Em
determinada época participei de um grupo de meditação, vez por outra, alguns
participantes trocavam algumas reflexões sobre a vida, antes ou depois do
período meditativo.
Certa
feita, uma colega contou, e todos ouviram, que o sonho dela era ser mãe, mas os
namorados que arranjava não queriam ser pais, fugiam logo do compromisso.
Então
ela resolveu fazer taxiterapia, eu perguntei como era: o primeiro táxi que
parava ela sentava no banco da frente e ia falando dos seus sonhos e projetos.
Os presentes apenas comentaram: “Você é corajosa!”, mas, a verdade é que, até
os taxistas corriam dela. Quem tem responsabilidade sabe que criar um filho não
é tão fácil assim.
Em
outra ocasião, nossa heroína ponderou: “Eu gostaria muito de saber o que foi
que eu fiz em vidas anteriores, sendo que nessa, não consigo arranjar ninguém”.
Claro, ela dizia, candidato desempregado, baixinho ou ganhando menos do que eu,
dispenso.
A
família, de outra cidade, tinha algumas posses, ela trabalhava na área de
produção de shows, parece que ganhava razoavelmente bem para uma jovem mulher
solteira.
Não
era feia, mas também não era assim, nenhuma beleza de “fechar o comércio”, como
se dizia antigamente...
Nas
férias, viajava para outros estados, chegou a ir a Nova York, Paris e, por
incrível que pareça, voltava com as mãos abanando em sua corrida casamenteira.
Então,
durante algumas semanas ela sumiu da meditação. Não avisou nada, só disse que
ia ficar uma temporada fora e, quando voltou, chegou turbinada... colocou
silicone nos seios e no bumbum. Quem sabe agora um pretendente sério
apareceria...
Por
motivos vários o grupo acabou se desfazendo e parte foi para outro endereço de
meditação.
Depois
disso, uns seis meses depois a encontrei na rua:
- E aí, tudo bem? –
perguntei de forma ampla, abrangente.
Ela
confidenciou:
- Parece que foi pior, não aconteceu nada, esse
tal de silicone deu azar, descobri que os homens tem medo das mulheres
siliconadas. Ninguém chega perto de mim, se afastam... virei uma ET...
- Deve ser algum problema espiritual, não sei,
boa sorte... – falei.
Conversa
rápida, nos despedimos, cada um foi para o seu lado.
Um ano
depois, o telefone toca:
- Não te falei que eu ia ser mãe de qualquer
maneira?
- Que legal, e quem é o felizardo?
- Não tem felizardo nenhum. Criei coragem, fui
a um banco de sêmen e fiz inseminação artificial. Estou grávida de gêmeos.
Era o
tempo da telenovela “Barriga de aluguel”. Ela contou que já estava com nove
meses, prestes a dar a luz.
- E como vai ser agora,
perguntei.
- Minha família está ajudando, já contratamos
três empregadas para se revezarem...
Após o
nascimento da dupla de meninos, fui com minha esposa visita-la e levar os
presentinhos de praxe nessas ocasiões.
Lá
pelas tantas, no lanche, ela sorriu e disse:
- Eu sou doida mesmo. Meu padrão de namorado
era hollywoodiano, no banco de sêmen, escolhi um loiro, olhos azuis e um metro
e noventa de altura, tipo bem armário.
(Se
algum leitor(a) pensou algo de minha parte, fique tranqüilo, eu sou baixinho e
bem casado com outra baixinha)
Ficamos
rindo os três e ela completou:
- E agora, quando um chora, o outro também
chora. Não tem mais jeito, vai ser assim até o final da vida.
- Você encontrou ocupação full time. –
respondi.
- E se antes, -
continuou a mãe dos gêmeos - eu não
arranjava ninguém, agora com dois meninos, algum bom samaritano vai me querer?
- Ué?! – quem sabe os mistérios da vida? –
exclamei.
Dois
meses depois resolveu se mudar de vez para a cidade natal, no litoral do Estado
do Rio de Janeiro. Os familiares iam dar apoio no que fosse preciso.
Nunca
mais os vi, faço votos que estejam muito bem e felizes. Acho que sim... quero
crer que sim... ela e os dois meninos merecem.
Perguntei
sobre o pai: “Será que um dia ele vai
voltar ao banco de sêmen e procurar saber de possível prole?”
Há alguns dias o país chorou com
a perda inexplicável de um ator. Todos gostaríamos de entender por que essas
coisas acontecem, como um homem em plena forma, na maturidade criativa, sucumbe
a um rio, paralisado pelo pavor – como leva a crer o relato da colega que
testemunhou tudo.
Há alguns dias o país descobriu
que aquele ator com jeito tímido, sem vocação para o deslumbramento, era também
um homem especial, adorado pelos colegas, reconhecido no meio como um dos
grandes que realmente era. Elegante até na comoção final de despedida da vida.
Ontem eu pensei na tevê
brasileira que conheci (ela) ainda adolescente, no meio dos anos 60. Claro que
me apaixonei, mesmo limitado ao indiozinho da Tupi, naquele preto e branco
chuviscado que chegava a pulso nos confins do Brasil onde eu vivia.
Ontem eu pensei em todo o encanto
que aquele negócio foi causando na minha vida, trazendo o mundo para dentro de
casa, me incentivando a ser um profissional do audiovisual.
