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19/02/2017

Aux Champs Élysées


fotografia Moacir Pimentel

Moacir Pimentel 
Para começo de conversa a Avenue des Champs Élysées é icônica. Mesmo as crianças francesas mais bobinhas, aquelas que jamais viajaram para além de uma tela de TV, sabem que a Champs é o local por onde rolam os principais eventos da França.
Todos os anos a avenida acolhe a tradicional parada militar no Dia da Bastilha, 14 de julho, o feriado nacional da França. Também é lá que se realiza anualmente o final do Tour de France, a chegada da corrida ciclística mais famosa do mundo, pela qual os franceses são todos completamente malucos. Sem esquecer das suas iluminações feéricas e mercados no Natal e no Réveillon.
A Champs Élysées escalou a fama através de todos aqueles cartazes retrô, dos livros e filmes sobre a Paris das Grandes Guerras e de canções como Aux Champs Élysées, que na França é quase cantiga de ninar: todos a escutam desde o berço.
A Champs, como é carinhosamente chamada pelos franceses e que hospeda alguns dos marcos mais famosos de Paris, não é a minha parte favorita da cidade mas simplesmente não há maneira de evitá-la. Situada no 8° arrondissement, ou distrito da cidade, ela é considerada o boulevard mais belo do mundo, com seus quase dois mil metros de comprimento e setenta de largura, se a medirmos do Obelisco, na Praça da Concorde, ao Arco do Triunfo.
No entanto este trecho da Avenida faz parte de uma linha reta bem mais longa. Porque a Avenue des Champs Élysées não é só a avenida que conhecemos, aquela dos cartões postais. Ela começa antes e termina depois das suas calçadas.
Essa artéria principal ou espinha dorsal ou a “via triunfal” de Paris na realidade começa no Arco do Carrossel do Museu do Louvre. E talvez seja bem daí, através do Arco do Carrossel, na extremidade leste dos Jardins das Tulherias, o melhor lugar para se contemplar seu ascendente menos pomposo, o Arco do Triunfo, mesmo a quilômetros de distância.
Pois a gente entende que a Avenida des Champs Élysées atravessa os Jardins das Tuilleries e a Praça da Concórdia, prossegue pelos Jardins dos Champs Élysées e suas fontes, 
fotografias Moacir Pimentel
sobe a colina até o Arco do Triunfo e vai sim além dele, embora com outro nome, terminando em outro arco, muito moderno e impactante, chamado de Arco de La Défense. 
fotografia de Clayton Parker (wikimedia commons)

           O nome da Avenida - Champs Élysées - se refere aos campos elísios ou ao local, pelo menos na mitologia grega, onde os homens virtuosos - heróis, santos, sacerdotes e poetas - repousavam dignamente após a morte, rodeados por paisagens verdes e floridas, dançando e se divertindo à grande de dia e à noite.
O que me faz lembrar de uma novela da jornalista e escritora francesa Christiane Rochefort de nome “Le Repos du Guerrier” – O Repouso do Guerreiro - que depois virou um filme inesquecível dirigido por Roger Vadim e estrelado por Brigitte Bardot (rsrs)
Tudo bem que o Arco do Triunfo, do alto de sua colina, é a grande vedete do boulevard, mas o que impressiona mesmo são as perspectivas da cidade que a avenida nos oferece seja lá por onde passa.
Foi Vitor Hugo – um presente da minha saudosa mãe - quem primeiro me descreveu Paris principalmente nas páginas do Corcunda de Notre Dame e dos Miseráveis. Nos seus parágrafos o escritor via à distância, entre a névoa e a luz solar, através do verde-cinza-castanho-avermelhado das árvores do Champs Élysées e depois do Arco do Triunfo, o espaço e a glória. 
“Abre o firmamento
e o que acreditamos aqui em baixo ser o fim
é o começo”.

Depois do prezado Hugo praticamente todos os meus escritores favoritos amaram Paris com as suas tintas e disseram-me que a Avenida des Champs Élysées era um lugar para se estar, tanto que Baudelaire, para apreciá-la melhor, sugere que se olhe para Paris com um olhar de pintor, moderno e generoso, sem procurar controlar ou restringir as coisas, as mudanças, as multidões e a destruição criativa da própria cidade.
O poeta imaginou então a figura de um caminhante - o flâneur - que perambula pelas ruas sem nenhum objetivo além do de ver e colecionar impressões e sensações e bytes de memória: a silhueta de um prédio, o brilho dos neons, uma folha seca, uma janela, o horizonte de prédios, um trecho de conversa numa língua estranha, o perfume de um quiosque de flores, o calor de uma xícara de chocolate quente nas mãos, uma bela mulher na multidão como aquela "Passante”...

