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24/07/2016

Lua do Crepúsculo Vermelho

Lua do Crepúsculo Vermelho (foto Moacir Pimentel)

Moacir Pimentel

Eu me tornei dono de uma yorkshire de pelo dourado chamada Lua do Crepúsculo Vermelho – sim, ela era uma lady! – praí uns 20 anos atrás, por um acaso.

Comprei Lua contra a vontade de minha mulher - que não acredita que animais possam ser felizes em apartamentos - como presente de Natal para nossos filhos, fazendo-os antes jurar, de pés juntos, que assumiriam as responsabilidades de educá-la, treiná-la, alimentá-la, enfim, de fazê-la uma cadelinha “do bem”.

Sucede que dois meses depois, no Carnaval, Lua comeu na minha praia o que não devia e teve uma brutal infecção. Por telefone – e "animadíssimo" – o veterinário me falou para ministrar-lhe, de meia em meia hora, através de um conta-gotas, soro fisiológico infantil e para de 6 em 6 horas dar-lhe uma injeção na barriga. Vale afirmar que, até então, nesta vida, eu não tinha dado injeção nem em batata. Pense numa agonia!

Assistimos juntos, eu e Lua, naqueles feriados momescos, TODAS as escolas de samba de São Paulo e do Rio e Lua sobreviveu, apaixonou-se por mim e me escolheu para seu dono.

Durante dez anos morreu de ciúmes de minha mulher para quem rosnava e avançava todas as vezes que a outra ousava me tocar na sua régia presença. Não me pergunte como, mas começava a latir no décimo terceiro andar, todas as vezes que meu carro subia a calçada da garagem. Foram 10 anos de infatuation canina mais que perfeita. Viúvo dela, no entanto, apesar de desolado, não me senti em condições de recomeçar outra relação humano-animal. Por quê? Porque ao pensar nela, na minha Lua, tenho saudades principalmente de um fato maravilhoso: ela jamais discordava de mim.

A coisa toda, repito, se resume numa verdade inquestionável: amar animais é nunca ter que dizer alguma coisa, é jamais precisar de argumentos. É que, bem, eles não podem falar, não é mesmo? As palavras podem ser coisas maravilhosas, mas elas têm um peso e, logo, uma relação na qual elas podem ser descartadas é de uma leveza indizível.

Hoje em dia se discute por que algumas pessoas gostam de animais não-humanos mais do gostam de gente, dos membros de sua própria espécie e até dos familiares. Existem algumas explicações muito interessantes, como por exemplo, a miséria da paisagem física, espiritual e mental da humanidade à nossa volta ou a crença de os animais são inocentes em vez de agentes morais que podem escolher e decidem ser cruéis.

É fato que os danados, embora não saibam o que é amar e que vão morrer, entendem perfeitamente quando é de dia e quando é de noite aqui dentro da gente. E oferecem conforto. De graça.

Temos caído de quatro por nossos animais de estimação, mais acentuadamente, nos últimos 15 anos. Pagamos caminhantes para eles, os levamos aos parquinhos, aos hotéis pet-friendly, compramos comida de cachorro, gato e peixe orgânica, os colocamos ainda recém-nascidos no Prozac para os de quatro patas, os vestimos com a camisa do Brasil e com fantasias de Carnaval, tratamos nossos mascotes como filhos. Com pedigree ou SRD, tanto faz.

Certamente que há muitas outras razões que fazem muitos de nós nos sentirmos tão especialmente confortáveis rodeados pelos nossos bichinhos. Pesquisas atestam a ausência dessa estressante ansiedade social que é “normal” em interações humano-humano nas relações com outras espécies. O cortisol diminui, por exemplo, enquanto acariciamos um cachorro. Mas pode aumentar no pobre do cão! (rsrs). Deve ser uma vantagem evolutiva.

Quem gosta de outras espécies mais do que da humana, seria mais relutante na abordagem dos seus semelhantes tão perigosos, teria menos chances de realmente se comprometer afetivamente, e receio de se entregar por medo de sair chamuscado.

Outros perigos são evitados. Como o da reprodução, por exemplo. Muito mais simples, é abraçar qualquer coisinha peluda e dizer ternamente: Faísca é o meu bebê!

As pessoas estão se casando mais tarde e se divorciam com mais frequência. Elas trabalham mais horas e têm trajetos mais longos. O número de animais de estimação começou a crescer juntamente com estas tendências. Isso sugere que as pessoas estão abraçando animais de estimação para preencher a lacuna em mecanismos de apoio social que anteriormente poderiam lhes chegar através de suas famílias ou dos prezados vizinhos de antigamente. Parece que não bastam os amigos do Face.

É por isso que tantas pessoas solteiras ou casais sem filhos possuem um animal de estimação. O problema é a nossa solidão. Pergunto: e a solidão dos bichanos, trancados nos nossos apartamentos, enquanto nós viajamos, nos divertimos, enquanto cuidamos das nossas vidas longe deles?

A incrível criatividade humana já resolveu parcialmente a questão: os brinquedos mastigáveis para cães. Estou falando sério. São brinquedos elaborados com guloseimas escondidas por dentro, que o cão tem que descobrir como alcançar. O objetivo é ocupar a energia física e mental dos animais durante as nossas longas ausências. Sacanagem!

