-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

10/09/2016

De filhos e de netos

 
A Visita de Natal do Avô (pintura de Norman Rockwell)

Francisco Bendl

Não vejo responsabilidade maior que ser pai.

Não existem cargos ou funções que sejam mais importantes que sustentar e educar um ser humano quando se decidiu ter um filho.

Conseguir gerar uma vida - junto da esposa, claro – que poderá trazer grandes alegrias ou imensas tristezas, transcende à compreensão do que significa ser pai, e que também se torna maior que o próprio genitor pelas consequências desta decisão incomparável!

No entanto, na razão direta deste compromisso imenso, surgem as alegrias, a felicidade inaudita, a vida prolongada do pai na existência dos filhos.

Nada se compara ao sorriso da criança, o pedido de ajuda, quando ela estende a mão, quando pede por colo e nos dá aquele beijo longo e babado, nada!

Acompanhar o crescimento dos filhos é destinar muita atenção e cuidados, ao mesmo tempo que o pai precisa se aproximar desta criança para que ela sinta o quanto é amada e protegida.

Adolescente,  acontecem os primeiros enfrentamentos entre o que o pai ensinou e as ideias do “mancebo”, que viceja forte, com personalidade, grupo de amigos, colegas de escola, elaborando um perfil que inevitavelmente colocará o pai em palpos de aranha, ao emitir os primeiros “não”, ao impor limites, ao estabelecer horários para chegar em casa.

Nesse meio tempo, alguns conflitos são inexoráveis, pequenas discussões, argumentações referentes à independência de casa, a vontade de ter experiências próprias, apesar de o pai querer evitá-las porque sabe no que vão resultar.

Não importa, o desejo é maior que o alerta, então aquela criança, que depois foi adolescente, e que apresenta as primeiras penugens no rosto, opta por sofrer, e inicia a sua longa jornada para vencer as dificuldades de sua existência por mais que o pai avise e tenta explicar que tem razão.

Os primeiros namoros, as decepções, as saídas aos fins de semana, a preocupação com o retorno são e salvo, o aproveitamento na escola, o pai jamais deixa de ser um sentinela avançado, ainda mais quando ele tem TRÊS FILHOS PARA OBSERVAR, e com intervalos de dois anos para cada um deles!
Portanto, cinco, três e um, depois dez, oito e seis, mais adiante dezoito, dezesseis e catorze ... e o pai se vê em grande desvantagem numérica e mental, pois a avalanche de razões, argumentos, motivos, em favor de levarem as suas vidas conforme entendam é avassaladora, mesmo que se queira ainda preservar o pequeno, o caçula, mas a atração gravitacional dos maiores com relação ao mundo lá fora é tão convidativa, que o pai é vencido naturalmente, redobrando os cuidados e as atenções.

Ao ingressarem na Universidade a vida é deles. Não admitem interferências, pensam que sabem mais que a velha experiência paterna, mas estão no caminho certo, de se formarem e buscar seus lugares no mercado de trabalho.

Mas as preocupações não diminuem, as atenções continuam, pois queremos que vençam na vida, que superem obstáculos, que não sofram, que estejam atentos ...

Meus filhos casaram-se depois de formados.

Não foram pais tão jovens como fui, que, aos vinte e seis, eu era pai dos três!

E agiram corretamente, diante deste mundo de hoje muito mais difícil e enigmático com referência à época que me casei, em 1970.

Entretanto, como um passe de mágica, surgem os netos!

E a vida, que eu pensava muito pesada de levá-la pelo peso da idade, físico alquebrado, a mente com suas falhas naturais é renovada, volta a ser animada, retorna ao embalo inicial de um jovem cheio de esperanças e certezas, decisões e vontades!

Os netos são a compensação pelos anos insones, pelo temor do futuro, pelas expectativas, pelas orações, pelos pedidos a Deus que protegesse os filhos!

Os netos são a alegria, a baderna, a balbúrdia, os senhores dos avós!

Os netos são a materialização dos sonhos, os pensamentos que tomaram formas, os anseios finalmente atendidos quanto aos seus aspectos positivos.

Os netos reatam os laços familiares de forma indelével, coesos, inquebrantáveis.

Eu, que sou pai de três filhos homens, o nascimento do primeiro neto ter sido uma menina, me trouxe uma felicidade jamais sentida antes porque inédita, diferente, uma alegria indescritível.

A segunda neta foi outra miragem. Duas, e com intervalo de apenas seis meses!

Então vieram dois netos, também muito próximos um do outro, sete meses, até que brotou mais uma neta, com um ano menos que os dois guris!

