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21/07/2016

O Carnaval

Carnaval em Porto Alegre  (foto Joel Vargas - Fotospublicas.com)


Francisco Bendl

Um período que se discute muito sobre ir trabalhar ou não é a semana do carnaval.

Por várias razões:
Poucos passageiros;
riscos maiores de assaltos;
muitos motoristas alcoolizados;
aumentam as chances de acidentes porque a cidade está meio vazia, enfim, mais problemas que vantagens.

Mas eu decidira que iria trabalhar no carnaval. De sábado até quarta-feira de cinzas, claro que indo para casa à noite e evitando dar sopa para o azar.

O fim de semana foi fraco. Esperei duas horas parado no Ponto para arrancar com passageiro e por telefone, em pleno sábado de carnaval!

Domingo não foi diferente.

A segunda-feira, no entanto, me surpreendeu. Talvez pelo pequeno número de táxis trabalhando, eu conseguia emendar uma corrida atrás da outra. Desta forma invadi a noite e, para minha alegria, comecei a fazer uma que outra viagem para o Porto Seco, local dos desfiles das nossas Escolas de samba.

Passavam das 23 horas e eu ainda estava na direção, tendo começado a minha jornada às cinco horas da manhã! Eu estava exausto. Conseguira fazer até aquele momento 33 ou 34 corridas, um recorde. Além do cansaço, a fome e a necessidade de um bom banho exigiam que eu parasse.

Ao sair da Castelo Branco e ingressar na Mauá, na esquina da Cel. Vicente, duas moças me fazem sinal. Sigo adiante ou paro, pensei.

Decidi que ao largar o passageiro na zona norte eu pegaria a autoestrada e iria direto para casa, sem tentar pegar mais ninguém. Considerando que, em outros dias, eu poderia lamentar não ter apanhado essas passageiras quando a jornada estivesse fraca, resolvi atendê-las.

Deram-me como destino a Vila dos Comerciários, inicialmente. Iriam apanhar as suas fantasias e de lá eu as levaria para o Sambódromo. Uma corrida e tanto, perto de cem reais, aproximadamente. Dinheiro substancial para qualquer orçamento à compra de comida, material de limpeza, gêneros alimentícios e por aí vai.

Mas precisamos de diversão; necessitamos extravasar nossa alegria, berrar a plenos pulmões, dançar, pular ou neste caso, conceder um momento de glória para o sonho.

As moças que eu conduzia moravam em uma casa humilde. Certamente tinham alguma dificuldade financeira. Não importava para elas o meu pensamento a respeito da situação de suas realidades, o importante naquele momento era a diversão e o aplauso do público quando elas desfilassem na passarela.

Quanto ao dia de amanhã, Deus pensaria em alguma coisa.

Ao retornarem para o carro e vestidas com suas fantasias, devidamente maquiadas para o desfile, o sorriso a estampar-lhes as faces de uma felicidade ímpar, concordei que valia a pena um dia sairmos da órbita e darmos vazão às emoções;
concedermos liberdade à imaginação e soltarmos o grito preso na garganta por conta de trabalho, compromisso e responsabilidade.

Viva a alegria, salve o carnaval!

Ao me aproximar do Sambódromo, a ansiedade das meninas era insuportável, e me lembrei de um poeta catarinense, de Desterro (atual Florianópolis), simbolista, Cruz e Souza (1819-1892), que sintetizou o carnaval como ninguém:

“Do apartamento de Dora
Ouve-se o ruído lá fora
Do carnaval que já vem.
O samba do morro desce
E a gente do morro esquece
Do gosto que a vida tem.”

Pois não é que eu me esqueci do cansaço, da fome, da falta de banho, desci do carro e fui assistir um pouco do desfile das nossas Escolas e me impregnar um pouco daquela felicidade contagiante?


Foi difícil explicar em casa porque eu demorara tanto no trabalho, isto é, precisei me reciclar com urgência à minha realidade sob pena de eu criar um problema diametralmente oposto ao que eu sentia no momento: da euforia à dor de levar uma panelada na cabeça!

Um comentário:

  1. Bom artigo Bendl, me fez lembrar de amiga que certa feita me disse praticar a "Taxiterapia" ... entrava no veículo e começa a falar sobre o que a incomodava, às vezes dava certo, às vezes não.

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