Val D'Orcia (imagem mytours.it) |
Moacir Pimentel
Já vimos muitas paisagens campestres maravilhosas: os mares de cana
caiana pernambucanos, os arrozais dos deltas cambojanos, os socalcos plantados
de chá nas colinas do Sri- Lanka, as florestas de cortiça do Alentejo e as
vinhas à beira do Douro, as papoulas nos Países Baixos e toda aquela lavanda na
Provença, as terras bascas e aquelas altas na Escócia, a Bavária de contos de
fada, mas afirmamos que não há campos mais belos do que os do Val d'Orcia, na
Toscana.
É comum eu ter saudades das CORES da região quase tanto quanto da
COMIDA! A Toscana é uma terra frequentemente
definida por cores: siena e terracota, sépia ou azurro. Onde mais os humanos
batizaram uma cidade com um tom de amarelo: Siena?
Siena (imagem curioseety.com) |
Para quem está curioso para
saber porque cargas d'água sou tão focado em cores, talvez o fato de que, desde
menino, eu goste de sacudi-las em papeis e telas, explique. Quem brinca de
pintar o sete, mesmo como hobby, presta mais atenção a tais bobagens, pois
precisa tentar copiá-las e, coitado, jamais consegue por mais que as olhe.
Na Toscana as cores não são
fixas, mas intercambiantes. Seus tons mudam do amanhecer ao anoitecer e não
tente olhar para a Toscana com o sol a pino e alto no céu. As paisagens são
mais belas quando ele está menos arrebitado: no meio das manhãs preguiçosas e
das tardes perfumadas.
A Toscana é bela em todas as estações. Na primavera o verde dá o ar da graça
dele nos brotos e nas favas novas às quais ninguém resiste. Os pomares e
jardins e até mesmo as pequenas cidades de pedra antiga, se enfeitam com
canteiros de tulipas vermelhas, e as glicínias pendem sobre os portões das
casas. Os campos explodem em mil cores das flores que logo invadem os mercados.
fotografia Moacir Pimentel |
Na Páscoa, o trigo de inverno soprado pelo vento fica de um verde claro
e brilhante quando o sol, mesmo atrasado, resolve botar a névoa para correr e brilhar
sobre os campos.
As hortências merecem especial atenção em seus múltiplos tons de rosa e
azul que enfeitam as festas dos Santos – os prezados Antônio, João e Pedro –
mas empalidecem e desaparecem, logo a seguir e antes da chegada das multidões
de “estrangeiros”.
fotografia Moacir Pimentel |
Ah, o verão tão longamente aguardado! Os campos de trigo são pintados de
ouro até que se encontram, no horizonte, com os céus de indigo e com aquelas
nuvens inquietas de Michelangelo, enquanto as senhoras idosas vestidas de preto
se sentam nos bancos de ferro tingidos pela pátina do tempo, recostadas em
paredes terracotas. E o som dos sinos de tantas igrejinhas? Tem a cor da prata!
Já em agosto os campos recém-arados expõem o solo com cores que variam
de ferrugem escuro ao castanho claro, contra céus de um azul mais desmaiado emoldurados
pelos verdes acenos dos ciprestes.
Por lá a terra tem um tom de vermelho
fecundo que proporciona o equilíbrio perfeito para as azeitonas e videiras que
começam a se despedir de seus múltiplos verdes em meio a tanta, mas tanta luz
solar que a gente tem certeza de que, por ali, uma sesta à tarde nunca sairá de
moda.
fotografia Moacir Pimentel |
E as cores de uma refeição? Mamma mia! Os fardos de feno recém colhido
têm a mesma nuance de amarelo das massas
tornadas sepia pelos cogumelos porcini ou verdes pelo manjericão ou vermelhas
pelos imensos tomates, tudo regado pelo bendito azeite que é verde enquanto
olio nuovo e avermelhado em idades mais maduras. Já as polentas roubam dos
girassóis o seu estridente amarelo.
fotografia Moacir Pimentel |
É simplesmente impossível descrever a Toscana sem usar as cores como
adjetivos. Multicor na primavera, dourada no verão, de um bege aconchegante no
inverno, a Toscana é mais bela pintada com as cores do outono. Talvez seja
porque eu lá estive em muitos meses de colheita, mas a estação da queda das
folhas naquelas paragens é especial. Não exibe os tons brilhantes de vermelho
das folhagens das serras portuguesas, por exemplo.
A paleta de cores que melhor descreve o outono na Toscana é a dos tons
de marrom. Aqueles dos cogumelos e castanhas e dos deliciosos ensopados de
javali e coelho.
Tons de lilás e rosa pastel colorem apenas o céu no pôr do sol e tingem
as névoas da manhãs de setembro e duas flores sazonais - as urzes e as das romãs!
- bordam com um rosa mais quente as colinas.