Três netas e dois netos, nada mais sublime, mais importante, mais significativo, que essas vidas advindas dos filhos, que terão agora os sentimentos do pai com relação a eles, mas contando com a ajuda dos avós quanto a orientar, ensinar, e transmitir um carinho enorme, um amor infinito!

A cada mês a família se reúne em minha casa. Assamos um lauto churrasco, e libero a casa para os cinco netos, cuja atração é o meu escritório, onde a hierarquia se estabelece naturalmente!

A neta Luíza, que nasceu primeiro, comanda a turma. A Sarah é o Imediato. Bernardo e Matheus, os dois sargentos e a Helena, a mais nova, o soldado ...

ERRADO!
A HELENA COMANDA OS SARGENTOS!!!

Simplesmente os dois guris, ambos de quatro anos, têm uma afeição especial pela prima de três, que os orienta quanto às brincadeiras do jeito que ela quer e exige!

Se hoje em dia o cavalheirismo está fora de moda, decididamente com relação aos meus netos e a neta caçula esta qualidade nos homens ainda está em vigor na minha casa, tanto pela concessão quanto pela bronca que aquela menininha dá nos primos, que a obedecem plenamente!

A diversão é contagiante quando eles se encontram. Corridas, gritos, montagem de mesas no pátio, laranjadas que eles mesmos fazem colhendo laranjas nos dois pés que tenho no minúsculo pomar – e vendem para o vovô, evidentemente – ou limonada, também com limões do belo limoeiro que plantei há quatro anos - na verdade eu e a mulher!

A casa se sacode, e parece que tem vida com eles me visitando, e entra no ritmo acelerado da criançada!

Lá pelas tantas, quando esmorecem os ânimos porque almoçaram e estão cansados das correrias, e o pouco silêncio reinante me põe a pensar é inevitável a resenha que faço da vida.

Percebo que os netos são a recompensa que os filhos me deram, o prêmio pela vigilância exercida enquanto eram crianças, adolescentes e jovens, a retribuição por tê-los cuidado, protegido, e sempre à disposição quando precisaram do pai!

Nesse momento, confesso, aproximo-me de Deus. Não do seu poder, mas de ter um “povo” a que dei origem, que dependeu dos meus esforços para que chegasse ao patamar de proporcionar tanta satisfação, orgulho e honra!

Ser pai e avô me classificam como ter compreendido a sensação espiritual do Paraíso, a felicidade eterna, a alma salva dos percalços diários!

Agradeço emocionado à minha mulher pelo que me possibilitou nesta existência, de eu ter me realizado plenamente como homem, pai e avô, de eu ter dado um sentido à minha vida quando me casei com ela e termos tido os filhos que tivemos, que sustentamos, educamos e formamos.

E que nos deram os netos que tanto amamos, que tanto nos divertem, que renovaram as nossas funções de voltar a cuidar de crianças, de protegê-las, ensiná-las, educá-las, e nos fazerem sentir ainda úteis e necessários à relação familiar!

O Super Herói que criei quando brinco com os netos, em consequência, que estão na fase dos bonecos, da imaginação fértil, eu o denominei de Super Duplo!

Quando me perguntaram o que era, respondi que o avô era um pai duas vezes, portanto, se para ser pai somente sendo um super homem, o vovô seria um Super Duplo!

E é quando vestido com esta fantasia que viajo mais rápido que a luz, e me ponho em frente ao Criador!

Olhamo-nos respeitosamente.
Não conversamos, pois não é necessário.
Nossos olhos transmitem as mensagens que queremos transmitir um para o outro.

Eu, prostrado, em agradecimento pela Graça concedida;

Ele, certamente, concordando que trato bem a espécie que me possibilitou gerar!

11 comentários:

  1. Amigo Chico, tenho certeza de que todos nós que somos avôs ou avós nos encontramos nas linhas do seu belo texto.
    Continue a nos brindar com outros como este.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Só mesmo tu, Wilson, para me fazer escrever como se fosse um compromisso!

      Grato pelas palavras gentis, mas exijo de mim mesmo que eu seja verdadeiro, autêntico, legítimo, pois os sentimentos que brotaram a partir do momento que Deus me reservou a Graça de ser avô, posso te afirmar que me deixam feliz, alegre, e permanentemente agradecendo ao Criador por esta dádiva!

      Um forte abraço, parceiro.
      Saúde e Paz!

      Excluir
  2. 1)Outro dia, na escola onde leciono, os colegas de trabalho observaram a minha cara de felicidade. Me perguntaram o motivo de tanta alegria.

