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Francisco Bendl
Atendendo
ao pedido do meu amigo – melhor, do nosso amigo – Pimentel, que solicitara a
descrição de um legítimo churrasco gaúcho, maragato, decidi lhe atender porque
SOMENTE UMA VEZ SABOREEI o legítimo churrasco gaudério, de quando o RS se
tornou rota de cavaleiros, abigeatários, aventureiros, diante da farta oferta
de gado e cavalos crioulos, que atraía este tipo de gente para o Sul do Brasil,
nos séculos XVII e XVIII.
Eu
atendia uma fazenda no interior da cidade de Santiago, RS, esgotando o banheiro
onde o gado mergulha em um corredor fundo e estreito, com água quase até a
borda, misturada com carrapaticida, produto para livrar o animal do carrapato,
que lhe consome a vida e destrói o couro.
Cada
compartimento desses varia a sua capacidade de água, havendo aqueles com mais
de vinte mil litros d’água - um exagero - quanto aos menores, doze, quinze mil
litros.
Esses
“banheiros” servem para o gado mergulhar de corpo inteiro, e quando saem do
outro lado, oito, dez metros de comprimento, o animal está com o corpo banhado
com remédio novo, chamado de carrapaticida.
No meu
tempo era assim, hoje sequer existem esses banheiros.
O dono da
propriedade nos deixou como alimento - para mim, o veterinário e o motorista do
caminhão, que sugava a água do açude com um motor adequado à função para
esgotar o que havia no banheiro, que seria limpo e novas medidas feitas, de
modo a se saber a verdadeira capacidade daquele banheiro bovino - uma paleta de
ovelha.
Não havia
sal, carvão, espeto, mesa, talheres... nada.
Exatamente
como era no passado com o pessoal que andava pelos campos gaúchos, que se
alimentava do que abatia e conforme as circunstâncias do local onde se
encontrava.
Ora, a
dor ensina a gemer.
Fizemos
um buraco no solo, enchemos de pedaços de árvores encontrados nos matos
existentes, ateamos fogo, cortamos dois galhos e limpamos para servirem como
espeto, prendemos a carne entre os dois, fincamos os espetos ao lado do fogo e
deixamos assar a paleta de ovelha.
Bom, e
quanto a temperar o assado?
Sal era
fundamental, e não havia limão, que poderia substituir este tempero. A solução
foi buscar nos coches do gado onde comem a ração, além das gramíneas, um pouco
do sal mineral, que engorda e protege o gado de várias doenças.
Resultado,
três horas depois de a ovelha ser assada lentamente, temperada com sal mineral,
apenas um canivete para serrar o pedaço de carne que os dentes não podiam
cortar, a carroceria do caminhão servindo como mesa, COMI UM DOS MELHORES
CHIURRASCOS DA MINHA VIDA!
Feito rusticamente,
mas bem preparado e assado, a simplicidade foi o tempero ideal, sem requintes
ou sofisticações culinárias, condimentos especiais, liturgias em frente às
churrasqueiras, facas e garfos especiais, carvão escolhido a dedo... nada.
O
churrasco foi tão saboroso, que me lembro dele após quase quarenta anos da sua
realização no campo, ao lado do gado, sob um sol implacável, e sem nenhuma
condição, em princípio, de se comer a paleta oferecida.
Portanto,
Pimentel, a tradição do gaúcho, que difere do argentino e uruguaio, na forma
como servimos o churrasco, à base de espeto, e não feito na grelha – a minha
preferência, diga-se de passagem, pois a carne não perde tanto o sumo quanto
espetada, diante da peça ser dilacerada pelo espeto –, exatamente pela
dificuldade que o pastoreio oferecia, então a carne sendo colocada em galhos
com ponta feitas a facão e fincadas ao lado do fogo, assando um lado e depois o
outro, distante da lenha, para ser assada lentamente, enquanto o pessoal
trabalhava nas lides campeiras.
Mais
rústico que este modo, só o dos nossos antepassados, CRUA!
Um abraço,
Pimentel.
Saúde e
Paz!
1)Ótimo depoumento Chicão !
ResponderExcluir2)Lembrei, qdo eu era criança, de umas histórias que me contaram lá de Bezerros, PE, onde meus pais nasceram:
3)Um cidadão, tinha fama de forte, saudável e só comia carne crua. Verdade ou não, fica o imaginário popular.
4) Bendl, me fale de Rolante, de Três Coroas, de Quaraí, de Santo Antonio da Patrulha, Caxias do Sul etc, seja o nosso Guia Turístico a distância.