“A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;
Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina”.

E lá se ia o “flâneur” de Baudelaire, fazendo da multidão o seu lar ao saborear a vida que passava, observando as mudanças e passeando pelo tecido urbano para absorvê-las. Caminhar, observar e imaginar são os três verbos a se conjugar numa viagem, segundo a lógica de Baudelaire. Concordo com o poeta.
Os Jardins dos Champs Élysées, desde que foram atravessados pela alameda central do jardim do Palácio das Tulherias transformada em uma avenida debruada de árvores, logo se tornaram um lugar muito frequentado, onde rolavam aqueles antigos cruzeiros de carruagem que vemos nos filmes românticos. O certo é que, ainda hoje, mesmo ao sair do show do Lido depois da meia-noite, por exemplo, ainda encontramos naquelas paragens o trânsito pesado e vagaroso.
O idealizador dessa avenida foi o famoso Georges-Eugène Haussmann, que muita gente acredita ter sido engenheiro ou arquiteto. Ledo engano. O barão era advogado, um funcionário público nomeado prefeito de Paris por Napoleão III. Neste cargo, por dezessete anos, ajudado por um batalhão de profissionais, ele foi o grande artista remodelador de Paris.
Quem olha para Paris com um olhar atento e arquitetônico percebe que a intenção do criador da Avenida des Champs- Elysées – hoje se diz o “conceito”- foi celebrar a autoridade divina e o poder de Napoleão III: a Champs desaparece no horizonte criando a ilusão de abraçar o infinito e o poder absoluto, com tão bem descreveu o grande Hugo.
É como se Haussmann tivesse, essencialmente, usado uma régua em um mapa da cidade, traçando linhas retas através das movimentadas ruas estreitas da Paris medieval e derrubando tudo o que estava pela frente para abrir caminho para uma nova forma urbana. Não foi à toa que o Barão ganhou o apelido de o Demolidor.
No século XIX, Haussmann demoliu antigas ruas, pequenos comércios e moradias, modificou os parques parisienses e criou outros, construiu vários edifícios públicos, como a Opéra, melhorou o sistema de distribuição de água e inaugurou a grande rede de esgotos, criou uma capital ordenada pela geometria dos boulevards e das grandes avenidas, disposição essa que também iria colaborar para o fim dos levantes populares levados a cabo pelos cidadãos revoltados nas vielas medievais estreitas e tortuosas da cidade.
A esta altura da história a arquitetura serviu à política, pois além de tornar Paris a mais bela e imponente cidade da Europa, Haussmann foi incumbido de dar um fim às barricadas, insurreições e combates populares muito comuns à época. Nas novas e largas e retas avenidas, é claro, contra o povo o exército poderia usar os canhões.
No século XIX, belas mansões foram construídas ao longo das recém inauguradas calçadas estreitas e, na virada do século XX, ela foi tomada pelas lojas de luxo e restaurantes para, em seguida, tornar-se a meca dos cinemas desde a Segunda Guerra Mundial.
O certo é que a Avenida mudou e cada mudança trouxe protestos, mas não é sempre assim? As mudanças via de regra não  são muito bem vindas e jamais são absorvidas de pronto. Só que tudo muda, o tempo todo, a mudança é a lei da vida. E aqueles que olham apenas para o passado em vez de vivenciar o presente irão com certeza se perder nas calçadas do futuro.
A pergunta é: qual é a imagem atual desta Avenida icônica que tanto vem sendo transformada através dos séculos? Que tal hoje caminharmos pela Avenida desde o Arco do Triunfo até o  cabaret Lido à beira dos Jardins des Champs Élysées?? Bater pernas pelo bouvelard é clichê? Com certeza ! Mas é uma delícia!
Sempre que estamos no 8º distrito costumamos dar uma olhada no mercado do bairro, pois há algo sobre os mercados de alimentos parisienses que nos faz muito felizes. Gostamos de ver os donos das lojinhas destacando seus produtos nas vitrines e prateleiras, do ambiente cordial que nos envolve tão logo emergimos do metrô na Place de Ternes e do pequenino mercado de flores pelo qual passamos antes de entrar na encantadora Rue Poncelet – a rua do mercado!
É bom perambular por este recanto da cidade entrando e saindo de fromageries - lojas de queijo - de boulangeries – padarias - de poissonneries - lojas de frutos do mar- sempre bisbilhotando as barracas de frutas e vegetais do lado de fora, com a sua exibição colorida de tudo o que é da estação, fresco e de qualidade.
Na bolsa da minha mulher sempre tem espaço para comilanças: uma baguette tradicional e crocante – daquelas que vem cobertas de farinha branca – um queijinho leve mas de sabor interessante, algum presunto cru fatiado, uma latinha de patê de campanha e, é claro, uma porção de cerejas e meia garrafa de bom vinho.Voilà! Quem tem um canivete suiço já está com o almoço ao ar livre garantido.
Não dá para passar direto pela porta da Pâtisserie des Rêves sem comer um éclair de chocolate, é claro, mas e depois? Em Paris, todas as estradas em vez de levar à Roma - levam à Place de l'Etoile! A mega rotunda em torno do Arco do Triunfo.

