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Moacir
Pimentel
Depois de visitar em Montmartre o seu Museu, que literalmente se esconde
em uma ruela, por trás da Basílica de Sacré Coeur, negligenciado entre ícones
do bairro como a Maison Rose, o antigo cabaré Au Lapin Agile e o vinhedo Clos
de Montmartre, hoje voltamos ao bairro, começando pelos seus vinhedos.
Houve um tempo, tanto tempo faz, que a colina de Monmartre era coberta
por videiras, reverencialmente cuidadas pelos monges e freiras de uma grande
abadia. Hoje, apenas um vinhedo ainda está em cultivo, produzindo cerca de oitocentas
garrafas por ano e fora do alcance dos turistas e dos selfies, exceto quando do
festival anual da vindima.
A vista panorâmica dos subúrbios do norte de Paris facilmente
rouba a atenção dos turistas dessa visão mais próxima e mais improvável: o único
e último e pequeno vinhedo da cidade.
Há, é verdade, vinhedos nos arredores de Viena e
Bordeaux, e mesmo um bem ali quase no miolo de Bel Air em Los Angeles, mas o
Clos Montmartre é mais central e mais incongruente. Fica, como muitos dos
melhores vinhedos, em uma inclinação íngreme só que cercado por belas casas. Há
nele algo que nos faz parodiar os franceses quanto ao Brasil: não parece um
vinhedo “sérieux”.
Para começo de conversa, seu declive está de frente
para o norte, minimizando a exposição benéfica ao sol. Entre as vinhas, em vez
de faixas de terra aradas ou seixos para a retenção do calor, a gente vê relva.
Nos demais vinhedos que tive o prazer de conhecer, havia roseiras plantadas no
fim das fileiras de vinhas para atrair as doenças que poderiam, de outra
maneira, golpear as videiras. No vinhedo de Montmartre, em vez, se vê grandes
arbustos de lavanda e um motim de flores diversas com destaque para os
narcisos.
Embora as vinhas tenham sido introduzidas na região
de Paris pelos romanos e enverdecido as encostas das sete colinas de Paris até
meados do século XIX, o Clos de Montmartre foi plantado em 1933, no que antes
era, segundo relatos históricos, um terreno baldio, um playground para as
crianças locais.
Então, diferentemente do que juram de pés juntos e
tentam nos fazer crer os guias turísticos, o vinho local, que mora no caminho
do meio entre um Beaujolais decente e um Hautes Cotes de Nuit tinto muito
complicado para o meu pobre paladar, não é fruto de heróicas vinhas sobreviventes
dos tempos romanos. É que os franceses acreditam que narrar a história sem
muita exatidão faz parte de ser uma grande nação. (rsrs)
Não tem como não conversar sobre o Carré Roland Dorgelès, uma pracinha depretenciosa cujo muro de pedra faz
fronteira com o pacífico Cemitério Saint-Vincent e é o lugar perfeito para
curtir dois dos pedaços mais fotografados de Montmartre: o vinhedo que acabamos
de ver e a casa rosa e verde coberta de hera onde mora no cartaz acima da porta
de entrada um coelho ágil saltando de uma panela. Trata-se do Au Lapin Agile, um dos famosos cabarés do pedaço, que ficará
famoso em uma próxima conversa.
Enquanto as vinhas a gente só pode fotografar de
longe, o Lapin Agile, mesmo em frente ao vinhedo, aos cento e cinquenta anos, ainda recebe clientes e a antiga personalidade rebelde do seu protagonista sobrevive, nas sessões
de jazz ou blues tomando conta do salão em noites de muito tinto.
Mais adiante eis que surge de repente, em uma das mais notórias esquinas
de Montmartre, a encantadora La Maison Rose, hoje um bistrô cuja história é
melhor do que a comida.
Diz Dona Lenda que Pablo Picasso e o seu melhor amigo, Carlos Casagemas, frequentavam a casa
onde então morava Germaine Pichot, uma modelo de grande beleza. Os rapazes
haviam conhecido a clássica femme fatale, recém chegados a Montmartre em 1900. Sucede
que Carlos apaixonou-se loucamente por Germaine, mas seus sentimentos não foram
correspondidos pela moça que, em vez, queria o Pablo.
