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15/02/2017

Rumo à Modernidade


El Greco - A agonia de Jesus no Jardim das Oliveiras
  
Moacir Pimentel

               Voltamos para o Museu da Santa Cruz, depois de um almoço frugal em um dos bares de tapas da Praça de Zocodover, para retomar a retrospectiva da arte do Grego que não pertencia ao passado, ao mundo da Renascença e ao maneirismo, mas ao futuro, com ênfase na imaginação dos artistas, em vez de na reprodução da natureza ou realidade. O certo era que, durante os quatrocentos anos depois de sua morte, e menos de uma centena após a compra da Agonia No Jardim pela Galeria Nacional da Inglaterra, o quadro que vemos acima, o pintor cretense sacudira muitos gênios, agitara muitas paletas.

Isto restou-nos evidente na contemplação das últimas e mais extravagantes obras do artista, tais como a Abertura do Quinto Selo, nas quais as figuras foram alongadas além da credibilidade e suas formas foram desmaterializadas por pinceladas que apelam fortemente ao gosto moderno.

O Grego fizera das figuras alongadas, das formas torcidas, do esforço radical e das cores irreais a própria base de sua arte. A diferença era que ele tornou esses efeitos profundamente expressivos, e não apenas emblemas de virtuosismo. O precursor de tanta modernidade angustiada não era moderno em tudo, ele era atemporal.

Essa última parte da narrativa O Grego, reconstruída amorosamente pela exigente exposição em Toledo, envolvera um resgate póstumo do pintor da obscuridade, séculos mais tarde. Como o Caravaggio seu contemporâneo, o Grego fora um forasteiro canônico, e, portanto, uma espécie de praga. Mesmo em seu próprio tempo, o artista fizera uma paródia da história da arte tradicional.

Significativamente, o renascimento da reputação do Grego começou com modernistas como Manet e Cézanne juntamente com escritores como Théophile Gautier. Picasso e Modigliani, entre outros, seguiram o exemplo, estabelecendo o mestre de Toledo entre os maiores artistas do século 20.

Outro mestre moderno, particularmente influenciado pelo Grego, foi Alberto Giacometti que reinventou várias obras antigas e tomou emprestado os contornos irregulares de Cézanne em seus próprios retratos. Giacometti acreditava que cada artista via a realidade através das obras do passado, criando muitos desenhos inspirados nelas.

As outrora esquecidas estilizações sinuosas do mestre de Toledo e suas cores berrantes afetaram movimentos modernos, como o cubismo, o orfismo, o surrealismo e o expressionismo, como visto no trabalho de figuras continentais como Delaunay, Grosz, Kokoschka, Beckmann, e Francis Bacon.

Eventualmente sua estranheza assustadora atravessou o oceano, fazendo-se sentir entre os muralistas mexicanos e, em Nova York, em alguns experimentos de Jackson Pollock, uma grande força do movimento expressionista abstrato, que também foi influenciado por El Greco. Em 1943 Pollock completou sessenta composições de desenho inspiradas em El Greco, pois possuía vários livros sobre o mestre de Creta.

Entre outras maravilhas, vimos o Cristo Morto com Anjos, de Manet. As cores de Barón nos foram exibidas ao lado de uma tipicamente apocalíptica Anunciação do El Greco, normalmente hóspede no Szépmüvészeti Museu de Budapeste.
El Greco - Anunciação da Virgem
 Os estudiosos e os teóricos não ressuscitaram o Grego. Foram os pintores que, a partir do início do século XX, além de descobrirem um novo Grego também se revelaram a si mesmos. A expressividade e as cores do Grego influenciaram Eugène Delacroix e Édouard Manet, não há dúvidas, mas o primeiro pintor que notou o código estrutural na morfologia da pintura mais madura do Grego foi Paul Cézanne, um dos precursores do cubismo.

Todos esses artistas, e muitos outros, foram incluídos no programa da exposição que nos maravilhava, articulando argumentos históricos globais através da presença de tantas obras de tantos grandes museus presentes e dispostos a interpretar a arte contemporânea e histórica em um contexto global. Em Toledo pudemos traçar a influência do Grego através de outras faces pictóricas, dos acólitos do velho mestre, não apenas à luz da influência do artista, mas no choque permanente de encontrar o talento.

Pudemos ouvir análises morfológicas comparativas do mestre de Toledo com outros pintores, enxergar os seus elementos comuns, tais como a distorção do corpo humano, os fundos em bruto e as semelhanças no trabalho do espaço. Foi interessante estudar as obras e verificar quantos irmãos espirituais o Domenico teve, apesar dos séculos que os separavam, como se toda aquela arte que víamos, apesar dos seus variadíssimos sotaques, falasse uma só língua plástica uniforme e contínua.

Percebemos que todos os simbolistas usaram as tonalidades frias do Grego na anatomia das suas figuras ascéticas. As explorações cubistas iniciais de vários pintores descobriram aspectos da obra do Grego: a análise estrutural de suas composições, a refração multifacetada da forma, o entrelaçamento de forma e espaço e os efeitos especiais. Vários traços do cubismo, tais como distorções e a apresentação materializada do tempo, têm suas analogias na obra do Grego.

Os expressionistas também focaram nas distorções expressivas dele. De acordo com Franz Marc, um dos principais pintores do movimento expressionista alemão, O Grego fora referência porque estava intimamente ligado à evolução das novas percepções sobre a arte.

Vimos o retrato de Jorge Manuel Theotocopoulos, o filho de El Greco por ele pintado em 1605 e trazido de Sevilha, lado a lado com a tela O Retrato de um Pintor segundo El Greco, que em 1950 foi a versão de Picasso do retrato de Jorge Manuel.

