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30/09/2016

Taxiterapia

Alvin Childress - imagem CBS Television

Antonio Rocha

Em determinada época participei de um grupo de meditação, vez por outra, alguns participantes trocavam algumas reflexões sobre a vida, antes ou depois do período meditativo.

Certa feita, uma colega contou, e todos ouviram, que o sonho dela era ser mãe, mas os namorados que arranjava não queriam ser pais, fugiam logo do compromisso.

Então ela resolveu fazer taxiterapia, eu perguntei como era: o primeiro táxi que parava ela sentava no banco da frente e ia falando dos seus sonhos e projetos. Os presentes apenas comentaram: “Você é corajosa!”, mas, a verdade é que, até os taxistas corriam dela. Quem tem responsabilidade sabe que criar um filho não é tão fácil assim.

Em outra ocasião, nossa heroína ponderou: “Eu gostaria muito de saber o que foi que eu fiz em vidas anteriores, sendo que nessa, não consigo arranjar ninguém”. Claro, ela dizia, candidato desempregado, baixinho ou ganhando menos do que eu, dispenso.

A família, de outra cidade, tinha algumas posses, ela trabalhava na área de produção de shows, parece que ganhava razoavelmente bem para uma jovem mulher solteira.

Não era feia, mas também não era assim, nenhuma beleza de “fechar o comércio”, como se dizia antigamente...

Nas férias, viajava para outros estados, chegou a ir a Nova York, Paris e, por incrível que pareça, voltava com as mãos abanando em sua corrida casamenteira.

Então, durante algumas semanas ela sumiu da meditação. Não avisou nada, só disse que ia ficar uma temporada fora e, quando voltou, chegou turbinada... colocou silicone nos seios e no bumbum. Quem sabe agora um pretendente sério apareceria...

Por motivos vários o grupo acabou se desfazendo e parte foi para outro endereço de meditação.

Depois disso, uns seis meses depois a encontrei na rua:

- E aí, tudo bem? – perguntei de forma ampla, abrangente.

Ela confidenciou:

- Parece que foi pior, não aconteceu nada, esse tal de silicone deu azar, descobri que os homens tem medo das mulheres siliconadas. Ninguém chega perto de mim, se afastam... virei uma ET...

- Deve ser algum problema espiritual, não sei, boa sorte... – falei.

Conversa rápida, nos despedimos, cada um foi para o seu lado.

Um ano depois, o telefone toca:

- Não te falei que eu ia ser mãe de qualquer maneira?

- Que legal, e quem é o felizardo?

- Não tem felizardo nenhum. Criei coragem, fui a um banco de sêmen e fiz inseminação artificial. Estou grávida de gêmeos.

Era o tempo da telenovela “Barriga de aluguel”. Ela contou que já estava com nove meses, prestes a dar a luz.

- E como vai ser agora, perguntei.

- Minha família está ajudando, já contratamos três empregadas para se revezarem...

Após o nascimento da dupla de meninos, fui com minha esposa visita-la e levar os presentinhos de praxe nessas ocasiões.

Lá pelas tantas, no lanche, ela sorriu e disse:

- Eu sou doida mesmo. Meu padrão de namorado era hollywoodiano, no banco de sêmen, escolhi um loiro, olhos azuis e um metro e noventa de altura, tipo bem armário.

(Se algum leitor(a) pensou algo de minha parte, fique tranqüilo, eu sou baixinho e bem casado com outra baixinha)

Ficamos rindo os três e ela completou:

- E agora, quando um chora, o outro também chora. Não tem mais jeito, vai ser assim até o final da vida.

- Você encontrou ocupação full time. – respondi.

- E se antes, - continuou a mãe dos gêmeos - eu não arranjava ninguém, agora com dois meninos, algum bom samaritano vai me querer?

- Ué?! – quem sabe os mistérios da vida? – exclamei.

Dois meses depois resolveu se mudar de vez para a cidade natal, no litoral do Estado do Rio de Janeiro. Os familiares iam dar apoio no que fosse preciso.

Nunca mais os vi, faço votos que estejam muito bem e felizes. Acho que sim... quero crer que sim... ela e os dois meninos merecem.

Perguntei sobre o pai: “Será que um dia ele vai voltar ao banco de sêmen e procurar saber de possível prole?”

- Não sei, o futuro a Deus pertence.



29/09/2016

Choro Noturno

fotografia Pedro Curi (TV Globo)


Heraldo Palmeira

Há alguns dias o país chorou com a perda inexplicável de um ator. Todos gostaríamos de entender por que essas coisas acontecem, como um homem em plena forma, na maturidade criativa, sucumbe a um rio, paralisado pelo pavor – como leva a crer o relato da colega que testemunhou tudo.

Há alguns dias o país descobriu que aquele ator com jeito tímido, sem vocação para o deslumbramento, era também um homem especial, adorado pelos colegas, reconhecido no meio como um dos grandes que realmente era. Elegante até na comoção final de despedida da vida.

Ontem eu pensei na tevê brasileira que conheci (ela) ainda adolescente, no meio dos anos 60. Claro que me apaixonei, mesmo limitado ao indiozinho da Tupi, naquele preto e branco chuviscado que chegava a pulso nos confins do Brasil onde eu vivia.