fotografia Moacir Pimentel

Não nos dizem, mas na verdade ele se encontra no centro da Praça Charles de Gaulle, de onde partem as doze principais avenidas da cidade. Sucede que os parisienses chamam esta praça de “Étoile”. E por que o fazem? Ora, as doze avenidas que brotam da praça formam uma estrela, une etóile, e assim ela foi chamada por muitas e muitas décadas antes de rebatizarem-na com o nome do Charles de Gaulle.
Por falar nisso atravessar a Étoile a pé é cometer um desatino. O acesso ao Arco é feito, por quem tem juízo, por uma passagem subterrânea, veementemente recomendada pelos nativos.
Dia desses o nosso Editor me narrou ter certa vez escutado de uma parisiense, que “chegar ao Arco sem passar pela passagem é só para quem nasce lá”.
O que se pode dizer sobre o Arco do Triunfo, exceto que ele é simplesmente impressionante? Talvez que ele foi encomendado em 1806 por Napoleão que não viveu para ver a sua conclusão trinta anos depois. Trata-se de um monumento militar, dedicado aos vitoriosos exércitos franceses da Revolução e do Primeiro Império, que possui relevos com figuras que retratam as partidas, as vitórias e os gloriosos retornos das tropas.
Nas paredes internas do monumento estão listadas as grandes batalhas e os nomes de mais de quinhentos generais franceses, sendo que aqueles que morreram em batalha se encontram sublinhados. O Túmulo do Soldado Desconhecido da Primeira Guerra Mundial repousa sob o Arco.
Particularmente notável e de autoria de François Rude é o relevo da partida dos voluntários de 1792, conduzidos pelo espírito alado da Liberdade - A Marselhesa.