El Greco / Picasso - O Retrato do Pintor

Muitos pintores contemporâneos também são inspiradas pela arte do Grego. Kysa Johnson usou várias pinturas da Imaculada Conceição dele e inventou-lhes novos quadros habitados por suas flores abstratas e as distorções anatômicas do mestre e a sua linguagem da cor são um pouco refletidas nos retratos de Fritz Chesnut.

Tanto a personalidade quanto a obra do Grego foram uma fonte de inspiração para o poeta Rainer Maria Rilke. Um conjunto de poemas de Rilke foi baseado diretamente na Imaculada Conceição do pintor. Pudemos ler os poemas enquanto ouvíamos as canções do compositor grego Vangelis em homenagem ao pintor e cenas de um filme , uma produção grega baseada no livro O Grego: o pintor de Deus, da lavra de Dimitris Siatopoulos e estrelado por Nick Ashton.

Sem dúvida percebemos que o que hoje é percebido como modernidade na obra do artista é a sua globalização, ou seja, a riqueza das suas múltiplas referências, desde a presença do oriente na herança cultural bizantina, dos ícones não ilusionistas - como, por exemplo, pode ser visto na Morte da Virgem - as nuances venezianas, as explosões renascentistas, a espiritualidade latente, as digitais da companheira cristã nova, tudo isto traduzido num maneirismo ala grega e, é claro, o espírito visionário.

Tantas e tão dramáticas foram as transformações em seu estilo, em relação à modelagem das figuras e a relação delas com o espaço, que as formas naturais foram gradualmente se rendendo ao abstrato. Como suas figuras tornaram-se cada vez mais finas, mais altas e desproporcionadas, o vínculo com o mundo corporal em suas últimas pinturas foi quebrado por detalhes peculiares, angularidades mentirosas, manchas de cor e libertadoras pinceladas, como vimos no seu Laocoonte.
Um nome chave na promoção da arte do Grego no século XX foi o pintor espanhol Ignacio Zuloaga, que tinha nisso um interesse especial. O pintor fora bem sucedido comercialmente, e assim adquirira uma grande coleção de pinturas e, entre as obras, algumas do mestre de Toledo, que desejava valorizar.

A arte de Zuloaga representava os ideais de um grupo que foi chamado de Geração de 1898, que assumira a missão de buscar a alma espanhola, definir um caráter espanhol e analisar as tradições nativas após a guerra hispano-americana. Os artistas que protagonizaram essa busca por movimentos radicais e pela modernidade da arte foram Pablo Picasso, Juan Gris, Salvador Dalí e Joan Miró, todos educados dentro desse nacionalismo.

Uma das coisas mais interessantes que vimos na exposição foi o gigantesco painel de dois metros e meio de altura e três metros de largura intitulado... Meus Amigos, no qual Zuolaga tentou reunir durante dezesseis anos numa mesma tela - que não conseguiu terminar! - algumas das suas amizades do mundo intelectual e artístico.

"Mis Amigos" foi pintado em carvão e petróleo entre 1920 e 1936. O pintor basco nele rascunhou uma boa representação da elite cultural de uma Espanha submersa na crise da monarquia alfonsina, que caminhava em direção à ditadura e à Guerra Civil. O detalhe importante na composição, porém, é que o tal grupo aparece em frente a uma enorme pintura do Grego, que então era chamada de O Apocalipse, mas que se tratava da Abertura do Quinto Selo ou da A Visão de São João, comprada por Zuolaga por mil pesetas do legado do Ministro Canovas del Castillo.

Ignacio Zuloaga - Mis Amis

 Foi a partir dessa enorme homenagem ao Grego que Pablo Picasso passou a ser focado na exposição. Tomamos conhecimento que seu pai, José Ruiz Blasco, era um professor de Belas Artes que absolutamente não entendia porque o filho matava as aulas na mais prestigiada Academia de Artes de Madri e preferia sair desenhando pelos cafés, nas ruas e muitas vezes no Museu do Prado, coisas de extremo mau gosto que remetiam ao Grego, uma influência que o pai considerava "muito perigosa".

Vimos como o estilo simbolista de Picasso refletiu a influência do Grego, nas suas telas melancólicas e retratos decadentes de olhos fundos e rostos emaciados do final do século XIX. Contemplando o Retrato de Angel de Soto, tão ao estilo do Grego mas pintado em 1899, não há como não perceber o quanto o Grego afetara o desenvolvimento estilístico do jovem artista. As características faciais alongadas e uma melancolia que emana dos olhos expressivos dos modelos, os grupos de figuras contra fundos escuros são evidentes reminiscência dos retratos do Grego.

De fato, lemos o desejo de assimilar o estilo do velho mestre nas folhas dos cadernos de desenho de Picasso, onde o rapaz chegara a escrever... Yo, El Greco... entre rabiscos de um homem muito parecido com o Grego, estudos de uma cabeça em várias posições e um auto retrato.

Soubemos que em 1900 Picasso deixara Barcelona rumo a Paris e que lá se tornara amigo de dois homens: o escritor e crítico de arte francês Gustave Coquiot e o nosso já conhecido Zuolaga. Ao longo de toda a sua Fase Azul, Picasso pintara, de forma monocromática, telas que ecoavam os azuis sombrios e os brancos acinzentados tão apreciados pelo Grego, e nós pudemos observar as semelhanças em uma das primeiras obras da Fase Azul de Picasso, o Enterro de Casagemas (Evocação), na qual o pintor expressa a dor pela perda de um grande amigo. A composição, desdobrada em dois planos - um celeste e outro terreno - espelhava o Enterro do Conde de Orgaz, que acabáramos de ver, só que saído da paleta do Grego.