Ontem eu pensei em todo o encanto que aquele negócio foi causando na minha vida, trazendo o mundo para dentro de casa, me incentivando a ser um profissional do audiovisual.

Ontem eu fiz uma correspondência entre ficção e realidade, pensando na arte de transformar um calhamaço repleto de letras em uma história que envolve pessoas que fazem e pessoas que assistem.

Ontem eu testemunhei a ginástica espetacular de uma equipe ocupada em, pela primeira vez na história dessa nossa tevê agora madura, manter vivo um personagem cujo ator que lhe dava vida perdeu a própria vida.

Ontem eu torci pelos atores que se obrigavam a fingir alegria ao falar com uma câmera como se ela fosse o companheiro de elenco, o amigo querido que se foi tragado pelas águas de um rio imponente que eles todos louvavam na história que estão terminando de contar. Torci tendo plena consciência de que estava assistindo a um jogo em videoteipe inédito. Coisa mais esquisita!

Ontem eu chorei ao testemunhar um momento histórico dessa nossa tevê madura, que soube resolver com delicadeza inaudita a falta da presença protagonista, sem permitir que tudo virasse uma ausência capaz de pôr tudo a perder.

Ontem eu chorei copiosamente sofrendo a perda de um homem que não conheci. Ontem eu me apeguei a Santo dos Anjos para manter vivo Domingos Montagner e vencer uma saudade difícil de explicar.

Ontem eu entendi que tudo o que foi traçado para ser apenas um folhetim vai nos deixando lentamente com uma marca de realismo, que se acentuou naquela tarde em que todos nós fizemos parte de um drama dentro do drama.


28/09/2016

Eu e o Cinema

Philippe Noiret e Salvatore Cascio - Cena do filme "Cinema Paradiso"





Francisco Bendl

Sou um cinéfilo por excelência!

Desde guri aprendi a gostar de filmes, seriados, pois sou do tempo das matinés aos domingos, onde passavam várias películas ao mesmo tempo e um seriado.

A sessão iniciava às 14 h e terminava após as 20!

Nesse meio tempo, a gurizada trocava gibis, e cada um carregava consigo vinte a trinta revistas para trocar, desde Capitão Marvel a Bill Dinamite, Kid Colt a Tarzan!

Algumas valiam até duas por uma, dependendo da capa, a grande atração.

Depois vieram as figurinhas, os álbuns.

Lembro-me muito bem de Ben-Hur, e a figura mais difícil de se encontrar, a de nº 239, a única que me faltava para completar o álbum.

O cinema me atraía, os filmes eram máquinas do tempo que me faziam viajar por lugares que jamais eu os conheceria, como possibilitava emergir emoções fortes, poderosas, mesmo quando eu ainda era um fedelho.
Recordo-me que eu queria ser piloto de avião ainda guri de calças curtas.

Um belo dia, assisti a um filme com a minha mãe onde o avião despencava ao solo, e abria um buraco enorme. Na saída, puxei-lhe pela gola, e declarei alto e bom som:

-Mãe, quando eu crescer vou ser motorista de ônibus!

Portanto, o cinema também agia como teste profissional, e resgatava talentos e vocações desconhecidas.

Um dos grandes espetáculos foi Marcelino, Pão e Vinho, década de cinquenta, com um guri criado por abades e descobre um sótão.
Nesse local havia muitas relíquias, e ele se depara com um Cristo enorme, pregado na Cruz.

Impressionado com aquela imagem, começa a falar com o flagelado, e a parte mais emocionante foi quando Jesus desprega uma de suas mãos para Marcelino e troca algumas palavras com o peste do guri.

Os colégios católicos levavam seus alunos em dias úteis, como se fosse uma aula para assistirem ao espetáculo!

Depois vieram os filmes água com açúcar, tipo Mary Poppins, A Noviça Rebelde, West Side Story, Amor, Sublime Amor, com a belíssima Natalie Wood cantando Tonight, os grandes musicais, além da grandiosidade dos filmes bíblicos, como Os Dez Mandamentos, com a impressionante passagem pelo mar, Rei dos Reis, e o indefectível Manto Sagrado!

Eu tinha particular apreço pelos policiais e filmes de guerra.

Cidade Nua foi um dos melhores seriados de todos os tempos, assim como A Raposa do Mar, colorido, em Cinemascope, um dos maiores de guerra.

As músicas, as trilhas sonoras faziam igual sucesso, que o digam os filmes de Elvis Presley, na década de sessenta, incluindo Gerry & The Pacemakers.

No entanto, um me chamou especial atenção pelo romance e música, curiosamente um dos títulos mais bem escolhidos no Brasil, que foi Suplício de Uma Saudade, com William Holden e Jennifer Jones, em inglês, Love is a Many-Splendored Thing!

Até hoje a música é tocada e foi interpretada por uma infinidade de cantores e cantoras pelo mundo, e ainda cativa quem a ouve.

Outra canção inesquecível, que dava início às sessões de cinema no Cine Paranoá, em Taguatinga, DF, foi A Summer Place, tocada pela orquestra de Billy Vaughn, do filme Amores Clandestinos, uma película razoável, mas a música fez parte de inúmeras orquestras mundo afora!

