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21/02/2017

Uma Poesia de Cecília Meireles

Cecília Meireles (imagem Wikimedia)



Antonio Rocha

“Já tivemos Gautama e Gandhi
E hoje temos Vinoba Bhave     
Não sei bem por onde se encontra:  
Mas está sempre em toda parte
Diz aos ricos: “Amai os pobres !”      
Diz aos pobres: “Amai os ricos !”      
Pede um campo como quem pede    
Um grão de arroz para um faminto.
Sua sombra pelas estradas      
É a sombra de um deus escondido.
Nós trataremos desta terra     
Tão velha, seca e abandonada;
Os bois conversarão com ela   
Fábulas de semente e de água.
Tudo será verde e luzente:       
Mais grãos, mais leite, casas novas. 
Em nossos dedos de esperança,        
Muito trabalho desabrocha.
Cantaremos com mais clareza,         
Dançaremos com outro brilho,         
Acendendo com luzes de hoje  
O perfume de óleos antigos.
Quando os ricos amam os pobres     
Quando os pobres amam os ricos     
A roda do amor vai prendendo         
O céu e a terra no seu giro:      
Os demônios desaparecem       
E os homens são todos amigos.
Já tivemos Gautama e Gandhi  
E hoje temos Vinoba Bhave     
Procurai-o (não sei por onde) 
Ele está sempre em toda parte.”
A grande escritora e jornalista brasileira Cecília Meireles (1901-1964) preferia ser chamada de “poeta” e não poetisa, conforme registra o dicionário.
Em 1953 ela estava na Índia e na volta publicou o livro “Poemas Escritos na Índia”. O título da poesia, acima, chama-se “Fala”. De fato ela aborda três grandes nomes históricos daquele país que muito falaram, ao longos de suas vidas.
Na tradição budista esotérica podemos dizer que a Fala pode ser considerada uma pessoa, um “ser vivo” e por isso Buda enfatizava tanto a questão da “fala correta”. É como se a “palavra” tivesse alma e coração e sentimentos.
No primeiro verso a poetisa fala de Gautama, vem a ser o sobrenome de Sidarta, o Buda. A seguir Gandhi (1869-1948), o libertador da Índia do jugo colonial inglês. Quem não assistiu recomendo ver o filme “Gandhi” que considero belíssimo.
Na segunda linha Cecília nos fala de Vinoba Bhave (1895-1982) um engenheiro indiano, de família abastada, que foi discípulo de Gandhi e continuador de sua obra. Ele foi uma espécie de fundador do MST local, Movimento dos Sem Terra.
Vestia-se de forma semelhante ao mestre Gandhi, com muita simplicidade e andava por todo o país solicitando que os ricos proprietários de terras, oferecessem, doassem pedaços, lotes de terras, para os pobres camponeses e trabalhadores agrícolas.
Foi considerado um santo pelo misticismo hindu, pois fazia verdadeiros “milagres” dobrando os corações de ricos e pobres e evitou muitos conflitos.
Certa feita perguntaram a Vinoba o que ele mais amava, respondeu: “Depois de Deus, nada amo tanto como as matemáticas”. Poliglota nato, tinha impressionante facilidade para falar idiomas europeus e aquelas muitas línguas das etnias da Índia. Aprendeu árabe para ler o Corão – o livro sagrado dos muçulmanos no original, sendo ele não islâmico.
Cecília Meireles é um oceano de ensinamentos ótimos.




9 comentários:

  1. Antonio,
    Encontrar a voz de Cecília de manhã é sempre uma maneira boa de começar o dia.
    E quando diz versos que a gente não conhece, é um presente.

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  2. 1)Concordo plenamente Wilson.

    2)Cecília é magistral.

    3)Agradecidíssimo pela oportunidade de compartilhar com vcs, versos da poetisa.

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  3. Olá Antônio,
    Você tem razão, Cecília Magistral!
    Não conhecia esse engenheiro Vinoba Bhave, achei bem interessante. Os indianos sempre têm algo diferente para nos contar. Estou certa?
    Fale sim do seu passeio. Na espera.
    Até mais.

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  4. 1) Obrigado Ana,

    2) Os indianos constituem-se em civilização bastante original:

    3) Hoje = mais de 1 bilhão de almas, mais de 20 línguas e dialetos, Literatura multimilenar impressionante ... Filosofias idem ...