fotografia Moacir Pimentel

O monumento é um símbolo de poderio militar e portanto não é de admirar que todos os conquistadores de Paris tenham feito questão de que seus exércitos marchassem ao longo da avenida e através do Arco do Triunfo, como fizeram os alemães tanto em 1871 como na queda da França em 14 de junho de 1940, uma humilhação definitiva para os orgulhosos franceses. As forças francesas e americanas após a libertação da cidade, em 25 de agosto de 1944, cumpriram idêntico ritual e foi a partir do Arco que os parisienses comemoraram a libertação da cidade do domínio nazista.
Muitas vezes subimos os duzentos degraus do Arco do Triunfo – para quem gosta de escadas, como nós, a do Arco é uma beleza! - e já esperamos em longas filas para subir de elevador com as crianças até o terraço no seu topo onde as longas vistas sempre valeram todas as penas.
Do mirante se descortina a vista panorâmica das doze avenidas que cortam Paris a partir da Etóile, de toda a avenida dos Champs-Elysées até a Place de la Concorde e mais abaixo até o Museu do Louvre, e de todo o percurso que ela faz sob outros codinomes até La Défense. De quebra, Montmartre e a Torre Eiffel ainda abrilhantam a festa.
Mas hoje, recém entrados na terceira idade, nos limitamos a dar-lhe um olá do lado de fora embora... quem resiste à tentação de clicar aqueles frisos e relevos?
Do Arco é sempre um prazer renovado caminhar pela Avenida que na sua parte superior é ladeada por lojas, restaurantes, cafés, teatros, muitos bancos e cinemas.
Sempre que fazemos este trajeto temos a mesma conversa a respeito da arquitetura não só da avenida mas da cidade. Minha esposa ama a arquitetura contemporânea enquanto eu sinto é que Paris é procurada exatamente porque representa uma fuga da modernidade.
Penso que a maioria das pessoas que visita a cidade quer apreciar monumentos como o Louvre, o Hôtel de Ville ou a gótica Catedral de Notre Dame ou mesmo o bebê dos cartões postais - a Torre Eiffel, nascida em 1887 - e os edifícios tradicionais no estilo Haussmann que por mais de um século, dotaram a Champs Élyséés de uma simetria linda de se ver.
O certo, porém, é que a cada visita que fazemos a Paris a Avenida fica mais distante da ambiência do século XIX que a caracterizava, na qual a altura uniforme dos edifícios todos muito parecidos e as fileiras de velhos castanheiros reforçavam a estética geométrica e simétrica da via.
Até a década de 1960, a avenida concentrava os melhores hotéis e restaurantes, cafés e residências magníficas e, dizem, a tal da nata parisienseque se vestia de modo especial para perambular naquelas calçadas. Mas então o governo resolveu bombar o metabolismo comercial do bairro de Champs Élysées e trouxe o metrô para a avenida, modificando-a.
Segundo os parisienses, nos anos 80 a magnífica artéria que tinha servido de tapete para os poderosos, abrigado os restos mortais de Napoleão e trovejado com os tanques dos ocupantes nazistas e libertadores aliados, era uma triste visão.
Dizem que os vendedores ambulantes governavam as calçadas estreitas, que o tráfego estava perenemente obstruído nas ruas laterais - as calçadas atuais - que as luzes de néon brilhavam de qualquer jeito enfeiando os edifícios, que mendigos misturavam-se com as multidões e que os batedores de carteira agiam impunemente no pedaço.
O certo é que os vendedores ambulantes desapareceram, sumiram as calçadas cinza, azul e brancas, os caminhantes foram premiados com dezenas de novos bancos feitos de madeira tropical e os abrigos de ônibus, cabines telefônicas, quiosques de jornais e lâmpadas de rua foram artisticamente redesenhados, em ferro fundido, vidro e aço inoxidável.
Mas bem que fizeram falta os quiosques de flores e de souvenirs onde em 1978 a gente comprava aqueles antigos postais de Paris e as famosas litografias. E não há como não ter saudades dos simpáticos vendedores de castanhas!
Diante da reforma da paisagem choveram as críticas arquitetônicas: que os estilos se chocavam, que os projetos haviam sido distorcidos na tentativa de agradar a todos os gostos, que os bancos e réplicas de lâmpadas de rua antigas e a iluminação moderna criavam uma mistura dissonante, que cada estilo era cancelado pelo seguinte em uma confusão visual.
Porém...os belos edifícios antigos que tinham começado a tombar na guerra contra o fast food e a cultura pop tiveram uma trégua e no final da década de 80 uma lei proibiu a demolição das fachadas elegantes que garantem à Champs a sua graça uniforme.
Para alguns prédios já era tarde demais, mas muito mal foi evitado e muitas das marcas modernas e suas vitrines alienígenas hoje convivem com fachadas preservadas.
De novo a Champs foi revitalizada, na década de 90, com mais do mesmo: mais belos bancos de madeira, uma iluminação ainda mais moderna e um exército de garis vestidos de verde armados com vassouras que mais parecem mini retro-escavadoras de alta tecnologia.
Foi quando as duas faixas de tráfego foram negociadas e deletadas para tornar as calçadas mais amplas. E os plátanos - uma espécie de figueira brava que prospera apesar da poluição da cidade grande – substituíram os castanheiros e proporcionaram um ambiente arborizado para os cafés nas calçadas.

fotografia Moacir Pimentel

Não há como negar que desde a virada do milênio a mais bela avenida do mundo vem sendo administrada segundo as leis do livre mercado. Os negócios multinacionais expulsaram do pedaço as lojas francesas da gema, as vitrines das lojas ensandeceram, as multidões se avolumaram e o valor do metro quadrado fala mais alto que o charme antigo numa paisagem que já foi não apenas um símbolo de Paris, mas também um reflexo da própria França.
Com certeza não mais se vai à Champs para ver uma avenida mítica, para chegar perto de uma atmosfera de romance e emoção que foi vividamente capturada no clássico filme de Jean-Luc Godard – Acossado - no qual Jean-Paul Belmondo era um gangster e Jean Seberg uma jornalista americana, só que a mocinha não casava com o bandido pois ele era baleado na avenida.
Apesar de terem usado e abusado dos lindos sobrados e balustradas e transformado alguns deles em bastardos comerciais de cromo e vidro, apesar das galerias de vídeogame, das vitrines de automóveis, dos fast-food, das dezenas de bancos, de todos aqueles anúncios de filmes e das badaladas marcas estrangeiras, apesar das filas de turistas adolescentes defronte das lojas das franquias americanas nas liquidações de verão, apesar da gente ter certeza de que Marcel Proust não mais frequentaria nenhum daqueles cafés, apesar da avenida ter perdido muito da sua singularidade e de que por lá a gente encontra cada vez mais coisas que vê em todos os lugares, eu não vou exagerar: a velha senhora ainda emociona. A Champs ainda tem o seu charme.
Ela continua sendo a mais bela avenida do mundo. É só não olhar para os prédios sitiados por logomarcas agressivas explodindo em cores e fachadas de aço e vidro, como é o caso da Citroën.

