Wilson Baptista
Junior
Numa entrevista alguns anos atrás ao jornal “The
Independent”, o alpinista inglês Kenton Cool, um montanhista experimentado que
já subiu dez vezes ao topo do monte Everest, pediu que a quantidade de
montanhistas querendo subir a montanha mais alta do mundo fosse limitada.
Cool, que é um dos diretores da Dream Guides, uma
empresa que organiza subidas ao Everest, disse que ficou estupefato ao ver uma
fotografia mostrando filas de centenas de turistas pagantes tentando chegar ao
topo. Algumas empresas, segundo ele, “oferecem a subida numa bandeja” a
turistas sem a experiência necessária de alta montanha, que pagam até sessenta
mil libras pela oportunidade. Só em 2012 pelo menos quinze pessoas morreram nas
encostas da montanha. Em 2014 foram dezesseis, em 2015 dezenove. Nos sessenta
e cinco anos desde que o Everest foi conquistado pela primeira vez até 2012,
mais de três mil pessoas já chegaram ao seu topo. Pelo menos duzentas e oitenta
e sete morreram tentando, cento e setenta delas nos últimos vinte e cinco anos.
Desde 1977 não se passou um ano sem que uma ou mais
pessoas morressem tentando subir a montanha.
Eu ia fazer oito anos em 1953 quando li nos jornais a
notícia de que Tenzing Norgay e Edmund Hillary tinham afinal conseguido subir
ao alto do Chomolungma, a “Mãe Sagrada”,
que é como os tibetanos chamam o Everest, e voltar em segurança. Me lembro até
hoje da minha sensação de maravilhamento ao saber que afinal o ponto mais alto
da Terra tinha sido atingido, depois de mais de trinta anos de tentativas sem
sucesso. Em 1924 George Mallory e Andrew Irvine tinham desaparecido durante a
última etapa de uma tentativa, e desde esta data se discute se eles conseguiram
ou não chegar ao topo antes de morrer. Só em 1999 o corpo de Mallory foi
descoberto por uma expedição organizada expresssamente para tentar descobrir a
verdade, mas a posição e o local onde o encontraram encontrado deixam dúvidas
até hoje se ele estava subindo ou descendo.
De trinta e cinco anos para cá, com a maior facilidade
de se chegar até a base da montanha, e a disponibilidade de equipamentos
aperfeiçoados, começou e se ampliou a comercialização da subida da montanha, na
qual, segundo Reinhold Messner, um dos dois primeiros montanhistas que
conseguiram fazer a ascensão sem o auxílio de cilindros de oxigênio, pessoas
com muito pouca experiência são quase que “carregadas” até o topo pelos guias,
em expedições nas quais o material de acampamento, a alimentação, os cilindros
de oxigênio, são levados e cuidados pelos auxiliares, e os guias vendem aos
seus clientes a ideia de que se trata de uma excursão sem riscos. Como se não se devesse mais respeitar a montanha mais alta do mundo, cujo pico está muito além da "zona da morte", a altitude em que o ar é tão rarefeito que nossos organismos não encontram mais a quantidade de oxigênio de que precisam para funcionar, e em que o frio e o vento são inimigos mortais.
Em 1996 uma tempestade surpreendeu um total de trinta e quatro pessoas tentando chegar ao topo, matando oito, e elevando o total daquele ano a quinze mortos. Jon Krakauer, um cinegrafista que fazia parte de uma das expedições, escreveu um livro impressionante, “Into Thin Air”, publicado no Brasil como "No Ar Rarefeito", expondo as razões do desastre.
Em 1996 uma tempestade surpreendeu um total de trinta e quatro pessoas tentando chegar ao topo, matando oito, e elevando o total daquele ano a quinze mortos. Jon Krakauer, um cinegrafista que fazia parte de uma das expedições, escreveu um livro impressionante, “Into Thin Air”, publicado no Brasil como "No Ar Rarefeito", expondo as razões do desastre.
Ralf Dujmovits, um alpinista alemão, tirou em maio de
2012 a fotografia que horrorizou Cool, mostrando a imensa fila de pessoas
subindo pela face Lhotse do Everest. Foi publicada
no site “Outside”.
fotografia Ralf Dujmovics (Outside) |
Dujmovits disse aos repórteres: “Tive a forte sensação
de que nem todos voltariam. E me enchi de tristeza por esta montanha, pela qual
sinto um imenso respeito. As pessoas a estão tratando como se fosse uma peça de
equipamento esportivo, e não uma força da natureza”.
Nos cinco ou dez dias seguintes à fotografia morreram
quatro pessoas.
