-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

10/02/2017

As Mãos dos Deuses

imagem Pinterest


Moacir Pimentel

Camille Claudel rompeu com alguns destinos impostos às mulheres de sua época. Não se casou, não teve filhos e se dedicou a uma atividade considerada masculina: a escultura.
Até 1897, mulheres eram excluídas das principais escolas de artes francesas, como a École de Beaux-Arts. Trabalhavam como ajudantes ou assistentes de artistas e não podiam assinar as obras que ajudavam a realizar. Camille não assinou Os Portões do Inferno nem os Mendigos de Calais que, no entanto cinzelou e moldou, à sombra de Rodin.
Mas ela não queria a sombra serena de tão imensa árvore. Precisava brincar na chuva e se molhar... Decidida e ambiciosa, a moça almejava aprender tudo o Rodin estivesse disposto a lhe ensinar e tudo o que pudesse arrancar do professor, a quem ela considerava um gênio. Durante as longas horas passadas trabalhando juntos no estúdio de Rodin, os artistas mergulharam de corpo e alma numa relação alimentada pela paixão comum que dedicavam a escultura.

Desse apaixonado romance que durou dez anos, cheio de ciúmes, mentiras e promessas não cumpridas, trabalho duro, mal-entendidos e desapontamentos de ambos os lados, o que ficou do amor foi um fascinante diálogo em pedra e bronze e gesso e a maravilhada constatação do quanto esses dois seres se misturaram, do quanto esses artistas se marcaram, de como são claras as digitais que deixaram nos trabalhos um do outro.
É claro que essa “conversa” artística excepcional entre os escultores teve como maior fonte de inspiração a paixão física que os unia. Bem que Manuel Bandeira nos explicou direitinho que “os corpos se entendem melhor que as almas”.
No auge da paixão Camille e Auguste esculpiram literalmente o sete, celebrando o amor com representações de gestos amorosos delicados e sutis ou violentamente carnais mas  espirituais a um só tempo.

Caminhando entre todas aquelas estátuas de bronze e pedra de casais apaixonados nos jardins e salões do Museu Rodin, a gente pensa nas lendas por trás das criações.
Em algumas delas apenas os olhos se tocam em vez dos dedos, joelhos e lábios – mas que paixão! Como não se maravilhar com os beijos, com a ternura das mãos, com a paixão contida nos olhos e nos gestos de pré-entrega ao amor físico inventados por eles?
Diante de certos trabalhos de Rodin cujo tema são as mãos – esculpidas por Camille? – não se tem como segurar o queixo. Depois daquelas mãos de Deus e do Homem quase se tocando na Criação de Adão, inventadas por Michelangelo no teto da Capela Sistina, muitos já se perguntaram que outras mãos poderiam ser mais belas? E então a gente se depara com A Mão de Deus...
montagem Maria João Pimentel

E sabe a resposta. Essa escultura parece não ter sido feita por mão humana, refletindo a luz para reter a sombra. A mão emerge de uma rocha, do caos, das nuvens. E os homens de dúvidas, os que não têm certezas, quase se convencem de que estão diante de um fiat lux amoroso e cogitam se Deus não seria um escultor e se os seus polegares criativos não amassaram da mesma forma o mesmo barro para criar o casal primordial.
Rodin e Camille, nesse trabalho, não apenas esculpiram Adão e Eva, mas deram às suas criaturas tamanha força que a mão se transforma diante dos nossos olhos num símbolo da Arte. E não é que percebamos as mãos dos artistas imitando o divino. Nada disso! Mas as testemunhamos criando seu próprio mundo e adquirindo nele o domínio da matéria.
Quem contempla essa recriação da vida e do amor percebe nela a mesma energia, o mesmo tremor profundo sentido no início dos tempos por aqueles primeiros Adão e Eva, quando o amor era sem limites e sem pecado e a sua invenção foi divinamente concluída, permitida e incentivada, numa formidável infância, num festival contínuo de paixão infinita.