5)Obrigadovsky (com sotaque das Línguas Eslavas, já que o seu sobrenome vem da República Checa)...
Rocha, meu caro,
ExcluirSe o Wilson concordar, em seguida escrevo um artigo sobre o Vale do Paranhana, onde moro, composto pelas cidades de Riozinho, Rolante, Taquara, Igrejinha, Três Coroas, Parobé, Sapiranga e Araricá.
Santo Antônio pertence mais ao litoral e Caxias do Sul à região serrana.
Quaraí é na fronteira com o Uruguai, cidade Artigas, separadas por um rio caudaloso, mas que esconde uma fúria incrível quando sobe acima do normal.
Olha, Antônio, tenho poucas pretensões na minha vida, mas não admito que alguém conheça mais Santa Catarina e o Rio Grande como eu, igual, sim, mais é impossível.
Obrigado pelo comentário.
Um forte abraço,
Saúde e Paz!
1)Então, maravilha !
Excluir2)De cada cidade gaúcha e as catarinenses tb nos faça um artigo.
3)Desde já, gratidão !
Chicão, uma história que me trouxe lembranças... você só se esqueceu de falar do segundo maior tempero desse churrasco, talvez mais do que a simplicidade - a fome!
ResponderExcluirNão há tempero melhor.
Wilson, meu amigo,
ExcluirDe fato, a fome é o melhor dos temperos existentes, hehehehehehehehe!
Naquele dia e com a fome que nos encontrávamos, não digo que comeríamos a carne crua, mas do jeito que ficasse assada estaria excepcional.
Grato pelo comentário.
Outro prato que o gaúcho aprecia muito é o galeto, acompanhado de polenta. Antes, porém, a indefectível sopa de capeletti ou agnoline, o capeletti menor, que podem ser feitos de carne ou frango.
Saliento que, se alguém quer mesmo um dia experimentar o gosto verdadeiro de QUALQUER sopa, torna-se fundamental dois detalhes:
Queijo ralada parmesão, e uma colher de sopa de vinho tinto!
O vinho abre o gosto da sopa milagrosamente e, o queijo, bem ralado e em boa quantidade, lhe dá a textura ideal.
Experimenta, Wilson, adicionando vinho à sopa e queijo ralado, que esta iguaria será servida diariamente, independente da estação do ano.
Um abraço forte.
Saúde e Paz!
Ah...
ResponderExcluirApagou...
Bendl, você não existe. Que história!
Acho que eu não conseguiria comer o churrasco porque o bicho estava grande. Sem ver, eu eté consigo.
Mas, ao contrário da Mafalda, personagem do argentino Quino, EU ADORO sopa.
Não sopa rala, mas sopa encorpada, caprichada. Pode ser com vinho tinto (não é o único vinho 'verdadeiro'?
Se um dia eu for visitar sua RS, você, sua Marli e a prole, você capricha em uma sopa pra mim?
Até, saúde a paz pra nós todos, Bendl.
Mano, eu não consigo mais postar a não ser pelo Blogger. Por que isso, você sabe?
ExcluirAté
Ofelia
Ofélia, o que você quer dizer com "postar pelo Blogger"? Como você postava antes?
ExcluirClicava direto em responder, aparecia meu nome acima, eu clicava nele e digitava. Na hora de enviar, ia naquela lista sobre como enviar e na qual existia até a palavra anônimo.
ExcluirO Blogger, pra mim, é coisa recente. Ou a cabeça endoidou de vez.
Repara que meu nome sai marronzinho como o seu. O do Bendl sai preto. E também não havia a palavra excluir. Estou lelé?
É mais bonito pelo Blogger.
Uai, Ofélia, você não está lelé, mas parece que você entrou no Blogger como se fosse moderadora, não sei como, não deveria ter jeito.
ExcluirExperimente fechar o seu navegador e entrar no blog digitando:
www.conversasdomano.blogspot.com
E me diga se funciona igual.
Se você me disser qual o navegador que você usa, posso tentar descobrir o que está acontecendo.
Um abraço do
Mano
Faça o seguinte:
O que é fechar o navegador?
ExcluirNão sei como fazer o que você diz, Mano.
Você poderá me excluir facilmente, Mano.
ExcluirFique à vontade.
Cara Ofélia, ninguém está querendo te excluir! "Fechar o navegador" significa apenas pedir a você para fechar o programa que você usa para entrar no Google, e depois começar de novo, para ver se a maneira de comentar volta a ser a antiga. Se você não sabe fazê-lo, não se preocupe, deixe para lá. Queremos você aqui conosco no nosso blog.
