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14/07/2016

De Avós e de Netos

 
Minha Família - Artur de Araújo Baptista, aos 4 anos

Wilson Baptista Junior

Outro dia nossos netos vieram nos visitar.
Eles moram em outro estado, então a gente se vê menos do que gostaríamos.
Um ainda vai fazer onze anos, o outro fez seis há pouco.

É uma festa quando eles chegam.

Meus filhos nos dizem (só meio brincando) que nós gostamos mais dos netos do que deles.

Não é verdade. Não há jeito de gostar de alguém mais do que dos filhos.
Mas é que os netos são, para os avós, como a revivescência dos filhos.
A gente viu os filhos, pequeninos, crescerem por dentro e por fora, passarem tantas etapas da vida, e esse tempo todo ficamos com o coração na boca, felizes com cada coisa que ia acontecendo, esperando conseguir apontá-los para o bom caminho, vendo aparecer neles aqui e ali alguma coisa dos pais, mas, o tempo todo, preocupados com tudo o que podia não dar certo.

E quando eles estão crescidos, quando seguiram seus próprios rumos e quando o futuro deles já não depende de nós, aí vêm os netos.

E é como se tudo começasse de novo. Mas não do mesmo jeito.

É hora de ver de novo os filhos, mas de outra maneira, agora como pais, agora no papel que fizemos o melhor possível para desempenhar para eles.

Hora de ver brotar nos netos, a cada vez, como surpresas que não são tão surpresas, as boas coisas do pai e da mãe, dos avôs paternos e dos avôs maternos, ver agora o produto de uma composição mais ampla do que só o nosso sangue que formou o dos nossos filhos. E olhamos para eles procurando ver ainda, de mais longe, alguma coisa dos nossos pais, alguma coisa de nós, ver surgir o gosto pela leitura e pelo desenho em um, o gosto de construir coisas com as mãos no outro.

O interesse pelos animais e pelas ciências de um, o interesse pelos carrinhos do outro, o gosto pela fotografia nos dois (ah, a imagem do mais novo, pequenininho, com a correia da Nikon SLR do pai pendurada no pescoço e as mãozinhas certeiras nos controles da câmara, ou do mais velho, ainda bem pequeno, ajoelhado ao lado da piscina na casa do bisavô cuidadosamente salvando os insetos que tinham caído na água)...

Porque se os netos são para os avós a revivescência dos filhos, eles são também o renascimento dos avós.

Que agora olham para os netos com olhos mais tranquilos do que quando olhavam os filhos, porque já não são mais quem tem que colocar todos os limites, nem de dizer tantos “nãos”, nem de ser aquelas figuras fortes e sérias que os pais precisam ser em tantos momentos, nem de sentir aquela tristeza surda dentro das nossas almas quando é preciso castigar.

Agora é a hora só de ouvi-los contar os passeios que fizeram, as coisas de que gostam, as coisas de que não gostam, as coisas com que sonham, de, com a alegria que tínhamos de ouvir “mamãe” e “papai”, ouvir agora o “vovó” e o “vovô”.

Ouvir suas risadas felizes com o chamego da avó, ver seus olhos arregalados escutando as histórias do avô.

Ver de novo os brinquedos espalhados pela casa, escutar suas vozinhas chegando já chamando a avó e o avô para brincar com eles.

Ver neles o olhar do pai, a voz da mãe, o encanto das suas alminhas se formando.

Ter a alegria de ainda ter tido tempo de tirar uma fotografia onde quatro gerações sorriem juntas, desde o bisavô até o bisnetinho.

E esperar, do fundo do coração, que os nossos filhos também se lembrem das palavras do Gilbran Kahlil Gibran, na bela tradução do Mansour Chalitta:

Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da Vida por si mesma.
Eles vêm através de vós mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.

Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a Sua força para que Suas flechas se projetem rápidas e para longe.

Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria.

Pois assim como Ele ama a flecha que voa, também ama o arco que permanece estável.

3 comentários:

  1. Texto belíssimo e importante. Parabéns ao ilustrador da matéria. Quando a minha neta nasceu, lembro que o Bendl enviou um e-mail assim: "Rocha, quando nos tornamos avôs, ficamos mais próximos de Deus. E eu vi que é pura verdade". E, anotem: no próximo 26 de julho é o "Dia dos Avôs, Avós, Bisavôs, Bisavós, ..."

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  2. Moacir Pimentel15/07/2016, 09:10

    Caro Wilson,
    A imagem poética do arco e da flecha é poderosa assim como a das mãos que ajudam a voar mas estão proibidas de substituir as asas. A verdade é que não há cartilha ensinando a paternidade, que a gente tem que se inventar pai e que, apesar de não sofrermos da síndrome do ninho vazio , os nossos filhos crescem depressa demais.Daí quando os netos chegam a gente tem no coração o gosto de quero mais só que não somos mais marinheiros de primeira viagem. E de já conhecer de cor os passos dessa estrada, viramos avôs relaxados.(rsrs)
    Mas, neste seu ótimo post, o Artur roubou o show.Eu achei fantástico o desenho do garoto de quatro anos. Pelas idades imagino que, quando o seu Picasso o criou , o irmãozinho estivesse a caminho e exatamente onde foi desenhado.Bravo!
    Os meus netos - ambos com 2 anos - concebem a família como três figuras - papai e mamãe e os próprios - que começam a ser desenhadas como cruzes de duas pernas, para em seguida, ganharem primos distantes do círculo nas extremidades, nos lugares da cabeça, das mãos e dos pés.Ambos são fissurados por carros e por aviões que desenham compulsivamente e em espantosos detalhes.Nas caras de seus personagens já colocam dois olhos,duas orelhas e uma boca, mas infelizmente desrespeitando às leis da proporção.Não creio que tenham ainda abstraído o nariz.
    Me emociona o fato de que ambos, se incentivados a desenhar o vovô aqui, que pacientemente lhes rabisca toda a fauna terrestre - como o meu pai fazia para a mãe e pai deles - enfeitam os espantalhos com ...bigodes. É assim que um deles me chama: vovô bigode!
    Acho que o nome dessa corrente pictórica inquebrantável é vida!
    Abraço

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  3. Francisco Bendl15/07/2016, 21:29

    Wilson,

    Tive mais ocupações que eu desejava de ontem para hoje.

    Eu queria homenagear esta tua crônica com outra que fiz, exatamente entre avós e netos, que não publiquei no livro O Divã Móvel, e depois me arrependi.

    O texto se baseava numa figura de super herói, onde o avô (eu, no caso), era o Super Duplo, pois o avô é pai do pai do neto, então se trata de um importante personagem na imaginação infantil, além de proporcionar aos netos as regalias que seus pais não permitem!

    Assim que eu descobrir onde guardei, eu te envio este relato.

    Parabéns, no entanto, pelo que escreveste.

    Nós, avós, somos mesmo abençoados, em face desta alegria e felicidade de acompanhar o nascimento de netos e seus desenvolvimentos, e vê-los reproduzidos como se os filhos ainda fossem crianças, e compensarmos a educação e orientação fornecidas no passado com rigor, desta vez usando para os netos muito mais carinho, compreensão e afeto, além do essencial e fundamental AMOR!

    Um forte abraço.
    Saúde e Paz!

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