Ontem eu fiz uma correspondência
entre ficção e realidade, pensando na arte de transformar um calhamaço repleto
de letras em uma história que envolve pessoas que fazem e pessoas que assistem.
Ontem eu testemunhei a ginástica
espetacular de uma equipe ocupada em, pela primeira vez na história dessa nossa
tevê agora madura, manter vivo um personagem cujo ator que lhe dava vida perdeu
a própria vida.
Ontem eu torci pelos atores que
se obrigavam a fingir alegria ao falar com uma câmera como se ela fosse o
companheiro de elenco, o amigo querido que se foi tragado pelas águas de um rio
imponente que eles todos louvavam na história que estão terminando de contar.
Torci tendo plena consciência de que estava assistindo a um jogo em videoteipe
inédito. Coisa mais esquisita!
Ontem eu chorei ao testemunhar um
momento histórico dessa nossa tevê madura, que soube resolver com delicadeza
inaudita a falta da presença protagonista, sem permitir que tudo virasse uma
ausência capaz de pôr tudo a perder.
Ontem eu chorei copiosamente
sofrendo a perda de um homem que não conheci. Ontem eu me apeguei a Santo dos
Anjos para manter vivo Domingos Montagner e vencer uma saudade difícil de
explicar.
Ontem eu entendi que tudo o que
foi traçado para ser apenas um folhetim vai nos deixando lentamente com uma
marca de realismo, que se acentuou naquela tarde em que todos nós fizemos parte
de um drama dentro do drama.
Philippe Noiret e Salvatore Cascio - Cena do filme "Cinema Paradiso"
Francisco Bendl
Sou um cinéfilo por excelência!
Desde guri aprendi a gostar de filmes, seriados, pois sou do tempo das
matinés aos domingos, onde passavam várias películas ao mesmo tempo e um
seriado.
A sessão iniciava às 14 h e terminava após as 20!
Nesse meio tempo, a gurizada trocava gibis, e cada um carregava consigo vinte
a trinta revistas para trocar, desde Capitão Marvel a Bill Dinamite, Kid Colt a
Tarzan!
Algumas valiam até duas por uma, dependendo da capa, a grande atração.
Depois vieram as figurinhas, os álbuns.
Lembro-me muito bem de Ben-Hur, e a figura mais difícil de se encontrar,
a de nº 239, a única que me faltava para completar o álbum.
O cinema me atraía, os filmes eram máquinas do tempo que me faziam
viajar por lugares que jamais eu os conheceria, como possibilitava emergir
emoções fortes, poderosas, mesmo quando eu ainda era um fedelho.
Recordo-me que eu queria ser piloto de avião ainda guri de calças
curtas.
Um belo dia, assisti a um filme com a minha mãe onde o avião despencava
ao solo, e abria um buraco enorme. Na saída, puxei-lhe pela gola, e declarei
alto e bom som:
-Mãe, quando eu crescer vou ser motorista de ônibus!
Portanto, o cinema também agia como teste profissional, e resgatava
talentos e vocações desconhecidas.
Um dos grandes espetáculos foi Marcelino, Pão e Vinho, década de
cinquenta, com um guri criado por abades e descobre um sótão.
Nesse local havia muitas relíquias, e ele se depara com um Cristo
enorme, pregado na Cruz.
Impressionado com aquela imagem, começa a falar com o flagelado, e a
parte mais emocionante foi quando Jesus desprega uma de suas mãos para
Marcelino e troca algumas palavras com o peste do guri.
Os colégios católicos levavam seus alunos em dias úteis, como se fosse
uma aula para assistirem ao espetáculo!
Depois vieram os filmes água com açúcar, tipo Mary Poppins, A Noviça
Rebelde, West Side Story, Amor, Sublime Amor, com a belíssima Natalie Wood
cantando Tonight, os grandes musicais, além da grandiosidade dos filmes
bíblicos, como Os Dez Mandamentos, com a impressionante passagem pelo mar, Rei
dos Reis, e o indefectível Manto Sagrado!
Eu tinha particular apreço pelos policiais e filmes de guerra.
Cidade Nua foi um dos melhores seriados de todos os tempos, assim como A
Raposa do Mar, colorido, em Cinemascope, um dos maiores de guerra.
As músicas, as trilhas sonoras faziam igual sucesso, que o digam os
filmes de Elvis Presley, na década de sessenta, incluindo Gerry & The
Pacemakers.
No entanto, um me chamou especial atenção pelo romance e música,
curiosamente um dos títulos mais bem escolhidos no Brasil, que foi Suplício de
Uma Saudade, com William Holden e Jennifer Jones, em inglês, Love is a
Many-Splendored Thing!
Até hoje a música é tocada e foi interpretada por uma infinidade de
cantores e cantoras pelo mundo, e ainda cativa quem a ouve.
Outra canção inesquecível, que dava início às sessões de cinema no Cine
Paranoá, em Taguatinga, DF, foi A Summer Place, tocada pela orquestra de Billy
Vaughn, do filme Amores Clandestinos, uma película razoável, mas a música fez
parte de inúmeras orquestras mundo afora!