Em 1901, enlouquecido de tristeza e absinto Carlos
tentou matar Germaine. Ele perdeu o alvo e, em seguida, virou a arma contra si
mesmo. Chocado e entristecido pela morte de seu amigo, Picasso caiu em uma
profunda depressão durante a qual cometeu as telas sombrias do seu Período Azul
que só se tornaria aquele outro, leve e solto e Rosa, depois que ele se
consolou nos braços do seu primeiro amor: Fernande Olivier.
Seja lá aonde você for por esses caminhos antigos,
não importa em que esquina virar, encontrará uma lenda, uma história de amor,
um artista com ou sem cavalete, desenhando os rostos de turistas ansiosos ou
vendendo pinturas pelas calçadas.
fotografia Moacir Pimentel |
O cheiro de pão fresco e de crepes doces e salgados nos convida a parar nos bistrôs, a joie de vivre e a divina gula estão em todos os lugares dessa colônia da arte – nos carrosséis, nas pitorescas calçadas povoadas por cafés, nas improvisadas performances de rua, nos coitados pintados dos pés à cabeça posando de estátuas vivas sob o sol do meio dia, nas desconhecidas praças, nas sombreadas alamedas, nas pequenas padarias, nos ateliês inspiradores e nos velhos moinhos.
Nos velhos tempos, a paisagem da colina era
pontilhada pelos moinhos de vento e a longa e serpenteante Rua Lepic costumava
ser o caminho para carrinhos que carregavam gesso, descendo das pedreiras no
alto da colina. É difícil imaginar, mas Montmartre é um labirinto de túneis
subterrâneos, fato que torna seu solo propenso a subsidência, daí as restrições
severas nas construções, que permitiram que o bairro mantivesse uma ambiência
antiga e rural.
Falando em moinhos, aqueles que decoram o topo dos
restaurantes e cabarets de Montmartre são apenas réplicas.
Na verdade, o moinho acima do restaurante Le Moulin
de la Galette é, de fato, um clone do Moulin Radet um dos dois moinhos que
faziam parte da propriedade Le Moulin de la Galette, que no final do século XIX
foi transformada em um salão de baile ao ar livre.
O outro moinho sobrevivente, de nome Blute-Fin ainda
permanece altaneiro no local onde nasceu, no topo da colina em local não aberto
ao público e visível só para quem se aventura na parte de trás da colina, por
sinal a mais bela.
E – atenção - “La Galette” não era um local mas o
produto dos dois moinhos da propriedade: um tipo de pão ou bolo feito com a
farinha moída pelos moinhos e vendido com um copo de vinho.
A confusão deve-se talvez à popularidade da pintura
de Auguste Renoir: "Le Bal du Moulin de la Galette", feita em 1876 e
agora exposta no Museu Orsay. Mas isto será tema de outra conversa pois merecem
ser vistas bem de perto as pinturas que Renoir, Van Gogh, Lautrec e Picasso
fizeram tanto dos moinhos de vento quanto da atmosfera vibrante, da lustrosa
decadência e do glamour chamativo do famoso salão de dança.
Depois deste pequeno desvio pastoral, é hora de
passar pela tranquila Place Jean Baptiste Clément, cercada por casas com
jardins e portões de rara beleza. A tranquilidade e o canto dos passarinhos não
vão durar por muito tempo. Na verdade, no cruzamento com a Rua Norvins começará
o agito rumo à Place du Tertre.
Vale a pena desviar do tumulto por mais algumas
centenas de metros e seguir pela Rua de Saules até a Rua Sainte Rustique, o
beco mais antigo de Montmartre que oferece vistas deslumbrantes das cúpulas da
Sacré Coeur.
A rue Sainte Rustique desemboca na Rua du Mont
Cenis, de novo de frente para o horizonte ao norte da cidade, no topo de belas
escadarias decoradas por corrimões de ferro e postes de luz antigos. A visão
extravagante de Paris recompensa, embora qualquer um prefira olhar aquelas
escadas de cima para baixo.