Outra memorável foi Raindrops Keep Fallin’ On My Head, do filme não menos famoso Butch Cassidy, com os astros maiores Redford e Paul Newman. A cena inesquecível foi os dois andando de bicicleta com a belíssima e sardenta Katherine Ross, ao embalo dessa canção de Burt Bacharach, notável compositor.

E o que dizer da célebre To Sir With Love, interpretada por Lulu, no filme Ao Mestre Com Carinho?

Flashdance, Stayin’ Alive, The Way We Were, Barbra Streisand e Redford, Footloose, sensacional, porém, dois filmes antológicos com suas trilhas sonoras espetaculares e inigualáveis, compostas pelo mesmo maestro, Ennio Morricone, foram Era Uma Vez no Oeste e Era Uma Vez na América!

O primeiro, de 70, era ao som da canção Finale, do grandioso bang bang, estrelado por Cláudia Cardinale e Henry Fonda, que eu escrevia as minhas “encíclicas” à Marli, minha esposa, diante da saudade que eu tinha da sua ausência antes de nos casarmos, pois ela morava em Tramandaí e eu servia na capital, na PE.

O segundo, a cena mais espetacular filmada, quando a turma de rapazes embalada pela trilha sonora de Morricone, seguia um atrás do outro embaixo de uma das torres da ponte do Brooklin, majestosa, imponente, e a canção é um dos marcos na história do cinema!

Também não posso deixar de registrar as canções interpretadas pela inigualável e incomparável Whitney Houston, no filme mediano O Guarda-Costas!

Músicas memoráveis e inesquecíveis, e um dos discos mais vendidos no mundo como trilha sonora de um filme, expondo a voz maravilhosa e inconfundível de uma das maiores divas da música internacional em todos os tempos, lamentavelmente derrotada pelas drogas, que ceifaram a sua vida impiedosamente!


Acho que volto a este tema oportunamente, sobre filmes e suas canções estupendas, se me permitirem, claro.

27/09/2016

Noite Estrelada


Moacir Pimentel

E então, Vincent, insatisfeito com as suas estrelas, pintou aquela que seria a mais espetacular das suas obras...

“Esta manhã eu contemplei a paisagem da minha janela por um longo tempo antes do amanhecer. Lá não havia nada além da estrela da manhã que parecia muito grande”
escreveu van Gogh a Theo, descrevendo sua inspiração para A Noite Estrelada.

A janela a qual ele se referia era a do seu quarto no asilo de Saint-Paul, em Saint-Rémy, perto de Arles, onde procurou refúgio do seu sofrimento emocional, para continuar a fazer a sua arte.

Além de um aposento privativo, a partir do qual ele tinha uma vista deslumbrante da Serra dos Alpilles, no asilo van Gogh também dispunha de um pequeno estúdio para a sua pintura, considerada pelos médicos como “terapia ocupacional”.

Como das janelas destes espaços o pintor não podia ver a cidade mas sim o jardim do asilo, presume-se que van Gogh tenha construído o seu mais famoso quadro usando elementos de algumas obras concluídas anteriormente e armazenadas em seu estúdio, bem como a delirante imaginação e a memória.

Van Gogh - Noite Estrelada


 Os especialistas nas tintas têm argumentado, por exemplo, que essa torre da igreja na aldeia é muito mais holandesa do que provençal, uma amálgama de várias torres de igrejas diferentes que van Gogh já teria pintado antes. Van Gogh compreendia, pelo menos nas suas cartas, a pintura como sendo um exercício de estilização deliberada, como escreveu para o irmão:

“Estes são exageros do ponto de vista da organização e suas linhas são controladas como as de xilogravuras antigas com seus contornos grossos e formas simplificadas”.

Como podemos ver, van Gogh estava ciente de que as suas composições estreladas eram surreais e estilizadas. Por outro lado, A Noite Estrelada evidencia uma observação prolongada de van Gogh do céu noturno. Depois de deixar Paris para áreas mais rurais no sul da França, van Gogh passava horas contemplando as estrelas sem a interferência do gás ou das luzes elétricas cada vez mais em uso no final do século XIX. Nas copiosas cartas ele poetava:

“A noite é ainda mais ricamente colorida do que o dia, colorida com violetas mais intensos, azuis e verdes. Se você olhar cuidadosamente, verá que algumas estrelas são cor de limão, outras têm uma cor rosada, verde, ou o fulgor azul dos miosótis. Pintar um céu estrelado não é colocar pontos brancos em azul ou preto”.

Parece que van Gogh, seguiu seu próprio conselho, pois a Noite Estrelada explode em uma variedade de cores nas sua texturas e pinceladas enlouquecidas. Sem dúvida, é esta rica mistura de invenção, lembrança e observação combinada com uso de linhas simplificadas, impasto grosso e cores ousadamente contrastantes que fez o trabalho tão atraente para as gerações subsequentes de espectadores. Inspirar e encorajar outros artistas é precisamente o que van Gogh queria alcançar com suas cenas noturnas que poderiam dar aos outros a ideia de fazer a noite melhor do que ele. Ao fim e ao cabo, o desejo do pintor foi atendido já que sua Noite Estrelada tornou-se uma imagem fundamental para o expressionismo.

