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16/09/2016

Como Escapei da Camisa de Força

Gravura de Ambroise Tardieu - imagem wellcomeimages.org/indexplus/obf_images/93/ff/2b3df725d5ae0c4df21f35409347.jpg


Antonio Rocha

Nos anos 1970 era “moda” fazer análise na cidade do Rio de Janeiro. Todos os meus amigos e amigas faziam. Individual ou em grupo, mas todos “tinham” um(a) analista.

Certa feita, então, conversando com um amigo, conceituado médico e professor de psiquiatria em uma faculdade de medicina ele sugeriu que eu procurasse o INPS (hoje SUS), pois tinha bons profissionais, alguns até colegas dele ou ex-alunos.

Sempre fui assim, meio fora de moda, mas dessa vez, estava seriamente pensando em me inteirar do momento, quem sabe seria bom.

E lá fui eu, após marcar a consulta em um posto público, no centro da Cidade Maravilhosa cheguei lá, à tarde, no corredor indicado vi que em determinada sala havia um grupo grande, umas vinte pessoas talvez, mas o meu caso, em primeiro lugar seria conversar com o especialista que me indicaria vaga e horário.

Na hora combinada estava lá um senhor meio careca, meio barrigudo (nada contra, pois também estou no sobrepeso).

O local meio vazio àquele momento me fez lembrar de um filmaço que assisti mais de uma vez (por parecer uma enfermaria em um prédio antigo no Centro do Rio): “O Gabinete do Dr. Caligari”, recomendo, é do tempo do cinema mudo, do Neo-Realismo Alemão, uma obra prima. Infelizmente é dificílimo hoje comprar, mas vale a pena.

Voltemos ao doutor. Eu estava diante dele, sentei e ele me perguntou o que era:

- É que eu quero fazer análise e eu soube que aqui no INPS é grátis.

- E Por que você acha que precisa fazer análise?

Expliquei que meu sonho era ser escritor, eu tinha consciência de que tinha facilidade para juntar as palavras e esta “bendita” vocação me deixava com ansiedade, mas eu sabia que era difícil publicar um livro e, não queria pagar por ele claro. Queria uma edição profissional, que eu ganhasse alguns trocados...

- Você sabe que, nesse país trabalhar com Literatura é pedreira não é?

- Pois é – respondi coçando a cabeça – mas eu gosto! É minha sina!

Conversamos ainda mais um pouco algumas informalidades, e ele declarou:

- Olha só, eu estou vendo que o seu problema não é grave, não é assim, um assunto de internação. Se fosse, eu agora mesmo mandava chamar a ambulância e te internava...

Eu gelei, lembrei de outro filme que fazia sucesso “O Estranho no Ninho” que se passava em uma internato de doentes mentais que tomavam choques elétricos, entre outros...

Não sei se ele falou por ironia, para vez a minha reação, percebeu o meu susto e logo amenizou.

- Estou percebendo que você tem talento. O negócio é o seguinte, nessas eleições agora eu sou candidato a deputado estadual, meu comitê fica lá em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, quero te contratar e você vai escrever os meus discursos, vai ser o meu “ghost writer”, ditar as minhas falações, vai redigir os cartazes, folhetos etc. Eu deixo com você a parte de redação. Se você quiser venha na semana que vem aqui e iremos direto para Nova Iguaçu e já começa o trabalho, que tal?

Bastante apreensivo me levantei, cumprimentei o médico e sumi do mapa. Ponderei... se ele for eleito, qualquer mau humor pode me internar, se não for eleito, pode ser pior ainda, a culpa pode ser minha...

Desapareci... no bom sentido... fiquei curado na marra.


7 comentários:

  1. Dulce Liporace16/09/2016, 11:18

    Bom dia, Antônio. Você disse toda verdade : aprendemos a encontrar nosso caminho nos desafios, dores e sustos, aí percebemos que " de perto ninguém é normal ". Mas existem momentos que um BOM terapeuta, ajuda e muito. Bom fim de semana ! Abraços

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  2. 1) Oi Dulce, concordo plenamente.

