Moacir Pimentel
Nenhum
outro pintor foi capaz de ouvir com mais atenção e interpretar melhor a beleza
da música cromática da noite do que o sofrido Vincent van Gogh. Após exprimir
em paletas sombrias o sofrimento humano, a vida miserável dos mineiros e camponeses
e da gente humilde para quem pregou palavras de conforto, em sua alucinação
expressionista van Gogh descobriu, no período que passou em Arles - entre
fevereiro de 1888 e maio de 1889 - sob a influência dos dias iluminados pelo
sol do Midi francês, o impacto das cores vivas da primavera que o conduziram a
um novo cromatismo, bem como a uma nova visão fulgurante de um universo mais
profundo e largo.
Com estas
descobertas, uma notável irradiação surgiu em suas telas, o que lhe permitiria
ultrapassar o Impressionismo para atingir uma arte exaltada e violentamente
expressionista.
Depois de
ter pintado as terras, os homens, o sol e as flores, a genial sensibilidade do
pintor o conduziu às paragens cósmicas, à lua, às estrelas e aos planetas. Van
Gogh ruminou a ideia de um céu noturno azul pontilhado por estrelas amarelas durante
muitos meses antes de começar a escrever ao irmão e a amigos sobre sua intenção
de pintar “céus estrelados”.
Ele
confessou alguns desafios técnicos que desejava enfrentar, nomeadamente a
utilização de cores polêmicas, as complicações de pintar ao ar livre e as
dúvidas que tinha quanto a ser capaz de chegar aos seus objetivos se, em vez,
trabalhasse em casa e a partir da imaginação.
Ao retratar
o pintor belga Eugène Boch, por exemplo, van Gogh rodeou o amigo de estrelas.
Ele escreveu para o irmão Theo sobre o retrato que estava planejando:
“Em vez de
pintar a parede ordinária deste gasto estúdio, vou pintar o infinito, eu vou
fazer um fundo simples com o mais rico dos azuis, o azul mais intenso que eu
puder criar, e contra ele vou obter um efeito misterioso, como o das estrelas
no céu”.
Van Gogh
chamou essa tela de O Poeta e pendurou-a por algum tempo na parede de seu
quarto na Casa Amarela. Ambas as telas moram hoje no Museu Van Gogh, em
Amsterdam.
Outras
cartas de van Gogh neste período mencionam elogiosamente o pintor Delacroix e o
uso que o mesmo fazia das “duas cores mais condenadas: o azul e o
amarelo-limão”. Ora, tais cores seriam as cores das noites estreladas!
Na
realidade, a leitura da correspondência de van Gogh permite que um leitor
atento e apreciador dos quadros do artista vá repintando com ele a sua arte. O
pintor descreveu, por exemplo, como o azul e o amarelo tinham sido usados para
definir uma figura do Cristo, naquele barco sobre as agitadas águas do Lago de
Gennesaret pintado por Delacroix, e ficou muito feliz ao perceber que o Jesus
do francês tinha uma auréola verde-limão. Sobre essa descoberta pictórica, van
Gogh escreveu:
“Delacroix
pinta o Cristo com notas luminosas de amarelo-limão que possuem os mesmos
indizíveis charme e estranheza de uma estrela em uma esquina do firmamento”.
Podemos
afirmar, baseados em prova escrita, que van Gogh pulou da cabeça aureolada do
Cristo de Delacroix para... as estrelas.
Seduzido
por elas, o artista pintou no outono seguinte aquele colorido Terraço no Café e,
em seguida, as primorosas cintilações e os reflexos em amarelo-limão das
estrelas nas águas do Rio Ródano, sempre procurando exprimir as noites cheias
de estrelas em uma nova realidade luminosa e cromática até então desconhecida
dos artistas.
Van Gogh
confessou a seu irmão que experimentava uma terrível necessidade de sair à
noite para pintar as estrelas. Movido por este impulso, van Gogh instalou-se às
margens do Ródano, sob a luz de um lampião de gás iluminando a paleta e a tela.
Deste modo, van Gogh pintou A Noite Estrelada sobre o Rio Ródano, segundo o
artista “uma de suas obras mais calmas”.
Essa tela
contém um aspecto final importante: seres humanos! No canto inferior direito da
pintura há um casal caminhando ao longo do rio. Isto dá a pintura um caráter
diverso da Noite Estrelada mais famosa, uma qualidade natural, um pé no chão.