Esse quadro é dominado pelo céu noturno cheio de estrelas, turbulento, agitado mesmo, em redemoinhos e espirais que parecem rolar por toda a sua superfície como ondas. O impacto desse céu é tamanho que nos é difícil, de saída, individualizar os elementos que crivam de luz o espaço pictórico. As onze estrelas amarelas são como fogueiras iluminando toda a cena em contraste com o céu que leva em uma incrível variedade de tons de azul e cinza. Há também a lua crescente no canto superior direito que irradia uma luz mais brilhante e mais laranja que as demais estrelas e Vênus, a estrela da manhã, à esquerda do centro, rodeadas ambas por círculos concêntricos de luz branca e amarela radiante.

Abaixo do céu monopolizador, mora uma aldeia silenciosa de casas humildes que cercam uma igreja, cujo campanário se eleva, acentuadamente, acima das ondulantes montanhas azul-quase-pretas no fundo. A vista para o céu, a noite e a aldeia são parcialmente bloqueadas por um enorme cipreste que tem uma qualidade contorcida e uma coloração verde muito escura, quase preta, totalmente alienígena em meio aos demais tons da tela relativamente pastel. Esse cipreste toma conta do primeiro plano da noite, cresce poderoso e quase alcança a borda superior da tela, fazendo uma ligação visual entre a terra e o céu.

Considerado simbolicamente, o cipreste poderia ser visto como uma ponte entre a vida, representada pela terra e a aldeia, e a morte comumente associada com o céu. De resto, convencionou-se que os ciprestes são árvores de cemitério e arautos do luto, pelo menos nas telas noturnas do Vincent.

“Mas a visão das estrelas sempre me faz sonhar,” van Gogh escreveu certa vez.

Ora, eu pergunto para mim mesmo, e se os pontos de luz no firmamento fossem tão acessíveis para nós como os pontos negros no mapa da França? Assim como nós pegamos o trem para ir para Tarascon ou Rouen, tomaríamos a morte para ir a uma estrela.”

Eu prefiro não espiritualizar A Noite Estrelada. As formas girando no céu, para mim são nebulosas da tempestade interna do artista. Não percebo nesta cena noturna qualquer caos mental, mas muito ao contrário, acredito que van Gogh estudou detalhadamente os céus noturnos da Provença, que planejou todo o cenário e que a ele chegou através de tentativas e erros pretéritos.

O fato da Noite Estrelada ter sido pintada a partir de uma imagem mental pode contribuir para que essa peça me passe uma sensação tão forte de deslocamento mental e intensidade emocional. É como se van Gogh não fosse capaz de conter seus sentimentos e que toda a sua angústia e paixão tivessem sido misturadas às tintas.

Ao fazer a lua e as estrelas surgirem tão grandes que até nos parece que o céu pode desabar a qualquer momento sob o peso delas ou que as estrelas estão prestes a mergulhar de cabeça no vilarejo, é como se van Gogh estivesse criando o seu próprio tipo de realidade e nela enfatizando o que era importante para ele, mesmo que isso resultasse em perspectivas distorcidas.

Ele dissera a Theo, que em vez de usar cores de forma realista, ele as usaria “mais arbitrariamente, a fim de expressar-me com mais força”.

Se eu tivesse que apontar, nessa tela, um espaço no qual van Gogh se encontra projetado, sem vacilar acusaria esse cipreste de folhas escuras que alastra seus galhos como serpentes do lado esquerdo da imagem. Ele nada tem a ver com o resto da pintura e perturba todo o equilíbrio daquilo que sem ele teria sido uma Noite Estrelada de contos de fada mas não uma obra prima.

Na sua “Sintaxe da Linguagem Visual” Donis A. Dondis jura de pés juntos que o olho humano normalmente favorece a área inferior esquerda de qualquer campo visual. Uma interpretação coerente é supor que van Gogh tenha deliberadamente pintado o cipreste em uma posição tão proeminente como uma representação da angústia interior que dentro dele também se contorcia, resultante da solidão de ver o mundo como ninguém mais via.

Como van Gogh mesmo nos esclarece:

“Nós podemos ter mais sucesso na criação de uma natureza mais excitante e reconfortante do que com esse discernimento nascido de um vislumbre da realidade.”

Apesar de toda a sua originalidade e exuberância, essa composição me parece equilibrada e é estruturada pela colocação consciente e milimétrica do cipreste inabalável porém curvilíneo e pintado da mesma maneira que o céu, com essas linhas leves que aumentam o fluxo da noite, em meio às nuvens que giram, as estrelas que brilham, a lua que se expande, todas elas com impressionantes fluidez e movimento.

É claro que na Noite Estrelada as formas e contornos são um meio de expressão e eles são usados para transmitir emoção e por isso mesmo muitos entendem que a luta de van Gogh para superar sua doença está refletida na escuridão do céu noturno e na aldeia pintada com cores escuras.

