Antonio Rocha
O telefone toca, era 1979, uma grande amiga, já falecida, diz para
Heloisa:
- Olha, fala para o Antonio que
conseguimos uma passagem de navio para ele, um cargueiro do Lloyde Brasileiro,
vai sair de Santos, na noite de 31 de dezembro, vai pagar só os custos.
Quando Heloisa ganhou a bolsa da Fundação Calouste Gulkenkian era só
para ela e naturalmente, incluía passagens de avião.
Conversa vai, conversa vem, uns grandes amigos indicaram o meu nome, fui
aprovado. Surgira uma vaga, ninguém quer viajar na virada no ano. E navio não
pode esperar muito no cais do porto, pois as taxas são caríssimas.
Arrumei tudo rapidinho e embarquei em Santos. Navio imenso, chamava-se
“Itaité”. Fiquei na ala dos oficiais, com um camarote só para mim. Fiz grandes
amigos. O pessoal da Marinha Mercante é tudo gente boa.
O navio tinha uma carga perecível e precisava entregar logo em Londres,
mas precisamente em Tilbury. Lá fui eu passear nas Terras da Rainha.
O pessoal de bordo, do mais simples marujo até o Comandante, todos
pessoas ótimas.
A primeira vez que andei de navio foi aos quatro anos, de Recife para o
Rio de Janeiro. Lembro de poucas coisas. Mas dessa vez, já adulto, mareei
bastante. Marear na linguagem de bordo era ficar enjoado. Tive que ser atendido
na enfermaria do navio e tomar injeção.
Então, conversando com um jovem oficial, todos muito jovens, me disse
que: “Coca-Cola evita o enjôo”. Eu
não sabia de nada, fiz as malas às pressas, embarquei para não perder a vaga.
Navio cargueiro não tem cantina para vender algo.
Assim, cada dia, eu pedia uma latinha do refrigerante a um oficial
diferente. Eu disse que pagava, mas ninguém quis me cobrar. Caridosos amigos.
Ficamos vinte dias até a Inglaterra. Tinha meu livrinho de inglês de
viagens e por isso, honrosamente, falo até hoje que o meu inglês é de cais do
porto.
Tinha os oficiais de máquinas, que ficavam lá embaixo, nas caldeiras, me
ensinando tudo, como se eu fosse um aprendiz, e de fato era. Tinha o pessoal de
náutica que ficava lá no leme, lá em cima, me ensinando a traçar na carta o
percurso da belonave. Aprendi a contemplar o radar. A diferenciar os tipos de
mares desde o tranqüilo Mar de Almirante até ondas maiores que pegamos na
entrada do Mar do Norte. O Vento Polar Ártico, uma geleira.
Bem antes disso, quando passamos o Arquipélago de Fernando de Noronha
veio um helicóptero da Marinha do Brasil fazer a vistoria. Estava tudo bem,
tudo certo, não precisaram descer a bordo. Nos desejaram boa viagem.
Então os oficiais me disseram que todo passageiro era batizado ao cruzar
a Linha do Equador. Quem sabia nadar muito bem eles jogavam no Oceano e como eu
sabia nadar muito pouquíssimo, iam me dar um banho de mangueira.
Era verão no Hemisfério Sul e assim alguns de calção, como se estivessem
na praia ou na piscina, ligaram uma mangueira, dessas portentosas de Bombeiro e
lá veio um jato de água salgada. Como sou um místico agradeci ao Deus Netuno, o
Senhor dos Oceanos (no Budismo chama-se Buda Amithaba) para que nos levasse a
bom porto.
Gratidão imensa ao pessoal do Itaité, repito, desde os mais simples
marinheiros que ficavam o dia todo trabalhando, raspando as partes
enferrujadas, passando aqueles produtos anti-ferrugem e por fim pintando com
tinta a óleo o local. Os oficiais, graus universitários eram educadíssimos.
Tenho mais para contar do inesquecível Itaité.