fotografias Moacir Pimentel

Muitos prédios conservam as suas personalidades antigas, outros foram reformados de forma tal a amalgamar a nova e a antiga arquiteturas em um só pacote.
Para quem tem senso de humor, um passeio pela avenida é sempre divertido: belas calçadas, muita juventude, legiões de árabes ricos carregados de sacolas, performances de artistas que tiram som até de plástico e test-drives em super máquinas.

fotografias Moacir Pimentel

É claro que hordas de turistas de todos os sotaques invadem Paris no verão, mas na multidão as parisienses são identificáveis pelo jeito de vestir, pela maneira de estar à vontade, pela pasta ou livro que trazem na mão e, não importa se trata-se de uma ninfeta de cabelos cor de rosa e mini-saia de couro tomando um sorvete Berthillon, ou de uma octogenária de cabelos azuis trajando um agasalho de lã rosa bebê e beliscando macarons, elas olham cobiçosas para as vitrines cintilantes e estão absolutamente na delas e parecem carregar um letreiro na testa: Made in Paris.
Aliás os macarons, o doce francês por excelência, são deliciosos em uma variedade de perfumes e sabores, que variam de lugar para lugar: baunilha, café, chocolate e pistache são os sabores mais banais, mas os requintados biscoitos têm cores e paladares os mais improváveis.
Na Champs é gostoso fazer uma escala no Ladurée - o clássico e opulento salão de chá e restaurante e pastelaria - que faz os macarons tradicionais e que visitei pela primeira vez na companhia de meus pais.
Hoje os do Ladurée são adeptos da política "sem fotografias" e quando os clientes tentam usar seus telefones celulares são convidados educadamente, mas com firmeza, para sair.
Então você vai ter que confiar nas minhas pretinhas quando garanto que a seleção de macarons disponíveis é de tirar o fôlego e que eu sequer me atrevo a escolher. Minha senhora toma as providências. Mas sempre como algo perfeito que explode na boca e me merece um... hummmm.
O Ladurée foi fundado em 1862, quando um moleiro do sudoeste da França abriu uma padaria. Cinquenta anos depois uma das senhoras Ladurée teve a brilhante ideia da mistura de estilos. Assim, o café e pastelaria deu à luz ao primeiro salão de chá da cidade que tinha uma nítida vantagem sobre os cafés ao rés do chão: permitia que as senhoras se reunissem no primeiro piso, para lá em cima “conversar” em liberdade.
Vale o preço sentar ali e tomar um café desfrutando o espectáculo cotidiano da Champs-Elysées passando lá fora e comprar uma daquelas caixas – a menor! - para levar pra casa.
Só que, em Paris e por toda a Europa, os cafés ganharam disparado a batalha contra as casas de chá, desde que nos primórdios do século XIX eles chegaram para ficar,tornando-se o local ideal para quem não tinha o que fazer, para os que procuravam prazer, para os que pensavam e queriam compartilhar idéias e para os revolucionários urdirem as suas tramas.
Nada é mais parisiense do que sentar em um café, pedir o néctar dos deuses, abrir um livro ou jornal e se deixar ficar. Essa mania de bebericar um café pelas esplanadas da vida é contagiosa e viciante atingindo democraticamente todas as gerações e classes sociais.
Outro endereço famoso na Champs é o Publicis, um prédio ícone dos anos 60, que foi coberto por redemoinhos de neon e aço, numa reforma em 2004 e hoje avança sobre a calçada armado de vidro de dia e de luzes mirabolantes à noite.
O edifício, que destoa de todos os seus vizinhos, tornou-se um sucesso pois funciona das 8 às 2 da madrugada, sete dias por semana, garantindo a aflitos e retardatários e expatriados e notívagos uma farmácia, uma brasserie, um quiosque com revistas e jornais do mundo, uma livraria, uma delicatessen, uma adega e um cinema. É a solução para a compra urgente de um remédio, para uma última taça de champanhe, para aquele presente fora de hora.
Hoje na Champs-Élysées muitos lugares atendem turistas e estudantes apressados com orçamentos apertados: pizzarias variadas, Starbucks e McDonalds. A chegada da McDonald foi um choque. À primeira das lojas americanas foi permitido apenas arcos brancos pintados nas janelas. Hoje, a lanchonete de quatrocentos lugares, se derrama na calçada com cadeiras confortáveis e canteiros de flores.