Um vídeo (também publicado no Outside) mostra a fila
de montanhistas subindo sem cessar, de dia e de noite - nas cenas tomadas à noite pode-se
ver a fila de luzinhas subindo a crista da montanha:
O
vídeo pode ser visto em maior tamanho direto no You Tube:
Messner disse em 2004 (citado na Wikipédia): “Antes, você podia morrer em qualquer das ascensões. Isto significava que você era responsável por você mesmo. Nós éramos montanhistas de verdade, cuidadosos, atentos e até amedrontados... Descobríamos como éramos frágeis, fracos e cheios de medo. Você só descobre isso se se expõe a grandes perigos. Eu sempre disse que uma montanha sem perigo não é uma montanha. Agora, o alpinismo de grande altitude se transformou em turismo e espetáculo. Estas ascensões comerciais ao Everest ainda são perigosas, mas os guias dizem aos clientes: Não se preocupem, é tudo organizado...”.
Mas a Mãe Sagrada continua e continuará sempre a mesma -
forte e insensível na sua imprevisibilidade. E as pessoas continuarão morrendo
em suas encostas, só que muitas, agora, surpresas e talvez revoltadas pelo
inesperado do perigo, e sem saber muito bem o que foram fazer lá...
A
reportagem do "The Independent" está aqui:
1) Belo texto Wilson !
ResponderExcluir2) Esportes radicais são para poucos.
3) Uma irresponsabilidade dos promotores desse evento e dos que se aventuram nessa caminhada.
4)Himalaia é um local sagrado para budistas, assim, preferimos escalar o Himalaia interior, dos nossos meandros, dos nossos labirintos.
Obrigado, Antonio.
ExcluirA busca do lucro pelos promotores destes pacotes de escalada é realmente uma irresponsabilidade para com os clientes e os guias sherpas (que morrem também). Uma coisa é a gente correr riscos por decisão e vontade próprias, outra muito diferente colocar outros em risco, principalmente sem que eles tenham a real dimensão destes riscos. A natureza é uma mãe dadivosa mas cruel e imparcial, é preciso respeitar suas manifestações.
Antônio,
ExcluirBelo Himalaia esse do interior, dos nossos meandros , dos nossos labirintos!
Até lá.
Wilson,
ResponderExcluirParabéns!Um post excelente com um vídeo impressionante que me trazem boas lembranças. Quando eu era menino o meu herói era o Marco Polo e desde que assisti, na televisão, um filme em b&w de nome Horizonte Perdido desejei com vontade absoluta ver o Himalaia e conhecer os seus Shangri-las.(rsrs) Depois eu li o romance da lavra do James Hilton e vi a nova versão colorida do filme que ainda tenho gravada em vídeo e passada para DVD.
Há muitas boas razões para se visitar o Nepal, incluindo o povo amigável, os templos, a herança cultura e as bandeirinhas coloridas que o nosso budista já nos explicou serem preces ao vento. Mas eu estive no país várias vezes por um simples motivo: a maneira mais barata no final dos anos 70 de se ir de Roma, onde eu estava, para a Índia e /ou a Ásia, onde queria estar, era voar pela Biman Bangladesh Airlines com escalas em Dubai e Kathmandu antes de Daca. Kathmandu era o meu portão de entrada e de saída da aventura.
Antigamente o Nepal era simplesmente um paraíso para os viajantes expatriados, porque tinha um café que pertencia a um austríaco casado com uma garota nepalesa, defronte do Templo de Shiva, no Dubar Square, bem no centro de Kathmandu, onde todos devoravam compulsivamente tortas de chocolate e apfelstrudels bebericando chá.(rsrs) Maravilha depois de meses comendo vegetais nadando em mares de chilli. Se você esquecesse as bicicletas e os raríssimos carros, tinha a certeza de ter voltado no tempo, até a Idade Média.
Mas a maior atração de todas era mesmo o Everest porque superar limites é da natureza humana. Então... em 1978 a galera que tinha muita grana e coragem já fazia trekking para valer embora o turismo fosse sustentável e o esporte feito com responsabilidade e eu jamais tenha ouvido falar de tais engarrafamentos humanos.
A bem da verdade , apesar do meu grande espírito aventureiro, eu me dei por muito feliz de olhar de loooooonge para Shangri-lá. Há vários lugares no Nepal que oferecem vistas deslumbrantes e seguras do Himalaia. O mais badalado desses points era Kala Patthar, perto do Everest Basecamp, onde não estive. Bem perto de Kathmandu - umas duas horas de ônibus - tinha uma minúscula aldeia de nome Nagarkot no topo de uma montanha e cercada por arrozais de onde a visão já era deslumbrante. Mas não me contentei e fui até Pikey Peak - dizem que o Hillary o considerava o melhor local no Nepal para se contemplar o Everest - de onde e de praí uns quatro mil metros de altura se vê além da Mãe outros colossos circundantes como as montanhas de Dhaulagiri e Kanchenjunga. Levei sofridos dezoitos dias para chegar lá tendo como único conforto o meu saco de dormir. Mai piu!