Outra memorável foi Raindrops Keep Fallin’ On My Head, do filme não
menos famoso Butch Cassidy, com os astros maiores Redford e Paul Newman. A cena
inesquecível foi os dois andando de bicicleta com a belíssima e sardenta
Katherine Ross, ao embalo dessa canção de Burt Bacharach, notável compositor.
E o que dizer da célebre To Sir With Love, interpretada por Lulu, no
filme Ao Mestre Com Carinho?
Flashdance, Stayin’ Alive, The Way We Were, Barbra Streisand e Redford,
Footloose, sensacional, porém, dois filmes antológicos com suas trilhas sonoras
espetaculares e inigualáveis, compostas pelo mesmo maestro, Ennio Morricone,
foram Era Uma Vez no Oeste e Era Uma Vez na América!
O primeiro, de 70, era ao som da canção Finale, do grandioso bang bang,
estrelado por Cláudia Cardinale e Henry Fonda, que eu escrevia as minhas “encíclicas”
à Marli, minha esposa, diante da saudade que eu tinha da sua ausência antes de
nos casarmos, pois ela morava em Tramandaí e eu servia na capital, na PE.
O segundo, a cena mais espetacular filmada, quando a turma de rapazes
embalada pela trilha sonora de Morricone, seguia um atrás do outro embaixo de
uma das torres da ponte do Brooklin, majestosa, imponente, e a canção é um dos
marcos na história do cinema!
Também não posso deixar de registrar as canções interpretadas pela
inigualável e incomparável Whitney Houston, no filme mediano O Guarda-Costas!
Músicas memoráveis e inesquecíveis, e um dos discos mais vendidos no
mundo como trilha sonora de um filme, expondo a voz maravilhosa e inconfundível
de uma das maiores divas da música internacional em todos os tempos,
lamentavelmente derrotada pelas drogas, que ceifaram a sua vida impiedosamente!
Acho que volto a este tema oportunamente, sobre filmes e suas canções
estupendas, se me permitirem, claro.
E então,
Vincent, insatisfeito com as suas estrelas, pintou aquela que seria a mais
espetacular das suas obras...
“Esta manhã
eu contemplei a paisagem da minha janela por um longo tempo antes do amanhecer.
Lá não havia nada além da estrela da manhã que parecia muito grande”,
escreveu
van Gogh a Theo, descrevendo sua inspiração para A Noite Estrelada.
A janela a
qual ele se referia era a do seu quarto no asilo de Saint-Paul, em Saint-Rémy,
perto de Arles, onde procurou refúgio do seu sofrimento emocional, para
continuar a fazer a sua arte.
Além de um
aposento privativo, a partir do qual ele tinha uma vista deslumbrante da Serra
dos Alpilles, no asilo van Gogh também dispunha de um pequeno estúdio para a
sua pintura, considerada pelos médicos como “terapia ocupacional”.
Como das
janelas destes espaços o pintor não podia ver a cidade mas sim o jardim do
asilo, presume-se que van Gogh tenha construído o seu mais famoso quadro usando
elementos de algumas obras concluídas anteriormente e armazenadas em seu
estúdio, bem como a delirante imaginação e a memória.
Van Gogh - Noite Estrelada
Os especialistas nas tintas têm argumentado, por exemplo, que essa torre da igreja
na aldeia é muito mais holandesa do que provençal, uma amálgama de várias
torres de igrejas diferentes que van Gogh já teria pintado antes. Van Gogh compreendia,
pelo menos nas suas cartas, a pintura como sendo um exercício de estilização
deliberada, como escreveu para o irmão:
“Estes são
exageros do ponto de vista da organização e suas linhas são controladas como as
de xilogravuras antigas com seus contornos grossos e formas simplificadas”.
Como
podemos ver, van Gogh estava ciente de que as suas composições estreladas eram
surreais e estilizadas. Por outro lado, A Noite Estrelada evidencia uma
observação prolongada de van Gogh do céu noturno. Depois de deixar Paris para
áreas mais rurais no sul da França, van Gogh passava horas contemplando as
estrelas sem a interferência do gás ou das luzes elétricas cada vez mais em uso
no final do século XIX. Nas copiosas cartas ele poetava:
“A noite é
ainda mais ricamente colorida do que o dia, colorida com violetas mais
intensos, azuis e verdes. Se você olhar cuidadosamente, verá que algumas
estrelas são cor de limão, outras têm uma cor rosada, verde, ou o fulgor azul
dos miosótis. Pintar um céu estrelado não é colocar pontos brancos em azul ou
preto”.
Parece que van
Gogh, seguiu seu próprio conselho, pois a Noite Estrelada explode em uma
variedade de cores nas sua texturas e pinceladas enlouquecidas. Sem dúvida, é
esta rica mistura de invenção, lembrança e observação combinada com uso de
linhas simplificadas, impasto grosso e cores ousadamente contrastantes que fez
o trabalho tão atraente para as gerações subsequentes de espectadores. Inspirar
e encorajar outros artistas é precisamente o que van Gogh queria alcançar com
suas cenas noturnas que poderiam dar aos outros a ideia de fazer a noite melhor
do que ele. Ao fim e ao cabo, o desejo do pintor foi atendido já que sua Noite
Estrelada tornou-se uma imagem fundamental para o expressionismo.
