Maria Madalena - Igreja de Saint-Martin d'Arc-en-Barrois - 1672 (fotografia Vassil) |
Heraldo Palmeira
O paulistano
convive com seus brigadeiros famosos sem confusão. Só chama de brigadeiro a avenida
Brigadeiro Luís Antônio, a rua comprida que um dia, junto com a avenida Santo
Amaro, formava a antiga estrada de Santo Amaro. Hoje, liga a região da praça da
Sé às franjas do Parque do Ibirapuera, dando de cara com o Monumento dos
Bandeirantes e seguindo adiante por mais um trecho. E homenageia o brigadeiro
que foi um dos maiores latifundiários do estado.
A outra
Brigadeiro, chamada apenas de Faria Lima em homenagem ao prefeito que iniciou
sua construção nos anos 60, hoje rivaliza com a avenida Paulista como centro de
negócios repleto de edifícios imponentes, ligando os bairros de Pinheiros e
Vila Olímpia.
O trânsito
na Brigadeiro estava pesado como de costume. Fiquei retido num farol – como os
paulistanos denominam seus semáforos – do ladeirão, comprovando que os
motoristas evitam mesmo fechar os cruzamentos para não piorar ainda mais o
trânsito caótico.
Do outro
lado da rua, na pista de descida, um daqueles enormes ônibus biarticulados,
lotado, absolutamente inerte como tudo ao redor. Dentro dele, colado numa das
janelas meio embaçadas pela diferença das temperaturas de dentro e de fora, um
rosto paralisado fitando o nada.
Não havia
qualquer mensagem naquele rosto; não havia nenhuma! Apenas o retrato de uma
metrópole que obriga seus moradores a acordar de madrugada, enfrentar deslocamentos
imensos e lentos todos os dias, no caminho da sobrevivência. Que cria aquele
tipo de máscara impressionante, quase comovente. A face de vidas sem sentido,
sem esperança, sem futuro. A face do vazio.
O carro
finalmente andou. Logo adiante, uma Alameda Santos dobrada à direita e menos
congestionada serviria de rota de fuga para o meu compromisso no Paraíso.
Pensei em mim dentro daquele táxi guiado por um senhorzinho de conversa
agradável, ar condicionado, boa música, conforto. Pude perceber que tenho
atravessado a vida com um pouco mais de razões para a motivação que não havia
no rosto daquela mulher do ônibus que seguiu ladeira abaixo.
Fiquei
atento aos cruzamentos que se seguiram no meu trajeto, imaginando o que aquelas
tantas pessoas que se moviam apressadas buscavam em seus motos-contínuos
cotidianos. O meu silêncio foi ficando incômodo, pois também me peguei pensando
a respeito do sentido do meu próprio moto-contínuo.
Quando
surgiu na minha cabeça a velha pergunta “Quem somos, de onde viemos, para onde
vamos?”, vi que estava na hora de reestimular a prosa com o taxista. Nada
melhor do que jogar conversa fora! O resto é destino. Ou não.
“Quem somos, de onde viemos, para onde vamos?”
ResponderExcluirNão faço a menor ideia, Mestre Heraldo. Mas sei que vou sempre "achar tempo dentro do meu tempo" para ouvir os Beatles, por exemplo, e dar um freio de mão no meu "moto-contínuo" todas as vezes que, por aqui, o senhor nos brindar com a renovada alegria que é a leitura dessa sua alma de cronista e do talento da sua BIC.
Abração
Caríssimo Moacir,
ExcluirEu só estou aqui no Mano por seu convite irrecusável - como são irrecusáveis todos os seus convites. Afinal, é uma forma de estar perto de tanta gente espetacular que escreve aqui.
Suas palavras superlativas ultrapassam muito o texto que realmente mereço, mas seguirei gastando minha BIC como forma de agradecimento a você e aos leitores que me honram toda semana. Abração.
1)Boa crônica do Heraldo.
ResponderExcluir2)"Quem somos" = eu aprendiz de várias coisas.
3)"De onde viemos" = dizem os Espíritas que viemos do planeta Capela, os Anuários de Astronomia informam a localização do tal planeta. Concordo plenamente.
4)"Para onde vamos" = continuam os Espíritas. Depois de um monte de reencarnações vamos para um planeta melhor.
5) Fui.
Olá Heraldo,
ResponderExcluirJá me senti assim algumas vezes, dirigindo bem cedo no dia,mas jamais saberia descreve-lo como você.
Muito bom!
Até mais.
Ana,
ExcluirA rua é, talvez, a "grande televisão", mostrando sem filtros o que somos e, quem sabe, um pista para onde vamos. Até mais (como você costuma dizer).
Quando pequenina respondi: eu e meu irmão somos irmãos. Nós viemos da casa da nossa avó. E agora eu vou para a cama. Mas antes eu vou tomar banho. Ele eu não sei aonde ele vai.
ResponderExcluirBelo ensaio do Autor HERALDO PALMEIRA sobre o sentido da Vida. Eu apenas intuo que: Estamos aqui para aprender. No mais é tudo mistério, e mistérios não são fáceis de decifrar. Abrs.
ResponderExcluirSim, Flávio, os mistérios são complexos como a vida que vemos passar todos os dias diante dos olhos.
ExcluirMeu jovem HP,
ResponderExcluirJá dizia o poeta contemporâneo Belchior: "Somente o tempo vai poder provar a eternidade das canções". Nesse seu belo (mais uma vez) texto você prova que a eternidade é agora!!!
Grande abraço!
Heraldo. Sempre bom.
ResponderExcluirHeraldo, gosto deste blog. Leio, mas nem sempre comento. Não sou escrevinhadora. Gostei do seu texto, porque vivo me perguntando o que vim fazer aqui, sem ter pedido para vir. Assim mesmo, nasci, cresci,vivi, sofri e vou morrer! E quantos como eu passam pela vida, como diz o poeta, "em brancas nuvens". Outros vem unicamente para sofrer, vivendo uma vida sem sentido. É um mistério. Parabéns, seu texto deixa a gente refletindo.
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