Vila Mimosa (imagem huffingtonpost.com - pininterest) |
Antonio Rocha
Para quem não mora na “Mui Leal e Histórica Cidade de São Sebastião do
Rio de Janeiro”, este era o antigo e oficial nome da Cidade Maravilhosa; Vila
Mimosa é a “Zona de Baixo Meretrício”. Coloquei entre aspas porque imagino deve
haver uma “Zona de Alto Meretrício”, mas confesso não saber onde fica...
A questão é a seguinte. Belo dia percebi que eu era um estudioso das
questões ligadas ao Budismo, Orientalismo e suas diversas vertentes e nada
conhecia do Cristianismo. Melhor dizendo, só conhecia o pouquíssimo, em função
de ter nascido aqui no Brasil, um país majoritariamente cristão.
Decidi então estudar no Seminário Presbiteriano, pois sendo casado e com
filha, não poderia ir para um seminário católico, se bem que hoje os católicos
realizam cursos teológicos para leigos. A decisão pelos presbiterianos é que
tenho amigos protestantes.
Então, lá fui eu... não me ordenei pastor, desde os dezesseis sou
budista e queria apenas estudar Teologia, paralelamente fazia o Mestrado na
Faculdade de Letras da UFRJ.
Belo dia recebi a tarefa de conduzir um “culto no lar”, em Vila
Mimosa... explico:
É uma rua ali perto da Praça da Bandeira, por trás de um antigo quartel
do Corpo de Bombeiros. Metade da rua funciona a tal Vila Mimosa, no meio tem
uma cerca de arame e na outra metade da rua são residências familiares, mas a
rua que dá acesso é uma só, pelo menos era, não voltei mais lá. E cada um ou
uma, vai para um lado ou para o outro...
Então lá fui eu para o outro lado, pós cerca. Talvez venha daí a
expressão “pular a cerca”, não sei, não posso garantir...
Havia uma família humilde que morava no citado lado pós cerca e
pertenciam à Igreja Presbiteriana.
Nessa época eu tinha uma pequena Bíblia de bolso (depois passei adiante,
pois as letras eram muito pequenas), que cabia perfeitamente dentro da minha
pochete. Guardei a referida na cintura e, no Centro da Cidade fiz sinal para um
táxi.
O veículo parou, entrei no banco de trás e disse o meu destino, uma rua
tal que esqueci o nome... o taxista me olhou pelo retrovisor, esboçou um
sorriso e falou:
- Por que você não diz logo que vai na Zona?
- De fato – respondi – mas duvido você adivinhar o que eu vou fazer lá?
- Ué! ... vai fazer o que todo mundo faz.
Foi a minha vez de sorrir. Abri a pochete e mostrei a Bíblia:
- Vou fazer um culto lá! – declarei sorrindo.
- É a primeira vez que eu vejo uma coisa dessas, nunca vi isso.
- E olha, você está convidado para assistir, depois as irmãs preparam um
lanchinho com sucos, refrescos, salgadinhos, docinhos – expliquei.
- Bem que eu gostaria, mas se o táxi parar, minha diária fica
prejudicada.
- Fique tranqüilo, me diga seu nome, que durante as orações farei
referência a você, pedindo bênçãos para o seu trabalho.
- Amém! – exclamou o taxista – E as meninas do batente aparecem lá? –
perguntou:
- É a primeira vez que vou, mas a informação que obtive é que algumas
sempre aparecem. A cerca não isola toda a rua e, afinal de contas, a
Constituição nos recomenda “o Direito de ir e vir”.
- Isso é que é Democracia, até na Zona somos livres!
Data? Estávamos no comecinho do século XXI...
Vizinho Antônio,
ResponderExcluirÉ o seguinte: muito padeci indo da Zona Sul para a Praça da Bandeira e vice versa para ganhar o pão de cada dia cinco vezes por semana. Desde 1988 que não volto naquelas paragens. Jamais botei os pés na Vila Mimosa desse ou do outro lado da cerca com ou sem pochete na cintura - tá lôco, meu?!! - mas pelos nativos que via desfilando nos botecos das imediações onde, quando a grana andava curta - o que acontecia com frequência! - o jeito era almoçar um sanduba de mortadela, LOUVO a sua pregação a domicílio, onde eu não "pregaria" de jeito maneira, nem que fosse para livrar meu pai da forca. Graças a Cristo que você desistiu dessas "tarefas" insalubres e se manteve VIVO e esperto no caminho do meio!(rsrs)
Abração
1)Pois é Moacir, a vida tem cada uma ... vivendo e aprendendo.
Excluir2)Eu, algumas vezes, fui "pregador" por aí,só não andava de paletó e gravata, pregava de camiseta e jeans. Meu sonho era ir para o púlpito de bermudas, mas achavam que assim era demais...
3)Vc tem razão, o "caminho do meio" tem um duplo sentido tântrico ...
Vila Mimosa ainda existe, Antonio?
ResponderExcluirFaz tempo que não passo sequer pela Presidente Vargas.
Lembro de que entrevistei a Gabriela Leite. Não sei se o nome é este. Não sei mais o que ela fazia para eu entrevistá-la. Tinha um cargo que a referendava entre as iguais, prostitutas ou ex, caso dela.
Lembro das unhas longas, vermelhas, e do perfume quase entranhado nela.
E da serenidade, da simpatia.
Muito homens, ouvi dizer, iam até as prostitutas para conversar, ouvir conselhos e desabafar. Não sei se é verdade. Mas tive um colega de jornal que tinha total reverência por elas.