    4)Gosto muito dos três: Gautama, Gandhi e Vinoba

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  5. Moacir Pimentel21/02/2017, 20:00

    Salve, Antônio
    Os poemas indianos são magistrais. Tenho muito afeto esse aí embaixo. Só quem conhece a Índia poderia ter escrito tal arabesco.
    Abraço

    ******

    Bazar

    Panos flutuantes de todas as cores
    às portas do vento , no umbral da tarde.
    E olhos negros.
    Jardins bordados: roupas, sandálias
    como escrínios de seda para alfanges.
    E negros olhos.
    Molhos de penas de pavão.Colares de nardo
    a morrerem do próprio perfume
    entre tufos de ouro.
    E delicadíssimos dedos.
    Pratos de doces verdes e cor-de-rosa:
    pistache, coco, amêndoa, gulab.
    Lábios de veludo.
    Caixas, badejas, aguamanil, sineta,
    e o mundo do bídri: noite de chumbo e lua.
    E olhos negros. E olhos negros.
    Pingentes, borlas, ébano e laca,
    feltros vermelhos, pulseiras de mica,
    filigranas de marfim e ar.
    E dedos delicadíssimos
    Cestos cheios de grãos.Frigideiras enormes.
    Grandes colheres. Muita fumaça. Muitos pastéis.
    Lábios de veludo.
    Corolas de turbantes. Brinquedos. Tapetes.
    O homem que cose à máquina,o que lê as escrituras.
    Olhos negros.
    Portais encarnados, cor de mostarda, verdes.
    Velhos ourives. Ai, Golconda!
    E uma voz bordando músicas trêmulas.
    Negros olhos.
    Bigodes. Balanças. Barros. Alumínios.
    Muitas bicicletas: porém o passo rítmico de mulheres majestosas.
    Aromas de fruta, incenso, flor, óleo fervente.
    E os nossos olhos. Os nossos ouvidos. Nossas mãos.
    ( Objetos banais )

    Cecília Meireles-Poesia Completa.Organização Antonio Carlos Secchin. Volume II. Poemas Escritos na Índia. Página 992

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  6. 1)Pimentel, vc tem toda razão. Versos maravilhosos que permanecem além do tempo publicado e hoje tremulam no tempo infinito.

    2)Vc e Cecília Meireles são dois abençoados que conheceram bem de perto os Caminhos da multimilenar Índia.

    3)Abração !

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  7. Francisco Bendl22/02/2017, 10:03

    Admiro a sensibilidade dos poetas, suas nostalgias, alegrias, seus amores, a forma, enfim, como interpretam a realidade, como vivem.

    Há uma certa tristeza nos poetas em estado permanente, a meu ver, pois escrever do fundo do coração somente com uma situação que tenha machucado a alma, o espírito, a vida, brotando as palavras que rimam com as demais, configurando a criatividade tão exacerbada e que tanto admiramos e aplaudimos.

    A poesia, os poetas, influem de um modo tal a existência das pessoas, que para aquelas que não são felizes, que sentem fugirem uma a uma as aspirações da vida, nada tão salutar para este espírito enfraquecido que perder-se nas miragens do sonho procurando esquecer as torturas da realidade.

    É como adocicar as estrofes, as frases, as rimas, porque nos fazem viver como os poetas, que dão importância para certos momentos que não nos apercebemos, um sorriso, um cantar, o choro, a flor, o céu, a paisagem ... de esconder através dos olhos dos outros esta tristeza imensa, indescritível, que deve ser estar longe de quem se ama ou do lugar que se queria estar, e esta capacidade incomparável de lembrar aquilo que nós, os simples mortais, queremos esquecer!

    Legal, Antônio, esta tua postagem.

    Um forte abraço.
    Saúde e paz!

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    Respostas
    1. Oi meu amigo albatroz.
      Te vi e vim dar alô.
      Boa tarde.
      Ofelia

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  8. Cecília Meireles foi patrono da minha turma de professora, Antonio. Está no meu convite. 'Acontece que meu coração ficou frio', como canta/cantou/cantava Paulinho da Viola.

    Não posso me embriagar de vinho nem de virtude, tampouco de poesia, como sugeriu lá atrás o Moacir.

    Palavras somente as mais comezinhas. As emoções ficam todas na 'alma funda'.

    Mais Cecília Meireles

    'Inscrição na Areia

    O meu amor não tem
    importância nenhuma.
    Não tem o peso nem
    de uma rosa de espuma!

    Desfolha-se por quem?
    Para quem se perfuma?

    O meu amor não tem
    importância nenhuma.

    Quanto ao Buda, nada desejo falar, me perdoa, Antonio.
    Boa tarde.
    Ofelia

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