Albert Anker - O Avô Conta uma História |
Wilson
Baptista Junior
Aqui na minha
terra nós gostamos de conversar. E de contar histórias.
Eu cresci
ouvindo contadores de histórias.
Meu pai, que
não conhecia os contos de fada tradicionais, inventava os seus próprios para
nos contar na hora de dormir. (Muitos anos depois, a nosso pedido, porque
queríamos ter as mesmas histórias para contarmos para nossos filhos, transformou-as
num livro lindo, que ele mesmo ilustrou a bico de pena, “O Macaco Juca”. E até
eu, um dia, escrevi e ilustrei, a bico de pena e lápis de cor, um livrinho de
histórias para meu primeiro netinho. Mas como ele ficou tão feliz porque era a
única pessoa do mundo que tinha esse livrinho, não posso dizer mais dele aqui :).
Cresci
ouvindo meu avô materno contar histórias de caçadas e cavalgadas, e minhas avó
e tia-avó paternas, que moravam com a gente, contando as histórias de sua
juventude na velha Santa Luzia do Rio das Velhas do Sabarabussu, das notícias de
Santos Dumont imitando os pássaros na França – Vovó Dindinha cantando para mim
ao violão a cançoneta de Eduardo das Neves, sucesso nos saraus da época,
“A Europa curvou-se ante o Brasil
E clamou parabéns em meigo tom
Surgiu lá no céu mais uma estrela
Apareceu Santos Dumont...”
- Tia Didida contando da Belo Horizonte do
tempo da gripe espanhola, das marchas, privações e entreveros do meu tio
Santinho perseguindo a Coluna Prestes sertão adentro, dos tiros de
metralhadoras nas ruas na revolução de Trinta.
Uma das
minhas lembranças mais gratas da adolescência é das noites passadas na fazenda
de um de meus amigos mais queridos, uma casa de fazenda muito, muito antiga,
daquelas de janelas sem vidros, só com postigos de pranchas de madeira,
terreiro de pedras grandes na frente do alpendre. Não havia telefone, e nem sempre
o gerador funcionava.
Depois do jantar a gente ia para a casa do mais velho dos
camaradas da fazenda, o Catarino, onde os vaqueiros se reuniam na cozinha, com
o bule fumegando na chapa do fogão de lenha, o candeeiro de querosene alumiando
mal e mal num canto, a gente sentada nos tamboretes tomando café adoçado com
rapadura nas velhas canecas de ágata e ouvindo o Catarino contar histórias do
Pedro Malasartes, de assombrações e mulas sem cabeça, vendo os olhos
esbugalhados daqueles homens simples cuja coragem desassombrada de dia se recolhia
na escuridão da noite.
De lá para cá
foi uma vida inteira de conversas, com as mais variadas pessoas (só contar de
algumas delas já daria um post) e nos mais variados lugares, contando as minhas
histórias e ouvindo as delas.
Depois de
casado, o avô materno da Ana contando suas histórias de músico e padeiro em
Trás-os-Montes, e depois de canteiro e padeiro em Ouro Preto, e o avô paterno
contando do desbravamento e a colonização do oeste de São Paulo.
E então um
dia, depois de conversar tanto, eu quis escrever algumas coisas que mais alguém
lesse. E criei um blog que chamei de Conversas do Mano.
No começo era
fácil, o entusiasmo era grande, escrevia vários posts por dia. Mas depois,
conversar sozinho foi perdendo o interesse, os posts foram rareando, o blog foi
ficando devagar, depois quase parando, parou.
Há alguns
meses conheci o Moacir, que tem a alegria de não conseguir não escrever, e que
estava desanimado com os blogs da vida porque as paixões políticas
radicalizaram todo o espaço de comentários e tornaram impossível uma conversa
inteligente. E eu sabia que o Chico, quem eu já conhecia antes, tinha publicado um
livro de crônicas que prometia ser muito interessante, mas que não se
encontrava para comprar porque tinha sido feito numa edição só, especialíssima
para a família.
Então em junho deste ano pedi licença ao Chico para publicar o
livro dele em capítulos, e convidei o Moacir para usar, se quisesse, o espaço
do blog. Os dois vieram para cá, o Chico trouxe o Antonio, o
Moacir trouxe o Heraldo, depois a Dulce, o Heraldo trouxe o Domingos, e aqui
estamos nós, conversando entre nós e com vocês. E, quem sabe, talvez até a Ana
se anime a se juntar a nós.