Esse quadro
é dominado pelo céu noturno cheio de estrelas, turbulento, agitado mesmo, em
redemoinhos e espirais que parecem rolar por toda a sua superfície como ondas.
O impacto desse céu é tamanho que nos é difícil, de saída, individualizar os
elementos que crivam de luz o espaço pictórico. As onze estrelas amarelas são
como fogueiras iluminando toda a cena em contraste com o céu que leva em uma
incrível variedade de tons de azul e cinza. Há também a lua crescente no canto
superior direito que irradia uma luz mais brilhante e mais laranja que as
demais estrelas e Vênus, a estrela da manhã, à esquerda do centro, rodeadas
ambas por círculos concêntricos de luz branca e amarela radiante.
Abaixo do
céu monopolizador, mora uma aldeia silenciosa de casas humildes que cercam uma
igreja, cujo campanário se eleva, acentuadamente, acima das ondulantes
montanhas azul-quase-pretas no fundo. A vista para o céu, a noite e a aldeia
são parcialmente bloqueadas por um enorme cipreste que tem uma qualidade
contorcida e uma coloração verde muito escura, quase preta, totalmente
alienígena em meio aos demais tons da tela relativamente pastel. Esse cipreste
toma conta do primeiro plano da noite, cresce poderoso e quase alcança a borda
superior da tela, fazendo uma ligação visual entre a terra e o céu.
Considerado
simbolicamente, o cipreste poderia ser visto como uma ponte entre a vida,
representada pela terra e a aldeia, e a morte comumente associada com o céu. De
resto, convencionou-se que os ciprestes são árvores de cemitério e arautos do
luto, pelo menos nas telas noturnas do Vincent.
“Mas a
visão das estrelas sempre me faz sonhar,” van Gogh escreveu certa vez.
“Ora, eu
pergunto para mim mesmo, e se os pontos de luz no firmamento fossem tão
acessíveis para nós como os pontos negros no mapa da França? Assim como nós
pegamos o trem para ir para Tarascon ou Rouen, tomaríamos a morte para ir a uma
estrela.”
Eu prefiro
não espiritualizar A Noite Estrelada. As formas girando no céu, para mim são
nebulosas da tempestade interna do artista. Não percebo nesta cena noturna
qualquer caos mental, mas muito ao contrário, acredito que van Gogh estudou
detalhadamente os céus noturnos da Provença, que planejou todo o cenário e que
a ele chegou através de tentativas e erros pretéritos.
O fato da
Noite Estrelada ter sido pintada a partir de uma imagem mental pode contribuir para
que essa peça me passe uma sensação tão forte de deslocamento mental e
intensidade emocional. É como se van Gogh não fosse capaz de conter seus
sentimentos e que toda a sua angústia e paixão tivessem sido misturadas às
tintas.
Ao fazer a
lua e as estrelas surgirem tão grandes que até nos parece que o céu pode
desabar a qualquer momento sob o peso delas ou que as estrelas estão prestes a
mergulhar de cabeça no vilarejo, é como se van Gogh estivesse criando o seu
próprio tipo de realidade e nela enfatizando o que era importante para ele,
mesmo que isso resultasse em perspectivas distorcidas.
Ele dissera
a Theo, que em vez de usar cores de forma realista, ele as usaria “mais
arbitrariamente, a fim de expressar-me com mais força”.
Se eu
tivesse que apontar, nessa tela, um espaço no qual van Gogh se encontra
projetado, sem vacilar acusaria esse cipreste de folhas escuras que alastra
seus galhos como serpentes do lado esquerdo da imagem. Ele nada tem a ver com o
resto da pintura e perturba todo o equilíbrio daquilo que sem ele teria sido
uma Noite Estrelada de contos de fada mas não uma obra prima.
Na sua
“Sintaxe da Linguagem Visual” Donis A. Dondis jura de pés juntos que o olho
humano normalmente favorece a área inferior esquerda de qualquer campo visual.
Uma interpretação coerente é supor que van Gogh tenha deliberadamente pintado o
cipreste em uma posição tão proeminente como uma representação da angústia
interior que dentro dele também se contorcia, resultante da solidão de ver o
mundo como ninguém mais via.
Como van
Gogh mesmo nos esclarece:
“Nós
podemos ter mais sucesso na criação de uma natureza mais excitante e
reconfortante do que com esse discernimento nascido de um vislumbre da
realidade.”
Apesar de
toda a sua originalidade e exuberância, essa composição me parece equilibrada e
é estruturada pela colocação consciente e milimétrica do cipreste inabalável
porém curvilíneo e pintado da mesma maneira que o céu, com essas linhas leves
que aumentam o fluxo da noite, em meio às nuvens que giram, as estrelas que
brilham, a lua que se expande, todas elas com impressionantes fluidez e
movimento.
É claro que
na Noite Estrelada as formas e contornos são um meio de expressão e eles são
usados para transmitir emoção e por isso mesmo muitos entendem que a luta de
van Gogh para superar sua doença está refletida na escuridão do céu noturno e
na aldeia pintada com cores escuras.