    2)Cheguei a conclusão de que o contentamento reinante é porque agora me encontro no Reino Encantado dos Avôs e Avós.

    3)À distância,na Espanha, vejo a minha netinha crescer, já está com um ano de 8 meses.

    4) Ainda bem que inventaram o skipe e tecnologias afins.

    5)Parabéns Chicão, excelente crônica.

    ResponderExcluir
  3. Rocha, meu caro,

    Quando falamos de netos a mente brilha, e mesmo uma pessoa dotada de poucas luzes como este teu amigo, o que escrevi nasceu deste sentimento inigualável de alegria e felicidade por ser avô!

    E são momentos como este que lamento a minha falta de cultura e conhecimentos porque era para eu ter escrito uma crônica espetacular sobre filhos e netos, mas a carência de palavras, de expressões, de ter as condições de colocar no papel este êxtase por ser avô, se evidenciam pela falta de Ensino!

    Mas, eis a minha mensagem, o que sinto, as emoções que passei a ter como avô, meu amigo budista!

    Aliás, te deixo uma sugestão, Rocha:
    Escreve algo sobre os avós na concepção budista, por favor.

    Um forte abraço.
    Saúde e Paz!

    ResponderExcluir
  4. Dulce Liporace10/09/2016, 11:18

    Bom dia, Francisco. Hoje você expressou todo sentimento de um pai responsável e um avô amoroso e " babão " . Não leve a mal... Somos " babões " sim, qdo se trata de netos, e porque não ? De filhos... É sempre uma alegria ouvir ou ler pretinhas sobre o relacionamento entre avós X netos, mesmo aquelas pessoas que não são avós, se deslumbram. Você relatou exatmente o que acontece nos corações e n'alma de nós- avós. E cada um tem uma história para contar, mais fantástica que o outro, nesse relacionamento indescritível. E se me permite, Francisco, não é o nível cultural ou conhecimentos que levam uma crônica ser espetacular, nem carência de palavras ou expressões, e SIM O AMOR SENTIDO, O SER VERDADEIRO E AUTÊNTICO, e isso você tem de SOBRA. Então sugiro que deixe essas bobagens para trás...embora nova no blog, percebo que aqui todos falam de coração aberto. Deixo uma indicação de uma reflexão - talvez você já conheça -, que acho muito interessante: Autor- Içami Tiba, " Filhos são como Navios " . E o meu desejo de um belo Fim de Semana, junto aos seus. Abraços, Dulce. PS : Wilson . A pintura escolhida para ilustrar o texto primoroso do Francisco, nos mostra a imagem de um avô terno e meigo, com um olhar de sabedoria envolvendo seus dois netos, talvez com uma bela história sobre o nascimento do Menino Jesus. Linda ! Linda ! E que me levou a entrar no mundo desse importante artista - Normandia Rockwell - Obrigada e abraços, Dulce

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Wilson Baptista Junior10/09/2016, 13:34

      Dulce, Norman Rockwell foi, talvez, o maior ilustrador dos Estados Unidos, e um dos maiores do mundo em sua época. Suas obras são um retrato de um país que não existe mais, os Estados Unidos da década de vinte até os anos sessenta, por aí. E suas ilustrações são universais pela humanidade dos sentimentos que retratam. Fico feliz que por este post você tenha querido conhecê-lo.

      Excluir
    2. Minha querida Dulce,

      Muito obrigado pelo comentário, que entendeu perfeitamente o recado que eu quis transmitir com relação aos sentimentos que nutrimos pelos netos!

      De fato eles não só nos renovam a existência como nos deixam a visão mais ampla sobre o mundo e a realidade que nos cercam!

      E nos ensinam a brincar, de novo, a participar de suas ilusões, imaginações, viagens pelas mentes que fervilham, que não se aquietam, que inventam, e que nos deixamos levar pela emoção do momento!

      Falar de netos e filhos somente com o amor na ponta dos dedos, o afeto no teclado, e os agradecimentos pelas alegrias e felicidades em cada palavra elaborada.

      Um abraço, Dulce.
      Saúde e Paz!
      Excelente domingo junto aos teus amados.

      Excluir
  5. Bendl,adorei o "senhores dos avós". Eles são verdadeiros feitores de velhinhos!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Minha querida Ana,

      A expressão saiu do fundo do meu coração, te garanto, pois mesmo doente, às vezes com dores fortes pelo corpo, pego o meu carro e vou para Porto Alegre comprar os presentes encomendados nos aniversários, Dia da Criança, Natal, Páscoa ...