Toda essa história
aí atrás é para dizer que o meu blog virou o nosso blog, que por causa dos
autores e dos leitores que nos presenteiam com seus comentários virou de
verdade uma roda de conversas, onde só falta o cheirinho do café e a broa de fubá
no prato de louça no meio da mesa.
E que fico
muito contente com isso, por ter ajudado a reunir essa roda e por ter, a cada
dia, o prazer de participar dessa conversa.
Obrigado, e um abraço
para todos.
1) Blog Bom ! Mais de 37 mil visitas.
ResponderExcluir2) Lembrei de um ditado popular antigo: "De uma boa conversa ninguém escapa".
3) Sou gratíssimo ao Bendl que me indicou, ao Mano que me aprovou e a todos os que escrevem e leem. Aprendo bastante.
Wilson, leio as Conversas do Mano todos os dias. É bom descobrir como as histórias se misturam, já que o seu tio Santinho perseguiu a Coluna Prestes, da qual o meu avô materno Oséas então um 'subversivo' fez parte por um tempo andando a pé e escondendo-se pelas veredas dos sertões para fugir. Ele deu o nome de Olga à sua primeira filha (minha saudosa tia) por ter conhecido e admirado Olga Prestes.
ResponderExcluirTenho que agradecer a você por ótimas conversas e por me fazer lembrar de histórias esquecidas.
Monica, aqueles foram tempos conturbados... Quando eu estava cursando Economia, tive uma professora, paulista, que era sobrinha do Siqueira Campos, que foi um dos líderes da Coluna. Tio Santinho era alferes na Força Pública de Minas Gerais. Não cheguei a conhecê-lo, morreu antes de eu nascer, ouvi suas histórias recontadas pela minha avó e meu pai, sobre as agruras e as bravuras de parte a parte naquela epopéia.
ExcluirAgradeço muito ao Wilson pelo convite em participar deste espaço extraordinário, em princípio, e também aos colaboradores do "Conversas do Mano" pelos artigos excelentes, assim como os milhares de leitores que se deliciam com as postagens diárias.
ResponderExcluirO blog é diferenciado dos demais porque impede que sejamos tentados por assuntos que nos levariam à vulgaridade, a ódios, a separações entre nós mesmos, inclusive inimizades.
Portanto, um refúgio às mentes, uma caverna que protege as ideias de serem deturpadas, uma fortaleza onde a paz e a tranquilidade encontradas possibilitam a criação de novos assuntos, de conversas interessantes!
Sinto-me honrado em participar desta equipe, e eu gostaria que mais pessoas fizessem parte do time, de modo que fosse não só ampliado como registrasse mais textos de qualidade, pois certamente centenas de frequentadores teriam as suas histórias para contar, e que seriam sensacionais, enternecedoras.
O meu abraço a todos neste blog extraordinário.
Saúde e Paz!
Olá, Wilson. Já tornou-se um hábito meu ler seu blog antes de atualizar-me com as notícias do dia. Ai que horror !!! Aqui formamos um grupo de amigos homogênio onde podemos partilhar e trocar idéias e estórias interessantes, só falta mesmo o café com bolo- como você disse. Sabe ? A cada post aqui publicado vão surgindo lembranças na minha memória de tempos idos. Desde menina as estórias eram sempre contadas ao redor da mesa do almoço , momento em que todos os filhos estavam juntos. Lembro-me também de um sítio da família de minha avó materna, em Campo Grande, quando ali ainda era uma região agrícola e não havia luz elétrica. Ali vivenciamos uma infância linda e saudável. Ouvi muitas estórias de vovó e da mamãe, e tenho também várias registradas na memória que conto para os filhos e netos. Hoje já escuto meus meninos contando para os filhos suas lembranças e travessuras das férias em praias e sítios. As dificuldades da caminhada também são lembradas, porque nem tudo caiu do céu e através delas podemos mostrar para os jovens que tudo é possível , quando se tem garra, perseverança, o amor e compreensão da família. Mais a frente haverá oportunidade de partilhar com vocês, bastante momentos inesquecíveis. Abraços, Dulce
ResponderExcluirQuero deixar uma ideia doida como sugestão a se realizar em um ano:
ResponderExcluirQue todos nós nos encontremos um dia!
Escolheríamos um Estado onde ficaria mais perto, marcaríamos a data, e durante apenas um dia - manhã e tarde, à noite voltaríamos para casa para não virarmos abóbora - iríamos nos conhecer pessoalmente.
O que acham?
Poderia até ser no aeroporto de São Paulo ou Rio, sem maiores despesas de locomoção ou perda de tempo, apenas a gente se conhecer e conversar "face to face".
Acho que seria muito bom, muito legal esse encontro.
