Ana Nunes
Sou das
montanhas.
Não tenho
um mar salgado, lindamente verde e azul como muitos de vocês. Por isso nado nas
doces e cloradas, mais cloradas que doces, acho, águas da piscina.
Nem sei
nadar em águas abertas que me maravilham e me deixam sem rumo.
Nadar faz
bem, para o corpo e para a alma. E não dói. Libera químicas fantásticas que me
fazem mais feliz. Estica e alinha o corpo cansado. E deixa os pulmões limpos e
prontos para a batalha do dia, para a fumaça dos amigos fumantes e a poluição
dos queridos carros.
Nado cedo
de manhã. E logo o sol vai tomando a piscina, estalando a água com brilhos
coloridos.
E sob o
céu azul, nadando de costas sigo aviões
tão distantes quanto seus destinos. E fico brincando de adivinhar quais são.
Esqueço
do mundo e de mim, e vejo meus pensamentos se misturando com o azul do céu e
com um resto branco de lua e pego carona nas asas do passarinho. E tola e
deslumbrada não vejo a linha embandeirada da chegada e a realidade me pega de
volta quando bato a cabeça na parede da piscina. E dói, viu?
Nado
livre é mais solitário ainda. E calmo. Nado devagar e assim devagar vou
contando os muitos vinte e cinco metros, ás vezes infinitos, até atingir a
minha meta. E às vezes me perdendo neles. Perco também minha pressa de chegar e
afogo a ansiedade do viver. E nesse mundo calmo e molhado quase sempre encontro
as soluções para os embates da vida e da arte.
Quase me
deixo levar pelas bolhas que se formam. São bolhinhas grandes e pequenas,
transparentes e coloridas, minhas e dos outros. E se nado de peito, em horas de
sol, me vejo refletida embaixo da superfície como o urso da Netflix. E vou me
divertindo, descobrindo a sombra das mãos e o movimento das braçadas. E
engolindo água quando respiro com algum acelerado jovem e possante passando por
mim.
Nos dias
de chuva, naquele cinza que define os contornos e iguala as cores, subo
devagar e chegando na superfície
encontro um mar de discos formados pelos pingos. E sinto a minha chuva amiga
brincar no meu rosto! Que delícia!
Junto com
com o outono vêm as noites frescas que esfriam a água e dá um medinho de
entrar. E faz sentir saudade dos lençóis quentinhos que ficaram para trás!
Mas não
adianta brigar com o frio. É entrar na água e deixar o frio entrar até nos
ossos. Me envolver, me invadir. Aí, saio nadando lentamente como se nada (sem
trocadilho) fosse. Até porque, para mim, nadar rápido no frio traz mais
oxigênio e com ele um pouco de confusão mental. Como se não bastassem as do
cotidiano!
Saio
revigorada! Cheia de luz e calmaria. Ensolarada. Vou embora com minha
mochila nas costas e um punhado de
idéias na cabeça, me sentindo um solzinho entre os passantes e o barulho da
rua. E chego em casa iluminada. Metamorfoseada.
Metamorfose
Nos dias ensolarados
eu sou peixe apressado
nadando entre as bolhas coloridas
da piscina azul.
Nos dias frios
eu sou gato preguiçoso
enrodilhado sonolento
nos meus pelos.
Nos dias cinzentos
eu sou bruxa malvada
entre as cores das mandalas
e as pedras do mosaico.
Nos dias chuvosos
eu saio feliz de guardachuva
pelas ruas molhadas
em busca de mim mesma.
1) Texto belíssimo, parabéns Ana. Um apologia à Arte de Nadar.
ResponderExcluir2) Minha sugestão é que o seu nome apareça nos dois belos desenhos, o colorido que abre a matéria e o preto em branco que termina.
3)Eu tb prefiro nadar em piscinas ou em rio suave, onde aprendi, lá no meu querido Gama, DF.
4) No oceano, respeito muito.
Olá Antônio,
ExcluirObrigada muito. Gostei que gostou.
Precisamos de nadar, principalmente quem tem asma, não é? Apesar de que andam aparecendo artigos médicos desenfatizando isso.
Quanto ao nome, vocês já andam me deixando "cheia de si"com os comentários.
Tenho que exercitar minha modéstia...
Obrigada de novo.
Até mais.
1) Oi Ana,tudo bem com a questão da modestia
Excluir2)Mas é que na internet pegam muita coisa, transferem, capturam etc
3)Assim alguém pode usar um desenho seu e colocar qualquer nome.
4)É direito de imagem e direito autoral, mesmo que não se cobre nada.
5)Boa Pazcoa para o clã !
Oi Antônio,
ExcluirNão tinha pesnado nisso, bobinha que sou.
Obrigada pela dica, corrijo nos próximos.
Até.
Como sempre seus textos e poesias são uma delicia...acordei lendo vc nadando e deixando participar de seus pensamentos.
ResponderExcluirContinue nos brindando com suas experiencias
Acho que o avião que vc vê sempre esta levando pessoas em busca da felicidade !! e ela esta dentro de nós...
Obrigada, bjs, Léa
Oi Léa,
ExcluirObrigadapelo comentário!
Concordo com você, a felicidade está dentro de nós. Só que tem dias que a gente tem que escavar mais fundo,não é?
Um beijo para você.