E então Montmartre nos reserva uma surpresa
preciosa: a bela Igreja de São Pedro de Montmartre, uma das igrejas mais
antigas de Paris, bem atrás da Place du Tertre. A igrejinha é a relíquia de uma
abadia beneditina do século XII, construída em estilo românico, cuja história no
entanto é bem mais antiga. A Igreja de Saint-Pierre na realidade foi erguida no
local de uma casa de culto do século VII - isso mesmo da era merovíngia - que por
sua vez fora construída sobre um antigo templo romano dedicado ao Deus
Mercúrio.
Depois de ter sido parcialmente destruída e
abandonada a igreja foi restaurada no início do século XX e hoje se pode
admirar o seu interior muito elegante e harmonioso que preservou algumas das
características arquitetônicas da igreja merovíngia original, incluindo as
quatro colunas de mármore preto no coro em um dos extremos da nave. Além das digitais
do século VII, a Igreja de São Pedro exemplifica a arquitetura gótica primitiva.
fotografias Moacir Pimentel |
Toda essa beleza ancestral foi tornada ainda maior pelo contraste vitalizante da jovem arte de rua que nos encantou enfeitando um dos muros que separam o templo do borburinho circundante. Fazem bem à alma a sobriedade, a paz e a tranquilidade do lugar e a música sagrada que se pode ouvir na penumbra da Igreja. Uma parada muito relaxante antes de encarar a borbulhante... Place du Tertre!
fotografia Moacir Pimentel |
Tenho de ser honesto: não sou um grande fã da Place du Tertre, mas ela é obrigatória até porque depois dela se desce para a região chamada des Abbesses, que é imperdível.
Então, já que o estupro é inevitável, o jeito é
respirar fundo e misturar-se à multidão na icônica praça muito movimentada e
colorida, com seus cento e quarenta estandes de um metro quadrado, cada um
deles ocupado por dois pintores que trabalham alternadamente. É hora de um
esboço! (rsrs)
Na Praça du Tertre, os artistas do retrato, os
especialistas em silhuetas e os pintores de todos os estilos oferecem aos
turistas um lembrete romântico dos dias passados em Montmartre. A cidade exige
que os artistas produzam obras originais no local, o que significa que para se
posar para alguém nestas paragens na alta temporada turística – em agosto, por
exemplo - é preciso esperar nas filas!!
A pracinha é uma comunidade de artistas, uma
galeria de arte ao ar livre que tenta encarnar o espírito criativo da
Montmartre de outrora embora o trabalho de seus pintores, retratistas e
caricaturistas, seja comercial, ou seja, pensado e executado como souvenirs.
fotografias Moacir Pimentel |
A Praça é pavimentada pelas pedras originais e rodeada por belos edifícios do século XVIII, restaurantes movimentados, creperias e cafés. Muitas casas têm mesas e cadeiras ao ar livre, rola música ao vivo, shows com mágicos, acrobatas e marionetes e há uma eletricidade, uma energia no ar e, é claro, batedores de carteiras.
Porém, mesmo lotada de turistas, devo admitir que a
Place du Tertre tem o seu charme. De pé à sombra do Sacré-Coeur e de árvores
antigas, o lugar conserva a atmosfera de uma pracinha provincial e a gente
termina relaxando, fazendo uma massagem gratuita e observando a lindeza e a
estupidez humanas desfilando à nossa frente. É hora de descansar os pés para a
descida e fazer um pouco de voyeurismo (rsrs)
Uma das reivindicações da mitologia de Montmartre
refere-se a um dos seus restaurantes mais antigos - La Mère Catherine. Garantem
os nativos falantes que a palavra “bistrô” é oriunda do russo “bystro",
significando "rápido" e que ela teria invadido a língua francesa
durante a Batalha de Paris, em 1814, quando os cossacos russos querendo ser servidos
rapidamente berravam "BISTRÔ!" batendo com as mão nas mesas da pobre
Mère Catherine, assustadíssima depois de presenciar alguns de seus concidadãos
presos às pás em movimento dos moinhos, depois de assassinados.