fotografias Moacir Pimentel e www.hda.paris.com

Em meio às boutiques de roupas pop e as megalojas de música temos que fazer um escala no Le Fouquet’s, uma das mais notórias e veneráveis brasseries da cidade. O Fouquet’s começou como bistrô e, em seguida, ganhou fama como o ponto de encontro dos pilotos franceses durante a Primeira Guerra Mundial, já que Paris ficava a apenas alguns quilômetros nervosos da Frente Ocidental. Entre as batalhas, lá os moços se reuniam para beber, amar e rir como se não houvesse amanhã. E para muitos deles infelizmente não houve.
Mas o Fouquet’s continua firme, forte e honesto, sem pretensões estreladas, sem almejar ser mais do que uma boa e tradicional brasserie parisiense, com seus móveis antigos e os charmosos lustres de cristal e a mania de ser uma noite de Césares - a versão francesa dos Oscares – o ano inteiro, com os nomes de seus clientes famosos nas poltronas, paredes e nos pratos do cardápio. Mas pagar 9 euros por um cafezinho ou 16 por uma cerveja o torna de imediato meio abafado e nos faz preferir a informalidade do Le Deauville.
Ao perambular pela Champs abaixo a gente vai percebendo o apetite francês pela vida. Os cartazes no foyer do famoso Lido, o maior cabaré de Paris, nos dão uma amostragem de looooongas pernas e o edifício do Club Med é um lembrete do compromisso francês com as férias: no mês de agosto praticamente não se vê parisienses em Paris.
Os cabarets Lido, Moulin Rouge e Crazy Horse tinham muito mais a ver com a cultura parisiense, com nostalgia, com os códigos eróticos de longa data até a virada do milênio. Antes a gente ia aos shows para ver as garotas do Lido. Hoje os cartazes vendem as garotas e os garotos do Lido – nada contra! - em “abordagens” de vanguarda, com coreografia moderna e iluminação criativa. O Lido de Paris, na Champs-Elysées, dispõe até de uma pista de gelo e piscina, para delírio das plateias.
Era uma vez o can-can, as meias rendadas, as ligas, todos aqueles deliciosos e proibidos clichês. Bye bye para Edith Piaf e Jacques Brell num palco onde o estilo atual é aquele glitz de Las Vegas, por um preço elevado, é claro.
Mas vale a pena sim uma vez na vida pular o jantar – come-se muito mal pelos olhos da cara! – e assistir o show das 23 horas, para americano ver, dividindo a garrafa de champanhe inclusa no preço do ingresso e – quem sabe? – pedindo mais. Afinal à noite e bem acompanhado e em Paris como não obedecer ao prezado Baudelaire?
“É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Com o quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.”



19 comentários:

  1. Monica Silva19/02/2017, 10:25

    Lindo! Amei cada palavra! Ah, Moacir este passeio eu fiz e foi maravilhoso. Com todas estas dicas e fotos estou aqui babando de vontade de voltar a Cidade Luz. Mas antes preciso arrumar grana e um namorado kkk Obrigada.

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    1. Moacir Pimentel20/02/2017, 10:17

      Mônica,
      Sim, Paris é especial. E concordo com relação à grana se bem que aprendi a viajar com pouca. Quanto ao namorado... Às vezes , como diz o ditado , melhor só do que mal acompanhado (rsrs) Agora...viajar com a companhia certa, com quem se tem intimidade e se divide interesses, é muito muito bom. Seja como for, viaje!
      Abração

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  2. Francisco Bendl19/02/2017, 11:14

    Paris ainda é o fascínio da população mundial, que um dia anseia conhecer a capital francesa.

    Cidade-luz, romântica, histórica, palco de grandes revoluções civis, culturais, políticas e sociais, Paris tem um charme inigualável, além da beleza que a caracteriza.