As janelas iluminadas criam uma sensação de conforto, a vila é pacífica em comparação com o céu noturno dramático e o silêncio da noite quase pode ser sentido. O campanário domina a aldeia e pode até simbolizar a unidade entre a cidade e a noite acima dela, mas em termos de composição passa uma impressão de isolamento. Os edifícios no centro da pintura são pequenos blocos de amarelos, laranjas e verdes com uma pitada de vermelho à esquerda da igreja. As casas são discretamente pintadas no canto inferior direito da pintura e se misturam muito bem com a floresta e as montanhas. A arquitetura da aldeia é simplória e sem qualquer fato luminoso a dar-lhe vida tem-se a impressão de que todos lá estão provavelmente dormindo.

A predominância do azul na Noite Estrelada é equilibrada pelo laranja dos elementos do céu noturno e pelos toques de verde no reflexo da lua. Van Gogh usou ainda o branco e o amarelo para criar um efeito em espiral e chamar a atenção para o céu. As linhas verticais, como as do cipreste e as da torre da igreja suavemente quebram a composição sem retirar qualquer brilho do poderoso céu, o dono incontestável deste show.

O certo é que o próprio van Gogh não deu maior valor a essa obra de arte excepcional, não só pela sua qualidade, mas pela raridade dentro da obra do artista, uma vez que em comparação com outros temas mais favorecidos, como íris, girassóis, ou campos de trigo, as paisagens noturnas são poucas. Van Gogh a mencionou a sua melhor Noite Estrelada brevemente em suas cartas como um “estudo da noite”.

Há várias interpretações da Noite Estrelada e uma delas é que essa tela retrata esperança, pois van Gogh nos teria expressado que mesmo na sua escura noite mental e trancafiado em um hospício, ainda lhe era possível ver a luz nas janelas das casas e estrelas brilhantes para guiá-lo. Outros lembram que durante anos a fio van Gogh dedicou sua vida à evangelização daqueles em situação de pobreza - a quem dava o salário, os alimentos e as próprias roupas - e acreditam que ele nos deixou uma mensagem religiosa refletida nas onze estrelas da pintura. Em Gênesis 37: 9 pode-se ler:

“E sonhou ainda outro sonho, e o contou a seus irmãos, e disse: Eis que sonhei um sonho a mais, e eis que o sol, a lua e onze estrelas se inclinavam para mim.”

Parece-me que os que assim interpretam essa pintura não perceberam que nela não há sol (rsrs) e que nas pinturas, muito mais importante do descobrir o que o seu autor tentou dizer-nos, é o que a obra efetivamente diz a cada um de nós. Para mim, na Noite Estrelada de van Gogh, uma torre de igreja e um cipreste representam o homem - o que pinta e o que observa - e ambos falam sobre o vasto poder da natureza mas a reinventam enquanto apontam para Deus.
Essa Noite Estrelada escalou o Everest das realizações artísticas e as consequências dela são enormes. Tornou-se uma das imagens mais conhecidas na cultura moderna, bem como uma das mais replicadas e procuradas impressões. Da canção de Don McLean “Vincent”, inspirada pela pintura, a um número sem fim de produtos que ostentam esta imagem, é quase impossível se desconhecer, em qualquer lugar do vasto mundo, esta pintura surpreendente.

Pode-se começar a perguntar o que na pintura é responsável pela sua popularidade crescente. Para começo da conversa essa é uma cena com a qual todos podemos nos relacionar. O céu mantém os olhos do espectador prisioneiros e faz com que se desloquem sobre a pintura, seguindo as curvas e orientados pelas estrelas. Este movimento mantém o espectador envolvido com a pintura, o faz reconhecer a pequenina aldeia, ver as janelas iluminadas, resgatar memórias de seus próprios anos de infância cheios de imaginação e de outros céus estrelados. Trata-se de uma imagem universal, que fala ao coração humano.

Claro que para entender o seu estilo dessa pintura temos de olhar para a imagem maior: van Gogh como Hegel acreditava na supremacia da Arte, do “produto humano” sobre quaisquer produtos naturais, era convicto de que o espírito, mesmo ao produzir o maior dos absurdos, é superior à natureza que é cega, e pregava no que parecia ser um deserto que “a arte não é para imitar a forma, mas para criar formulário.”

Além disso, van Gogh tinha sido treinado em Paris por impressionistas, mas inaugurou uma nova era na pintura, tendo sido o primeiro dos pós-impressionistas da gema. Tanto o Impressionismo quanto o Pós-Impressionismo foram dois imensos e inovadores passos na história da arte. Embora ambas as tendências compartilhassem conceitos, os dois estilos foram bastante diversos quanto aos objetivos e as técnicas.

O Impressionismo, que deve a Claude Monet os seus primórdios, pretendia capturar um momento no tempo com a pintura, registrar a visão inicial de seu entorno, com objetividade pura. Embora variassem nas técnicas, todos os impressionistas  compartilharam a rejeição dos ideais românticos subjetivos e o impulso para registrar a realidade de um jeito moderno.

Já o Pós Impressionismo, que de saída pode ser definido como uma resposta ao Impressionismo, estava ligado ao desejo dos artistas de ir além de uma representação passiva da percepção. A ideia inaugurada por Monet da percepção imediata foi rejeitada por van Gogh, em favor do ponto de vista pessoal e original do artista de seus arredores. Em outras palavras, o Impressionismo foi filho da objetividade, enquanto o Pós Impressionismo foi cria da subjetividade, embora ambos falassem línguas vanguardistas.