Todas as pinturas que Picasso produziu neste período exibem os maneirismos expressivos das cenas, as distorções do corpo e a dinâmica rodopiante do mestre de Toledo. De acordo com um ensaio escrito por Coquiot sobre Picasso, o artista, durante aquele período azul, estivera tão absorto na arte do Grego que decorara todas as suas paredes com fotografias de obras do pintor de Toledo. Que continuara presente na fase seguinte, aquela dita circense e conhecida como Fase Rosa, na qual havia novos amigos como os poetas e escritores como André Salmon e Guillaume Apollinaire, noitadas regadas a vinho e a absinto e muitas mulheres.

Tal fase não foi marcada apenas pelo uso das cores quentes - o oposto da azul - mas também pela leveza dos traços e, indicando claramente as digitais do Grego de novo, as formas mais largas e desproporcionais e motivos que embora fossem mais alegres eram também mais ambíguos. Em Toledo comparamos o São José e o Menino do Grego e a Vendedora de Flores Cega de Picasso e constatamos que muito se assemelham, embora o tema do espanhol nada tivesse a ver com o do grego. A similitude estava, em vez, nas poses das figuras e no tratamento dos espaços.

Enquanto Picasso fazia esse mergulho na sua herança espanhola, as fases impressionista e simbolista do modernismo estavam chegando a um fim e cada vez mais artistas se retiravam da representação naturalista e começavam a olhar para dentro, para um mundo intangível de emoções e estados psicológicos, e o expressionismo se tornou o movimento artístico proeminente. É claro que a arte do Grego ganhou imensa importância com a predominância desse expressionismo, que se caracterizava pela individualidade das obras de arte, morava na visão de cada artista e exigia vitalidade, violência e impacto.

Sem dúvida foram violentas as inovações dos fauvistas, por exemplo, e o Grego se fez presente em vários ismos inclusive nos de Henri Matisse e André Derain, cada vez mais reconhecidos pela criatividade de seus trabalhos. Com suas cores apaixonadas, composições agitadas, ângulos peculiares e intensidade de emoções, as telas do Grego foram interpretadas como desejos de auto expressão, como um retorno para o interior, para o mundo das emoções e espiritualidade e passaram a ser estudadas. Até porque o expressionismo só poderia mesmo favorecer um maneirista que se revoltara contra o naturalismo e o racionalismo da Alta Renascença trezentos anos atrás.

Pelo que podemos intuir também há muito do Greco em três telas que, por sua vez, muito influenciaram Picasso; a primeira delas o Banho Turco de Jean Auguste Dominique Ingres:

Ingres - O Banho Turco


a segunda, A Alegria de Viver de Matisse e, por fim, As Banhistas de Derain. Foi a partir do impacto que recebera destas obras que Picasso elaborou duas outras que são consideradas como preliminares ao seu trabalho revolucionário Les Demoiselles D'Avignon - As Senhoritas de Avignon - que por sua vez, afirmam os doutos, foi inspirado pelo Grego.

Apesar de terem sido concluídas em 1907, As Senhoritas não foram apresentadas à sociedade parisiense até 1916, devido às críticas desencorajadoras recebidas por Picasso de seus amigos, críticos e outros artistas. Publicações parisienses nos deram conta de que, diante das Senhoritas, os críticos de arte “saíram sem entender coisa alguma”, Matisse se sentira “ultrajado” e Braque restara “em estado de choque”, enquanto Derain dissera que tal pintura era um impasse e que, ao fim e ao cabo, um belo dia os amigos ainda encontrariam Picasso pendurado por trás da sua grande tela.(rsrs)

Em Toledo, um dos mais importantes dos debates colocados pela exposição, foi se Picasso estava ou não sob a influência do Grego, ou, mais especificamente, do seu quadro a Abertura do Quinto Selo enquanto pintava as Senhoritas d'Avignon.

El Greco - A Abertura do Quinto Selo / Picasso - As Senhoritas d'Avignon


Vimos prova histórica de que Picasso já se referira à pintura em 1902, durante a exposição do Grego realizada no Museu do Prado naquele ano. Da mesma forma, nos provaram que a pintura estava em Paris, na casa de Zuloaga, um amigo que Picasso visitava amiúde. De resto, são valentes as semelhanças formais e estilísticas entre os dois quadros.

Sem qualquer dúvida, a obra Abertura do Quinto Selo do Grego apelara fortemente ao jovem pintor. Pudera!

A Abertura do Quinto Selo é uma das mais fantásticas obras tardias de El Greco e passa uma sensação visionária. O quadro fora encomendado pelo Hospital de São João Batista, para retratar os versículos IX, X e XI do sexto capítulo do livro do Apocalipse, no qual São João dá seu testemunho da abertura do quinto dos sete selos, aquele que revela o apocalipse. No entanto a obra foi mutilada. Falta a ela a sua parte superior, e a grande pintura já foi muito danificada.

No século 19 o ministro espanhol Antonio Cánovas del Castillo, aborrecido com o estado da tela, a enviou a um restaurador. Foi esse artesão quem cortou cerca de 175 centímetros da parte de cima - o corte é nítido - deixando a figura de São João apontando para o nada. Há quem sustente que a parte cortada mostrava a Abertura do Quinto Selo, daí o nome da obra, também conhecida como A Visão de São João.

Foi só depois da morte de Cánovas, quando a tela foi vendida a terceiros até chegar às mãos de Ignácio Zuolaga, que o interesse dos grandes centros europeus por esta pintura foi reavivado, até por ser o tema mais do que incomum na iconografia cristã.

Os peritos e curadores de arte presentes no evento toledano nos disseram que a parte de baixo, a que hoje conhecemos, mostra o amor profano, enquanto que a do alto, a que desapareceu, mostrava o amor divino. Tudo bem que devemos manter um pé atrás quando se trata historiadores de arte...