Os tons muito pálidos de
marrom tingem algumas árvores e se infiltram nos fardos de feno esquecidos nos
campos e na terra arada. Porém são frequentes os toques de amarelo e laranja iluminando
as vinhas e árvores. São belas aquelas videiras e castanheiros onde as folhas
ainda verdes convivem com as moribundas.
E o vermelho?
fotografia Moacir Pimentel |
Ele fica por conta dos frutos
silvestres, das bagas, dos pêssegos, das ameixas tardias e de alguns tipos de
vinhas. Mas os amarelos e laranjas resistem nos caquis que passam do ocre ao laranja-cheguei
dependurados em árvores nuas, como ornamentos naturais de pobres árvores de um
Natal que se aproxima!
Tons quentes moram ainda nos crisântemos
que invadem os cemitérios no dia de Todos os Santos - primeiro de novembro - embora
os roxos e os lilases se destaquem nas flores outonais...
fotografia Moacir Pimentel |
São infinitos e ricos os tons
de roxo azulado das uvas que são colhidas em agosto e são quase pretas as uvas que
sucumbem em outubro. São roxas as azeitonas e são neros os tartuffi outonais.
Em meio às colinas as videiras
se parecem com aquelas vinhas escarlates pintadas por van Gogh!
Mas o verde é onipresente na
Toscana, mesmo no outono e no inverno. Muitas das árvores mediterrâneas não
perdem suas folhas, como por exemplo as oliveiras e os ciprestes que altaneiros
teimam em enverdecer as colinas enquanto o alecrim e sálvia resistem nos
campos. E à vezes a gente encontra até mesmo, numa horta da vida, inesperados e verdes trevos de
quatro folhas.
fotografia Moacir Pimentel |
De longe, os bosques parecem
verde escuro e as oliveiras parecem quase cinza, o que contribui para um bom
contraste com a grama verde brilhante que dá o ar da graça dela sempre que
chove. Certas azeitonas teimosas prolongam-se na verdura.
Quando as temperaturas caem, em
dezembro, as árvores e as videiras geralmente nos recebem sem folhas mas,
estranhamente os campos se tornam verdes novamente. Um mistério.
Pude acompanhar em várias oportunidades durante mais de três décadas
esse caleidoscópio de cores vivas nas
coisas pequenas da Toscana. O imenso espaço, a sensação de liberdade, a certeza
da generosidade da terra, porém, não mudam jamais. Afinal é o mesmo ar seco e
abrasante do verão, que ao abrandar, transforma a paisagem, amadurece os frutos
dos campos e dá uma guinada nos sabores: a panzanella se apresenta rosada de prosciutto,
a polenta é servida com porcini brancos e nas fruteiras das velhas cozinhas os melões
e as cerejas cedem lugar às ameixas, aos pêssegos e aos figos com nuances de escarlate.
Os sinais dos quatro
equinócios são arautos de novas atividades e itinerários na Toscana. Eu prefiro
o outono. Talvez por que o verão é abafado e quente e já no começo de setembro
as brisas frescas e amenas são mais do que bem vindas. Ou porque os dias começam a passar
mais devagar, tornam-se mais curtos e mais frios. É bom voltar a dormir sob
cobertas, assombrados pelas nuances de verdes, amarelos, vermelhos e rosas clicadas
nessas fotos.
Ou talvez porque, na Toscana,
durante os meses de setembro, outubro e novembro a Mãe Natureza agrada os
mortais com seus principais produtos: vinho, azeite, a castanha e as trufas
brancas que os toscanos caçam há centenas de anos...
Mas essa já será outra “conversa”.
1)Moacir, meu vizinho planetário é um pouco de cada Arte: poeta, pintor, escritor, professor, escultor, fotógrafo e agora tive a intuição de que ele também é um excelente Cromoterapeuta.
ResponderExcluir2)A forma como ele descreve as cores lembra um tratamento de Cromoterapia, não apenas para os olhos, mas para o coração, para as células e todos os neurônios.
3)E eu? Admirador da Cromoterapia, fico ad-mirando a Natureza que Moacir nos descreve.
4)Miração bela !
Oi Moacir,
ResponderExcluirvocê hoje vicejou nas palavras e fotos.
Que trevo de quatro folhas é esse que você fotografou?
Agora sim, Antonio me deu o caminho das pedras: poeta, pintor, escritor, professor, escultor, fotógrafo e... COLORISTA (posso arriscar ou falei bobagem?).
Amei as fotos e seu texto é como comida boa, atrai pelo cheiro, e/ou pela forma como é apresentada. E isso, a apresentação que você faz de tudo, é de dar água na boca.
Ah: e sou apaixonada por uvas.
Abraço
Ofelia
Pimentel,
ResponderExcluirMais uma descrição irrepreensível de uma região maravilhosa, a Toscana, na bela Itália.