Van Gogh era espiritual e romântico enquanto Cézanne pintava de forma mais intelectual e cerebral, mas ambos alteravam a realidade e perseguiram a auto expressão e cada um deles teve um estilo único, embora com perspectivas deliberadamente distorcidas. O Pós Impressionismo destruiu a ideia de “arte como uma janela” e deu o espectador um papel mais ativo, forçando o público a interpretar obras de arte, em vez de observá-las passivamente.

O que significa que os artistas deste período tiveram uma visão subjetiva do mundo visual e pintaram o seu mundo de acordo com suas próprias percepções artísticas.

Suas obras refletiam suas próprias personalidades originais e percepções. No caso de van Gogh, ecoaram ainda uma grande intensidade emocional. Ele gostava de pintar paisagens porque elas refletiam melhor a sua alma divorciada das fronteiras artísticas tradicionais. A Noite Estrelada é a personificação do estilo e da expressão única de van Gogh. Na verdade, peças como estas têm desempenhado uma grande influência sobre a arte moderna.

Mas essas belíssimas noites não são para mim anúncios da morte do artista. Veja o caso dos girassóis. Inicialmente, girassóis apareceram como pequenos detalhes nas paisagens de van Gogh. Então, em 1887, em uma série de quatro óleos, ele fez um estudo minucioso deles, enfatizando suas sementes, como símbolo de vida. As telas foram consideradas “risíveis” pelos críticos parisienses. E van Gogh continuou a pintá-los indiferente. Ele simplesmente gostava dessas flores.

Mas foi em Arles que o grande "período girassol" de van Gogh aconteceu. Ele estava tão satisfeito pintando seus girassóis que pendurou duas grandes telas no quarto de Gauguin, para saudá-lo quando, depois de muita relutância e atraso, o amigo chegou em 23 de outubro de 1888.

“Estou pensando em decorar meu estúdio com meia dúzia de pinturas de girassóis. Minhas pinturas são um grito simbolizando gratidão no girassol rústico.”

Van Gogh - Girassóis

Nessa versão, que hoje faz parte da coleção da National Gallery de Londres, van Gogh pintou quinze girassóis em um pobre vaso de barro contra um fundo amarelo em chamas. Algumas das flores são frescas e alegres, outras começam a murchar e a largar sementes, outras despencam tristes. Em parte a tela é uma meditação sobre os caprichos do tempo, mas a imagem confere um toque vivo, dinâmico, ferozmente colorido à longa tradição humana da pintura de flores.

O artista combinava os amarelos das flores em contrastes brilhantes, as formas e linhas das pétalas e dos caules lhe ofereciam renovados desafios, e no verão de 1888 ele pintava os girassóis de forma rápida e com grande energia e confiança. Escreveu ele ao irmão

Estou pintando girassóis com o entusiasmo com que como uma bouillabaisse Marseillaise!” (um ensopado de peixe provençal).

Van Gogh percebeu de imediato que tinha criado algo importante e apreciava o fato dos seus girassóis serem tão distintos ao ponto de funcionarem quase como sua assinatura de artista. Como ele disse a Theo, em janeiro de 1889: “O girassol é meu.” Portanto creio que a tela abaixo foi um dos bilhetes suicidas mais eloquentes de van Gogh.

Van Gogh - Girassóis Secos

Há uma extensa polêmica a respeito de qual teria sido a última tela de Vincent Willem van Gogh. Charles-Francois Daubigny era um dos pintores mais conhecidos da Escola de Barbizon. Mudou-se para Auvers por volta do ano 1860 e tinha lá uma casa que se tornara um ponto de encontro para muitos artistas. Van Gogh pintou o grande jardim em torno de sua casa várias vezes. Em julho de 1890, van Gogh completou duas pinturas do jardim e mencionou estas obras em uma carta a seu irmão em 23 de julho. Uma destas pinturas poderia ser a pintura final de Vincent van Gogh.

Alguns estudiosos acreditam, em vez, que Raízes de Árvores e Troncos foi a última tela pintada por ele.

Não importa qual das pinturas tenha sido, de fato, aquela derradeira. Todas as que mencionei aqui foram pintadas às vésperas de sua morte e, portando, influenciadas, em algum grau, pela decisão de van Gogh de acabar com a própria vida. Atualmente não existe nenhuma prova de qual das pinturas de van Gogh foi a definitiva. A menos que surjam novos dados, a questão permanecerá um mistério.

Van Gogh - Campo de Trigo com Corvos

Porém... Gosto de imaginar que tenha sido O Campo de Trigo com Corvos pois tenho certeza de que depois DISSO van Gogh teria abstraído.

Mais uma vez são imensas as leituras desta tela de van Gogh e elas vão desde as mais devotas às mais absurdas. Interpretações simbólicas podem ser muitas vezes interessantes, e, ocasionalmente, reveladoras, mas o excesso de “interpretação” de uma obra de arte coloca o espectador em risco de se perder na viagem.