Os do século XIX lançaram teses sobre o Grego sem levar em conta o ambiente estético, teológico e poético do tempo em que ele vivera e, sobretudo, sem procurar compreender as particularidades da Toledo mística de então. Alguns chegaram a dizer que ele era louco, megalômano, bravateiro, que só se preocupava em chocar. Tais críticos parecem desconhecer que são parecidas, em espírito, com as imagens do Grego, as descrições nos seus escritos devocionais da experiência mística de Santa Teresa de Ávila, contemporânea do artista.
Mas foquemos na tela em questão: A Abertura do Quinto Selo. O que se vê é a figura exageradamente alongada de São João do lado esquerdo da composição com os braços esticados para o alto, erguidos em êxtase a Deus. Atrás dele, a visão interior terrível da qual só ele é testemunha torna-se visível: os mártires de Deus clamam ao céu por justiça, parecendo flutuar, pálidos e sem peso no fundo, juntamente com os anjos do céu que distribuem os mantos brancos que eles deverão usar quando estiverem finalmente diante do trono de Deus.

As pálidas representações das almas quase não foram individualizadas, e sim alinhadas horizontalmente em um ambiente indeterminado. Parecem estar em um estado de perplexidade de espírito, cercadas por cortinas amarelas e verdes que flutuam em um céu agitado. Uma sétima figura à direita parece estar deslizando para cima, solta do tempo e do espaço, na tentativa de alcançar a túnica branca.

Na falta de equilíbrio e clareza do desenho, a composição desafia as regras da pintura tradicional. Os corpos alongados e a verticalidade usada contradizem as cortinas e as manchas iluminadas de nuvens que formam linhas horizontais onduladas na composição sem que, no entanto, estas linhas construam uma estrutura linear na pintura.

A grande figura de São João está muito perto de nós nesse primeiro plano, quase apresentando a cena no palco para o espectador. O tratamento de profundidade é muito pouco habitual, já que a distância entre as almas delgadas e o São João parece ser grande, devido à diferença na escala de seus tamanhos, mas as dimensões do pano vermelho, jogado por terra entre o protagonista e os figurantes, desmente essa impressão.

A abordagem que o Grego faz da luz e da cor nessa superfície revela a herança veneziana do pintor e reforça a emoção em cada centímetro da cena dramática. Uma fonte de luz deve ter sido providencialmente pintada pelo artista, na parte superior da pintura, ora extraviada, porque embora ela não seja mais visível na cena alguma coisa ilumina São João, as quatro figuras nuas à esquerda e o pano vermelho, enquanto os dois nus ajoelhados à direita estão mais na sombra.

A luz derramada sobre o São João pontua a expressão dramática do rosto do santo, além de sugerir a tensão e movimento, através da interação da luz e do escuro nas pregas intrincadas da roupa do evangelista. Já todos esses tons fortes de vermelho, verde, azul e amarelo aumentam a turbulência do cenário, destacando-se contra os nus pálidos e o fundo amarronzado.

Apesar de ter esse efeito espetaculoso e dinâmico sobre a maior das figuras, a intensidade da luz aumenta a percepção e a sensibilidade do grupo de figuras nuas anormalmente alongadas a ponto de fazer com que elas pareçam desossadas. Talvez esse tratamento sensual dado aos corpos pelo artista, ajude a criar um certo ar de leveza e alívio para as figuras, aumentando a sensação visionária da pintura.

Os coadjuvantes roubam muito da cena, pois parecem estar em constante movimento inquieto para cima, quase como chamas efêmeras. Não só o cenário não é identificável, como parece não haver uma atmosfera em torno das figuras nuas, nem um chão ao qual elas estejam conectadas. O olho nunca deixa de se mover ao redor da tela, e quando se concentra em uma determinada parte logo é atraído para outra.

A sensação teatral da cena, as figuras que lembram chamas e a interação dinâmica dos contrastes de luz e cores, tudo isso desenha uma cena altamente expressiva que sacode o espectador, mesmo à primeira vista. Com todas as suas qualidades expressivas, a Abertura do Quinto Selo nos pareceu ser a pintura na qual o Greco mais pintou ele mesmo.

Já o quadro As Senhoritas d'Avignon de Picasso causou um tsunami nos círculos de arte antes de se tornar revolucionário e fashion. A começar pelo nome. Para começo de conversa o nome da tela faz referência à Calle Avignon, uma rua de Barcelona conhecida por ser ponto de prostituição. Então essas moças aí são mesmo prostitutas e imagem inevitável numa discussão de arte do século XX. É quase impossível exagerar a importância das senhoritas e o profundo efeito que o quadro viria a ter na arte subsequente. Essas moças inventaram o cubismo e, mesmo enquanto o quadro ainda estava sendo pintado, já circulavam por toda Paris boatos sobre a natureza interessante e original da peça.

Les Demoiselles d'Avignon retrata cinco prostitutas nuas em um bordel, em uma tela que é muito semelhante à do Grego, tanto no seu tamanho quanto na sua forma quase quadrada. Uma das figuras, cujo rosto tem feições egípcias, mora do lado esquerdo da tela e com uma das mãos está abrindo uma cortina, ecoando a figura de São João, de perfil na tela original, e também com os braços estendidos para cima. É como se ela nos obrigasse a assistir à cena.

A figura de pé e mascarada à direita também está abrindo outra cortina e, mais uma vez, também as cortinas foram importadas do outro país pictórico. As duas figuras de pé no centro da ação aparecem sugestivamente mais francas e diretas e europeias, encarando o espectador e nos fazendo lembrar as figuras em forma de chamas da tela original, especialmente por estarem de pé e em posturas forçadas.