As janelas
iluminadas criam uma sensação de conforto, a vila é pacífica em comparação com
o céu noturno dramático e o silêncio da noite quase pode ser sentido. O
campanário domina a aldeia e pode até simbolizar a unidade entre a cidade e a
noite acima dela, mas em termos de composição passa uma impressão de
isolamento. Os edifícios no centro da pintura são pequenos blocos de amarelos,
laranjas e verdes com uma pitada de vermelho à esquerda da igreja. As casas são
discretamente pintadas no canto inferior direito da pintura e se misturam muito
bem com a floresta e as montanhas. A arquitetura da aldeia é simplória e sem
qualquer fato luminoso a dar-lhe vida tem-se a impressão de que todos lá estão
provavelmente dormindo.
A
predominância do azul na Noite Estrelada é equilibrada pelo laranja dos
elementos do céu noturno e pelos toques de verde no reflexo da lua. Van Gogh
usou ainda o branco e o amarelo para criar um efeito em espiral e chamar a
atenção para o céu. As linhas verticais, como as do cipreste e as da torre da
igreja suavemente quebram a composição sem retirar qualquer brilho do poderoso
céu, o dono incontestável deste show.
O certo é
que o próprio van Gogh não deu maior valor a essa obra de arte excepcional, não
só pela sua qualidade, mas pela raridade dentro da obra do artista, uma vez que
em comparação com outros temas mais favorecidos, como íris, girassóis, ou
campos de trigo, as paisagens noturnas são poucas. Van Gogh a mencionou a sua
melhor Noite Estrelada brevemente em suas cartas como um “estudo da noite”.
Há várias
interpretações da Noite Estrelada e uma delas é que essa tela retrata
esperança, pois van Gogh nos teria expressado que mesmo na sua escura noite
mental e trancafiado em um hospício, ainda lhe era possível ver a luz nas
janelas das casas e estrelas brilhantes para guiá-lo. Outros lembram que
durante anos a fio van Gogh dedicou sua vida à evangelização daqueles em
situação de pobreza - a quem dava o salário, os alimentos e as próprias roupas
- e acreditam que ele nos deixou uma mensagem religiosa refletida nas onze
estrelas da pintura. Em Gênesis 37: 9 pode-se ler:
“E sonhou
ainda outro sonho, e o contou a seus irmãos, e disse: Eis que sonhei um sonho a
mais, e eis que o sol, a lua e onze estrelas se inclinavam para mim.”
Parece-me
que os que assim interpretam essa pintura não perceberam que nela não há sol
(rsrs) e que nas pinturas, muito mais importante do descobrir o que o seu autor
tentou dizer-nos, é o que a obra efetivamente diz a cada um de nós. Para mim,
na Noite Estrelada de van Gogh, uma torre de igreja e um cipreste representam o
homem - o que pinta e o que observa - e ambos falam sobre o vasto poder da
natureza mas a reinventam enquanto apontam para Deus.
Essa Noite
Estrelada escalou o Everest das realizações artísticas e as consequências dela
são enormes. Tornou-se uma das imagens mais conhecidas na cultura moderna, bem
como uma das mais replicadas e procuradas impressões. Da canção de Don McLean “Vincent”,
inspirada pela pintura, a um número sem fim de produtos que ostentam esta
imagem, é quase impossível se desconhecer, em qualquer lugar do vasto mundo,
esta pintura surpreendente.
Pode-se
começar a perguntar o que na pintura é responsável pela sua popularidade
crescente. Para começo da conversa essa é uma cena com a qual todos podemos nos
relacionar. O céu mantém os olhos do espectador prisioneiros e faz com que se
desloquem sobre a pintura, seguindo as curvas e orientados pelas estrelas. Este
movimento mantém o espectador envolvido com a pintura, o faz reconhecer a
pequenina aldeia, ver as janelas iluminadas, resgatar memórias de seus próprios
anos de infância cheios de imaginação e de outros céus estrelados. Trata-se de
uma imagem universal, que fala ao coração humano.
Claro que
para entender o seu estilo dessa pintura temos de olhar para a imagem maior:
van Gogh como Hegel acreditava na supremacia da Arte, do “produto humano”
sobre quaisquer produtos naturais, era convicto de que o espírito, mesmo ao
produzir o maior dos absurdos, é superior à natureza que é cega, e pregava no
que parecia ser um deserto que “a arte não é para imitar a forma, mas para
criar formulário.”
Além disso, van Gogh tinha sido
treinado em Paris por impressionistas, mas inaugurou uma nova era na pintura,
tendo sido o primeiro dos pós-impressionistas da gema. Tanto o Impressionismo
quanto o Pós-Impressionismo foram dois imensos e inovadores passos na história
da arte. Embora ambas as tendências compartilhassem conceitos, os dois estilos
foram bastante diversos quanto aos objetivos e as técnicas.
O Impressionismo, que deve a Claude
Monet os seus primórdios, pretendia capturar um momento no tempo com a pintura,
registrar a visão inicial de seu entorno, com objetividade pura. Embora
variassem nas técnicas, todos os impressionistas compartilharam a rejeição dos ideais
românticos subjetivos e o impulso para registrar a realidade de um jeito
moderno.
Já o Pós Impressionismo, que de saída
pode ser definido como uma resposta ao Impressionismo, estava ligado ao desejo
dos artistas de ir além de uma representação passiva da percepção. A ideia
inaugurada por Monet da percepção imediata foi rejeitada por van Gogh, em favor
do ponto de vista pessoal e original do artista de seus arredores. Em outras
palavras, o Impressionismo foi filho da objetividade, enquanto o Pós
Impressionismo foi cria da subjetividade, embora ambos falassem línguas vanguardistas.