      E não me importo se chego em casa, após rodar 250 km ida e volta, extenuado, mas com a alegria da "obrigação" feita, do presente adquirido, e de antecipar a visão dos sorrisos que vão receber o brinquedo solicitado.

      Acho que a função dos avós é primordialmente encantar os netos, propiciar-lhes alegrias, brincadeiras, espaços, liberar a casa para que possam ser os donos dela - claro, impedindo que quebrem ou danifiquem algum objeto ou aparelho doméstico -, enfim, permitir a liberdade que não têm em casa porque cabe aos pais impor os limites que eu e a esposa demos aos filhos, então a liberalidade, a falta de compromisso com as balizas impostas, principalmente no que tange às refeições.

      Se quiserem a sobremesa antes, tudo bem, se querem batata frita, a vó faz, se querem passear o vô os leva, afinal das contas eu e a mulher estamos na reta final da vida, portanto, viva a alegria, e com os netos!

      Um abraço, Ana.
      Saúde e Paz!
      Excelente domingo junto aos teus queridos.

      Excluir
  6. Homem de 'poucas luzes'(só se for nos cabelos), você me fez lembrar do meu pai e das diabruras que meus sobrinhos e filho faziam na casa dele. Marcelo, o mais velho, era o mais levado. E volta e meia meu pai dizia pra ele: "Você procede, hem, Marcelo?.

    Um luxo só aquele vida de bagunça na mesa, minha mãe e avó tentando dizer que 'na hora da mesa'(sagrada para ela) não se podia isto, isso nem aquilo. Em vão.

    Na época, eu era mãe e tia. Então inventava gincanas. Para cada um deles, uma obrigação: trazer uma cueca do vovô, pegar dois ovos na geladeira, o rolo de papel higiênico da casa do vovô, por aí (eram dois apartamentos, o meu e o dos meus pais. Um rebuliço só. Uma felicidade sem igual.

    Meu pai, que sempre gostou de ensinar as coisas, às vezes subia a ladeira da outra rua com o Marcelo para ele 'matar cumiga' (matar formiga) com o vovô.

    Hoje, todos homens, cada um morando em um estado. Apenas um está no RIO, a moça, que na época não existia ainda, se divide entre Rio e SP, onde trabalha.

    Meu filho também mora lá, e gosta, e respeita São Paulo. Quem diria?

    A vida dividiu todo mundo, Bendl. Mas, na memória, todos permanecem nas melhores lembranças dos tempos infantis.

    Você é um felizardo, amigo. Saiba aproveitar. O tempo passa muito depressa, eles crescem rapido. É um chavão, mas muito verdadeiro.

    Abraço, Bendl
    Saúde e Paz
    Ofelia

    ResponderExcluir
  7. Minha querida Ofélia,

    Disseste uma verdade apodítica, estocástica, que o tempo passa muito rápido, principalmente quando nos encontramos alegres e felizes!

    Estar ao lado dos netos, aproveitar com eles o ânimo e a energia inerentes de suas tenras idades é retornar neste tempo implacável é como enganá-lo, ludibriá-lo.

    Claro, quando vão embora o tempo nos cobra a "mentira" pelo cansaço, fadiga, mas não consegue nos tirar a alegria e felicidade que permanecem no coração, na mente, na satisfação de voltarmos a ser crianças após tantos anos, e de nos sentirmos tão bem!

    Caso a vida me permitir, sei que amanhã esses momentos serão apenas lembranças, agradáveis, memoráveis, inesquecíveis, mas recordações tão somente, então quero vivê-las intensamente, e meus netos parecem que entendem esse meu esforço em acompanhá-los porque pulam em cima do avô, sobem pelos meus ombros, adoram quando imito estar tossindo exageradamente, quando lhes dou susto, quando jogo bola, quando faço os aviões de papel, quando assisto os desenhos com eles na TV e imito as vozes dos animais, assim como uma sonoplastia própria do vovô, que eles se divertem e muito!

    Ainda mais quando toca a música da pulga na cueca do vovô, então a bagunça é generalizada, e eu fazendo gestos e contorcionismos referentes às coceiras do dito inseto!

    Inegavelmente, momentos sublimes!

    Um forte abraço, Ofélia.
    Saúde e paz, minha cara!

    ResponderExcluir

Para comentar, por favor escolha a opção "Nome / URL" e entre com seu nome.
A URL pode ser deixada em branco.
Comentários anônimos não serão exibidos.