fotografia WBJ |
Wilson Baptista Junior
Uma das visões mais icônicas de Jerusalém é essa cúpula dourada, que com
sua base de mosaicos azuis contrasta com a cor de pedra da cidade velha.
É o Domo da Rocha, um santuário construído pelo califa Abd-el-Malik, no
século VII, sobre o pedaço de terra mais sagrado para os judeus em todo o
mundo, o monte Moriá, lugar de sacrifício para onde Abraão levou seu filho
Isaac, e onde mais tarde Salomão construiu o seu templo para guardar a Arca da
Aliança, Nabucodonosor o destruiu, Herodes o reconstruiu e os romanos o
destruíram mais uma vez quando invadiram Jerusalém para acabar com a revolta
dos Zelotes.
Este monte é também o terceiro lugar mais sagrado para o Islã, depois de
Meca e Medina, porque é identificado como o lugar da “Mesquita Distante”, de
onde a tradição muçulmana diz que Maomé foi levado aos céus por um anjo para conversar
com Alá e os profetas.
Diz-se que o domo não foi construído para ser uma mesquita, porque não
segue a orientação tradicional na direção de Meca, e ao seu lado foi construída
na mesma ocasião a mesquita de El-Aksa (em árabe A Distante), esta sim voltada
para Meca, no lugar onde existiu antes uma pequena mesquita construída pelo
califa Omar e que teria sido a verdadeira Mesquita Distante da tradição.
Alguns historiadores judeus defendem que o Domo foi feito pelo Califa
para dar um lugar de santuário aos judeus, ao lado da mesquita para os árabes.
Os historiadores árabes dizem o contrário. Seja como for, por muitos séculos a
entrada no complexo foi proibida aos não-muçulmanos, e dentro do Domo e da
mesquita ela é proibida até hoje.
Então os judeus hoje só podem olhar de longe para o seu lugar mais
sagrado.
O resplendor dourado que tanto atrai a vista não foi sempre assim. A
cúpula era originalmente revestida com placas de chumbo; foi durante uma
restauração na segunda metade do século vinte que essas placas foram
substituídas por placas de alumínio folheadas a ouro.
A única parte que sobreviveu das antigas muralhas do monte e do templo
fica a sudoeste do Domo, e ainda é impressionante de se ver.
Do lado esquerdo de quem olha para a muralha, uma porta em arcada com
grossas grades de ferro leva a uma pequena sinagoga escondida nos contrafortes
de outro muro também muito antigo. Mas as pedras desse segundo muro empalidecem
ante o tamanho ciclópico das pedras de que é feito o primeiro.
O sopé da muralha é o lugar mais próximo até onde os judeus podem se
aproximar de seu lugar mais sagrado. Há vinte séculos, então, que os devotos se
dirigem até ali para rezar, chorar a destruição do templo e fazer a Deus os
pedidos que desejariam poder fazer lá em cima do monte.
Tradicionalmente os fiéis escrevem suas preces e pedidos em pequenos
pedaços de papel e depois os enfiam nas frinchas entre as pedras do muro. Para facilitar
essa escrita existem mesinhas, como se fossem carteiras escolares mas de altura
para se escrever em pé, colocadas perto
do muro.
Esse é o Muro das Lamentações. Difícil pensar num nome mais apropriado.
De acordo com as tradições mais ortodoxas, o lado esquerdo do muro, por
ser mais próximo de onde ficava a Arca da Aliança e portanto mais sagrado, é
reservado para os homens, as mulheres só podem ter acesso ao lado direito, mais
afastado. Na fotografia lá atrás que dá a visão geral do muro podemos ver as
barreiras que isolam o lado esquerdo e a porta da sinagoga.
Fotografia WBJ |
Não há como se aproximar desse muro, tocar nas suas pedras, e não sentir
a carga de vinte séculos de orações e lamentações de um povo inteiro. Eu apoiei
nele as mãos e a testa para fazer uma oração e me deixei ficar tanto tempo em
comunhão com a força que sentia que um velho rabino, talvez induzido ao engano
pela minha barba e a minha seriedade, se aproximou e me convidou em voz baixa, para não ser ouvido por quem estava perto, para ir tomar parte em um ofício na sinagoga enterrada. Quando lhe respondi,
também em voz baixa, que não era judeu, ele apenas sorriu, me cumprimentou com a
cabeça e se afastou sem demonstrar nenhuma estranheza, devia compreender bem o
efeito que aquelas pedras milenares podem ter na gente...