    2)Bem depois eu fiz análise de grupo, primeiro com um ótimo Analista Didata, que já faleceu.

    3)Depois em uma Clínica Social que o famoso Dr. Hélio Pellegrino mantinha em Copacabana, em uma casa na rua Toneleros. Fiz com alunos do Dr. Hélio.

    4) Grande Dr. Hélio !

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  3. Olá Antonio,
    Delícia de texto. Li, rindo sozinha, imaginando os riscos que você corria.

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  4. Moacir Pimentel16/09/2016, 15:21

    Antônio,
    Para começo de conversa, e comentando o seu post anterior com atraso, me desculpe, as letras grandes tornam mesmo a leitura mais fácil pois ninguém que eu conheça está ficando mais moço ou com a vista menos cansada. Mas ultimamente dei para , como os editores que economizam no papel, torcer para que meus arrazoados sejam publicados em tipo 12. A esta altura da Conversa , você já deve ter percebido que nasci com o poder de síntese bastante prejudicado. Então os meus loooooooongos arrazoados em tamanho 14 são transformados pela Redação - muito acertadamente, é claro! - em 1 e 2 e 3 van Goghs, por exemplo. Agora... se for em tamanho 16 ,podem ser contados até 6 (rsrs). Ou seja, além de penalizar a paciência, quero torturar os olhos de vocês.
    Quanto ao analista do SUS candidato à marginal... sem palavras. Dizer não a tipo destes pode significar camisa de força e choque elétrico.Porém escritor que é escritor da gema , tem que ter muito de doido. E quem afirma isso não sou eu , mas o Mestre Ariano, num vídeo imperdível

    https://www.youtube.com/watch?v=yo7Y0TmMXWI

    Um bom final de semana

    Abração

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    1. 1) Salve Moacir, a meu ver, aí é que está a beleza do Texto, ele poder ter sequência até 6 vezes ... e não é teste de paciência, mas digamos, doses homeopáticas culturais, literárias etc.

      2)Mestre Ariano Suassuna é um dos meus Patriarcas...

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  5. Oi Antonio, hoje vi na TV o ator Domingos Montagner em cena no teatro, onde ele 'brincava' de palhaço e dizia: "Loucos e palhaços sempre vão existir, são eles que não nos deixam esquecer que o ser humano é torto".
    Millôr também gostava de citar Bernard Shaw: "Todo o progresso do mundo se deve aos loucos".

    Ah, Antonio, o que tem de psiquiatra maluco... O primo da minha mãe levava o tio dele a um tal, que cuspia tanto com quem conversava, que era preciso abrir uma guarda-chuva pra falar com ele.
    Tinha o que abria a gaveta quase emperrada sob a mesa do consultório, recheada com dezenas de bulas, que dizia pro paciente: "Você pode tomar este aqui (e lia o nome), ou esse (e lia o nome), ou... FUJA!

    Psicanalistas são menos malucos, mas não de todo, ou não teriam 'perseguido' a carreira. Tive um que adoro, é Antonio como você, uma conversa e tanto. Gostaria até que fosse meu amigo, mas, acho que se fosse amigo, ele não seria o mesmo cara.

    Estive algumas vezes na clínica da Toneleros (a psi era ótima!). Eu me dei alta quando liguei para casa dela e a ajudante doméstica me disse que ela tinha ido caminhar na Lagoa. Eu me senti idiota por estar tão dependente que resolvi imitá-la. E fui caminhar também. Não na Lagoa, que eu morava no subúrbio.

    Estive uma vez no consultório do Dr. Hélio Pellegrino, grande figura. Millôr, que dizia não acreditar em análise mas em síntese, costumava dizer: "Não confio meu cachorro ao Hélio". Era gozação, apenas brincadeira.
    Um abraço, Antonio, da 'maluquinha'.
    Ofelia

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  6. Sou como o antigo Denorex, Antonio. 'Pareço' maluquinha, mas não sou. Foi apenas brincadeira.
    Abraço
    Ofelia

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