O Terraço
do Café foi a terceira das noites estreladas do pintor. Nela, porém as estrelas
são consumidas em sua própria luz e a parede amarela brilhante atrai mais a
atenção do observador, em vez de ajudá-lo a mover os olhos em torno da pintura
até o céu.
Do ponto de
vista artístico, van Gogh encontrou em Arles, na Provença, uma nova harmonia na
expressão da noite que não só seria percebida como símbolo da vida, mas também
da morte. Depois de uma crise nervosa, na véspera do Natal, o pintor das
estrelas, já com uma orelha e meia, solicitou ao irmão ser internado em um
asilo. No período que passou e pintou no hospício de Saint-Rémy - de maio de
1889 a março de 1890 - as estrelas continuariam dominando as suas telas, agora
associadas aos ciprestes, que van Gogh achava mais belos do que as catedrais
pois “parecem ascender ao céu como flamas verdes imensas”. Disse o
artista:
“Os
ciprestes ocupam-me constantemente, gostaria de fazer deles alguma coisa
semelhante às minhas pinturas de girassóis, pois admira-me que ainda não tenham
sido pintados como eu os vejo. Nas linhas e nas proporções são tão bonitos como
um obelisco egípcio. E o verde é um tom muito especial. É a mancha negra numa
paisagem batida pelo sol, mas é um dos mais interessantes tons do negro.
Todavia, não posso pensar em nenhum outro que seja mais difícil de obter. Tem
de se ver os ciprestes aqui contra o azul, ou melhor, dentro do azul”
Dos seus
quadros sobre o tema do céu noturno estrelado, o mais notável talvez seja O
Caminho dos Ciprestes, pintado em maio de 1890, em Auvers-sur-Oise, dois meses
antes da morte do pintor.
Van Gogh descreveu
a tela a Gauguin, em uma carta datada de 17 de junho de 1890, nos seguintes
termos:
“Eu ainda
tenho que terminar um cipreste e uma estrela. Uma última tentativa. Um céu
noturno com uma lua sem brilho, só um delgado crescente emergindo da sombra
opaca projetada da Terra, uma estrela com um brilho exagerado, se você quiser,
um brilho suave de rosa e verde no céu azul ultramarino por onde passam as
nuvens. Muito romântico, se lhe parece, mas também acho que provençal...
Abaixo, uma estrada faz fronteira com o trigo alto e amarelo, por trás dele, em
azul, os Baixos Alpes, um hotel antigo, com janelas amarelas iluminadas e um
cipreste muito alto, muito simples, muito sombrio. Na estrada, um carro amarelo
com um cavalo branco e dois viajantes.”
Nessa tela,
o que se destaca de imediato é a tal “estrela com brilho exagerado”, ou
seja, Vênus, que segundo os especialistas esteve em conjunção com a Lua em 19
de junho de 1890. Convém lembrar que, à época, a estrela da tarde
apresentava-se como um astro de visibilidade vespertina, na constelação de
Câncer e que na Europa a lua é diferente. (rsrs)
Em Portugal,
o ditado popular ensina que a lua mente. Pois quando está Crescente no céu
desenha um D e quando está Decrescente se pinta em um C. Aquilo que van Gogh
descreveu como uma sombra opaca projetada da Terra, de onde escapava o tal
crescente lunar, é um velho fenômeno conhecido como a “luz cinérea”, comum logo
que tem início a Lua nova. De fato, a lua nova crescente e fina e pouco
luminosa, permite que uma luminosidade discreta, meio acinzentada, oriunda da
Terra, seja visualizada enquanto é refletida pela superfície do nosso satélite.
Não deixa de ser interessante que van Gogh, apesar da exaltação das cores e em
plena depressão, estivesse ainda tão atento à realidade dos fenômenos, enquanto
recriava a sinfonia cromática do céu.
Neste
quadro me chama a atenção justamente um detalhe desimportante não mencionado
por seu autor. As imagens dos quatro viajantes dessa estrada, dois na carroça e
dois caminhando, como peregrinos em uma viagem.
A presença
do cipreste divide o espaço pictórico, enfatizando que o seu impulso é
vertical. Muitos historiadores das artes enxergam neste quadro mais do que só
um cipreste e, ao seu lado, os círculos concêntricos de luz de uma estrela
vespertina. Para muita gente boa, o cipreste seria uma espécie de obelisco da
morte e a lua crescente recém-formada um lembrete da preocupação predominante
de van Gogh com a renovação e o renascimento.