ExcluirUm abraço,do
Mano
Mano, porque embaixo do meu comentário existe a palavra excluir, você sabe? E não acontece embaixo do seu?
ExcluirEstranho, não?
Mano, voltei a ficar pretinha.
ExcluirE o correto é 'por que (separado)embaixo do meu comentário...' etc.
Bom, consertou sozinho.
Que bom que se consertou sozinho, Ofélia.
ExcluirNo fim tudo deu certo.
Um abraço do
Mano
Aí em cima eu não estava pretinha, Mano.
ExcluirEdição?
Enfim, tudo está bem quando acaba bem. Pretinha ou marronzinha, tanto se me dá, fazer o quê?
Sou muito crédula, não é, Mano?
ExcluirJá dizia meu psi. Não tenho jeito, conserto.
Vou morrer assim. Que bom.
Chicão,
ResponderExcluirBeleza de texto. E assino embaixo essa receita de sopa se for um minestrone.
Escrever você nasceu sabendo. Sobre o quê? Sobre qualquer coisa que você tenha vivido e não tenha esquecido. Suas estradas e delas as histórias. Lembre-se de que o que é mais particular geralmente é o mais geral. Este seu churrasco, por exemplo,que nos trouxe tantas informações e nos deixou de água na boca de tão real aviva em quem jamais fez um fogo no chão para assar carne , outras lembranças , como por exemplo a da fogueira pantaneira onde experimentou pela primeira vez caldo de piranha!!
E a "conversa" rolará e é isso que se quer.
Aguardo ansioso o seu RS em capítulos pois muito pouco conheço do seu Estado onde só estive a trabalho além do que li da lavra do Veríssimo. Além disso, só temos dois amigos gaúchos : um casal de médicos neurologistas de Porto Alegre, muito fora das cores nativas. Para você ter uma ideia eles se divorciaram e casaram três vezes. Só que jamais com outras pessoas e sim com eles mesmos. Da última vez - a quarta ! - o juiz gaudério injuriado se negou a providenciar o divórcio e mandou-os "se orientarem em casa, barbaridade!"(rsrs)
Obrigado, Chicão e....
ÀS PRETINHAS!!
Abração
Pimentel,
ExcluirObrigado pelo comentário.
A cozinha rústica, digamos assim, faz a melhor comida, pois a tempera com dedicação e vontade de oferecer bons pratos.
Quanto a informar a respeito do meu RS, preciso depurar o que vocês querem saber, se a culinária, características das cidades, suas tradições e folclore, enquanto eu viajava quais as localidades que mais eu apreciava trabalhar, enfim, a gauchada é dividida pela BR-290, se observarem em qualquer mapa rodoviário, entre a parte Sul do Estado, olhando de Porto Alegre em direção a Uruguaiana à esquerda e, à direita, em direção norte, a parte mais rica, Missões, Serra, Vales do Sino, Taquari, Paranhana, locais das indústrias pesadas, móveis, vinhedos, e turismo, Gramado e Canela, essencialmente, além do Itaimbezinho, o Cânion brasileiro, gargantas que existem desde o INÍCIO DESTE PLANETA, surpreendentemente, e seu frio congelante.
Cada uma dessas cidades possuem seus atrativos e pontos negativos, claro, ainda mais quando iniciei a conhecer o RS como profissional há 45 anos, onde mais da metade das estradas não era asfaltada, e o chão mudava a cor da terra conforme a região onde se estava.
Fronteira com barro preto, pegajoso; Missões, o barro vermelho, escorregadio; Sul e a terra arenosa, amarela; Litoral, a areia, e precisávamos saber desses detalhes porque andávamos de jipe, e que tipo de lamaçal pegaríamos se chovesse!
Enfim, foi assim que entrei pelo RS, não só visitando as suas cidades para vender medicamentos veterinários, mas para atender o fazendeiro na sua sede, no campo, onde tinha o seu estabelecimento agropecuário.
E passei muita fome, frio, sede, desconforto, pois dependendo do horário não se achava mais hotel, e eu tinha de dormir no jipe(?), encostado no banco minúsculo atrás, as pernas por cima dos bancos dianteiros, e comendo um pedaço de pão francês com uma lata de salsichas Viena ou, então, uma fiambrada - lembram? aquelas latas que se abriam lateralmente com uma chave, cuja marca do produto ou era Swift ou Armour, mais tarde as duas se uniram.