Os amantes gravaram na matéria – barro, gesso, mármore, onix, bronze - momentos de amor e tesão tratados com elegância, idealizados pelo desejo que sentiam - como todos os verdadeiros amantes - de representar e capturar o instante entre um homem e uma mulher que contém todos os demais, antes e depois. Rodin explicava de uma maneira muito simples o que sentiu e vivenciou ao lado de Camille, durante aqueles seus anos de Pigmalião:
“A arte, de fato, nada mais é do que delícia sexual. É apenas um derivativo do poder do amor.”
Não pense que era considerado um escândalo, no final do século XIX, a representação de nus femininos e masculinos. Os faunos e as ninfas não me deixam mentir desde a Grécia antiga. Mas a mitologia ou os relatos bíblicos tinham que legitimar as representações eróticas. Rodin passou a fazer uma arte divorciada de narrativas da espécie. Mulheres anônimas ajoelhadas com os braços erguidos apenas para libertar os seios, ou com as costas arqueadas para enfatizá-los. E todos os seus temas corporais, que ele repetia exaustivamente, passaram a falar mais de prazer que de sofrimento, mais do crime que do castigo, entoando uma ode ao desejo humano.

Na arte gerada pelo amor que esses dois criadores compartilharam o que se vê, acima de tudo, é vida, é movimento é a pedra viva e entregue e o calor no dourado do bronze. Bocas de mármore se beijando cuidadosamente e mãos de bronze se acariciando e transformando em sonho escaldante a frieza da pedra e a indiferença do metal.
Quadris e seios sendo tocados, lábios e corpos famintos, pescoços enlaçados, abraços consentidos, o poema dos corpos móveis, o canto das almas, a sinfonia do amor entre um homem e uma mulher rendidos um ao outro. O amor de mármore e bronze sugerindo-nos mil amantes e a história da humanidade. “Crescei e multiplicai-vos”.
Amém, galera santíssima!!
Mais do que de sofrimento – sim também percebemos o inferno no paraíso e a dor e a angústia devidos à impossibilidade da relação amorosa – as esculturas de Camille e Rodin nos contam histórias de amor, fazem uma louvação ao mais poderoso dos impulsos vitais: o erotismo do corpo e da alma que, apesar de sublimado pela magia da arte deles, persegue os artistas  com o mesmo arrepio profundo sentido desde o início dos tempos pelos da nossa espécie.

O fato é que Camille Claudel e Auguste Rodin produziram extraordinários corpos e rostos esculturais, intimamente, e que nessa maravilhosa obra conjunta, a arte de Camille foi tão grande quanto a do amante e ambas as linguagens nos revelam as conexões vitais entre os dois, contando-nos uma das maiores histórias de amor do mundo artístico.
Uma “conversa” fascinante que mudou drasticamente as esculturas dos dois artistas, influenciando e delimitando a arte criada por ambos em três eras ou continentes distintos: os anos de relacionamento feliz, os anos de amor tormentoso e aqueles após a separação.

No auge de sua carreira, Rodin foi considerado na Europa e América como o maior escultor desde Michelangelo. É preciso soletrar que ele deve também a Camille a inspiração para aquelas suas figuras dramáticas, muitas vezes cruas de tanta emoção, que foram pioneiras na escultura moderna, com ênfase no movimento, na expressão e na evocação da alma.
Rodin tinha quarenta e um anos e estava à beira do sucesso crítico e comercial quando conheceu Camille, que o seduziu não somente pelo seu potencial artístico ou pela promessa do seu enorme talento. Não passou batida ao Mestre, na futura aluna modelo e assistente, a grande beleza e a inocêcia pedindo para que lhe fosse fornecido... conhecimento.
E porque lhe digo isso? Bem, mesmo então e antes da fama, a reputação de Dom Juan de carteirinha do escultor já era mais do que conhecida e era notória a sua obsessão pelas damas – belas sim todas, e jovens de preferência.

Diziam as más línguas que Rodin trabalhava rodeado por mulheres nuas que se moviam, a mando dele, pelo estúdio. Na realidade ele trabalhava reclinado em um sofá, olhando para todos os lados e para todas elas em movimento, com o caderno de desenho pousado sobre o peito, com as retinas de  prontidão para a qualquer momento captar as Vênus em qualquer maravilhosa e espontânea pose - @#$%&! – que despertasse no seu cérebro artistico alguma ideia ainda não nascida.

