrar princípios que se aplicam independentemente das situações. Esta
lógica, que remonta aos egípcios, hebreus e gregos, nos levou à matemática e à
filosofia. E escreveu a História. Entre as suas realizações está a nossa
cultura. Na qual nossos pensamentos cresceram mais abstratos, ou seja, mais
gerais, mais abrangentes, mais distantes das situações específicas nas quais
nos encontrávamos. Superstições, preconceitos e personagens lendários - como
dragões e fadas - tiveram dificuldades de serem encaixados nestas linhas retas.
A revolução científica e o Iluminismo foram ambos produtos da imprensa.
Que a
leitura foi fundamental para a nossa cultura está fora de questão. A questão é
como nós deixaremos a Idade da Impressão para as águas desconhecidas dessa nova
era eletrônica, onde corremos o risco de perder muito do que a leitura nos
permitiu ganhar. Pois estas novas tecnologias de comunicação tanto nos oferecem
quanto nos tiram muito.
Os
recentes desenvolvimentos em arte, educação, religião, jornalismo e política -
todos os quais, na minha opinião, estão a perder a seriedade e conteúdo
intelectual - me parecem mais um show
business para atender às necessidades de
mídia eletrônica.
Essa
história de sentar, ficar quieto e concentrar-se forte o suficiente para
decodificar um sistema de símbolos e seguir argumentos prolongados está fora de
moda. Recomendar a leitura está a cair em ouvidos conectados a fones de ouvido.
A televisão e seus irmãos eletrônicos e, sobretudo, a web são muito menos rigorosos e chatos. Tudo que
tais invenções demandam é o nosso olhar, e diante dele desfilam colagens
deslumbrantes de imagens e ritmos, montadas apenas para abrir nossas pálpebras
um pouco mais. Principalmente nos intervalos comerciais.
Lembra
dos imperadores romanos virando os polegares para baixo quando os espetáculos
os entediavam? Da mesma forma nós simplesmente pressionamos, com os nossos
polegares, os nossos controles remotos,
e zapeamos qualquer cena, exposição ou
argumento, que leve muito mais do que uma mísera fração de minuto para se desenrolar, para bem longe de nós.
Pensar
para quê?
Como diz
o Mestre Heraldo,“vamos convivendo com esse
fenômeno mais visível nas grandes cidades: livrarias cheias. De zumbis.
Exemplares primitivos de uma espécie que, não demora, terá polegares
diferentes, próprios para teclar em dispositivos cada vez mais minúsculos –
como o resultado que geram”.