A conversa me faz lembrar que sempre tive muita sorte ao sair de carro. Uma das vezes o carro pifou na Presidente Vargas (perto da Vila Mimosa) e eu tive a sabedoria de encaminhá-lo para uma das muitas pontezinhas que cruzam o Canal do Mangue. Parei o carro, tudo muito escuro, era noite, eu voltava do jornal. Não é que ao olhar pra frente, para o outro lado da rua, para a pista do canto,junto ao casario velho, dei de cara com um pneu pendurado e uma lâmpada dentro? Atravessei (meu Deus, como eu tinha coragem!), fui lá. Era um mecânico, que me acompanhou e fez o carro andar, meu 'caixotinho', como apelidou um colega de trabalho. Era um Fiat 147, que ganhei zero.
Mas o mecânico acho que não acreditou que aquele fosse o meu carro. Disse que às vezes a gente deixa o outro carro em casa e usa um para trabalhar. Acho que queria dinheiro. Só podia ser.
Nunca entrei na rua da Vila Mimosa (era uma rua?). Mas lembro de que meu pai muito antigamente pegara vidro por ali, de carro. Os tais vidros que ele curvava para botar nos relógios.
Preciso passear pelo Centro, ver como estão as coisas após a derrubada da Perimetral. Mas, se for, acho que irei de táxi, para não me preocupar com nada, a não ser em ver o mar, o que foi feito dos armazéns antigos que serviam de barracão para escolas de samba.
Vem aí o carnaval. Do qual, aos 15, 16 anos já gostei muito. E pulei muito.
Tudo passa. Meu carnaval passou.
Acho que a Vila Mimosa também. Não passou não, Antonio? Tem certeza?
1) Oi Ofélia, ali onde o seu carro quebrou era a parte antiga, com o novo prédio da Prefeitura, Vila Mimosa mudou para o outro lado do viaduto, justamente onde descrevi: Praça da Bandeira, atrás de um artigo quartel dos Bombeiros, onde hoje é a Defesa Civil.Para quem não mora no Rio esclareço que, o novo prédio, sede administrativa da prefeitura, é conhecido como "Piranhão".
Excluir2) Tudo passa, mas Vila Mimosa só passou de um lado para o outro, continua lá, pois é uma instituição, em todo o mundo, me parece, duradoura...
3)Conheci a Gabriela Leite, através de um amigo psicólogo,foi nos anos 1990, ela era fundadora e presidente do Sindicato das Prostitutas, nessa época eu fazia parte da antiga CGT - Central Geral dos Trabalhadores, eu era gráfico e professor.
4)Várias vezes conversei com ela, era formada em Ciências Sociais e continuava prostituta, dizia que era a missão dela, educar e ajudar as "meninas do batente". Ela casou mais de uma vez e tinha netos, publicou um livro antes de falecer há uns 2 anos, título da obra: "Mãe, Avó e Puta" (desculpem, mas é o título).
5) Na época em que as elites paulistanas frequentavam uma loja caríssima chamada "Daslu", a Gabriela fez uma ONG chamada "Daspu", existe até hoje e vez por outra fazem desfiles de moda, até algumas atrizes globais já desfilaram à noite, na Praça Tiradentes, uma espécie de sucursal da Vila Mimosa.
6) Tenho o maior respeito por essas "meninas do batente" (chamo assim, o termo vem da minha infância). Qualquer dia conto para vcs a história de uma prostituta que era discípula de Buda. Ele nunca censurou... (Jesus tb nunca censurou).
Divertidos os relatos de Rocha quando se reportam à vida cotidiana, aos casos diários que enfrentamos.
ResponderExcluirA dedução do taxista foi simplória apesar de, sem dinheiro na “zona”, decididamente não seria tão livre ou democrática assim.
Porém, independente de quem se trata, se um pecador ou recatado, a Palavra de Deus é respeitada e acatada, mesmo que contraditoriamente em locais onde certamente Ele não aprovaria, do sexo comprado, da mulher sendo humilhada, subjugada, sujeita às taras e fetiches muitas vezes nada recomendáveis porque violentos!
Um abraço, Rocha.
Saúde e paz, meu caro.
1) Salve Chicão, obrigado.
Excluir2) Um dos sucessos do Protestantismo é que eles instalam igrejas e pontos de pregação onde ninguém menos espera.
3) Uma vez aprendi com os Batistas dos EUA em um anúncio: "Na esquina prostitutas e gays, do outro lado traficantes de crack e ladrões = que ótimo lugar para se abrir uma igreja !"
4) Lembrando-se do apóstolo São Paulo: "Condenamos o pecado, e não o pecador".
Olá Antônio,
ResponderExcluirVocê é divertido e um pouco doidinho. Pregar na "zona"?
Talvez mais divertido que ensinar xilo na cracolândia...
As"meninas do batente" apareceram? E a pregação, como foi?
Bom passeio para os dois.
Até mais.
1)Oi Ana, acertou em cheio, sou meio divertido e doidinho.
Excluir2)Ensinar xilo na cracolândia deve ser uma barra pesadíssima, não me atrevo...
3)As "meninas do batente" não apareceram. A pregação foi boa, dentro do esperado. Mais adiante teve uma menina que se converteu, até fazia depoimentos...
1) Justiça seja feita, a ilustração é ótima, captou bem o "espírito da coisa"...como se dizia antigamente.
ResponderExcluir2)O editor Mano é um democrata e aceitou os termos que escrevi... parabéns !
3)Obrigadíssimo !