Wilson,
ResponderExcluirMeus parabéns por um post perfeito! Porque as suas belas palavras e fotos nos descrevem também o lugar mas principalmente a sua visão, a sua vivência dele. Ao nos contar as duas versões da história do monte onde pisaram tanto Abraão quanto Moisés e ao falar do Muro das Lamentações, você lança mão das suas percepções: o dourado da cúpula, os mosaicos azuis, as pedras de tamanhos e cores diferentes nos muros, os bilhetes enfiados nas frestas entre elas, as mesinhas de escrever, os crentes separados por gênero. E então esse é o seu Muro , aquele que você testemunhou , a conversa que teve com ele nos comunicando algo de indescritível que mora não só nele, mas em quaisquer paredes muito antigas tenham ou não tenham elas a ver com a fé: as vibrações do passado.
Em certos lugares que testemunharam milênios de história se experimenta uma energia , uma sensação de paz, de aterramento, de pertencer a algo maior do que os olhos podem ver. É isso que emociona além da intuição de não se pode trilhar as calçadas do futuro sem pelo menos tentar entender as muralhas do passado. O triste é que essa necessidade de estudo e de reflexão sobre o que foi feito e vivido antes de nós hoje é apelidada de "complexo de vira-lata".
Abraço
1) Obrigado Mano, mais uma ótima aula de História.
Excluir2) Parabéns, respeitosamente, por sua experiência mística.
3) Fotos belas, depoimento idem.
4)Postei no lugar errado, desculpem. Desculpe vizinho.
Obrigado, Moacir. Hoje, em que a fotografia, o cinema, a televisão e a internet já levaram quase o mundo todo à frente de quase todo o mundo, só nos resta ao falar de algum lugar aos nossos amigos contar do que, afinal, foi o essencial para a gente, daquilo em que ele nos tocou em nossas cabeças e em nossas almas, daquilo que forma a nossa compreensão pessoal do que ele representa.
ExcluirSim, eu creio que os lugares tem alma, um pouco talvez da alma das incontáveis pessoas que viveram e morreram ali desde o início dos tempos.
E quando você bem diz que "não se pode trilhar as calçadas do futuro sem pelo menos tentar entender as muralhas do passado", quem chama isso de complexo de vira-lata é quem não foi capaz de compreender que, no nosso brevíssimo presente, nós somos o produto do passado e os fazedores do futuro, e o nosso passado é o passado da humanidade inteira.
Mestre Antonio,
ExcluirVocê me lembrou uma vez, quando eu contei da fortaleza dos hospitalários, que "as paredes têm ouvidos"...
E a gente descobre que algumas delas têm voz também. E que essas vozes podem ser bem fortes.
Fico feliz de você gostar das minhas historinhas.
Wilson,
ResponderExcluirIndependente da qualidade da postagem, sempre irrepreensível, faço questão de reverenciar e enaltecer a tua postura diante do Muro das Lamentações, onde mesmo tu não sendo judeu te comportaste com respeito e admiração pelo local sagrado de uma das religiões monoteístas, simplesmente a mais antiga.
Foi um gesto nobre, de grandeza espiritual e moral. Foi uma atitude que te coloca na condição de ser humano superior, que não serão as diferenças sociais, políticas e religiosas que devem impedir que nos relacionemos amistosamente com nossos semelhantes!
Demonstraste o teu caráter e a tua personalidade de um homem honrado, digno, que respeita e acolhe cultos, tendências políticas e pessoas das mais distintas categorias sociais da mesma forma, razão pela qual esta tua visão notável do mundo, dos seres humanos, e que tornam a tua vida tão extraordinariamente grandiosa porque merecida, então as minhas palavras que registram eu ser amigo de um homem que justifica pertencer à humanidade, mas o que resta dela de dignificante, de significativo, de relevante, de importante, de divino!
E, se assim eu me expresso, certamente agirias da mesma maneira se estivesses no Santo Sepulcro, na Mesquita Distante, até mesmo em um Templo Budista ou Terreiro de Umbanda!
Na razão direta deste teu respeito e aceitar que se professem as mais variadas religiões, e provas este teu consentimento mediante atitudes deste porte, desta magnificência, arrebanhas dos teus amigos e admiradores a mesma consideração, a mesma veneração e, principalmente, apreço!
Por favor - nessas alturas tenho de pedir - aceita o meu abraço forte e fraterno.
Saúde e paz, e vida longa e próspera para um homem justo, correto, decente.
Amigo Chico,
ExcluirGostaria muito de ser merecedor de seus elogios, mas minhas ações lá não têm nenhum mérito especial, nem muito menos tenho eu qualquer coisa de superior.
Você também, tenho certeza, se lá estivesse, curvaria a cabeça diante da força que têm aqueles lugares que tanto têm a dizer às nossas almas e sentiria, como eu, o peso daquela presença e a vontade de, em silêncio e recolhimento, pedir também pelo bem dos seus.