Não basta tirar animais da rua. Temos que dar-lhes tanto quanto recebemos deles. E não estou falando de penduricalhos. Ou seja, de amor, mais do que os bichos, quem precisa mesmo aprender a receber e a dar é o bicho-homem. Enfrentando todos os seus inerentes e maravilhosos riscos.


9 comentários:

  1. Nossos irmãos, os animais ... o Buda informa que eles estão no Caminho do Budato. Eu concordo plenamente ... Bela crônica !

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  2. Flávia de Barros24/07/2016, 11:53

    Moacir,


    Lindo texto. Desde menina amo estar na companhia dos nossos amigos de quatro patas e muito tenho aprendido com meus cães, embora sofra quando eles se vão. Fuçando suas tigelas de ração ou correndo atrás de uma bola eles parecem nos lembrar para viver aqui e agora, o momento presente, sem passado nem futuro, sempre prontos para brincar.


    Com eles o amor funciona, supera o medo e a desconfiança. Também não guardam rancor, pra quê? O barato deles é pular de alegria e lamber os seus queridos. Você consegue imaginar a Lua querendo ser uma poodle , invejosa da juba de uma collie ou sonhando com o nariz de uma SRD? Cães se adoram, bebem água, balançam os rabos para mim e aproveitam a vidinhas deles. São fiéis e confiáveis , me amam incondicionalmente, não importa se estou de mal humor, descabelada, gritando com eles , vão me cobrir de beijos molhados de qualquer forma. E que história é essa que cão não fala? Um abraço humano-animal.

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  3. Carlos Azevedo24/07/2016, 17:02


    Grande texto. Se bem que não discutir a relação é bom demais :-)

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  4. Márcio P. Rocha24/07/2016, 18:59

    Moacir, nós 'humanos' desequilibrados estamos dando um nó cego nas cabeças de nossos cães. Faríamos a eles um enorme favor ao tentar compreendê-los melhor em vez de imaginar que são como nós. Bom artigo.

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  5. Heraldo Palmeira24/07/2016, 19:15

    Caríssimo,

    Obrigado por mais uma gastança de tintas especial. Também tive minha Lili (mãe) e meu Tug (filho), dois belíssimos exemplares de pastor-alemão, com quem vivi relação especial como a sua com Lua.

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  6. Francisco Bendl24/07/2016, 20:08

    Moacir,

    Também eu e a minha esposa tivemos uma cadelinha, pequinês, uma raça difícil de ser encontrada hoje em dia, apesar de ter sido a espécie da moda nas décadas de cinquenta e início da sessenta.

    Ela se chamava Mimo, pois uma graça, que ainda tenho a sua foto.

    O poder de comunicação do animalzinho era inacreditável, só faltava mesmo falar!

    Adorava andar de carro, e quando íamos à praia, ela dormia durante o trajeto, sem incomodar.

    Mas era muito braba, antissocial, possessiva e raivosa!

    Somente permitia a aproximação dos donos e de um dos meus filhos, e lhe bastava esta quantidade de amigos.

    Demos-lhe todo o carinho possível e imaginável para o nosso legítimo bichinho de estimação, até mais que afeto, pois se tornou da família porque nos conquistou com a sua beleza, fidelidade, e amor infinito.

    No dia 22 de outubro de 2010, ela morreu nos meus braços, quando teve uma convulsão, doente que estava há meses, com 16 anos.

    Eu e a minha esposa combinamos que jamais teríamos outro cachorro ou cadelinha, tanto porque não teríamos mais tempo para criar quanto disposição em cuidar da forma como demos atenção à Mimo, que jamais esqueceremos.

    Portanto, parabéns ao texto, sensível, delicado, que faz jus à forma como somos tratados por esses animais, que enriquecem as nossas vidas, que dão sentido muitas vezes às existências que se caracterizam pela solidão.

    Um forte abraço, Pimentel.
    Saúde e Paz!

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  7. Moacir Pimentel25/07/2016, 08:34

    Agradeço a todos pela leitura e comentários. E deixo-lhes uma outra impressão sobre os humanos e os seus prezados cães:
    "Eu vi um olhar nos olhos dos cães, um olhar de desprezo espantado que desaparecia rapidamente, que me deixou convencido de que, basicamente, os cães pensam que os seres humanos são malucos."
    -John Steinbeck
    Abraços

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  8. Monica Silva25/07/2016, 11:59

    Eu, particularmente nunca morri de amores pelos bichinhos que a família sempre teve em casa, até... bem... minha amada irmã iria voltar, depois de 7 longos anos de ausência morando em um estado distante... mandou nada mais, nada menos, que 7 lindas feras, entre pitbull e poodle e pinscher, antecipadamente de avião, pois ela viria uma semana depois de carro com a família.
    Moacir, foi um caos... tive vontade de colocar todos na máquina de lavar! Mas eram uns docinhos, no fim chegou a família e o inevitável aconteceu, uma das pinscher, rara, pois a danada é branca, me adotou como sendo a pessoa mais importante do mundo, ao me ver o mundo era só alegria e ela se iluminava.
    Fui contaminada! Minha Cloe é minha dona. Pronto! É só amor! Só quem tem no coração uma criatura dessas entende essa ligação. Você descreve isso, a ligação dos loucos!

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  9. Paizinho, que saudades da nossa lua.
    Te amo!

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