    O encanto das mesas de bares nas calçadas, os famosos cafés, os passeios pelo Sena, salas de espetáculos, restaurantes, a moda feminina, a elegância das lojas, os teatros, o inigualável Louvre, as ruas principais ainda em paralelepípedos, encantam o turista, deixam-no admirado e extasiado também com os bairros boêmios, ao som de Charles Aznavour cantando La Bohème ou a boêmia (Nelson Gonçalves, célebre cantor gaúcho, de Santana do Livramento, também cantou exaltando a boêmia – “Boêmia, aqui me tens de regresso ...”)!

    Enfim, eis Paris, desnudada e dançando para nós depois deste relato de Pimentel, que a deixa mais ainda sensual, atrevida, audaciosa, em cativar pessoas que jamais irão conhecê-la - eu, por exemplo.

    Parabéns, Pimentel, por mais este relato irrepreensível sobre uma das mais belas cidades do Planeta. Aliás, e peço que tu me confirmes esta informação, dizem que Paris, Florença, São Francisco, Praga e Rio de Janeiro, são as cinco cidades mais belas do mundo, concordas?

    Um forte abraço.
    Saúde e paz!

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    1. Moacir Pimentel20/02/2017, 10:22

      Chicão,
      Obrigado pelo comentário. Acho que o Rio ganha disparado no quesito beleza física e que Paris é hors concours. Florença, São Francisco e Praga são unanimidades. Mas como não inluir nessa lista Roma, Veneza, Madri , Lisboa - que tem um quê de São Francisco! - Budapeste, Amsterdam e Bruges? Acho que as cidades são como as mulheres, Chicão. Quem sabe dizer por que nos apaixonamos por uma e não por outra?
      Abração

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  3. Olá Moacir,
    Lendo o seu texto de hoje vi como é bom ver suas escritas sobre lugares onde já estivemos. E entendi porque a mulherada toda se assanha quando isso acontece.
    É muito bom. Muito lindo. Muito saudade!
    Talvez preferisse Londres, com mulheres e filhos de cabelo azul, onde nunca estive mas sempre estive em desejo.
    Até mais.

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    1. Moacir Pimentel20/02/2017, 10:32

      Donana,
      Geralmente concordo com a senhora. Paris é "intimidante" porque seduz por demais e em Londres a diversidade desfila orgulhosa. Dica: quem aprecia cabelos estranhos não pode deixar de visitar Camden Market(rsrs)
      De resto o que é bom mesmo nessa viagem é poder se "assanhar" e ter saudade. É ter uma história a contar sobre cada coisa preciosa que ainda carregamos na bagagem , é ter colecionado tantos flashes de afetos e descobertas, é mergulhar nos nossos doces bytes de memórias, é ter somado e dividido.É tudo que a gente não tem como deixar para trás.
      Vamos em frente viajando e conversando.
      "Até mais"

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  4. Os posts de viagem do Moacir despertam lembranças em que já passou por lá e vontade de ter estado em quem nunca passou...
    Devo confessar que não são os franceses os únicos "completamente malucos pelo Tour de France", comecei a ficar como eles quando garoto, lendo o jornalzinho da união francesa dos boys scouts, e depois quando me graduei da bicicleta Bristol, inglesa, estilo "camelão" onde aprendi a andar para a bicicleta de corrida que foi meu principal meio de transporte até bem mais tarde, e hoje tento acompanhar o Tour o mais que posso pela tela da TV5.
    Desci a Champs Élysées pela primeira vez no comecinho da década de oitenta, quando ainda não tinha a calçada central, nem as fachadas modernas tinham acabado de desfigurar o ambiente "belle époque" da avenida. Uma das razões dessa primeira descida foi bancar um "courier diplomatique" para um país que hoje não existe mais...
    Devo confessar também que, nesta primeira vez, cometi o desatino de que fala o Moacir de atravessar a Étoile para chegar ao Arco do Triunfo sem passar pela passagem subterrânea. Uma experiência arrepiante que não pretendo repetir, e que, muitos anos depois, provocou o comentário da jovem parisiense que eu e a Ana encontramos num passeio por Aix-en-Provence.
    E não há como olhar para o Arco sem se lembrar do filme do Alain Delon, "Les Aventuriers", onde ele tenta, sem sucesso, repetir o feito de um piloto de caça francês que em 1919, na parada da vitória da Primeira Grande Guerra, passou por debaixo dele com seu biplano Nieuport.
    Obrigado, Moacir, por despertar estas lembranças. Continue.