Os escultores de então costumavam fazer suas modelos posarem cuidadosamente, em posturas cansativas, de caras e bocas certinhas. Mas não Rodin. Suas muitas modelos se moviam nuas pelo estúdio para que ele pudesse olhá-las livremente , penteando-se, rindo, conversando, massageando as costas umas das outras. E então ele sacava do lápis e as desenhava desse ou daquele jeito, para depois as recriar em gesso, barro, mármore ou bronze.
Como olhar tão obsessivamente o belo sem o desejar? Impossível para a maioria dos homens e, com certeza, para Rodin que foi um cara de personalidade apaixonada, exigente e sensual. E sendo assim, aparentemente, não era só do lápis que Rodin sacava nessas ocasiões e naquele estúdio. Em Paris, no final do século XIX , ninguém mais se perguntava no que O Pensador pensava. Todos já estavam carecas de saber que ele só pensava... ”naquilo”. E, é claro, Camille não era exceção à regra. Ela conhecia o “fôlego” daquele artista.

De fato, Rodin era atraído e se rodeava por jovens mulheres. A maioria dos modelos em Paris na época eram jovens italianas, com idades entre dezesseis e vinte e um anos. Assim, a juventude de Camille à beira do artista não foi novidade.
Dizem as más línguas que em um jantar na casa de Monet, por exemplo, sentado à mesa com a esposa do pintor e suas quatro filhas, Rodin teria passado o jantar inteiro olhando para as garotas, mas olhando para elas de tal forma que, uma a uma, orientadas pelos olhares da mãe, foram se levantando e deixando a mesa.

É famosa a anedota que narra como Rodin roubou a namorada do desavisado poeta e escritor Pierre Loüys , cuja raiva cedeu, no entanto, quando viu a imagem da mulher que o traíra com o amigo saindo do barro, viva e mais bonita do que nunca.
Também são lendários os ciúmes que Camille passou a sentir das amigas, das modelos, das amantes e, muito principalmente, de Rose, a companheira de muitas décadas de Rodin. Todas as tardes o artista deixava, no estúdio, a amante sozinha na cama, e se dirigia para os arrebaldes de Paris, onde Rose o esperava com sopa quente e pão fresco.
Em uma das raras cartas da lavra de Camille que sobreviveram ela diz:
“Eu gostaria de estar em casa e de fechar bem a porta”

Era na cama de Rose que Rodin dormia. E nada do que Camille fizesse, dissesse ou ameaçasse fazer - cenas de ciúmes, quebra-quebras, gritos incessantes, ameaças de suicídio - jamais conseguiram fazer com que Rodin abandonasse a primeira amante, uma bela costureira nascida no interior da França.
Há relatos, não confirmados, de que as duas mulheres foram aos sopapos de fato, quando certa vez Rose encontrou o companheiro com a rival.
O fato é que amar um homem que podia ser seu pai, que era o artista que ela sonhava ser e que ela tinha consciência de que jamais se casaria com ela, de que jamais seria seu, bagunçou a química cerebral de Camille.

Mas isto já vai ser outra conversa...



22 comentários:

  1. Monica Silva10/02/2017, 10:21

    Adorei as mãos, Moacir.
    Sabia que você é um poeta dos bons?
    'o desejo que sentiam - como todos os verdadeiros amantes - de representar e capturar o instante entre um homem e uma mulher que contém todos os demais, antes e depois.'
    Lindo!
    Obrigada

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel10/02/2017, 17:52

      Mônica,
      Essas Mão de Deus e de deuses da escultura estão entre as coisas mais lindas que já vi. Quanto aos instantes que resumem vidas , pode até ser bobice da minha parte, mas acredito piamente que rolam e explicam porque cargas d'água estamos nesse mundo e fazem tudo ter valido a pena. Obrigado lhe digo eu pelo comentário tão simpático.
      Abração.