A figura de cócoras do lado direito foi eternizada em uma posição impossível. A sua cabeça foi radicalmente dividida em duas, uma voltada para o espectador enquanto a outra mira a cena, no nível em que se encontra. É como se a cabeça tivesse realizado um giro de cento e oitenta graus ou como se duas figuras diversas tivessem se fundido, como se um plano frontal e outro dorsal estivessem ocupando o mesmo espaço na tela. As figuras de Picasso estão localizadas nas mesmas paragens centrais ocupadas pelas almas alongadas e distorcidas do Grego e, como suas ascendentes, parecem não ter peso em outro cenário indefinido.

Os corpos foram reduzidos a formas angulares que olham fixamente para fora da tela, duas radicalmente. As formas das figuras são por vezes tão angulares que elas se tornam quase abstratas, especialmente na metade direita da pintura. Como um elemento protocubista a natureza morta desafia a gravidade e toda a pintura se rebela contra qualquer senso de perspectiva, qualquer proporção realista ou qualquer sensação de legítima profundidade.

Uma paleta relativamente pobre é usada nas Senhoritas: o frio azul contrasta com os tons castanhos quentes dando à pintura uma sensação de desconforto geral. Os rostos das mulheres são semelhantes às máscaras: as sobrancelhas, as orelhas e a forma dos olhos combinam-se para produzir uma qualidade mascarada.

Como a Abertura do Quinto Selo do Grego, essa composição assimétrica de Picasso não tem nenhum foco ou equilíbrio. Estamos, mais uma vez, diante de numerosas linhas diagonais formadas pelos corpos das figuras que interagem umas com as outras em um espaço tratado de forma ambígua, com uma profundidade que varia enormemente pela pintura a fora. Cada um dos elementos definidos por essas linhas pretas afiadas na composição parece estar a uma distância diferente do espectador.

As manchas de tinta branca que enfrentam, atrevidas, os tons contrastantes dos corpos refletem aquela outra dramática abordagem que o Grego fizera da cor no seu Quinto Selo, bem como apimentam em negrito com mais ansiedade o já turbulento cenário, que de repente nos faz também pensar no Banho Turco do Ingres. E lembrar que Picasso caminhara uma longa estrada desde o século XVII.

Ninguém pode negar que corre sangue espanhol nas veias do cubismo. Se tentamos definir o que é o cubismo somos forçados a falar da grandeza da composição, da deformação da perspectiva, de uma reanálise do objeto em sua relação com a estrutura pictórica, das sombras fundidas e das transições borradas, e tudo isto é o Grego que pode até ter sido veneziano nas origens e renascentista e maneirista no meio da corrida, mas que pintou magistralmente desde que parece ter decidido ser um cubista em construção (rsrs)

As semelhanças entre as vidas pessoais e artísticas dos dois pintores acrescentam um toque agradável à comparação de estilos. Ambos os pintores tiveram as suas formações artísticas em suas terras natais e, em seguida, saíram de casa para os maiores centros artísticos e intelectuais dos seus tempos. Nativo de Málaga, na Espanha, Picasso alcançou o auge de sua fama em Paris, assim como o Grego encontrou seu nicho artístico em Toledo.

Enquanto a inovadora abordagem do Grego fora alimentada por seu patrimônio bizantino e veneziano e ele se manteve O Grego, Picasso também se inspirara na sua herança espanhola e sempre permaneceu verdadeiramente espanhol. Ambos os pintores formaram distintivos e ecléticos estilos, construindo suas habilidades sobre os mestres do passado. As críticas que ambos receberam também foram muito semelhantes, pois ambos foram ridicularizados e rejeitados por algum tempo antes que suas artes fossem aceitas e valorizadas.

A pintura que intrepidamente marcou o início do cubismo e da modernidade na arte, Les Demoiselles d'Avignon, grita a admiração de Picasso pelo Grego e a sua assimilação do estilo do velho mestre. No entanto, Picasso não plagiou o Grego. A tela As senhoritas de Avignon não é uma réplica da tela A Abertura do Quinto Selo. O que torna O Grego e Picasso tão inovadores é justamente a capacidade de interpretar de um jeito novo e original as influências por eles recebidas de mestres anteriores.

O que nos ficou claro, na magnífica exposição de Toledo, é que o Grego fora um artista moderno porque ele tratara a luz e o espaço irracionalmente e colocara as formas na tela de acordo com a lógica pictórica de seu próprio quadro interno. Diante do Quinto Selo não estamos diante da visão de São João e sim de uma das visões do Grego. Desse grego, cujo nome verdadeiro era Domenico Theotokopoulos, desse pintor que usava uma linguagem visual que ignorava o equilíbrio e a proporção clássicos, o espaço racional e as cores harmoniosas, com um único propósito: expressar seus medos, angústias, amores, sonhos, sua humanidade e, acima de tudo, sua devoção a Deus.

Já o que confere à tela de Picasso a sua força espantosa é o que ele faz com esses corpos e cabeças - a liberdade desenfreada, quase imprudente, com que Picasso as incorpora em sua visão pessoal e as libera para que sirvam às necessidades psíquicas dele próprio. Não sabemos se fez isto de maneira consciente, pois era machista de carteirinha, mas As Senhoritas tornam visível o medo que o artista tinha das mulheres, a necessidade que tinha de dominá-las e distorcê-las e a determinação dele de não se deixar intimidar. Assim, a tela As senhoritas d'Avignon é a visão que Pablo Picasso tinha das mulheres.

A energia era o dom especial dos dois artistas. O Grego e Picasso tinham a capacidade de transformar até os temas mais fortuitos em obras de grande força. Nelas beleza e poder se relacionavam. Se formos capazes de fazer essa ligação entre beleza e poder, então em uma escala podemos colocar o Grego no extremo da beleza e Picasso no extremo do poder.