Olá Antônio meio doidinho,
ResponderExcluirEntão escreve logo que estou muito curiosa!
Até mais.
1) Oi Ana, obrugado pelo apoio.
Excluir2) Estou amadurecendo mais alguns posts.
3) Tudo de bom !
Vizinho Antônio,
ResponderExcluirBom post! Com certeza uma experiência e tanto essa sua viagem transatlântica. Só que eu teria mergulhado de cabeça na linha do Equador (rsrs) Também enfrentei algumas situações complicadas al mare , mas mareado mesmo fiquei nas mais de doze horas de travessia num mar agitado entre Bombay e Goa em 1979. Jurei - não me lembro mais a que santo! - que jejuaria por uma semana se escapasse vivo daquele martírio mas foi só desembarcar e ...como resistir a uma galinha à cabidela temperada com chilli ?
Seu post também me fez lembrar que no Sudeste da Ásia os ling-lings de olhinhos puxados FINGEM atirar moedas em águas encrescadas para acalmar os deuses. Moral da história: o que vale é a "intenção" e não a "doação" pois afinal para que os deuses do mar iam querer as moedas deles? Viajando e aprendendo. Tem mais...
Como naquele tempo um bilhete áereo Londres/ Lisboa - que hoje custa praí 40 eutos pela easyJet! - devia custar quase tanto quanto uma passagem Rio/Londres , aposto que você continuou essa jornada de baixo custo até a capital portuguesa por terra firme e que cada etapa dela merece um post para chamar de seu. Mande ver mais capítulos dela além de, é claro, mais conversas do Itaité.
Abração
1) Grande Moacir,
Excluir2)O primeiro bairro que eu e Heloisa moramos em Lisboa foi nos anjos, lá perto tinha um restaurante de Goa, que fazia uma galinha de cabidela digna de maravilhosidades, com curry !
3)Aprendi: tudo o que cai no mar e não é do mar ele devolve para a Terra, assim as moedas certamente vão parar nas areias das praias... Deus Netuno é gente boa !
4)Aos poucos vou contando. Gratidão !
Antonio, muito boa história, que além de contar suas aventuras nos lembra da época de ouro da Marinha Mercante brasileira. Pouca gente se lembra hoje de que na Segunda Guerra Mundial perdemos trinta e um navios torpedeados pelos submarinos do Eixo, com centenas de marinheiros e centenas de passageiros mortos. A navegação de alto mar e a costeira eram importantíssimas para a economia brasileira. Os cargueiros como o Itaité foram os últimos da longa linha de navios que inspirou a música "Tomei um ita no norte / pra ir pro Rio morar..."
ResponderExcluirConte-nos mais, sim, das suas aventuras no Itaité!
1)Salve Mano, obrigadíssimo pela foto do meu querido Itaité.
Excluir2)Concordo com vc: foi uma lástima terem acabado com o Lloyde.
3)Eu chamava o Itaíté de "Naviarra".
4) Imenso Amigão !
Rocha,
ResponderExcluirMeu perdão pelo atraso.
Sabes que aprecio as tuas histórias porque sempre trazem ensinamentos e informações, além de conteúdos da fé budista.
Imagino esta viagem de navio, longa, que bela aventura!
Um abraço, forte e fraterno.
Saúde e paz
1) Salve Chicão !
ResponderExcluir2)Não houve atraso. Todo momento é momento.
3) Sou grato a vcs leitores, aprendo muito com os comentários.
Em meu nome e de todos que compõem está página e porque não dizer da Marinha Mercante Brasileira ,agradeço o relato e as palavras escritas.
ResponderExcluir1) Salve Comandante, agradeço muito o seu comentário.
ResponderExcluir2) Gratidão imensa a Deus e à Vida que me proporcionaram viajar no Itaité, de Santos até Tilbury, na Inglaterra e depois até Le Havre, França.
3)Conheci seres humanos ótimos na Marinha Mercante Brasileira, através dessa viagem, na ida e na volta, de Lisboa até Santos.