      Excluir
  2. Flávia de Barros10/02/2017, 10:44

    Moacir,

    Estou encantada com o artigo e sua compreensão da obra conjunta dos dois artistas e amantes. Toda esta paixão talvez só dure mesmo nas esculturas e o amor seja uma coisa mais calma alimentada com sopa quente e sossego. Pobre Camile. Mas é a paixão que move o mundo e a deles não foi em vão embora esta jovem tenha pago um preço muito alto. Você tem um jeito informal e uma alegria de escrever que nos faz continuar lendo. Aguardo a próxima conversa e até lá que a 'galera santíssima' o proteja. Um abraço para você.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel10/02/2017, 18:28

      Flávia,
      Escrever sem alegria não dá samba. Quanto à paixão creio que não fora ela da natureza humana não teria sido imortalizada na pedra. E já que ela move o mundo , nada contra uma sopinha de batata e alho porro depois ou antes (rsrs) Com certeza que a paixão se transforma em amor mas assim como as estações do ano, creio que ela seja cíclica. Não acredito que esse seja um jogo de 8 e 80 no qual se tenha que escolher entre a paz e o chamego , o pão fresco e a cama quente. Nem que as relações estejam
      todas fadadas a virar contratos formais entre "quatro pés de chinelos". Hoje nada mais nos impede de dividir a vida por inteiro, de corpo e alma e de proteger as nossas relações contra o tédio que, em última análise, é a experiência humana mais terrível, um negócio destrutivo.
      Por favor, conto com a sua leitura atenta nas próximas "conversas" nas quais o trabalho visceral dessa escultora assombrosa terá o destaque que merece.
      Outro abraço para você.

      Excluir
  3. Você hoje escreveu com a alma, Moacir, com o coração. Seu texto brotou pacificado da 'alma funda', termo comumente usado por você. Não consegui deixar de comentar. Me tocou mais que todo ou qualquer outro texto seu.

    E só para 'desanuviar' da paixão célebre: todo homem deseja o ardor sexual, mas precisa de uma bela mãezinha costureira para lhe servir sopa quente e uma cama confiável para embalar seu sono e seus sonhos. Só assim ele cresce. No vigor do sexo e no acalanto de mãos que o alimentam e lhe dão repouso.

    Rodin não fugiu à regra.

    As amadas amantes ganham muito, mas quase sempre perdem também muito nessa relação. Deixam para trás um bom naco de si mesmas, que jamais encontrarão de volta. Por isso mesmo, algumas se mataram. Ou, caso de Camille, que perdeu o juízo e morreu em manicômio, esquecida e escondida pela família.
    Arte é Vida, Beleza, Padecimento.
    Bom dia.
    Ofelia

    ResponderExcluir
  4. Corrigindo: "Ou, caso de Camille, a amada amante perde o juízo e morre em manicômio, esquecida e escondida pela família."

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel10/02/2017, 19:44

      Ofélia,
      Poucos homens recusariam essa sua receita de "ardor sexual seguido de acalanto", se bem que alguns dos meus colegas de gênero sejam capazes de administrar melhor que isso os seus Edipinhos (rsrs)
      Você está certa ao dizer que Rodin não fugiu à regra.Mas eu prefiro acreditar que isso foi antigamente e que os meninos amadureceram entre a Belle Époque e o terceiro milênio.
      Tenho certeza de que todos nós, bebês chorões, aprendemos a gostar mais de mulher e a valorizar aquelas que, ainda meninas,faziam os nossos moleques esquecer as bolas para brincar de médico e que, no ensino médio, iluminavam os garotões desajeitados que fomos na descoberta do paraíso.
      Quero crer que hoje os rapazes já retribuem com açúcar e afeto toda aquela atenção - e sexo! - que elas tão generosamente ofereciam - quando os curumins não estavam mamando! - aos papais desorientados que fomos aos trinta anos.
      É claro que agora, nós babacas reconhecemos que foram elas que nos empurraram através de nossas carreiras até os quarenta anos e que tivemos sorte por elas terem sido mãezonas o bastante para - que remédio? - transformar os trapalhões que éramos nos homens que queríamos ser aos cinquenta anos. É claro que agradecemos por elas continuarem nos amando incondicionalmente quando viramos vovôs de sessenta, apesar dos cabelos brancos.
      Mesmo correndo o risco de, é claro, ver todo esse trabalho duro vir a ser desfeito se formos tomados por crises existenciais e súbitas ardências, que nos farão retornar sem o entusiasmo de outrora , é verdade , mas beeeem mais experientes , para o estágio um do treinamento...com outras (rsrs) É da nossa natureza!
      E agora falando sério: nada seríamos sem as nossas mulheres.
      Muito obrigado pelo comentário e boa noite

      Excluir
    2. Ainda em tempo, Moacir: foi você que escreveu que Rodin tinha uma amante costureira que o alimentava e lhe dava cama para o descanso. Eu nada inventei. Apenas vi nessa história a repetição de tantas outras mais recentes.