Jamais voltarei ao Nepal. Fiquei de olhos mareados vendo as imagens daquele terremoto que acabou com o belo país. Mas todas as vezes que, na Serra da Estrela, me deparo com as maias amarelas , lembro com saudades de lá. É que havia maias naquelas longínguas serras nepalesas.
Abraço
Olá,
ExcluirAlém da poesia e das suas pretinhas , você é sempre uma surpresa!
Por tudo,até mais.
Moacir, você, com a sua experiência de guiar os outros e tendo visto a Mãe de perto, pode avaliar bem o crime dos empreendedores turísticos responsáveis por esta massificação de uma aventura que deveria ser reservada aos capazes de se prepararem de corpo e alma e de respeitarem o tamanho do desafio.
ExcluirEu também queria ser montanhista, mas minhas ambições de juventude eram apenas do tamanho do Matterhorn :) E acabei ficando apenas pelos altos de algumas serras brasileiras antes que meu coração me proibisse os esforços em altitude. Nunca estive nem perto do Himalaia. Mas viajei muito nas minhas leituras com desde Tartarin no Monte Branco até aqueles que subiram como alpinistas de verdade os picos mais altos do mundo.
Um abraço do
Mano
Caro Wilson,
ResponderExcluirOntem foi impossível eu escrever uma letra que fosse no micro.
Mas, acredito que eu não esteja de todo atrasado para elogiar este artigo bem feito quanto adequado e interessante à proposta do Conversas do Mano.
Entendo subir ao Everest como um desafio para muito poucos.
E é claro que o sujeito deve ter um mínimo de treinamento para alpista, além de um certo talento e determinação.
Pois a mãe sagrada tem sido desrespeitada e cobra essas ofensas de forma plena, tirando a vida dos mais afoitos e despreparados, como uma espécie de alerta sobre a imprudência e a imperícia do ato de escalar a maior montanha do planeta!
O problema é que o ser humano não aceita limites.
Já comentamos neste espaço cultural as profissões que Deus não deve ter imaginado que a Sua criação fosse um dia surpreendê-lo, e comento respeitosamente:
O surfista de grandes ondas, uma pessoa que não pode ser apenas humana;
O cara que faz rali de moto ou proporciona para os espectadores os saltos onde ele se desprende da moto para, em pleno ar, buscá-la e sentar-se no selim para concluir o salto inimaginável;
Os mergulhadores, tanto como esporte quanto profissão (alô Ana);
Os pilotos de F 1 e F Indy, que andam perto de 400 km horários!
Evidente que existem aquelas profissões onde a inteligência é exigida:
pesquisadores, engenheiros eletrônicos, médicos e cirurgiões de transplantes de órgãos, arquitetos ... mas o risco de vida é muito menor que as peripécias citadas acima, que não abrem mão da coragem exacerbada, talento indiscutível, audácia incomparável, e uma autoconfiança extraordinária!
No entanto, a Natureza cobra o seu pedágio quando o ser humano exagera, e ela é implacável nesta cobrança, que é a vida do ousado.
Enfim, subir ao Everest é uma das maiores aventuras que o ser humano pode experimentar e viver, seja pelo risco de sua vida, seja para contar à posteridade um dos feitos de maior repercussão que alguém pode contabilizar.
Por exemplo, a cada artigo meu que registro neste oásis cultural, é uma subida minha ao pico mais alto da minha inteligência.
Conversas do Mano tem sido o meu Everest, e sinto que muitas vezes sequer passei a primeira base, lá pela metade da sua altura!
Parabéns Wilson, pelo artigo excelente, fotos e vídeo.
Um forte e fraterno abraço.
Saúde paz.
Chicão, graças a Deus que a alma humana não aceita limites, e é por isso que a trancos e barrancos a raça humana tem conseguido coisas que pareciam inalcançáveis aos nossos avós.
ExcluirMas me parece às vezes que a estupidez humana também não aceita limites, como é o caso dos que se aproveitam da inexperiência e dos sonhos dos outros para lucrarem com essas expedições irresponsáveis. Ajudados pela facilidade que temos hoje para criar sonhos e expectativas através da mídia.
E, passando para assuntos mais agradáveis, nem você nem nenhum de nós que aqui escreve descobriu ainda seus limites com as canetas ou os teclados, e é isso também, ainda que não o percebamos, uma das coisas que nos faz continuar tentando.
Um abraço do Mano
Wilson,
ResponderExcluirRelendo o meu comentário acima, percebi o lapso que cometi, pelo qual peço meu perdão.
No 4º parágrafo, onde escrevo "treinamento para ALPISTA ..."
É óbvio que o correto deve ser ALPINISTA!
Grato pela compreensão.