Carnaval em Porto Alegre (foto Joel Vargas - Fotospublicas.com) |
Francisco Bendl
Um período
que se discute muito sobre ir trabalhar ou não é a semana do carnaval.
Por várias razões:
Poucos
passageiros;
riscos
maiores de assaltos;
muitos
motoristas alcoolizados;
aumentam as
chances de acidentes porque a cidade está meio vazia, enfim, mais problemas que
vantagens.
Mas eu
decidira que iria trabalhar no carnaval. De sábado até quarta-feira de cinzas,
claro que indo para casa à noite e evitando dar sopa para o azar.
O fim de
semana foi fraco. Esperei duas horas parado no Ponto para arrancar com
passageiro e por telefone, em pleno sábado de carnaval!
Domingo não
foi diferente.
A
segunda-feira, no entanto, me surpreendeu. Talvez pelo pequeno número de táxis
trabalhando, eu conseguia emendar uma corrida atrás da outra. Desta forma
invadi a noite e, para minha alegria, comecei a fazer uma que outra viagem para
o Porto Seco, local dos desfiles das nossas Escolas de samba.
Passavam das
23 horas e eu ainda estava na direção, tendo começado a minha jornada às cinco
horas da manhã! Eu estava exausto. Conseguira fazer até aquele momento 33 ou 34
corridas, um recorde. Além do cansaço, a fome e a necessidade de um bom banho
exigiam que eu parasse.
Ao sair da
Castelo Branco e ingressar na Mauá, na esquina da Cel. Vicente, duas moças me
fazem sinal. Sigo adiante ou paro, pensei.
Decidi que ao
largar o passageiro na zona norte eu pegaria a autoestrada e iria direto para
casa, sem tentar pegar mais ninguém. Considerando que, em outros dias, eu
poderia lamentar não ter apanhado essas passageiras quando a jornada estivesse
fraca, resolvi atendê-las.
Deram-me como
destino a Vila dos Comerciários, inicialmente. Iriam apanhar as suas fantasias
e de lá eu as levaria para o Sambódromo. Uma corrida e tanto, perto de cem
reais, aproximadamente. Dinheiro substancial para qualquer orçamento à compra
de comida, material de limpeza, gêneros alimentícios e por aí vai.
Mas
precisamos de diversão; necessitamos extravasar nossa alegria, berrar a plenos
pulmões, dançar, pular ou neste caso, conceder um momento de glória para o
sonho.
As moças que
eu conduzia moravam em uma casa humilde. Certamente tinham alguma dificuldade
financeira. Não importava para elas o meu pensamento a respeito da situação de
suas realidades, o importante naquele momento era a diversão e o aplauso do
público quando elas desfilassem na passarela.
Quanto ao dia
de amanhã, Deus pensaria em alguma coisa.
Ao retornarem
para o carro e vestidas com suas fantasias, devidamente maquiadas para o
desfile, o sorriso a estampar-lhes as faces de uma felicidade ímpar, concordei
que valia a pena um dia sairmos da órbita e darmos vazão às emoções;
concedermos
liberdade à imaginação e soltarmos o grito preso na garganta por conta de
trabalho, compromisso e responsabilidade.
Viva a
alegria, salve o carnaval!
Ao me
aproximar do Sambódromo, a ansiedade das meninas era insuportável, e me lembrei
de um poeta catarinense, de Desterro (atual Florianópolis), simbolista, Cruz e
Souza (1819-1892), que sintetizou o carnaval como ninguém:
“Do apartamento de Dora
Ouve-se o ruído lá fora
Do carnaval que já vem.
O samba do morro desce
E a gente do morro esquece
Do gosto que a vida tem.”
Pois não é
que eu me esqueci do cansaço, da fome, da falta de banho, desci do carro e fui
assistir um pouco do desfile das nossas Escolas e me impregnar um pouco daquela
felicidade contagiante?
Foi difícil
explicar em casa porque eu demorara tanto no trabalho, isto é, precisei me
reciclar com urgência à minha realidade sob pena de eu criar um problema
diametralmente oposto ao que eu sentia no momento: da euforia à dor de levar
uma panelada na cabeça!
Bom artigo Bendl, me fez lembrar de amiga que certa feita me disse praticar a "Taxiterapia" ... entrava no veículo e começa a falar sobre o que a incomodava, às vezes dava certo, às vezes não.
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