Heraldo
Palmeira
De passagem por Nova Friburgo, encontrei
a cidade em plena temporada de inverno, com turistas misturados à cena
cotidiana. Surpreso, dei de cara até com uma velha e surrada Romi Isetta,
aquele carrinho ítalo-brasileiro que fez sucesso nos anos 50 em razão do design
para lá de esquisito, com sua porta única frontal. Estacionada sob uma árvore
frondosa diante da casa do seu dono, ainda mantinha a fantasia que usou no
último Carnaval, denunciando uma ressaca por certo descomunal.
A noite na Serra Fluminense
estava agradabilíssima, com estranhos 22 graus para uma época do ano onde os
termômetros costumam registrar, sem grande esforço, até temperaturas rondando o
zero.
Fui jantar num lugar chamado Quinta Rica, ao largo da Praça Getúlio
Vargas. Comida farta, honesta e barata num reduto sem grandes luxos e muito tradicional
no centro da cidade. O cardápio apontava rodízio de sopas, bufê ou rodízio
completo. Pelo menos naquela noite, não percebi turistas. Havia casais
aconchegados e famílias em grandes mesas, dando a entender que o endereço faz
parte da vida dos locais.
Na hora de pagar a conta, peguei
a comanda e segui direto para o caixa. Pequena fila formada, eis que uma
senhora de bengala, cabelo branquinho, fez cara de desânimo e se encaminhou
para o final.
Abriu um largo sorriso quando estendi
o braço em convite para que entrasse na minha frente – acho que fui o primeiro
a perceber sua aproximação e ela fatalmente mereceria essa deferência de
qualquer uma daquelas pessoas que aguardavam o atendimento da moça do caixa.
Aquela criaturinha começou a me
cobrir de palavras delicadas, apesar de minha atitude não ser digna de qualquer
registro. De súbito, externando uma ordem do coração, eu disse que ela era
minha convidada – e peguei sua comanda, deixando-a docemente constrangida.
Ganhei um beijo afetuoso e ela seguiu o rumo da saída, enquanto fui cheio de
vida tomar o cafezinho oferecido pela casa, mais adiante do caixa.
Quando me dei conta, havia um
verdadeiro frisson de várias senhoras
ao redor da minha novíssima amiga. Todas na faixa dos 80 anos, ouviam, em
grande animação, os detalhes da “aventura” no caixa. Quando ela me viu
novamente, começou a apontar e fui cercado por aquela delicada nuvem de cabelos
brancos e rostos maternais, com direito a afagos e todas as atenções.
Entrei na conversa, percorremos
juntos o grande corredor e terminamos na calçada chamando a atenção de quem
passava pela rua, tal a nossa algazarra. Até explodirmos numa gargalhada depois
que minha novíssima amiga contou, com grande graça, uma piada daquelas cabeludas.
Nos despedimos com alegria e
combinamos que minha próxima visita a Friburgo deverá ser obrigatoriamente num
dia 29 qualquer. Assim, poderei reencontrá-las no mesmo lugar, para comermos
juntos o nhoque da fartura – que leva aquelas senhoras ao Quinta Rica no dia 29 de todos os meses, desde 1995.
Na verdade, minhas meninas da Serra
Fluminense nem precisam mais buscar fartura, fortuna, sorte e que tais, pois já
têm isso de sobra naquele prazer inigualável da convivência despreocupada. Tão
despreocupada que fomos embora de compromisso assumidíssimo para um reencontro
num futuro qualquer, e nem dissemos nossos nomes.
1) E viva Nova Friburgo, e viva a crônica do Heraldo !
ResponderExcluir2)Os belos pássaros (de uma crônica minha já publicada) da aprazível cidade citada estavam ali no coração das senhoras e do autor das linhas acima.
3) Bom fim de semana !
Caro Heraldo. Que maravilha de texto... Você se mostra sempre gentil nos lugares por onde passa - e como vc mesmo diz, " nada de extraordinário ". A gentileza e o respeito hoje em dia, já se vão longe. Essas jovens senhoras, são especiais . Sabem viver e tirar proveito das pequenas coisas e acontecimentos, você foi um enviado de Deus para que elas obtivessem naquela noite uma bela " fortuna ". Precisamos ver que nem sempre a fortuna significa dinheiro. Ela se apresenta de diversas maneiras : um sorriso, um olhar, um gesto, uma dor...o importante é estarmos atentos, a tudo que acontece a nossa volta. Cometei aqui que tenho um grupo de amigas e que nos divertimos às vezes e nossas próprias mazelas, ou de pequenos-grandes acontecimentos idênticos ao dessas senhorinhas. Me diverti muito por aqui...Bom fim de semana !
ResponderExcluirAmigo Heraldo, de você eu não poderia esperar outro gesto que não esse cavalheirístico que te é peculiar. Fico feliz também ao ver minhas netas praticarem diuturnamente as 4 palavras mágicas: com licença, por favor, obrigado e desculpe! Creio que ainda temos futuro!
ResponderExcluirCaro Amigo,
ResponderExcluirMais um texto delicioso!
Abs
Henio
Legal demais!
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