20 comentários:

  1. Francisco Bendl15/02/2017, 09:25

    Fico pensando com meus botões a respeito deste rumo à modernidade, título que o Pimentel deu ao seu artigo de hoje, repetição dos anteriores em termos de qualidade, cultura e informação, fornecidas plenamente pelo célebre autor.

    Certamente o dia que me perguntarem sobre o que vem a ser moderno, citarei o nome de Moacir Pimentel, onde em plena era de avanços eletrônicos tão sofisticados, ONDE CONTRADITÓRIA E PARADOXALMENTE leva as pessoas a teclar em minúsculas caixas de plástico para se comunicarem, uma espécie de avanço tecnológico do som do tambor usado largamente no passado para enviar mensagens, Pimentel desfila soberano na passarela do conhecimento, ao som de uma bateria de Escola de Samba campeã!

    E aplaudimos delirantemente a sua passagem, o seu ritmo, a sintonia perfeita entre o saber e como transmiti-lo.

    A MINHA NOTA É ... DEZ!


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    1. Moacir Pimentel15/02/2017, 15:23

      Chicão,
      Confesso que jamais pude me espremer naqueles 144 caracteres do Twitter (rsrs) . Sou prolixo de nascença. Pelo andar da carruagem logo desenvolveremos "polegares estranhos" - apud Mestre Heraldo! - e minúsculos para poder melhor teclar em celulares e iPads.
      Quando a "desfilar soberano" isso é exagero desse seu coração nota DEZ.
      Obrigado e um abraço

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  2. Monica Silva15/02/2017, 10:14

    Quem foi que falou que nada se inventa e tudo se copia? Eu não entendo de arte mas consigo ver que a obra do Grego e a do Picasso tem alguns detalhes parecidos, Moacir. Só que eu acho o São João bonito e as Senhoritas feias. Quem pintou estas 'figuras' só podia ter mesmo pavor de mulher kkk Não fique chateado ( seu artigo é excelente) mas é que sobre cubismo para uma analfabeta em pintura como eu só desenhando. Obrigada!

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    1. Moacir Pimentel15/02/2017, 15:41

      Mônica,
      Chateado?! Se você tivesse teclado que achava as Senhoritas "liiiiindas", eu não teria acreditado (rsrs). Picasso assim como os sushis crus necessita de tempo - e muito saquê! - para que o paladar seja trabalhado. E, ao fim e ao cabo ,há quem ame e quem odeie. E isso é muito bom.
      Eu muito aprecio o trabalho dele e conversarei sobre outras modernosas paletas e espero que você continue lendo e comentando.
      Por enquanto só considere o quanto o mundo tem mudado nos últimos séculos. Como ele e com ele, a pintura teve que se transformar, fugir dos temas bíblicos e mitológicos e das naturezas mortas, conversar de um jeito novo, diferente e mais intrigante , por exemplo, do que passou a fazer a fotografia inventada na metade do século XIX, copiando o mundo em p&b melhor do que o melhor pintor poderia.Foi quando os gênios começaram a falar com as cores, com as distorções, com a emoção e a imaginação. E deu no que deu e para onde vamos? Não sei, mas é divertido acompanhar.
      De resto e sobre o "pavor" que Picasso teria das mulheres, o que se sabe é que ele tratou as dele muito mal. Porém, quanto as Senhoritas assustadoras aí do post, talvez seja preciso um pouco de contextualização. Picasso retratou nessa tela prostitutas. Na virada dos séculos XIX e XX elas assustavam mesmo.É que ainda não tinham inventado nem o amor livre nem a pílula nem os antibióticos e o prazer do sexo rolava, para aquela geração, nos bordéis onde a sífilis matava.Uma das vítimas foi o pintor Henri de Toulosse Lautrec.Complicado.
      Obrigado pelo comentário

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  3. Flávia de Barros15/02/2017, 11:38

    Moacir,

    Eu não esperava esse encontro surpreendente de El Greco com tantos outros pintores da modernidade principalmente Picasso. Adorei o artigo. Fantástico! Descobri a obra de Picasso quando visitei o museu dele no bairro gótico de Barcelona por acaso. Foi amor à primeira vista. Então faço apenas uma sugestão. Quando você compara as obras de El Greco com outras dá muita vontade de ver. Sua escrita foi formidável mas ficou faltando visualizar alguns quadros. Parabéns e um grande abraço para você.

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    1. Flávia de Barros16/02/2017, 13:31

      Moacir,

      Amei os quadros! Muito obrigada pela gentileza da resposta e um abraço especial para você.

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  4. Primeiramente (não é fora Temer!), eu teria que estar com a cabeça mais ligada para ler um texto longo do qual não entendo lhufas. Moacir é rei na escrita, gosto do jeito que ele escreve e de como diz o que diz. Mas me faltou interesse aí. Por essas obras. Embora com Picasso no meio.

    Desculpa a sinceridade. Se eu participasse de uma aula, com professor ou professora me mostrando isto ou aquilo, talvez eu me interessasse e muito. Mas assim, falado, ou melhor, escrito, eu vou lá e venho cá. Muita insincera uma avaliação de má entendedora. Quem sabe na próxima eu capricho, consigo sentir alguma emoção, a emoção que o Moacir merece com que todos leiam seu artigos.

    Impressionistas, o homem dos corvos que decepou a orelha e cujo nome -acreditam? - não me vem agora à cabeça de jeito nenhum - o da noite estrelada, ele mesmo, não lembro.

    E também das escultura é mais fácil dizer alguma coisa, porque sinto. Nada aqui 'bole' comigo, como diria minha amiguinha baiana, na infância. Desculpa, Moacir.