Na verdade a Praça era o coração da vila medieval
antes de Montmartre ser incorporado a Paris. A casa no número 3 era a
"Mairie” - a câmara municipal da antiga aldeia. As ruas estreitas que
rodeiam a Praça du Tertre convidam à exploração e oferecem boas surpresas mas
isso fica para depois da cerveja gelada.
Para escrever este post vasculhei velhos álbuns de
família. Reencontrei-me em Montmartre cabeludo e rodeado por uma galera animada
em 1978, sentado em numa pedra abraçado à minha esposa na esquina da Maison Rose
em uma meia-noite de outubro de 1992, depois da festa da vindima e rodeado
pelos nossos curumins em março de 2001. Os últimos flashes são de 2008 e 2013.
Ao olhar tais fotos e puxar pelos bytes de memória a gente entende o Aznavour e
sente saudades e não é só de Montmartre.
E se você algum dia passar por Montmartre e se
deparar com uma tela indizível, louca de hospício, pintada por algum artista
com cara de faquir, compre-a enquanto o preço é bom.
O pintor poderá ser o Picasso do terceito milênio –
ou quem sabe um Dalí? – amanhã de manhã.
Amei! Me senti em Montmartre curtindo tudo de novo. Eu visitei a Igreja e ela é linda mesmo. Tenho uma foto defronte da porta do coelho pulando da panela e um artista fez uma caricatura minha muito legal que eu emoldurei e botei na parede do meu quarto kkk Não me lembro do vinhedo, não sabia do significado de 'bristô' e acreditava que os moinhos eram os originais. Vivendo e lendo e aprendendo. Obrigada pelas informações e fotos maravilhosas!
ResponderExcluirMônica,
ExcluirO que importa é que você esteve lá e se divertiu e que aquela caricatura está numa das suas paredes fazendo-a lembrar e rir.
Sou de opinião que visitar outro país e experimentar outra cultura nos muda para sempre. Nunca seremos os mesmos e nunca veremos as coisas da mesma maneira novamente depois de uma viagem. E essa é a maravilha de viajar : o esforço que fazemos fora da nossa zona de conforto para processar e compreender uma nova realidade.
Tudo o que nós vimos, sentimos, ouvimos, cheiramos, saboreamos em cada um dos lugares que visitamos passa a fazer parte de nós, a nos fazer quem somos, da mesma forma que um vinho absorve seus elementos circundantes. Talvez seja por isso que colecionamos souvenirs, que trazemos para casa pedaços de lá e os misturamos com as coisas de cá , todos juntos naquela estante ou como retalhos de uma colcha de retalhos multicultural , de nossa própria criação, nos garantindo que fazemos parte de algo maior: o destino humano.
Abração
Moacir,
ResponderExcluirNão sei se gostei mais do museu ou da praça mas quero voltar a Monmartre. As fotos realçam as suas descrições mas foi da história do bairro que mais gostei de ler. Quem diria que havia um triângulo amoroso e talvez alguma culpa por trás do quadro de Picasso do Enterro de Casagemas? São estas particularidades e suas impressões que fazem seus artigos de lugares turísticos diferentes e encantadores. Um abraço para você.
Flávia,
ExcluirConfesso que enquanto rascunhava esses artigos sobre Paris e Montmartre eu também senti saudades e muita vontade de voltar àquelas paragens. Com relação a Picasso e Casagemas, adianto-lhe que tenho escrito a respeito das vidas e dos amores e das obras de muitos artistas que nos últimos anos do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX mudaram as artes exatamente ali , nos seus ateliês caindo aos pedaços no alto de Montmartre. Talvez essa seja a mais rica e colorida história do bairro. Quanto às minhas "impressões pessoais" - e bobóides! - ao escrever sobre um lugar, fico feliz que as aprecie.
Outro abraço para você.
Que mágica fantástica são as memórias de viagens do Sr. MOACIR PIMENTEL. A gente viaja junto, fica conhecendo boa parte da História dos Pontos principais do Bairro, tudo com fotos excelentes para ilustrar o assunto.
ResponderExcluirMuito Obrigado.