Esta
pintura, ainda mais do que a Noite Estrelada, seria uma comovente declaração do
artista de que estava chegando ao fim de sua vida terrena e já mirava a
esperança da libertação eterna na morte. Quem interpreta assim espiritualmente
A Estrada percebe nela um portão para a eternidade - essa imagem imponente do
cipreste que sobe da terra aos céus - e acredita que as estrelas representam o
anseio de van Gogh de união final com o Infinito. Eu acho que ao pintar essa
maravilha van Gogh estava buscando algum consolo enquanto pensava na morte, que
para ele seria não mais pintar.
Nas cartas
trocadas pelos os dois irmãos - Theo e Vincent - se pode constatar que o
marchand mais novo, sustentava o pintor, financeira e emocionalmente. Van Gogh
dependia da caridade de Theo para continuar pintando. Pode-se ler nas cartas
motivos para as crises depressivas ou maníacas do artista. As brigas com
Gauguin e a orelha mutilada, por exemplo, foram precedidas pela notícia do
casamento iminente de Theo e Johanna, o que pode ter levado van Gogh a imaginar
que a sua possessiva relação com o irmão estaria ameaçada.
Poucos
meses antes de tirar a própria vida, van Gogh soubera que a tuberculose de Theo
se agravara - ele veio a falecer apenas seis meses após o irmão mais velho e
foram sepultados lado a lado - e que devido às despesas crescentes e à saúde
debilitada que o afastava de seus negócios, Theo não mais poderia ajudar
financeiramente o irmão pintor.
Foi
exatamente aí que a depressão de van Gogh se agravou e que a sua caminhada talvez
tenha tomado o rumo trágico.
Mas a
Estrada não foi a “última tentativa” de retratar a Provença feita pelo
pintor. Não tenho como saber se o quadro representa a vida humana no contexto
do infinito e da eternidade. Para mim os peregrinos nessa estrada sinuosa, o
cavalo avançando cansado no fim do dia, a pequena pousada proporcionando
sustento e alegria para o viajante, todos são dominados pelo cipreste
impressionante que cliva o centro da composição. Em ambos os lados deste
símbolo de tristeza - e não de morte - a estrela vespertina e a lua nova enchem
o céu escuro com círculos de energia radiante em expansão. Sugerindo as
possibilidades de descanso noturno e da renovação.
Percebo
ainda uma perspectiva cósmica, maior e mais ampla, para uma cena terrena e
sinto que talvez van Gogh tenha tentado comunicar consolo espiritual aos
caminhantes. Parece-me significativo que o quadro fale do crepúsculo, mas
olhando para a iluminação dessa pintura, não há como não perceber que nela as
minúsculas figuras humanas não têm peso e importância e que o drama está no
céu, onde o halo de luz brilhante circunda a estrela dourada, fazendo-a girar e
vibrar, e a lua de van Gogh quase queima assim tão dura e texturizada por tons
laranja.
Esse céu
escarpado e luminoso de traços grossos transmite uma sensação selvagem, algo de
indômito, como se tivesse sido pintado furiosamente. Van Gogh mesmo quando
pensava na morte, pintava a vida.
Olá, Privilegiado
ResponderExcluirEste comentário é do outro texto, estou atrasada.
Com o dom da escrita e a felicidade de perambular por lugares tão maravilhosos, só podia dar nisso! Belos textos que me deixam de água na boca. Neles vi as cores e senti os cheiros e provei os gostos. Ah! Os pães, de tudo, os meus preferidos, os legumes virando sopas, o azeite fio caindo no pão tostado, as massas e as ervas!
Andei por lá nos seus escritos, provei cada delícia e cheirei cada cheiro. Passeei nas vilas sem os bárbaros e sentei nos cafés com os nativos.
Obrigada!
Mas como uma velhinha em formação, sou muito curiosa e fofoqueira. Como todas, aliás. Quando, um dia , voce vai falar de si e mostrar suas pinturas, suas tintas, suas cores? E seus delírios? E contar da angústia do criar? Ou voce não tem isso, e pinta como escreve, feliz e livre, e cheio de inspiração?
Até mais.
1) Licença, vou pegar carona no comentário da Ana e cobrar do Moacir que ele nos brinde com os seus quadros. Em outro comentário Pimentel disse que não era bom pintor.