As obras de Vincent van Gogh proporcionam a quem as observa uma gama incrivelmente complexa e bonita de assuntos para explorar e admirar. Suas cores são o produto de um contador de “estórias” de habilidade indescritível. Em vez de buscar respostas dentro dos campos de trigo ou no sussurro das asas dos corvos melhor é admirar a cor, a vitalidade e a harmonia turbulenta de cada pincelada. Os segredos intangíveis, se houver algum, estão dentro de nós.

“Eles são vastas extensões de trigo sob céus incomodados, a fim de tentar expressar a tristeza e a solidão extrema... Estou bastante certo de que essas telas irão dizer-lhe o que eu não posso dizer em palavras”.
Vincent van Gogh








26/09/2016

Sons e Imagens


Dulce Regina

“Gosto das cores, das flores, das estrelas, do verde das árvores, gosto de observar. A beleza da vida se esconde por ali, e por mais uma infinidade de lugares, basta saber, e principalmente, basta querer enxergar”
(autor desconhecido)

fotografia Dulce Regina




Tenho o privilégio de morar num bairro onde ainda podemos ouvir sons agradáveis, reconfortantes e caseiros. Entre os sons agradáveis estão o canto dos pássaros, e há uma infinidade deles!

Sabiá, Beija-flor e Sanhaço (olhe esse da foto, fartando-se de uma bela goiaba madura).

Canário da Terra e Coleiro, com seu canto maravilhoso!

Bem-te-vi anunciando a chegada da chuva. Maracanã, que chega por aqui sempre em casal de namorados, fazendo o maior barulho (veja esse lindo casal em cima do telhado).

Cambaxirras fazendo o seu ninho debaixo do ar condicionado, buscando abrigo, calor e retribuindo com um canto matutino, chamando-me para a Vida!


fotografias Dulce Regina




Todos eles nos brindam, ao amanhecer e ao anoitecer, com notas sonoras de uma variedade incrível. As ruas desse tradicional bairro são arborizadas e a maioria das árvores têm sementes e flores, elementos essenciais para a presença desses pequenos seres que trazem, com o seu canto, muita paz.

As flores dos Flamboyants mostram todo seu esplendor no verão e, quanto mais quente o dia, suas flores resplandecem com maior intensidade. As Amendoeiras começam a perder suas folhas no inverno e seus frutos são o alimento para os micos que andam por toda a parte.

Esse colorido das folhas da Amendoeira me trazem à memória um verso declamado numa festinha do primário pelo meu Ragazzo:

No jardim da minha casa
Há uma grande amendoeira
Que bela sombra ela dá!
Passo ali a tarde inteira!
As folhas já foram verdes
Mas, agora, são vermelhas
Parece uma casa nova
Toda pintada de telha.

(autor desconhecido)

As Figueiras são a marca registrada da rua em que moro. Duas vezes ao ano, suas folhas se amarelam e caem, deixando, na rua, um verdadeiro tapete macio... fica lindo!

Só os garis não gostam... Além disso, elas são copadas, o que nos proporciona sombras refrescantes.

Tem ainda as Acácias, os Ipês roxo e amarelo, os Tamarindos, os Manacás. As casas e os prédios mantêm as calçadas limpas e com jardins floridos ao redor das árvores, arrematando a beleza das ruas.

fotografias Dulce Regina




 Os sons reconfortantes vêm da torre de nossa paróquia situada na praça principal do bairro, cuja padroeira é Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, festejada no dia 27 de junho. Os sinos repicam a cada hora e a cada três horas, chamadas de “horas canônicas”, ouvimos uma canção litúrgica, sendo que a das dezoito horas é a Ave Maria.

Temos ainda as tradicionais procissões:
- celebração do Corpus Christi com um lindo tapete colorido para a passagem do Santíssimo Sacramento.
- da sexta-feira da Paixão do Senhor, conhecida como “Via Sacra”, o ritual lembra a condenação, crucificação e morte de Jesus Cristo, em paradas e reflexões
- da comemoração do dia consagrado à padroeira, com velas e cânticos religiosos.

Envolvidos nesse clima, nossa alma se aquieta, para perceber a magia da mão de Deus. Seja através de um pôr do sol atrás do Pico do Papagaio, pedra símbolo do bairro, a qual nos revela a magnitude desse momento, pouco percebido. Essa imagem me surpreendeu bastante, pois parecia um fogo no céu.

Estar atenta depois de uma chuva permitiu-me apreender a imagem do arco-íris pela janela. A super lua majestosa, com a qual tenho uma relação de amor muito grande, é aguardada sempre. A foto foi feita no dia em que ela estava mais próxima da Terra no fenômeno chamado “perigeu”. Em agosto desse ano, captei a imagem que só será vista outra vez a olho nu daqui a vinte e quatro anos: os planetas Vênus e Júpter alinhados.

fotografias Dulce Regina


 Um destaque para os sons caseiros, pois já estão em extinção. Pontualmente, às sete da manhã e às cinco da tarde, ouvimos a buzina da bicicleta do padeiro. Ele nos traz pão, bolo e outros doces.