Van Gogh era espiritual e romântico
enquanto Cézanne pintava de forma mais intelectual e cerebral, mas ambos
alteravam a realidade e perseguiram a auto expressão e cada um deles teve um
estilo único, embora com perspectivas deliberadamente distorcidas. O Pós
Impressionismo destruiu a ideia de “arte como uma janela” e deu o espectador um
papel mais ativo, forçando o público a interpretar obras de arte, em vez de
observá-las passivamente.
O que
significa que os artistas deste período tiveram uma visão subjetiva do mundo
visual e pintaram o seu mundo de acordo com suas próprias percepções
artísticas.
Suas obras
refletiam suas próprias personalidades originais e percepções. No caso de van
Gogh, ecoaram ainda uma grande intensidade emocional. Ele gostava de pintar
paisagens porque elas refletiam melhor a sua alma divorciada das fronteiras
artísticas tradicionais. A Noite Estrelada é a personificação do estilo e da
expressão única de van Gogh. Na verdade, peças como estas têm desempenhado uma
grande influência sobre a arte moderna.
Mas essas
belíssimas noites não são para mim anúncios da morte do artista. Veja o caso
dos girassóis. Inicialmente, girassóis apareceram como pequenos detalhes nas
paisagens de van Gogh. Então, em 1887, em uma série de quatro óleos, ele fez um
estudo minucioso deles, enfatizando suas sementes, como símbolo de vida. As
telas foram consideradas “risíveis” pelos críticos parisienses. E van
Gogh continuou a pintá-los indiferente. Ele simplesmente gostava dessas flores.
Mas foi em
Arles que o grande "período girassol" de van Gogh aconteceu. Ele
estava tão satisfeito pintando seus girassóis que pendurou duas grandes telas
no quarto de Gauguin, para saudá-lo quando, depois de muita relutância e
atraso, o amigo chegou em 23 de outubro de 1888.
“Estou
pensando em decorar meu estúdio com meia dúzia de pinturas de girassóis. Minhas
pinturas são um grito simbolizando gratidão no girassol rústico.”
Van Gogh - Girassóis
Nessa
versão, que hoje faz parte da coleção da National Gallery de Londres, van Gogh
pintou quinze girassóis em um pobre vaso de barro contra um fundo amarelo em
chamas. Algumas das flores são frescas e alegres, outras começam a murchar e a
largar sementes, outras despencam tristes. Em parte a tela é uma meditação
sobre os caprichos do tempo, mas a imagem confere um toque vivo, dinâmico,
ferozmente colorido à longa tradição humana da pintura de flores.
O artista
combinava os amarelos das flores em contrastes brilhantes, as formas e linhas
das pétalas e dos caules lhe ofereciam renovados desafios, e no verão de 1888
ele pintava os girassóis de forma rápida e com grande energia e confiança.
Escreveu ele ao irmão
“Estou
pintando girassóis com o entusiasmo com que como uma bouillabaisse Marseillaise!”
(um ensopado de peixe provençal).
Van Gogh
percebeu de imediato que tinha criado algo importante e apreciava o fato dos
seus girassóis serem tão distintos ao ponto de funcionarem quase como sua
assinatura de artista. Como ele disse a Theo, em janeiro de 1889: “O
girassol é meu.” Portanto creio que a tela abaixo foi um dos bilhetes
suicidas mais eloquentes de van Gogh.
Van Gogh - Girassóis Secos
Há uma
extensa polêmica a respeito de qual teria sido a última tela de Vincent Willem
van Gogh. Charles-Francois Daubigny era um dos pintores mais conhecidos da
Escola de Barbizon. Mudou-se para Auvers por volta do ano 1860 e tinha lá uma
casa que se tornara um ponto de encontro para muitos artistas. Van Gogh pintou
o grande jardim em torno de sua casa várias vezes. Em julho de 1890, van Gogh
completou duas pinturas do jardim e mencionou estas obras em uma carta a seu
irmão em 23 de julho. Uma destas pinturas poderia ser a pintura final de
Vincent van Gogh.
Alguns
estudiosos acreditam, em vez, que Raízes de Árvores e Troncos foi a última tela
pintada por ele.
Não importa
qual das pinturas tenha sido, de fato, aquela derradeira. Todas as que
mencionei aqui foram pintadas às vésperas de sua morte e, portando, influenciadas,
em algum grau, pela decisão de van Gogh de acabar com a própria vida.
Atualmente não existe nenhuma prova de qual das pinturas de van Gogh foi a
definitiva. A menos que surjam novos dados, a questão permanecerá um mistério.
Van Gogh - Campo de Trigo com Corvos
Porém... Gosto
de imaginar que tenha sido O Campo de Trigo com Corvos pois tenho certeza de
que depois DISSO van Gogh teria abstraído.
Mais uma
vez são imensas as leituras desta tela de van Gogh e elas vão desde as mais
devotas às mais absurdas. Interpretações simbólicas podem ser muitas vezes
interessantes, e, ocasionalmente, reveladoras, mas o excesso de “interpretação”
de uma obra de arte coloca o espectador em risco de se perder na viagem.