ResponderExcluir2)Lembrei de uma frase do espanhol Juan Miró (1893-1983) que me acompanha há décadas: "Eu desenhava muito mal e foi a luta contra essa dificuldade que me fez artista"
3) Adaptei para o meu caso: "Eu juntava as palavras muito mal e foi a luta contra essa ansiedade que me fez aprendiz de escritor".
Moacir,
ResponderExcluirEu queria lhe agradecer pela Oração de Dante na outra pauta e por me dizer que La Pia suplicava por orações ao pedir que se lembrassem dela. Lindo! É muito interessante este segundo capítulo sobre Van Gogh que trata do que mais me encanta no artista que é a espiritualidade dele. O que eu sinto nas telas das estrelas é uma busca desesperada. Gostei de ler que ele 'pulou' do halo cor de limão de um Nosso Senhor Jesus Cristo para as estrelas. Talvez este seja o resumo perfeito da triste vida de um devotado pastor de almas que virou um dos maiores pintores da humanidade. Um sábado abençoado para você.
Oi Moacir, gostei muito do seu comentário sobre as noites estreladas. É quase um 'ora direis, pintar estrelas'. Li em algum lugar que van Gogh 'também' usava velas no chapéu para pintar à noite. É possível?
ResponderExcluirTambém queria te dizer que vi a Pietá. Estranho a barba e os cabelos de Jesus serem ruivos, ou não? Esse Jesus de que falo não tem algo de van Gogh? Ou vi demais?
Sinto tristeza ao imaginar o não reconhecimento do gênio na época em que viveu e o deixou sobreviver às custas do irmão Theo. A vida foi muito injusta com van Gogh, como acontece às vezes.
Seu texto ficou muito bonito porque só fala de beleza. Eu é que estou cansada para lembrar de tantos detalhes.
E penso como os amigos das 'conversas'. Também gostaria de ver seus trabalhos. Se tiverem o mesmo ímpeto do escritor e admirador da boa mesa, certamente você está escondendo o ouro.
Um abraço
Ofelia
Ana, adorei a sua definição para todos nós : "velhinhos em formação" que - graças a Deus ! - ainda são muito curiosos. A cada palavra que escrevemos por aqui, colocamos mais uma peça nos nossos quebra-cabeças.Tendo em vista o caminhão de pretinhas que despejo no blog a cada post , não sou mais um "lançamento" (rsrs). Sinceramente nunca parei para pensar se o processo criativo é mais sofrido ao pintar. Eu tenho escrito todos os dias da minha vida desde que era um piralho. Pintar é diferente : é mais como um impulso. Tem horas - cada vez menos frequentes - que eu tenho que pintar algo e pronto.
ResponderExcluirAntônio, quanto mais envelheço, mais livros leio, mais filmes assisto, mais textos salvo, eu já não preciso que eles sejam perfeitos do começo ao fim. Não estou nem aí para tropeços na narrativa, para descontinuidades cênicas , pouca luz ou excesso de efeitos especiais. Aprendi a conviver com tudo isso.E me basta um parágrafo, uma cena,um esquina verdadeiros e inspirados para que as obras de arte se tornem , para mim, encantadoras. Porém depois de tanta estrada , tantos museus e exposições e livros de arte eu me tornei capaz de , pelo menos, distinguir a arte da que não chega a ser . Acredite quando lhe digo que sou um péssimo pintor.
Flávia, só temos duas maneiras de entender quem foi Vincent van Gogh: ler as pungentes cartas e olhar as maravilhosas telas dele. O resto é poesia e a nossa bendita imaginação.
Ofélia, sim o Cristo era ruivo e o último dos girassóis estava seco e sobre o derradeiro campo de trigo havia corvos negros. E em cada cena, em cada luz "tremeluzindo" , em cada cipreste retorcido pintados por ele a gente se encontra, reconhece a nossa frágil humanidade, a nossa velha angústia, os nossos enormes limites e, de um jeito especial , nos sentimos abraçados. Apesar de visceralmente individual , de personalíssima , a linguagem de van Gogh é universal. Talvez isto seja arte. O resto? Não vale a pena.
Abraços para todos e muito obrigado
Estou escrevendo em post velho,porque além de ser sobre ele, fica só entre nós,combinado?
ExcluirConcordo , quanto mais voce envelhece (eu ,voce e tantos outros)mais lê, assiste e escreve, e coleciona,porque não se importa tanto com os tropeços e se encanta com um parágrafo, uma cena, uma cor. Por outro lado, suas andanças apuraram seu olhar, seu gosto, suas escolhas. E quando isso acontece, ficamos mais seletivos, sem querer, sem às vezes nem perceber.