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    1. Moacir Pimentel15/02/2017, 16:32

      Ofélia,
      Já me questionei se os meus quiloméééétricos textos de arte não seriam uma leitura árdua e monótona para quem não se interessa por pintura e/ou escultura. O seu comentário me dá uma noção mais exata do que o leitor - aquele que não comenta - pode estar achando dos meus temas. É bom ler o que você sente ou pensa ou não sente nem pensa diante das minhas pretinhas. Que, na minha modesta opinião , só provocarão emoção ou interesse se eu as teclar com vontade e souber do que estou falando.
      Às vezes, em outras paragens virtuais, eu me deparo com autores que são sistematicamente ignorados por comentaristas sem noção , que invadem caixas de comentários para teclar sobre outros temas sem ao menos anunciar um off topic, ou para trocar piadas, ou para postar links sem conexão com o assunto em pauta, como se o autor não estivesse ali , como se o tempo e a energia que o texto lhe tomou entre uma tarefa e outra, entre um afeto e outro, não merecesse respeito, como se para escrever ele tivesse apenas e sem o menor esforço que se ligar nalguma tomada. @#$%&@!!! Não é assim que a banda toca.Escrever, às vezes, é um negócio sofrido.
      Nesse texto que não a tocou, veja você, eu tentei compartilhar uma experiência que vivi ao lado de minha mulher: uma das mais belas e interessantes exposições de pintura que já tivemos o prazer de ver nessa vida. Algo que nos encantou de verdade.
      Se não consegui captar o seu interesse, certamente não foi por falha sua mas minha. Afinal o teclado é meu.
      Então eu gostaria de realmente, de coração, lhe agradecer por tão gentilmente me dizer que no texto nada 'bole' com você e me pedir desculpas.Imagina! Não tem de quê, Ofélia.
      Vou continuar conversando sobre arte porque ela é "a minha matéria", porque ela conversa comigo , porque eu a entendo como uma linguagem uniforme e contínua desde os primórdios da nossa espécie quando os xamãs sujaram de mãos as paredes rupestres. Mas vou repensar, graças a você, a quantidade de parágrafos ou o número de assuntos abordados em cada pauta, por exemplo.
      Espero ser capaz de, na minha estrada, dentro das minhas referências , das coisas que "bolem" comigo,eventualmente, lhe cativar a atenção.
      Obrigado

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    2. Tão educado você que me deixa até sem graça, Moacir. Já falei que não sou versada em arte. E a minha cabeça anda embaralhada demais para ler textos longos, o que consigo fazer se o assunto for a minha praia. Fui sincera demais, não é? Fui sim, e esse comportamento não se justifica, está mais para falta de educação.

      Acho que porque cheguei nos 70 eu tudo me permito. Tudo não, não exageremos. Mas coisas que eu não diria no passado, digo hoje.

      Fiquei constrangida por ter 'desfeito' algo que você se deu ao trabalho de fazer, não bastou ligar na tomada. Sei que não bastou. Já li outros textos seus que muito bem me fizeram.

      O de hoje, infelizmente, não.
      O que atribuo, sem NENHUM EXAGERO e SEM QUERER AGRADAR, a mim mesma.

      Alguma coisa está fora da ordem na minha cuca. Uma delas é a preguiça intelectual que toma conta de mim quando o assunto não invade a alma.

      Da próxima, prometo silenciar. É mais educado, mais digno.

      Porque você sabe e TEM CERTEZA de que o problema é meu.
      DESCULPA, foi uma grosseria.
      Até a próxima, se Deus quiser.
      Ofelia

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    3. Moacir Pimentel16/02/2017, 09:09

      Ofélia,
      Nada a ver. Você foi educada sim e eu gostei do comentário e não se justifica o seu constrangimento por "ter desfeito algo que você se deu ao trabalho de fazer".
      Até porque não se "desfaz" nada. É justamente o contrário : todos acrescentamos fios a essa "conversa".
      Os do Oriente dizem que " somos a teia e quem a tece, somos o sonho e o sonhador".
      Acredito nisso e digo mais : somos as telas e os textos.Todas essas mensagens estranhas e alienígenas, radicalmente abertas e inacabadas - e até sem orelha! (rsrs) - nas quais nos projetamos e continuamos pintando ou escrevendo com as nossas próprias tintas.Talvez seja esse o poder das obras de arte : como se recusam a terminar nos forçam a vê-las e a nelas vislumbrar a nós mesmos.
      A única maneira autêntica e honesta de terminar esse bate teclas é no meio de uma frase, sem fechamento, mantendo as janelas abertas. O jeito é respeitar nas telas e nos textos e em nós mesmos a infinitude. E olhar de novo e ler mais uma vez e continuar "conversando "....

      O Constante Diálogo

      Há tantos diálogos

      Diálogo com o ser amado
      o semelhante
      o diferente
      o indiferente
      o oposto
      o adversário
      o surdo-mudo
      o possesso
      o irracional
      o vegetal
      o mineral
      o inominado

      Diálogo consigo mesmo
      com a noite
      os astros
      os mortos
      as ideias
      o sonho
      o passado
      o mais que futuro

      Escolhe teu diálogo
      e
      tua melhor palavra
      ou
      teu melhor silêncio.
      Mesmo no silêncio e com o silêncio
      dialogamos.
      ( Carlos Drummond de Andrade )

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    4. Oi Moacir,
      Drummond é sempre um soco no peito, não do tipo que faz o coração colapsado voltar a bater, como obra dos médicos que ressuscitam os 'quase idos'. Mas ele bole com o pulso, com certeza. "Mesmo no silêncio e com o silêncio/ dialogamos." Quem pode com um mineiro desse?