Com o tempo, relato essas peripécias gaúchas, que me deixaram com casca grossa, e capacidade para suportar o que fosse para levar sustento à família!
Um abraço, Pimentel.
Saúde e Paz!
Minha querida Ofélia,
ResponderExcluirEu fui criado à base de sopa.
Diariamente, antes do almoço, um belo prato de sopa, que poderia ser de massa (macarrão), arroz, feijão - uma delícia! - capeletti, agnoline, legumes e, no rigor do inverno, um fantástico PUTCHERO, UMA RECEITA ESPECIAL GAÚCHA, que se deve saboreá-la como prato único, e tendo a carne de peito como primordial para seu cozimento, também conhecida como granito.
Pois esta mistura de ingredientes, precisa fundamentalmente de uma ou duas colheres de vinho para aguçar o seu sabor, e a pessoa sai da mesa suando, se despindo de casacos e mantas!
A Marli é especialista em fazer um sopão, com legumes, mais mandioca, batata doce, repolho, cenoura, moranga, batata, salsa, pedaços de carne de peito de gado, milho ... e deixa no fogo durante horas.
Olha, entornar dois pratos de sopão precisa ser muito comilão porque é uma comida forte, saborosa, e somente no frio, pois no verão não dá vontade nem de ver sendo feita!
Grato pelo comentário, Ofélia, e te aguardamos para tomarmos uma boa sopa dia desses, com queijo ralado parmesão, do Uruguai, que é excelente, e um vinhacho da serra, um tinto especial, próprio para sopa, que usávamos muito o Sangue de Boi, seco, vendido em garrafões.
Um abraço forte e caloroso, Ofélia.
Saúde e Paz!
Olá Francisco Bendl, voz de trovão, e que trovão!
ResponderExcluirUma gostosura o seu escrito. Parece que você está conversando com a gente, quase senti a fumaça aromática do churrasco.
Também adoro sopa. Você conhece uma música da Adriana Calcanhoto, disco infantil, que diz ..."opa, que bela sopa"?
Não fica prometendo porque você pode ter que dar sopa com vinho e queijo ralado para muita gente!
Esperando histórias da sua bela terra.
Até
Minha querida Aninha,
ResponderExcluirGrato pelo comentário.
Antes de eu começar escrever sobre a minha terra, RS, enviei para o teu marido, nosso querido Mano, um texto versando sobre as diferenças entre as velhas e as novas gerações.
Não um choque cultural, mas um comportamento que jamais sonharíamos em nossas épocas que seriam adotados e com uma certa obrigação, trinta, quarenta anos depois!
Voltando à vaca fria, como se diz no jargão gaúcho, dia desses a Marli me coloca na frente durante o jantar uma sopa de capeletti, assim, de surpresa, sem me avisar.
Certamente em razão do tempo que estamos juntos, quase cinco décadas, muitas vezes nos entendemos como se fosse telepatia - deve acontecer contigo e com o Wilson, também -, e na minha cabeça eu tive vontade de saborear uma sopa.
Quando me deparei sendo servido por um jantar que eu imaginara, porém a comida não seria esta, a alegria foi grande, naturalmente.
Antes eu não esboçasse tamanha felicidade, pois ela me obrigou a arrumar os livros que eu deixara espalhado pela sala, escritório, um no banheiro, e vários no quarto e, indiscutivelmente, ANTES de sorver a deliciosa sopa!
A satisfação de estar me deliciando com aquele sabor magnífico foi mais forte que a resistência que iniciara como protesto de recusar a proposta.
Mas passei a ficar esperto com essas surpresas, a ponto de volta e meia quando ela se encontra na cozinha muito quieta, eu dou uma "incerta", e rapidamente levanto as tampas das panelas antes que ele me expulse de seu "laboratório", que transforma gêneros alimentícios em comidas saborosas, pois, orgulhosamente declaro:
SEQUER SEI COZINHAR UM OVO!!!
Churrasco, não, é do homem, do gaúcho, do gaudério, mas fazer arroz, feijão, massa (vocês chamam de macarrão), um carne de panela, JAMAIS!
Não só não tenho qualquer talento quanto devoção às lides culinárias, e não tenho mais vontade alguma de aprender a cozinhar um prato só que fosse.
Ainda me atrevo a fazer um sanduíche, que basta passar maionese, fatias de queijo, presunto, salame italiano, tomate e alface, e está pronta a minha iguaria.
Aninha, um abraço.
Saúde e Paz, menina!