As obras de
Vincent van Gogh proporcionam a quem as observa uma gama incrivelmente complexa
e bonita de assuntos para explorar e admirar. Suas cores são o produto de um
contador de “estórias” de habilidade indescritível. Em vez de buscar respostas
dentro dos campos de trigo ou no sussurro das asas dos corvos melhor é admirar
a cor, a vitalidade e a harmonia turbulenta de cada pincelada. Os segredos
intangíveis, se houver algum, estão dentro de nós.
“Eles são vastas
extensões de trigo sob céus incomodados, a fim de tentar expressar a tristeza e
a solidão extrema... Estou bastante certo de que essas telas irão dizer-lhe o
que eu não posso dizer em palavras”.
“Gosto das cores, das flores, das
estrelas, do verde das árvores, gosto de observar. A beleza da vida se esconde
por ali, e por mais uma infinidade de lugares, basta saber, e principalmente,
basta querer enxergar”
(autor desconhecido)
fotografia Dulce Regina
Tenho o privilégio de morar num bairro
onde ainda podemos ouvir sons agradáveis, reconfortantes e caseiros. Entre os
sons agradáveis estão o canto dos pássaros, e há uma infinidade deles!
Sabiá, Beija-flor e Sanhaço (olhe esse da
foto, fartando-se de uma bela goiaba madura).
Canário da Terra e Coleiro, com seu canto
maravilhoso!
Bem-te-vi anunciando a chegada da chuva.
Maracanã, que chega por aqui sempre em casal de namorados, fazendo o maior
barulho (veja esse lindo casal em cima do telhado).
Cambaxirras fazendo o seu ninho debaixo do
ar condicionado, buscando abrigo, calor e retribuindo com um canto matutino, chamando-me
para a Vida!
fotografias Dulce Regina
Todos eles nos brindam, ao amanhecer e ao
anoitecer, com notas sonoras de uma variedade incrível. As ruas desse
tradicional bairro são arborizadas e a maioria das árvores têm sementes e
flores, elementos essenciais para a presença desses pequenos seres que trazem,
com o seu canto, muita paz.
As flores dos Flamboyants mostram todo seu
esplendor no verão e, quanto mais quente o dia, suas flores resplandecem com
maior intensidade. As Amendoeiras começam a perder suas folhas no inverno e
seus frutos são o alimento para os micos que andam por toda a parte.
Esse colorido das folhas da Amendoeira me
trazem à memória um verso declamado numa festinha do primário pelo meu Ragazzo:
No jardim da minha casa
Há uma grande amendoeira
Que bela sombra ela dá!
Passo ali a tarde inteira!
As folhas já foram verdes
Mas, agora, são vermelhas
Parece uma casa nova
Toda pintada de telha.
(autor desconhecido)
As Figueiras são a marca registrada da rua
em que moro. Duas vezes ao ano, suas folhas se amarelam e caem, deixando, na
rua, um verdadeiro tapete macio... fica lindo!
Só os garis não gostam... Além disso, elas
são copadas, o que nos proporciona sombras refrescantes.
Tem ainda as Acácias, os Ipês roxo e
amarelo, os Tamarindos, os Manacás. As casas e os prédios mantêm as calçadas
limpas e com jardins floridos ao redor das árvores, arrematando a beleza das
ruas.
fotografias Dulce Regina
Os sons reconfortantes vêm da torre de
nossa paróquia situada na praça principal do bairro, cuja padroeira é Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, festejada no dia 27 de junho. Os sinos repicam a
cada hora e a cada três horas, chamadas de “horas canônicas”, ouvimos uma
canção litúrgica, sendo que a das dezoito horas é a Ave Maria.
Temos ainda as tradicionais procissões:
- celebração do Corpus Christi com um
lindo tapete colorido para a passagem do Santíssimo Sacramento.
- da sexta-feira da Paixão do Senhor,
conhecida como “Via Sacra”, o ritual lembra a condenação, crucificação e morte
de Jesus Cristo, em paradas e reflexões
- da comemoração do dia consagrado à
padroeira, com velas e cânticos religiosos.
Envolvidos nesse clima, nossa alma se
aquieta, para perceber a magia da mão de Deus. Seja através de um pôr do sol
atrás do Pico do Papagaio, pedra símbolo do bairro, a qual nos revela a
magnitude desse momento, pouco percebido. Essa imagem me surpreendeu bastante, pois
parecia um fogo no céu.
Estar atenta depois de uma chuva permitiu-me apreender a imagem do
arco-íris pela janela. A super lua majestosa, com a qual tenho uma relação de
amor muito grande, é aguardada sempre. A foto
foi feita no dia em que ela estava mais próxima da Terra no fenômeno chamado “perigeu”.
Em agosto desse ano, captei a imagem que só será vista
outra vez a olho nu daqui a vinte e quatro anos: os planetas Vênus e Júpter
alinhados.
fotografias Dulce Regina
Um destaque para os sons caseiros, pois já
estão em extinção. Pontualmente, às sete da manhã e às cinco da tarde, ouvimos
a buzina da bicicleta do padeiro. Ele nos traz pão, bolo e outros doces.