      No meu tempo de mocinha era costume ouvir que a mulher pegava o homem pela 'barriga'.

      Por exemplo: Bendl, que diz não saber fritar um ovo, é só elogios para as sopas da sua Marli.

      Excluir
    3. Moacir Pimentel12/02/2017, 19:34

      Ofélia,
      Somente agora li o seu segundo comentário. Na verdade eu muito apreciei o primeiro que - assim como o da Flávia - colocou na conversa a paixão e a figura da "mãezona", ou seja, o velho complexo de Édipo que, segundo Freud, mora com mais ou menos intensidade nos de Marte, enquanto que as de Vênus hospedam, segundo Carl Jung, as questões de Electra.
      Sabe-se muito pouco sobre o triângulo amoroso em pauta, para afirmar que, para Rodin, Rose era uma boa mãe ou que, para Camille, Rodin representava a figura paterna. Mas uma coisa é certa: Rose Beuret não foi a amante e sim a companheira da vida de Rodin, que se casou com ela após 53 anos de convívio conjugal poucos meses antes de ambos morrerem em 1917 e vinte e cinco anos depois do fim do romance com a Camille.
      Ele esculpiu a companheira já madura : um rosto em alto-relevo emergindo de um bloco de mármore com os olhos fechados e comunicando uma sensação de paz e serenidade.

      http://www.musee-rodin.fr/sites/musee/files/styles/zoom/public/oeuvres/visuels/rose_beuret_s987_numhl001_800.jpg?itok=2_u3Dh_Z

      Camille não foi tão generosa com a rival nas versões que fez dela (rsrs) De resto me parece que Freud e Jung, assim como Rodin, eram homens do seu tempo, e o mundo mudou desde que os três pisaram essas paragens. Velhos ditados e crenças como por exemplo aquele que garantia que "os homens chegam ao amor pelo sexo e as mulheres chegam ao sexo pelo amor ", parecem ter perdido a validade desde alguns eventos históricos: o advento da pílula, a queima dos soutiens, a queda da virgindade e , principalmente ,a invasão do mercado de trabalho pelas senhoras.
      Hoje já se sabe que a paixão é alimentada não por sopa mas por ocitocina que nada mais é do que um hormônio liberado pelo cérebro nos orgasmos, no parto e na amamentação. Tudo pela sobrevivência da espécie.
      Mas nem os complexos nem os hormônios explicam porque nos apaixonamos por essa e não por aquela pessoa, nem a tal da "química" nem muito menos qual é o gatilho da paixão.E embora os homens continuem homens e apreciadores de sopa e cama quentes e as mulheres continuem mulheres e lambendo seus homens e crias os nossos rapazes tiveram que aprender a trocar fraldas e algumas esposas quituteiras - que o Bendl não nos leia! - se tornaram viciadas nos gnocchi de batata preparados por seus parceiros (rsrs)
      Quem sabe não rolou algum avanço civilizatório nesse nervo emergente mais conhecido como mente humana?
      Obrigado por comentar

      Excluir
    4. "Mas nem os complexos nem os hormônios explicam porque nos apaixonamos por essa e não por aquela pessoa, nem a tal da "química" nem muito menos qual é o gatilho da paixão."

      Pois é. Chama-se VIDA.

      Excluir
    5. Moacir, um rosto maduro, que inspira segurança, a escultura da companheira com a qual Rodin se casou. Além do mais, ela era costureira, não uma igual na profissão. Não o desafiava.

      E esteve ao lado dele para provê-lo do fundamental, pelo menos na época.

      Me contam de um vizinho que tem uma amante mais velha no Norte do país e com a qual ele fala todo dia. E nas férias viaja para visitá-la. Ele a conheceu antes de casar. Tem três filhos com a mulher dele e vive bem. Se a mulher sabe, faz de conta que não sabe.
      Como explicar? VIDA.