"A gente aprende a viver com tudo" e também a viver sem rótulos. Por que os artistas plásticos, vi isso muito nas EBAs da vida, e nas conversas dos intelectuais da área, sāo visceralmente contra os artesãos? E aí os irmãos Campana vāo longe, atrás de bonecas artesanais e fazem uma poltrona fantástica. Picasso não bebeu da água escorrida das máscaras africanas ? Paul Klee não desenhou com suas crianças enquanto cuidava delas? Brennand não faz caneca? O que é uma obra de arte? Por que fica? E o que faz uma música ser clássica?O que será clássico daqui um século? O que é belo? Deito no campo da Estética onde o belo não se define nem se explica. Simplifiquei demais?Talvez, mas agora justificada, me encontro no espaço da fruição, estabacada diante de uma coisa que me arrebata, seja no museu,no mercado,na feira de artesanato. No Louvre, no Guggenheim (nem nunca estive lá, imagine )ou em Embu das Artes.
Não me incomoda se me maravilho com a "bureca" lá de Haifa ou com o croissant do Champs Elysées (ou seja lá onde fica esse acento) ou com o pão aqui da esquina (sou neta de padeiro português,de onde pulsa minha veia lusitana). Calma, estou indo muito longe... Sei a diferença. Uma vez, em casa de amigos, encontrei uma professora de escultura do meu tempo de EBA,que ,inadivertidamente ,chamei de ceramista. Quase fui mordida!
Se voce tiver respostas, me ajude a mudar os meus conceitos.,
Penso mais depressa do que me expresso (ainda bem, senão já pensou o tamanho das pretinhas?) e me perco nos meus pensamentos. Consegui me explicar ou talvez esteja só querendo uma justificativa para pensar que alguns trabalhos meus possam ser bons, apesar de que nunca chegarão a uma Bienal, galeria ou museu. E que como voce, nem gosto de mostrar.
São só perguntas e perguntas e perguntas e por nāo ter respostas, continuo ignorante, no sentido restrito da palavra. Vantagem, posso ser incoerente,aleluia! E de falar bobagens. Ossa, como diz o meu lindo (netinho), acho que me empolguei.
Só mais um pouquinho e acabo. Minha mãe foi uma mulher muuuuito interessante. Adolescente , em Ouro Preto, fugia de casa para a casa do vizinho , que tinha no sótão uma bela biblioteca. E lá, ela conheceu Gogol, Zola, Tolstoy e muitos outros. Quando voltava para casa apanhava do pai( meu avôzinho padeiro), que devia pensar em abusos, coisas assim. E, no outro dia, ela voltava para ler mais. E, com certeza, levar novas surras. Fiz Belas Artes, agora Artes Gráficas, já coroa. E minha mãe participava de tudo , das exposições, dos colegas, professores, amigos, roubando muitos deles.Uma vez, eu a levei à Bienal de SP, aquela da montanha de tênis velhos, voce se lembra? Eu a perdi de vista, e a encontrei sentada no chāo, no meio de uma roda de repórteres,dando entrevista, dizendo que aquilo, a montanha de sapatos, ela fazia em casa. O primeiro repórter se aproximou pensando que ela estava passando mal. Daí... Sabiamos bem que não era assim,mas nos divertimos bastante, as duas!
Bom, tudo isso para dizer que continuo querendo ver um trabalho seu. Curiosa alem de teimosa.
Até mais.
Cara Ana,
ExcluirPois é. De volta a esse "cantim mineirim" para tentar gaguejar que entre as tantas coisas de que não entendo, estão a arte e essa coisa funda que dentro de mim a persegue e que parece não se encher nem com um oceano e como a minha alma fica mareada com tudo isso.
Entendo um tantinho da vida , mas só o suficiente para frutificar dúvidas quanto ao tema. Aí o meu desentendimento - não é desinformação - de arte brinca de chiaro e buio naquele tal canto lá. Talvez seja porque antes de eventualmente chegar à minha razão, a arte apalpa a minha alma e depois alcança meus olhos e nessa viagem os nexos ficam pelo caminho e, assim, sei que sei , sei que entendo, mas não posso lhe explicar o que é por que está entre a alma e a razão , uma tradução infiel da outra.