Caro Bortolotto
ExcluirÉ muito bom ler você aqui em um espaço do qual é a mais perfeita tradução. Porque ao comentar com a extrema elegância e gentileza de sempre , seja concordando ou discordando, você CONVERSA. Mas espero que doravante e viajando junto conosco você desista do "senhor",um tratamento que por aqui eu reservo apenas à Donana, e mesmo assim, apenas para homenagear-lhe as origens lusitanas. Muito obrigado lhe digo eu pela leitura e o generoso comentário.
Abração
1) Pelo que entendi de todo esse tempo de leitura: o Moacir era um mochileiro que foi estudar Artes na Itália e depois peregrinou por várias países, anotando e fotografando muitas coisas belas.
ResponderExcluir2) Agora, ele compartilha conosco, lições e vivências daqueles bons tempos e outros mais recentes.
3)E nós só temos que agradecer.
4) VVV = Valeu Vizinho Vitorioso !
Vizinho Antônio,
ExcluirVocê entendeu quase certo : entre 1973 e 1983 eu vivi fora do Brasil. Me formei nas terras do famigerado Tio Sam e depois fiz um pós-graduação em Roma , em Turismo , matéria que na década de 70 inexistia nas nossas universidades.
Lá conheci e - @#$&@! - a avó de meus netos que então estudava História da Arte e que, é claro, pelo resto da vida me levou pela mão por caminhos artísticos só que beeeem distantes da academia.
Finda a tal pós - turística eu ponderei que os melhores mestrado e doutorado quem me daria era o meu passaporte e antes de voltar para casa e me tornar um cara sério, decidi botar a mochila nas costas e me perder por três anos pela África e a Ásia porque sabia que jamais teria a chance de viajar assim novamente. O resto você lá leu.
"Gratidão" e um bom final de semana.
Disse tudo, Moacir. Montmartre é um lugar para se visitar a qualquer tempo apesar das multidões. Só acrescento que a vista estupenda da cidade de noite fica ainda mais impressionante. Dependendo da companhia do cardápio e da carta de vinhos pode ser o topo da cadeia alimentar.
ResponderExcluirMarcio,
ExcluirConcordo sobre a beleza das luzes de Paris vistas lá de cima e, é claro, que as boas coisas da vida ficam ótimas se compartilhadas , mas aqui entre nós e baixinho, em determinados lugares a gente se sente no topo do mundo mesmo mastigando um dogão (rsrs)
Olá Moacir,
ResponderExcluirBelo texto, belas fotos, de onde construo lindas cenas de vinhedos, interior elegante de igreja gótica e cheiro bom de pão fresco!
E, como você disse, a saudade de um lugar nunca é só dele. Vem junto o dentro e o fora da gente!
Para vocês também um belo fim de semana.
Até mais.
Caríssima Donana,
Excluir" A saudade de um lugar nunca é só dele. Vem junto o dentro e o fora da gente!"
Brava!
Certa vez a senhora me falou para não esquecer que sou brasileiro. Acho que me foi sempre impossível esquecer minhas raízes tanto que voltei e aqui estou .
Mas é verdade que eu sempre desejei conhecer esse mundão de meu Deus e sempre convivi com uma espécie de desejo contínuo de ir não sei onde, uma atração para voltar a qualquer lugar, desde que não fosse aqui. Só que viajando
sentia um puxão para voltar para cá , para a nossa casa, os curumins. Pense em um desequlíbrio, em uma realidade suspensa nunca realmente aqui e nunca realmente lá.
Talvez nessa viagem eu tenha perdido algo do meu chão mas ganhei em familiaridade com o vasto mundo.
No meu inverno essa necessidade de botar o pé na estrada se atenuou . Ainda sinto uma alegria indizível a cada vez que o avião levanta voo para nos levar ao desconhecido dez horas depois. Mas nada supera a vontade de tomar o caminho de volta ou sensação aconchegante de estar entre as nossas paredes. Longe daqui e durante os recreios (rsrs) o que sinto hoje é uma impressão segura de déjà-vu.
Talvez nós simplesmente sintamos saudade dos tempos e lugares quando e onde ainda estávamos nos construindo e aos nossos lares, aos lugares aos quais pertencemos mais e acima de todos.