      Excluir
  5. Francisco Bendl10/02/2017, 14:33

    Brilhante relato de uma paixão avassaladora, escrito por Pimentel.

    Coincidentemente, assisti anteontem um filme pela Netflix intitulado A Mulher Invisível.

    Trata-se de uma jovem que foi amante de Charles Dickens, simplesmente uma relação durante a era vitoriana proibida, que, no entanto, o notável escritor inglês encontrava nesta sua amada as críticas necessárias às suas obras, ora reformulando-as ora dando outro final aos seus contos extraordinários e peças teatrais.

    Esta jovem era invisível perante a sociedade, que jamais a aceitaria porque Charles havia se separado da esposa com quem tivera dez filhos, e Ellen tinha menos da metade da sua idade.

    Um filme excelente pela reconstituição da casa de Dickens, seus amigos, a sua carreira como escritor, e a continuidade da vida desta moça após o falecimento de seu amante, com quem chegou a ter um filho, mas que morreu durante o nascimento.

    Camille e Rodin, no romance que tiveram, admite se traçar um paralelo com Dickens, onde as mulheres desenvolveram papeis importantes na carreira de ambos, mas a fama que possuíam levou de roldão a tão necessária doação de corações e mentes às amadas, e por haver entre os apaixonados relações anteriores que impediram Rodin e Dickens se dedicarem com a intensidade que suas amantes tanto queriam e precisavam.

    Grandes romances, grandes personagens, finais dramáticos, que ofuscaram o amor em sua manifestação plena porque pessoal e também profissional.

    Parabéns pelo relato irrepreensível, Pimentel, mais uma das tuas tantas qualidades que nos deixam extasiados pelo conteúdo e forma como expões teus registros, invariavelmente valiosos e que devem ser preservados.

    Um forte abraço.
    Saúde e Paz!


    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel10/02/2017, 19:54

      Chicão,
      Obrigado pelo pertinente comentário que desenha um paralelo válido entre Ellen e Camille, porque tanto Rodin quanto Dickens compartilharam com as amantes o seu trabalho e criação intelectual. Ambas foram as amigas das mentes dos seus homens.
      Mas há diferenças entre as duas histórias. Ellen era apenas a inteligente leitora crítica da obra de Dickens. Camille era uma escultora da mesma envergadura do amante. Ellen aceitou a invisibilidade imposta por Dickens para poder continuar ao lado dele e, além da compatibilidade sexual, a afinidade intelectual os aproximou.
      Camille queria sim ter Rodin, ser a mulher de Rodin, mas acima de tudo ela queria SER ELE. Meu amigo, isso assustaria mesmo o mais seguro dos homens. Em consequência Rodin tentou sufocar na amante, a artista sua rival. Complicado! Acho que é aqui que reside a tragédia desse amor: no talento de Camille que Rodin não só reconhecia mas temia. E ela era inteligente demais para não entender o enredo. Deu no que deu: um diagnóstico de mania persecutória.
      Na verdade tudo o que se sabe sobre a paixão de Camille e Rodin, infelizmente, é poesia ou opinião.
      A correspondência do casal - mais de mil cartas - misteriosamente sumiu do Museu Rodin.
      Abração

      Excluir
  6. Estava até estranhando, Bendl. Pensei que fosse o filme com a Luana Piovano... rsrs.

    ResponderExcluir
  7. 1)Pimentel escrevendo como "pimenta e chocolate". Texto desafiante, nos faz imaginar belo desfile de modelos na oficina do escultor.

    2)Vida é Arte. Mas tb amor e apego e aí se torna dor, daí a recomendação do Buda para "caminho do meio em tudo".

    3)Então me pergunto, foi só amor da Camille? mas se ela queria ser ele, queria sufocá-lo, tirar o lugar dele? tirar simbolicamente a vida dele?

    4)Fica a incógnita para cada um refletir.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Antonio, não sou versada em arte. Mas,como leiga que viu o trabalho de ambos, no MAM do Rio, Camille era melhor que Rodin sim. Ela sabia e ele sabia.

      Ela o endeusava, estava apaixonada e talvez fosse insegura, talvez achasse que, sem ele, ela nada seria. Algo assim ou parecido. Sei lá.