No entanto a gente lê que a ciência desmentiu a doce Miss Austen, que já não há mais a vastidão de um continente entre a razão e a sensibilidade , porque , veja você, também as nossas emoções são neurais. E para tumultuar mais ainda o meio do campo, a gente dá de cara com aquelas nebulosas do Hubble e enxerga as pinturas grandiosas da ciência.
Desde os prezados gregos se tem filosofado sobre o que seria a arte, sobre o belo, sobre o prazer estético, sobre a fruição da beleza , sobre a catarse e que tais. Quem sou eu para lhe dar novas respostas para perguntas tão velhas? Dizem que arte é a mais individual da expressões e que portanto resulta da auto investigação pessoal , do cultivo da imaginação além do prático e utilitário e ela tem que ter o carimbo da cultura na qual foi criada além, é claro, do selo do seu tempo e eu fico tonto com tantos regulamentos.
E a impressão que eu tenho é que ao tentar defini-la e decidir o que é belo ou não, eu apenas limito possibilidades, desvalorizo as dissidências e diferenças, desisto de algumas liberdades , esqueço do poder da imaginação.
De certo que pelas minhas estradas - nem sempre asfaltadas ou craseadas (rsrs) - os sentidos foram se apurando, ficaram mais exigentes e seletivos - hoje a certos vinhos hoje prefiro passar a pão e água.
Aliás o pão da minha vida foi português , com certeza , uma broa de milho , degustada numa cozinha sombria e esfumaçada numa velha aldeia de nome Ansião, feita pelas mãos de pergaminho de uma "velhinha em formação" de 87 anos e colocada para esfriar envolta num pano de linho defumado também bordado por ela , onde os Bs moravam no lugar dos Vs e vice versa: " Bai berso amigo com o bento e leva veijinhos para o meu amor ".
Acredite, AQUILO tudo, a senhora, a ambiência, a casinha de pedra, ,a poesia bordada, a fumaça, o fogão de lenha,o lagar, as fotos que tiramos, foi uma dose cavalar de beleza na veia!(continuo teclando abaixo pois o tal do Blogger acaba de diagnosticar um excesso de pretinhas)
Continuando o tratado - sou prolixo de infância, desculpe-me - talvez a coisa mais importante que a arte tem me dado, Ana, é uma espécie de proteção contra o tédio que, em última análise, é a experiência humana mais terrível e mais perigosa, porque cria um sentimento de inutilidade, quase de ressentimento, um negócio destrutivo.
ExcluirDigamos que Dona Arte tem me mantido com fome, curioso e interessado e - para além de todos os cânones de beleza - ela segue valente, me surpreendendo, me encarando de frente , de dentro dos livros, de fotos antigas e atmosféricas em preto e branco,de orientais caligrafias, do Google Imagens com as cores falsificadas, das paredes bem iluminadas de modernos museus ou daquelas descascadas das vielas , dos nichos escuros de igrejinhas caindo aos pedaços, do asfalto e do aço, de calçadas em feiras de artesanato, das oficinas nas medinas, dos vales do Jequitinhonha da vida, de instrumentos musicais, de pichações, de pedras e mármores, de colagens e grafismos, de resinas e vidros e instalações, de arquiteturas loucas de pedra, do sagrado barro - viva os comedores de barro entre os quais Rosa Ramalho e os demônios dela - do lixo, de tocas onde se esconde e desintegra a raça...mas jamais de uma das minhas medíocres telas figurativas. Figurati!
Mas topo o desafio de mostra-lhe uma delas , se antes e aqui nas Conversas a senhora nos falar e mostrar o seu trabalho. Que tal?
Até lá fico por aqui falando baixinho e pintando mal mas convicto de que arte deveria ser verbo e não substantivo e que um dia, em algum lugar , no topo da colina ensolarada da consciência ,conseguiremos fruir tudo o que precisamos e o que já perdemos e o que não fomos e alcançamos e até mesmo as artes que não fizemos e a beleza que não criamos.
Onde desconfio que seremos arte , Ana.
Abraço
Olá , Moacir,fui buscar lã e saí tosquiada! O que faço agora: decido não te escrever nunca mais, porque o seu texto é sequencia de poemas, e prescinde de qualquer comentário, e intimida pobres mortais; topo o desafio, que nunca foi minha intenção, me viro do avesso e mostro um trabalho meu e ainda tenho que falar sobre ele; ou te peço para publicar o comentário para que os outros também possam usufruir dele? Sem palavras, até mais.