Bom final de semana para vocês também
Pimentel,
ResponderExcluirMais uns artigos como este abordando a Cidade Luz, e me candidato a guia de excursão em Paris!
Obrigado pelas fotos, textos e informações preciosas sobre os bairros e as regiões da capital francesa.
Jamais eu teria como saber desses detalhes não fosse a tua narrativa pormenorizada e clara sobre um tema que conheces como poucos.
Portanto, outra obra excepcional da tua parte para gáudio dos teus admiradores, que me incluo entre eles, além da admiração que tenho pelo teu talento indiscutível.
Um forte abraço.
saúde e paz.
Bendl,
ExcluirLamento informar que você fará ,caso persevere na leitura dos meus posts, uma pós -graduação "turística" (rsrs) É que, como sou prolixo de nascença, a Redação me divide em capítulos mais palatáveis. Releve e, por favor, não desista da leitura e comentários que tanto me alegram.
Outro forte abraço e muita saúde e paz.
Moacir,
ResponderExcluirmais uma linda descrição de Montmartre que me faz querer voltar ainda uma vez lá, "en flaneur"...
Quando você disse, respondendo ao comentário da Ana, que nada supera a sensação do aconchego de estar entre nossas paredes, me lembrei de um "causo" dos meus tempos de rapaz, quando, voltando de uma semana de andadas pelos altos da Serra do Caparaó, sujo, cansado, ainda com aquele vento no rosto e aqueles horizontes infinitos nos olhos, minha mãe abriu para mim a porta de casa e me perguntou: "Como foi o passeio"? E eu respondi, depois de lhe tomar a bênção e jogando a mochila no chão, "O fino é voltar para casa"...
Ela nunca mais se esqueceu disso, virou um mote na minha família, meus irmãos dizem isso até hoje.
Mas nós sabemos bem que as viagens nunca terminam, a gente está sempre voltando para lá, ou por nossas pernas ou nas nossas lembranças e nos nossos corações, ou até, às vezes, conversando sobre elas.
Até que, um dia, a gente volta por fim para a casa de onde viemos.
Wilson,
ExcluirQuantas vezes eu não pensei ou pronunciei versões dessas suas palavras: "O fino é voltar para casa". Acho que até mesmo o ET concorda com você.(rsrs)
Mas note que o sentimento de estar em casa pode surgir em qualquer lugar. A casa dos meus avós também foi aquela da minha infância. Enquanto eu fazia faculdade nos EUA, a minha casa era a da família que me recebeu de braços abertos na remota Iowa quando eu tinha quinze anos. Na Roma da minha juventude nos finais de semana eu só queria mesmo era ir para a casa, na casa da Mamma na Toscana. Na Ásia a casa era aquele café na praça principal de qualquer cidade que tivesse no cardápio uma torta ocidental para a felicidade geral dos expatriados que se reuniam nas suas mesas para falar de casa. Ou a cabana acanhada em cima de palafitas que ela - quando chegava de férias e me encontrava pela estrada - deixava bonita com seus pertences: panos e bolsa coloridos e conchas que pegava na praia. E eu voltava para a casa, toda vez que passava um verão em Portugal na casa da família dela. "Casa" só tem a ver com pessoas.
Sim "as viagens nunca terminam" e "a gente volta por fim para a casa de onde viemos" e esse , creio, é um sentimento universal.Porém há nessa conversa uma questão filosófica, talvez a maior pergunta humana sem resposta desde que ficamos de pé e nos surpreendemos com as estrelas e passamos a querê-las. Por que estamos sempre voltando para casa? Que casa é essa? Já homem feito e casado quando levei minha mulher para conhecer a casa de meus avós imensa na minha lembrança ela me pareceu tão pequena e estranha. Estaria essa casa da qual sentimos tantas saudades não na nossa infância mas nas nossas origens mais remotas, quando para garantir a sobrevivência a empatia na nossa espécie era apenas instinto? Camões poetou essa interrogação lindamente:
"Mas ó tu, terra de glória,
Se eu nunca vi tua essência
Como me lembro na ausência?"
Abração