Uma vez por semana passa o "vassoura...vassoureirooo !!!", com vassouras, rodos, espanadores. Em um dos cruzamentos de ruas, o “tripeiro” que vende os miúdos do boi. Ele nos facilita na limpeza e no corte do rim, da rabada, do fígado, da dobradinha. É uma ajuda e tanto! Até brinco com ele dizendo: “Não precisa temperar, não”, de tão caprichado que fica o corte.

Até o final dos anos 90, tínhamos o “funileirooo!” (eram dois italianos que se revezavam e eram muito conhecidos) que consertava panelas de alumínio e o “amoladoooor”, com sua bicicleta acoplada com a roda de amolar facas, tesouras e outros objetos.

Vocês estarão se perguntando: “Que bairro é esse ? É no interior ?” Não, amigos... É o bairro residencial do Grajaú, encravado no meio dos bairros Andaraí, Engenho Novo, Vila Isabel, Alto da Boa Vista e Lins de Vasconcelos. Atualmente, ele vem se tornando um pólo gastronômico que, aliado aos Sons e Imagens, é um excelente convite para visitá-lo.


25/09/2016

Himorogui na varanda

Dama da Noite (imagem Gilberto Santa Rosa / Creative Commons)


Antonio Rocha

Himorogui é uma planta sagrada da PL – Instituição Religiosa Perfect Liberty. A pronúncia que aprendi em japonês é Rimorôgui. É um arbusto e não sei o nome científico. Himorogui significa “Morada de Deus”. No Seiti “Terra Sagrada” do Japão existe um local específico onde está plantada a referida árvore (este maravilhoso blog do Mano, já reproduziu uma foto da colina onde está o Himorogui original)

No Brasil, em Arujá, SP, também há uma “Terra Sagrada” e lá, numa pequena colina, plantaram uma muda da Himorogui que veio do Japão. É ponto de peregrinação e devoção. As três vezes que fui ao Seiti brasileiro vi pessoas acordando às quatro horas da manhã para ir rezar, meditar e fazer preces no referido local.

O fundador, Mestre Kanáda (1863-1919) durante anos orava diariamente ao pé desta árvore, pela manhã, não importava o tempo: chuva, sol ou neve. Antes de morrer, ele pediu ao sucessor que continuasse com a prática.

Kanáda era devoto do Grande Patriarca do Budismo Esotérico Kobo Daishi (774-835), considerado santo e que fazia milagres. E o citado sucessor, Tokuharu Miki (1871-1938), era monge budista da corrente Zen Obáku. Que continuou ao longo de cinco anos a prática diária de Himorogui, quando foi agraciado com percepções/intuições/iluminações, e continuou até os seus últimos dias com a reverêcia ao Himorogui.

A prática me faz lembrar da árvore Bodhi (Ficus Religiosa), sob a qual o Buda Sidarta Gautama atingiu a iluminação.

Bem, toda essa introdução é para contar que, como não tenho muda do tal arbusto e na minha varanda tem uma bonita planta “Dama da Noite”, resolvi, há alguns anos que ela seria a minha Himorogui. Percebi que todo o reino vegetal é sagrado e podemos escolher uma planta ou mais de uma para o nosso altar.

Diariamente, pela manhã e à noite, faço minhas orações na varanda e reverencio a Himorogui Dama da Noite. Posso lhes garantir que cada vez mais ela produz flores belíssimas e perfumadas e as demais plantas que são tratadas como Himoroguis também ficam felicíssimas e floridas. Acredite quem quiser, mas qualquer ser humano pode desenvolver fórmulas de conversar com as plantas. Um ótimo treinamento espiritual. Se conversamos com o reino animal e eles nos entendem e respondem, recomendo conversar com as plantas e árvores.

A oração/meditação/prece que mestre Kanáda fazia é assim: “Mioyaookami (Deus) que se aloja nesta árvore, conceda o caminho para o bem da humanidade. Por favor conceda essa graça... (faz-se o pedido para si ou para outros).

Sugiro - quem quiser claro – eleger uma ou mais de uma planta de sua preferência como Himorogui e diariamente, pela manhã e à noite, fazer as preces... e sejam felizes! Claro, cada um faz a prece de sua predileção, na Fé que professa.

As plantas entendem. Buda informava que muitos espíritos moram no reino vegetal. Portanto, se você precisar podar uma árvore ou planta, a recomendação budista é pedir permissão aos Espíritos que moram ali para a poda.

Se é necessário cortar, peça, por favor, para que os espíritos se mudem para outras árvores, pois é importante o corte da citada árvore. E a Lei agora no Brasil é plantar outras árvores, em outro local, para compensar a que foi cortada.

E aqui uma história interessante: moramos vinte anos em uma casa que tinha um bom terreno, já falei desse belo quintal aqui no blog. Com o falecimento dos meus sogros os cunhados resolveram vender o imóvel.

Foi comprado por uma jornalista holandesa. Mas antes de entrar na casa, ela pediu que eu e minha esposa transferíssemos as muitas árvores para ela. Em momentos diferentes cada um fez a sua transferência. A explicação era que as árvores, com as cerimônias, não iriam sentir saudades nossas e iriam aceitar bem a nova dona do terreno.

Foi uma experiência ecológica espiritual marcante.