      Não sei se já contei aqui. Como sou católica (fui praticante) e sentia culpa por um relacionamento que não deveria ter, ele era casado, mas eu não conseguia me arrepender da relação (não é propaganda não, hem, gente?). E quem entende de catolicismo sabe que para a absolvição do padre é necessário o arrependimento. Chorei muito, mas tive que dizer ao padre que não me arrependia, não havia como. E o sábio padre me deu uma pista do que fazer. "Minha filha, o ladrão rouba, vem aqui e diz que se arrependeu, e depois volta a roubar". E eu, ágil nas palavras: "Então eu me arrependo, padre!"

      Deveria ser proibida a sugestão, mas era um padre especial, meio Jesus. E eu continuei fiel ao 'pecado' e à igreja. Até deixar de pecar. Mas não foi por influência do padre não.

      Sinto muita admiração por padres assim, que não fecham a porta. Eles mantêm a nossa fé e não nos afasta da igreja.

      Você também não me afastou dos comentários, não reagiu mal. Nesse caso, é você que vai pro céu, rsrs...

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    5. Moacir Pimentel17/02/2017, 09:05

      Ofélia,
      Esse padre devia conhecer o Eclesiastes de cor e salteado - "Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu ".
      Quem sabe ele não era um desses " anjos tortos" que Deus inventa, de vez em quando, está muito comovido e manda "ser gauche na vida" ?
      Como não sei rezar duvi-d-o-dó que eu alcance o céu, mas seja lá onde for , vou querer morar na geral , sentar na arquibancada, no gargarejo, defronte da tchurma dos poetas:

      "O perdido caminho, a perdida estrela
      que ficou lá longe, que ficou no alto,
      surgiu novamente, brilhou novamente
      como o caminho único, a solitária estrela.

      Não me arrependo do pecado triste
      que sujou minha carne, como toda carne.
      O caminho é tão claro, a estrela tão larga,
      os dois brilham tanto que me apago neles.

      Mas certamente pecarei de novo
      (a estrela cala-se, o caminho perde-se),
      pecarei com humildade, serei vil e pobre,
      terei pena de mim e me perdoarei.

      De novo a estrela brilhará, mostrando
      o perdido caminho da perdida inocência.
      E eu irei pequenino, irei luminoso
      conversando anjos que ninguém conversa.

      CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
      Brejo das almas, 1934

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    6. Ah, Moacir...
      "Conversando anjos que ninguém conversa" é um dos meus versos preferidos do Drummond (são tantos!). Desobstrui qualquer coisa lá dentro...
      Bom dia e obrigada
      Ofelia

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  5. 1) No primeiro quadro, Agonia de Jesus, fico a meditar; como deve ter sido difícil este momento. Cristo ver mais adiante sua morte chegar. Homem de coragem.

    2)No segundo quadro, belo momento, alegria da concepção, anjos em volta.

    3) Só aí nos dois quadros acima vemos a morte e a vida. Diálogo que Pimentel nos propõe entre a Modernidade e o antigo.

    4) Imagens seguintes: El Greco e Picasso, continuando o Diálogo tão bem exposto por Moacir.

    5) Demais quadros complementam a meu ver este Diálogo, ests conversas.

    6)Por falar em 100 mil visitas ao Blog (parabéns Mano)vejo multidão aparece em Zuloaga e no banho turco em maior profusão.

    7)Mais dois quadros dialogando com base no Quinto Selo do Apocalipse.

    8)E eu ouvindo/lendo os Diálogos, e aprendendo muito

    9) Parabéns pintor Pimentel palavras plenas.

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    1. Moacir Pimentel16/02/2017, 08:43

      Vizinho Antônio,
      Penso como você: as telas são conversas. De gente que tem tanto a dizer que inventou um outro jeito, uma outra linguagem colorida para contar "estórias". Talvez o maior presente das obras de arte seja essa percepção que nos comunicam de que os eternos aprendizes não "conversam" à toa.
      Muita"gratidão"

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  6. É preciso saber muito para colar os dois pintores. El Grego e Picasso.
    Post genial, Moacir.

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    1. Moacir Pimentel16/02/2017, 08:54

      Carlos,
      No meu tempo de estudante "colar" era se apropriar da prova do colega ao lado - o 1o da classe! Se foi esse o sentido que você deu ao verbo que usou, que Picasso teria copiado El Grego, eu discordo. Se em vez quis dizer que Picasso olhou para o passado antes de inventar o futuro, assino embaixo. Abração e muito obrigado por comentar.

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  7. Olá Sr. Professor Moacir,
    Vou inverter tudo, nós todos, leitores, estamos de parabéns por podermos usufruir de uma aula fantástica. Eu, principalmente, que estava ansiosa pelas digitais de El Greco. Tive surpresas, que bom! Tipo Orfismo, Surrealismo, Francis Bacon... Não imaginava que El Greco tivesse ido tão longe. Mas como você já disse ele é um inovador como Cèzanne, só que na Idade das Trevas!
    Gostei muito de "O precursor de tanta modernidade angustiada..."
    Até muito mais.
    Você não acha que é hora de outra escambo!

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    1. Melhor: outrO escambo!

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    2. Moacir Pimentel16/02/2017, 08:50

      Caríssima Donana,
      Saber que a senhora gostou e que se "surpreendeu" com as digitais do Grego na modernidade, me deixa menos
      "angustiado". Fiz no texto uma sutil homenagem à inventora dos "velhinhos em formação", descrevendo o Domenikos como "um cubista em construção". Foi tão sutil que passou batida (rsrs)
      Quanto a um novo "escambo"...
      A senhora acha pouco a pororoca das pretinhas e o escambau?
      Abraço

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