Esta foto corre o mundo, de cores extraordinárias, e da fartura dos campos de Toscana, símbolo de um país desenvolvido, apesar de suas tradições e cultura milenares.
Admiro e me encanto com estes relatos, Pimentel, pois soubeste aproveitar as viagens que fizeste muito bem, para nossa alegria e conhecimento de nações e povos que tão bem caracterizas em teus textos.
Um forte abraço.
Saúde e paz!
Moacir,
ResponderExcluirDe todos os seus artigos talvez esse seja o que mais me encantou. Não só porque amo as cores mas porque vi na leveza dele uma forma colorida de olhar para a vida enquanto é tempo, já que um dia ela inevitavelmente 'descolorirá'. Talvez porque me fez lembrar da linda canção Aquarela do Toquinho que eu cantava pro meu filho e cantarei pros meus futuros netos cujos versos lhe dedico com um beijo azul no tom que você preferir. Obrigada!
Oiiiii...você literalmente não é um " menino pueril " - nossos amigos ainda não conhecem essa sua particularidade -, você é " animal "... Rsrsrs - entrando no linguajar jovem - Toscana, Toscana !!! Feliz de você que pode estar lá, em todas as estações, e viver o dia-a-dia, dessa região maravilhosa, da NOSTRA ITÁLIA . Com a seguinte observação : estar com todos os sentidos humanos apurados e a devidamente aproveitados, desde as coisas majestosas, até as " pequenas coisas " - essas sim são de um encantamento inigualável. Pequenos detalhes que passam despercebido por muitos, são encontrados no seu olhar atento, no seu paladar apurado, no seu olfato canino, no seu tato suave e na sua audição felina. Percebemos isso tudo no seu belo relato , e na linda exposição de suas fotos. Continue meu amigo a maravilhar-nos , pois sei que você tem um tesouro de saber guardado, nas suas pretinhas e na sua trajetória de mochileiro. Me senti na Toscana...Abraços, Dulce
ResponderExcluirBom dia, Moacir. Não sei se leio ou olho as fotos. Liiiiindas! O seu artigo colorido quase me faz jogar tudo pro alto e decretar merecidas férias verdes nesta manhã cinzenta de segunda-feira. Uma semana amarela de sol e branca de paz para você.
ResponderExcluirMoacir, suas cores da Toscana são lindas, aromáticas, deliciosas! Invejo quem, como voce, já experimentou isso. Tem mais,invejo tb sua escrita apaixonada. Obrigada! Bolonha fica perto da Toscana?Se sim, por favor, escreva um dia sobre o inclassificável Morandi? Se não, escreva também! Obrigada de novo.
ResponderExcluirAntônio, meu vizinho cósmico, a árdua e grande missão do magistério foi a sua escolha e me conte fora dela em toda e qualquer matéria, mas me mantendo na sua lista de presença como teimoso aprendiz, por favor. Quanto à cromoterapia nada sei, a não ser que os quartos devem ser azuis e as lanchonetes vermelhas. Por que você não nos conta mais?
ResponderExcluirOfélia, os trevos moravam num canteiro de uma casa rural onde paramos para almoçar em Montefioralle, um pequeno borgo pertinho da cidade de Greve no coração do Chianti, a terra das uvas e dos vinhos e das figueiras, daí a origem antiga do nome do Monte.
Bendl, fizemos o nosso melhor pelas estradas da vida e o que mais se pode pedir a um cara? Fico feliz de você ter apreciado o texto e quero muita saúde e paz para você também.
Flávia,"numa folha qualquer eu desenho um navio de partida/Com alguns bons amigos bebendo de bem com a vida/De uma América a outra consigo passar num segundo/ Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo"....Nem que seja um da lua!!
Dulce, minha querida , tenho certeza que nossos leitores "sacaram" perfeitamente a minha mega "animalidade" nada pueril(rsrs)Jamais deixe de comentar por aqui. O blog perderia muito de graça e espontaneidade e energia!
Mônica, pedindo emprestado as palavras de Tiago de Mello no artigo II dos Estatutos dos Homens: "Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as segundas-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo."
Ana, seja bem vinda! Gostei de saber que você me acompanha nessas minhas andanças pelos museus do vasto mundo e agradeço-lhe honrado pela companhia. Bolonha está praí uns cento e poucos quilômetros ao norte de Florença. É pertinho. Sabe? O velho Giorgio fez parte das primeiras aulas de desenho que tive, ainda garoto, e que eram ministradas por um "desprofessor" nazista da gema. Não foi um bom começo. Porém a minha cara metade é devota e tem me ensinado a língua dele com muito mais carinho nos últimos 35 anos. A essa altura , apesar de lento, eu já abstraí que as garrafas do Morandi não são apenas garrafas e prometo-lhe que vou sim tentar rascunhar sobre ele.
Muito obrigado e um abraço geral.