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    1. Moacir Pimentel20/02/2017, 10:35

      Wilson,
      "Os posts de viagem do Moacir despertam lembranças em que já passou por lá e vontade de ter estado em quem nunca passou..."
      Vindas de quem vieram estas palavras são imensas e vou lembrar delas sempre que tiver vontade de jogar a toalha. Obrigado a você pelo espaço e incentivo.
      Abração

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  5. Flávia de Barros19/02/2017, 12:34

    Moacir,


    Você descreve muito bem este recanto da cidade preferida dos amantes e daqueles que amam a cultura a arquitetura a história e a boa mesa. Parabéns. Fui lendo e me deparando com a cidade nos mínimos detalhes do seu artigo. As citações e poemas. As padarias e pastelarias. O mercado e a típica brasserie francesa. As pessoas lendo o jornal e bebendo um café ou passeando e olhando as vitrines. Vou beber no almoço uma taça de vinho em homenagem a Paris e a você nos seus maravilhosos Champs Elysees. Um grande abraço.

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    1. Moacir Pimentel20/02/2017, 10:39

      Flávia,
      O que encanta em Paris é a "personalidade". Pelo seu comentário eu tenho certeza que você entende isso muito bem. Obrigado pelo brinde de incentivo:
      Timtim!

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  6. Marcio P.Rocha19/02/2017, 13:40

    "We will always have Paris"
    Como diria o Bogart: Toca de novo, Moacir!

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    1. Moacir Pimentel20/02/2017, 10:55

      Márcio,
      Sim, sempre teremos Paris e Casablanca.
      Que bom que você achou o caminho de volta aos comentários com esse seu bordão que o Bogart jamais disse mas que queríamos que tivesse cometido porque jamais será demais ouvir que...
      "The fundamental things apply, as time goes by".
      Tanto quanto a canção, a fala de mentirinha nos conforta porque resume a vida: tocar de novo, muitas vezes de ouvido , tentando separar o raro do clichê, o real da narrativa, a lenda da história e retirar de tantos aparentes nonsenses algum significado e - por que não? - enquanto nos enrolamos na empreitada rir das bobices humanas.
      Abração

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  7. Nos posts de viagens você sempre arrasa. Sensacional!

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    1. Moacir Pimentel20/02/2017, 10:58

      Carlos,
      Já percebi que você tem mesmo uma queda pelos posts "turísticos". Então aperte o cinto e vambora.
      Obrigado e um abraço

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  8. Alexandre Sampaio19/02/2017, 20:30

    Um esplêndido texto, escrito com conhecimento de causa por um amante de Paris. Parece
    que o caso é sério, daqueles que não tem jeito de esquecer e que a cada recaída fica melhor ainda. Espero que Pimentel não economize suas boas palavras, a um só tempo cultas e divertidas, e continue nos brindando com outras maravilhas parisienses. Merci et à bientôt.

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    1. Moacir Pimentel20/02/2017, 11:02

      Alexandre Sampaio,
      Pretendo sim escrever mais sobre Paris e tomara que, se você continuar lendo, não se decepcione. De certa forma um mesmo tema em capítulos é como nas séries televisivas: a terceira temporada geralmente é dose!
      Obrigado pela leitura e comentário e um abraço.


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  9. Woody Allen, com seu extremo bom gosto, filmou essas árvores enfeitadas para as festas de final de ano. Um encantamento. O filme? Não foi Meia-Noite em Paris. Talvez tenha sido Todos Dizem Eu Te Amo, em que há muito sapateado e Woody faz menção a Groucho Marx, usando bigodão em uma das cenas. Muito bonito. Bom, já não tenho tanta certeza, mas acho que foi sim esse filme. Belos cenários e belas músicas.

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    1. Moacir Pimentel20/02/2017, 11:14

      And last but not least: Ofélia.
      Sabe? Por uma dessas coincidências da vida, dentro da "franquia" francesa , eu acabo de escrever um texto sobre o filme do Woody, Meia-Noite em Paris. Mas não me lembro qual dos filmes ele decorou com as maravilhosas luzes do Natal parisiense.
      Talvez porque das ruas iluminadas e dos mercados natalinos europeus as minhas maiores lembranças não são visuais. Tenho saudade é do calor do "vinho quente" nas mãos e do gosto da canela, dos salsichões assados nas grelhas e dos biscoitos de gengibre e da grande música, das canções cantadas em praça pública pelos corais nativos.
      Muito obrigado por comentar

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  10. 1) Pimentel é primoroso.

    2) Paris é linda.

    3) Estive lá em 1980.

    4)Bela e infinda.

    (tentativa de trova).

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