ExcluirOlá, Ana,
Excluir"Ossa"! A senhora não me parece nem um pouco "intimidável" (rsrs). De resto ...você decide!
Quanto ao meu bi-comentário "poético", talvez eu o aproveite em um texto que já está no forno e que, quando crescer - e se a Redação aprovar - quem sabe não vira um post daqueles de uma foto só ?! Eu não sei se os leitores mas o Blogger suspiraria agradecido.
Agora...pelamordedeus ...não pare de escrever , Ana! Seria um pecado cabeludo. Suas pretinhas são simpaticíssimas e traduzem um pensamento largo, ágil, irrequieto , bem humorado e muita história e poesia e artes para serem tecladas. Tem mais. Elas também nos contam outra história pois complementam a tranquilidade dos :)s suaves mas tão firmes com os quais o gentleman que nos edita pontua textos e recados.
E então , por aqui , sorrimos nós, certos de que os dois tiveram muita sorte.
Às pretinhas!
Uuufffaaaaaa !!! Me atrasei para fazer meu comentário...depois de um fim de semana na serra e com fôlego renovado para a semana que inicia-se amanhã. BOA NOITE, MEU AMIGO ! Não fique zangado comigo, tá ? Gosto de ler com bastante atenção seus textos, para poder tirar maior proveito de todas as suas análises sobre as pinturas. Você foi muito feliz na interpretação do estado de espirito de Van Goch e nessas duas telas. A Noite Estrelada Sobre o Ródano nos apresenta um pintor , acredito eu, buscando luz, paz...e a presença de um casal - imperceptível aos olhos de um leigo - me fez entender que Goch estava aproximando-se do " outro ", seu semelhante. Na pintura " Caminho de Cipreste ", ele deveria estar bem lúcido , esquecido da sua condição de depressivo , buscando através de suas pinceladas mostrar que sua estrada ( sua passagem pela Terra ) estava finalizando. Os símbolos da tela, como você bem colocou, são iluminados, reluzentes, mostrando-nos que ele havia encontrado Jesus, pela semelhança da aura pintada por Delacroix e o sol pintado por ele. Gostei da comparação feita por você sobre o cipreste- muito bonita, sob o ponto de vista espiritual. Então meu amigo, resta-nos o consolo de que Van Goch no final de sua vida, encontrou a paz que tanto precisava. E deixou-nos pinturas que serão para sempre admiradas. PS: gosto de ler tudo que vc menciona nos seus textos e nesse fui buscar a tela de Delacroix - Lago de Gennesaret - e me encantou o Cristo tranquilo, enquanto os outros tripulantes do barco estavam aflitos. Essa tela mostra perfeitamente a passagem Bíblica. Abraços corridos, Dulce
ResponderExcluirMinha querida Dulce,
ResponderExcluirVocê é uma mulher de certezas e eu sou um cara de dúvidas que apesar de sentir a imensa carga de espiritualidade nessa estradinha provençal, entende que se van Gogh se projetou em alguma esquina dessa noite estrelada terá sido nesse cipreste retorcido , revolto, indômito, agônico, tão triste e escuro bem no centro da composição. Mas nessas diferenças de percepção reside a beleza da arte da pintura que se é mesmo boa, é um cenário inacabado, uma mensagem aberta, uma linguagem generosa, um fato luminoso no qual também nós podemos jogar as nossas cores e continuar contando a "estória" como verdadeiramente a percebemos. Obrigado pela leitura atenta e por comentar tão cuidadosamente.
Um abraço nem um pouco zangado (rsrs)
Moacir, eu não tive muito tempo para as artes e agradeço a você de verdade pelo curso intensivo. 😊 É bom ver coisas bonitas em vez de só ler notícias ruins antes de começar a trabalhar e por isso acompanho este blog todos os dias. Como não sou uma expert o primeiro quadro não me diz nada. O segundo me passa a tranquilidade que sentimos diante um um céu de estrelas e o último o cansaço gostoso no final de mais um dia quando estamos prestes a chegar ao aconchego da nossa casa. Não vejo angústia nestas obras, Moacir. Quem sabe o pintor não pintava exatamente o que não tinha? Um abraço pra você.
ResponderExcluirMônica,
ExcluirQuem sabe van Gogh não pintava o que VOCÊ tem?
Um abraço e muito obrigado pela leitura.