      Excluir
    2. Moacir Pimentel11/02/2017, 09:24

      Antônio,
      Herr Doktor Freud, além das teorias edipianas ainda jurou de pés juntos que a mulher só se sentia segura "tornando o marido também seu filho e agindo com relação a ele como uma mãe". Bem, até mesmo Freud se enrolou todo ao tratar da feminilidade tanto que literalmente recomendou aos que queriam entender mais de mulher que consultassem os poetas (rsrs)
      Conversaremos mais sobre Camille mas o certo é que esses dois se amaram em um tempo no qual as mulheres ansiavam pelo casamento como a única possibilidade de escapar da tal da "histeria" e conquistar realização pessoal e social.
      Enquanto Rodin se inseria perfeitamente no machismo circundante, Camille foi uma mulher muito à frente de seu tempo, uma escultora nata, um espírito livre que olhava a vida pelo viés do olhar masculino e cuja completude estava presa à ordem masculina: o seu trabalho.
      Penso que para Rodin ela era estimulante - sexualmente e intelectualmente - mas ameaçadora porque poderia chegar mais longe do que ele era capaz.
      Na verdade Camille ameaçava a serena ordem da vida, o equilíbrio dos universos masculino e feminino e foi ISSO, muito mais do que sua química cerebral descompensada, que incomodou tanto a tantos que, ao fim e ao cabo, a internaram em um hospício.
      Quanto a "chocolate com pimenta", sinceramente? Nada mais "caminho do meio". (rsrs)
      Bom final de semana

      Excluir
  8. Olá Moacir,
    Copio a Mônica e falo de novo que você é, indiscutivelmente , um poeta, em prosa ou em verso.
    E escreve lindamente sobre homem e mulher, amor e sexo, vida enfim, misturando esperança e realismo. Pode? Um amigo do Mano diz que o segundo casamento é a vitória da esperança sobre a experiência. Nem só o casamento, "é da nossa natureza".
    Adorei os quarenta,cinquenta e sessenta de vocês homens...
    Gostei muito do texto, e acho que , Camille certamente tinha suas fragilidades, mas Rodin a levou à loucura. Não por isso,mas sou mais Camille e seus trabalhos.
    Grata,também pelos comentários.
    Até muito mais.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel11/02/2017, 09:31

      Caríssima Donana,
      Com certeza que nem só o casamento " é da nossa natureza". Mas sabe? Pouco antes de partir, como se pressentisse que aquela conversa era definitiva, a senhora minha mãe me disse um troço sério:
      "Eu teria casado com seu pai DEZ vezes".
      A gente lê sobre educação e aprendizado e tenta rascunhar sobre o tema cogitando se os especialistas sabem que as criançinhas raramente aprendem de ouvir falar , mas são peritas em imitar seus modelos. Vindo de onde venho e tendo aprendido na pele eu não poderia desacreditar nem em esperança nem em casamento.
      Tudo bem que, como na canção do Coldplay que meus filhos curtiam " nobody said it was easy ", mas ainda não inventaram um melhor jeito de se enfrentar a vida do que adoçá-la com essa calda de chocolate caseiro com muuuuita pimenta ...
      Quanto a Camille, ainda faltam dois textos da "franquia" e portanto não me alongo.
      Até mais e " gratidão"


      Excluir
  9. Amei o "Pimentel escrevendo com pimenta e chocolate". Legal demais, Antônio!
    ,

    ResponderExcluir
  10. Alexandre Sampaio10/02/2017, 21:42


    A arte erótica de Camille Claudel e Auguste Rodin é fora de série. Fazê-la ainda mais interessante com palavras não é para qualquer um. Nota dez.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel11/02/2017, 09:52

      Prezado Alexandre,
      Discordo de você: a erótica de Camille Claudel e Auguste Rodin é tão fora de série que diante dela qualquer um descreve as maravilhas. Mais complicado é achar beleza na feiúra, como a Camille tirará de letra numa próxima "conversa". Espero que você continue nos honrando com sua leitura e incentivo. Muito obrigado pelo comentário.

      Excluir

Para comentar, por favor escolha a opção "Nome / URL" e entre com seu nome.
A URL pode ser deixada em branco.
Comentários anônimos não serão exibidos.