Caríssima Donana,
ResponderExcluirEm tempos nos quais o aeroporto mais próximo adquire um sex appeal irresistível (rsrs) , nesse belo post a senhora continua conversando com sensibilidade e delicadeza seja com as letras seja com as tintas. Nessa piscina as suas braçadas nos dizem que o ritmo da aventura se suavizou e que a vida se transformou numa rotina, o que não nos impede de nela criar novas viagens , novas leituras, novos aprendizados gratificantes. As suas artes parecem nos dizer para fazer tudo isto calmamente, para viver prestando atenção, degustando,olhando para além das superfícies, encontrando significado e maravilha em coisas cotidianas: como o sol, os dias chuvosos, os lençóis quentinhos, a Netflix ou o cheirinho de um suflê de mandioquinha vindo lá da cozinha (rsrs)
É claro que que a "tradução" e o discurso valem para mim, não tenho lições a dar a ninguém. Torço, sim, pela vida e pela vida em abundância. Aliás, acho que a vida já é, ela mesma, uma abundância.
Obrigado e "até mais"
Olá Moacir,
ExcluirTudo bom, sol, chuva, abraço de neto e abraço de vó,e cheirinho de suflê de mandioquinha! Concordo com você, avida é mesmo uma abundância.
Quanto ao discurso, gostei de tudo que disse, e tem sim muito a ensinar. Não são lições, são partilhamentos! Mesmo que a gente não saiba. Mesmo que a gente não tenha a intenção. E aí que mora o perigo. Mas já não dizia Guimatães Rosa que viver é muito perigoso? E aí que mora a graça!
Quanto a "mais um tantinho de conversa" estou sempre esperando por ele.
Grata pelos elogios!
Até mais.
Ei Ana,
ResponderExcluirQue texto lindo. Cada dia descobrimos mais um talento seu! Nado também, e voce desenhou com poesia os momentos preciosos que vivemos na água.
Oi André ,
ExcluirQue bom te ver por aqui!
E que bom partilhar o que gostamos! Principalmente se são momentos preciosos.
Obrigada, cunhado querido.
Prezada Aninha,
ResponderExcluirTu não está mais me prestando como dissidente, lamento.
Teus textos são por demais singelos, suaves, plácidos;
A tua poesia inebria, acalenta, e a natação nos faz voltar à bolsa d'água que nos serviu de berço por meses, e onde estávamos protegidos de um mundo que sequer imaginávamos como seria e como nos receberia;
Nadar é com os peixes. No entanto, nossos ancestrais vieram da água, somos gerados dentro d'água, se não tomarmos água morreremos de sede, não há vida sem água, e sem água este planeta não existiria;
Se nadar é para os peixes, nadar para o ser humano é voltar as origens, é contemplar o mundo sob outro prisma, outra forma, é competir, e vencer a si mesmo quando se sabe nadar apenas dois tipos:
prego e parafuso!
O primeiro nos leva diretamente ao fundo e, o segundo, vamos em redemoinho.
Mas, repito, tu não és mais a minha colega dissidente porque teus artigos são meigos e não revolucionários; tuas palavras ocasionam tranquilidade, e não ânimos exaltados; tua mensagem é de paz, e não de lutas; e teus registros nos obrigam a pensar o quanto pode ser interessante e divertido umas braçadas, seja lá onde for, se em piscina, no rio, no mar, no açude, na lagoa ...
Portanto, estou te desligando do meu mundo de enfrentamentos, de combates, de lutas, apesar de ter uma baita inveja deste teu mundo, pacato, silencioso, contemplativo, sereno, despreocupado, enquanto que o meu é agitado, tenebroso, cansativo, frustrante e depreciativo!
Pelo menos depois de ler o teu artigo de hoje os meus nervos se acalmaram, pois uma tal de lista que saiu recentemente deixou os revoltados e indignados precisando mesmo de água fria no lombo!
Um grande abraço, minha ex-colega dissidente.
Saúde e paz, extensivo aos teus amados.
Prezado Francisco Bendl
ExcluirNão, não e não. Mil vezes não. Não vou ser desligada assim assim por causa de uma piscina. Onde você acha que esfrio a mufa?
Além disso seu comentário está lindo e singelo, generoso...e nem parece de dissidente verborrágico!
Alista(junto para despistar), estou engasgada e amordaçada por medidas administrativas.
Aproveite a calmaria que te proporcionei, espiche-a pela Semana Santa e aproveite bem seus netos. Também vou ver os meus.
Obrigada pelos muitos elogios, fiquem contente com seu comentário. Quem não ficaria?
Nada de afastamento então? Estou contigo e não abro!
Paz? E saúde!
Até mais.
Tá legal, Aninha, tá legal!
ExcluirContinuamos irmanados como dissidentes de medidas antidemocráticas, hehehehehehehehehe;
Outro abraço.
Reitero meus votos de uma Feliz Páscoa.
Saúde e paz!
Prezada Sra. ANA NUNES,
ResponderExcluirQue belo ensaio poético sobre a natação matutina. A senhora é uma grande Escritora,e maior ainda Poetisa. E olha, que a Arte de escrever bem é a mais difícil das Artes. E a senhora escreve muito bem. Parabéns.
Olá Flávio Bortolotto, Estou lisonjeada com seus elogios, talvez generosos demais. Mas fiquei muito feliz assim mesmo! Muito obrigada. Até mais.
ExcluirAna,
ResponderExcluirVocê afirmou que não conseguiria descrever as cenas urbanas e agora me dá nó em pingo d'água?! Ora pois! Até mais digo eu!
Olá Heraldo,
ExcluirAdorei seu comentário divertido, com o pingo d'água bem a propósito!
Grata pelo elogio.
E até mais para você também.