Uma vez por semana passa o "vassoura...vassoureirooo !!!", com
vassouras, rodos, espanadores. Em um dos cruzamentos de ruas, o “tripeiro” que
vende os miúdos do boi. Ele nos facilita na limpeza e no corte do rim, da
rabada, do fígado, da dobradinha. É uma ajuda e tanto! Até brinco com ele
dizendo: “Não precisa temperar, não”, de tão caprichado que fica o corte.
Até o final dos anos 90, tínhamos o “funileirooo!” (eram dois italianos que
se revezavam e eram muito conhecidos) que consertava panelas de alumínio e o “amoladoooor”, com sua bicicleta
acoplada com a roda de amolar facas, tesouras e outros objetos.
Vocês estarão se perguntando: “Que bairro é esse ? É no interior ?” Não, amigos... É o bairro residencial do Grajaú, encravado no meio dos bairros
Andaraí, Engenho Novo, Vila Isabel, Alto da Boa Vista e Lins de Vasconcelos.
Atualmente, ele vem se tornando um pólo gastronômico que, aliado aos Sons e
Imagens, é um excelente convite para visitá-lo.
Dama da Noite (imagem Gilberto Santa Rosa / Creative Commons)
Antonio Rocha
Himorogui é uma planta sagrada da PL – Instituição
Religiosa Perfect Liberty. A pronúncia que aprendi em japonês é Rimorôgui. É um
arbusto e não sei o nome científico. Himorogui significa “Morada de Deus”. No
Seiti “Terra Sagrada” do Japão existe um local específico onde está plantada a
referida árvore (este maravilhoso blog do Mano, já reproduziu uma foto da
colina onde está o Himorogui original)
No Brasil, em Arujá, SP, também há uma “Terra Sagrada”
e lá, numa pequena colina, plantaram uma muda da Himorogui que veio do Japão. É
ponto de peregrinação e devoção. As três vezes que fui ao Seiti brasileiro vi
pessoas acordando às quatro horas da manhã para ir rezar, meditar e fazer
preces no referido local.
O fundador, Mestre Kanáda (1863-1919) durante anos
orava diariamente ao pé desta árvore, pela manhã, não importava o tempo: chuva,
sol ou neve. Antes de morrer, ele pediu ao sucessor que continuasse com a
prática.
Kanáda era devoto do Grande Patriarca do Budismo
Esotérico Kobo Daishi (774-835), considerado santo e que fazia milagres. E o
citado sucessor, Tokuharu Miki (1871-1938), era monge budista da corrente Zen
Obáku. Que continuou ao longo de cinco anos a prática diária de Himorogui,
quando foi agraciado com percepções/intuições/iluminações, e continuou até os
seus últimos dias com a reverêcia ao Himorogui.
A prática me faz lembrar da árvore Bodhi (Ficus
Religiosa), sob a qual o Buda Sidarta Gautama atingiu a iluminação.
Bem, toda essa introdução é para contar que, como não
tenho muda do tal arbusto e na minha varanda tem uma bonita planta “Dama da
Noite”, resolvi, há alguns anos que ela seria a minha Himorogui. Percebi que
todo o reino vegetal é sagrado e podemos escolher uma planta ou mais de uma
para o nosso altar.
Diariamente, pela manhã e à noite, faço minhas orações
na varanda e reverencio a Himorogui Dama da Noite. Posso lhes garantir que cada
vez mais ela produz flores belíssimas e perfumadas e as demais plantas que são
tratadas como Himoroguis também ficam felicíssimas e floridas. Acredite quem
quiser, mas qualquer ser humano pode desenvolver fórmulas de conversar com as
plantas. Um ótimo treinamento espiritual. Se conversamos com o reino animal e
eles nos entendem e respondem, recomendo conversar com as plantas e árvores.
A oração/meditação/prece que mestre Kanáda fazia é
assim: “Mioyaookami (Deus) que se aloja nesta árvore, conceda o caminho para o
bem da humanidade. Por favor conceda essa graça... (faz-se o pedido para si ou
para outros).
Sugiro - quem quiser claro – eleger uma ou mais de uma
planta de sua preferência como Himorogui e diariamente, pela manhã e à noite,
fazer as preces... e sejam felizes! Claro, cada um faz a prece de sua
predileção, na Fé que professa.
As plantas entendem. Buda informava que muitos
espíritos moram no reino vegetal. Portanto, se você precisar podar uma árvore
ou planta, a recomendação budista é pedir permissão aos Espíritos que moram ali
para a poda.
Se é necessário cortar, peça, por favor, para que os
espíritos se mudem para outras árvores, pois é importante o corte da citada
árvore. E a Lei agora no Brasil é plantar outras árvores, em outro local, para
compensar a que foi cortada.
E aqui uma história interessante: moramos vinte anos
em uma casa que tinha um bom terreno, já falei desse belo quintal aqui no blog.
Com o falecimento dos meus sogros os cunhados resolveram vender o imóvel.
Foi comprado por uma jornalista holandesa. Mas antes
de entrar na casa, ela pediu que eu e minha esposa transferíssemos as muitas árvores
para ela. Em momentos diferentes cada um fez a sua transferência. A explicação
era que as árvores, com as cerimônias, não iriam sentir saudades nossas e iriam
aceitar bem a nova dona do terreno.
Foi uma experiência ecológica espiritual marcante.