Abraços.
Saúde e Paz!
Mano Wilson,
ResponderExcluirnão poderia deixar de escrever umas linhas pra você, mesmo hoje que não é pra mim um dia 'bão'.
Sei bem o que são contadores de histórias. Meu pai toda noite nos contava causos, que ouvíamos com muita atenção até irmos pra cama. Dormíamos em paz, irmanados pela palavra paterna da qual (deu para perceber?) sinto imensa falta, não importa a minha idade.
Wilson, fiquei muito feliz ao perceber que você e Donana, como disse o Moacir, são um casal bem feliz.
Isso me enche de alegria e só consigo desejar que essa felicidade se perpetue entre filhos e netos.
Grande abraço
Ofelia
Prezado Wilson,
ResponderExcluirOra viva o primeiro dos contadores de histórias de volta à roda e para saldar os contadores de histórias!
Sabe? Nesse mundo movido a whatsApp e mensagens de voz, de onde desapareceram as calçadas , os vizinhos e as cozinhas aconchegantes,eu às vezes me pergunto se mais alguém além "dos velhinhos em formação" têm noção de que antes das teclas centenas de gerações antes da nossa encontraram formas criativas para se comunicar. Será que se entende que ao pintar nas paredes das cavernas, esculpir nas pedras, dançar, inventar a música e que tais, os da nossa espécie já contavam histórias? Que contar histórias é a pedra angular da existência humana e que foi contando-as e trocando-as que nos civilizamos?
Tomara que sim e que percebam que essa sua imagem de alguém numa velha cozinha defronte de um "fogão à lenha com uma caneca de ágata cheia de café adoçado com rapadura na mão" ouvindo as presepadas do Malasartes é tão poderosa e catártica, porque não apenas me leva até os degraus de uma velha capelinha onde eu menino ouvia histórias de Saci debaixo de um mar de estrelas com uma caneca de chá de cidreira na mão, mas a todos nós a épocas muito mais remotas e perdidas na noite do tempo, quando em volta de uma fogueira e sobre peles, se comia mamute com as mãos, se ria, se tocava tambor, se batia no peito e se gesticulava e se grunia uma proto língua como a das crianças - eu/Tarzan + tu/ Jane e depois das histórias de caçadas, todo mundo ia brincar de pedra lascada no fundo da caverna, feliz da vida(rsrs)
A razão de ser de toda e qualquer Conversa é o aprendizado. Coisa que cada vez mais raramente rola nos blogs da vida , onde todos já estão absolutamente certos de saber tudo sobre muito mais ainda e só querem mesmo é ganhar o "debate" fajuto povoado por ofensas pessoais contra quem tecla diferentemente dos oráculos de plantão.
O que aprendemos aqui todos os dias é que o mais particular é o mais geral, que as "histórias se misturam", que "não tem como resistir a uma boa conversa" que todos nós sempre teremos uma história para contar e que contando-as e ouvindo-as nos sentimos mais ricos, parte de algo maior que as vezes vai mal, é verdade, mas que seguirá em frente enquanto alguém acreditar que sim e espalhar a notícia.
Teclemos!
Abração
Antonio, é isso mesmo, "de uma boa conversa ninguém escapa". E essa é a razão de ser deste blog, onde você tem participado de tantas conversas.
ResponderExcluirMônica, é muito bom descobrir que as vidas de todos acabam se entrelaçando, que esse mundo enorme é menor do que parece e que todos temos alguma memória comum.
Chico, não deixe nunca de nos trazer novas conversas, nesse blog em que todos temos sim nos esforçado para que seja aquele canto onde podemos esquecer um pouco a radicalização que nos circunda e ouvir, aprender, rir e nos emocionarmos com as histórias de cada um.
Dulce, só falta mesmo o café com bolo. Mas tenho certeza de que às vezes sentimos o cheirinho dele quando lemos os artigos uns dos outros.
Ofélia, Deus me deu a alegria de conviver com meu pai até depois dos cem anos dele, e ele nunca deixou de nos contar histórias. E hoje eu também sinto uma falta imensa dele, e da minha mãe, e daquelas noites de conversas e de histórias e de lembranças. E sim, podemos dizer de coração aberto que somos felizes :)
Moacir, que bom que ainda há gente que pinta, modela, esculpe, dança, inventa música e conta histórias, e gente assim tão perto da gente. E que saudade daquele "mar de estrelas" que, quando menino, eu me deitava de costas no murinho da frente de nossa casa para mergulhar nele e seguir a mágica das constelações que se tornaram minhas amigas e companheiras.