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05/09/2016

Fábulas: Literatura Budista?

ilustração de Calvet-Rogniat para a primeira fábula do primeiro volume de La Fontaine

Antonio Rocha


Outro dia, publicamos aqui neste blog, artigo sobre “Os Contos de Fadas e o Budismo”, agora queremos falar das Fábulas e da Literatura Budista.

Estou lendo o ótimo “Fábulas de La Fontaine”, edição portuguesa de 1996, capa dura, versificada por escritores portugueses do século XIX, Moderna Editorial Lavores.

Jean de La Fontaine (1621-1695) fez a recolha de amplo material e o resultado é este volume com 384 páginas, ilustrações de Gustave Doré. São duzentas e quarenta fábulas.

Na introdução ficamos sabendo que as origens destas fábulas encontram-se no Panchatantra da antiga filosofia indiana e nos Avadanas, textos sagrados do Budismo Indiano, cuja base é a língua sânscrita.

No Brasil, o escritor e jornalista Marques Rebelo, traduziu o “Panchatantra” e foi publicado em 1945, pela editora Irmãos Pongetti, dentro da coleção “A Sabedoria da China e da Índia” do chinês Lin Yutang.

Vejamos agora um bom exemplo, a famosa “Fábula da Cigarra e da Formiga”, traduzida em versos pelo grande poeta português Bocage (1765-1805).

Tendo a cigarra em cantigas
Folgado todo o Verão,
Achou-se em penúria extrema
Na tormentosa estação.

Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga,
Que morava perto dela.

Rogou-lhe que lhe emprestasse
Pois tinha riqueza e brio,
Algum grão com que manter-se
Té voltar o aceso Estio.

“Amiga – diz a cigarra –
Prometo, a fé de animal,
Pagar-vos antes de Agosto
Os juros e o Principal.

A formiga nunca empresta,
Nunca dá, por isso junta.
“No Verão, em que lidavas?”
À pedinte ela pergunta.

Responde a outra: “Eu cantava
Noite e dia, a toda a hora:
Oh, bravo! – torna a formiga; -
Cantavas? Pois dança agora!”


6 comentários:

  1. Deve ser linda essa edição, Antonio.
    Quando eu era menina, a fabula da cigarra e da formiga me impressionava bastante. Pelo sarcasmo da formiga. Formiga dura...
    Eu não conseguia entender o motivo da cigarra cantar e depois passar aperto, frio e outras necessidades. Cantar me parecia boa coisa a se fazer. Era muito menininha. Com o tempo entendi a metáfora.

    Mas alguma coisa me ficou de tristeza. No Verão, quando as cigarras enchem as tardes com seu canto, quem sente a tristeza sou eu. Acho muito triste o canto da cigarra. Muito, muito, muito.

    Abraço Antonio
    Ofelia

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  2. Francisco Bendl06/09/2016, 11:48

    O interessante nas fábulas era o seu final, com a célebre expressão,
    Moral da História!

    A cigarra e a formiga é uma das mais famosas, e enaltece o valor do trabalho em comparação à vida um tanto irresponsável, apesar de feliz!

    E eis um tema muito curioso para escrever:
    Haverá conflito entre trabalho e felicidade?

    Haverá indisposição entre obrigação e lazer?

    Até onde o trabalho diário, o compromisso assumido, impede a libertação do verdadeiro "eu", aquele que não precisa se policiar, que muda o seu comportamento quando entre a empresa até sair ao final da tarde?

    Sempre discuti com antigos chefes que tive sobre esta questão que, no trabalho, o sujeito deveria ser um, porém após o expediente poderia ser outra pessoa!

    Ora, isso é dissimulação, duas caras, falhas de caráter, pois devemos seu o que somos, a meu ver.

    Com relação à fábula bem lembrada, Rocha, se devo ser honesto comigo e com os meus amigos, a cigarra fez o que gostou, que a deixou feliz, enquanto a formiga se mostrou azeda, vingativa, certamente com inveja da alegria da outra, algo desconhecido pela operária, que apenas sabia trabalhar e jamais aproveitou os bons momentos da vida!

    Indiscutivelmente esta é a legítima sabedoria, o equilíbrio entre a folga e a labuta, o sossego e a atribulação, o momento em que se é dono da vontade sem comando, sem supervisão, com o dia livre, tempo à disposição.

    Um abraço, Rocha.
    Saúde e Paz!



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  3. Fiquei curioso, Antonio, será que na antiga versão budista o final da fábula teria sido o mesmo?

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  4. 1)Oi Wilson, existe um princípio budista que diz: "Um dia sem trabalho, um dia sem comida". É preciso fazer alguma coisa...

    2)E esse é um dos fatores porque na Ásia se trabalha tanto, lembrando que a civilização budista durou 1 milênio.

    3)As versões que eu tenho dessa Fábula param aí, na negação da formiga, mas não sabemos depois, ou no dia seguinte.

    4)A cigarra pode ter ido em outra casa, de outro inseto e este outro tenha usado a caridade budista... (estou deduzindo, visto que a história fica em aberto, acho que, de propósito, para suscitar interpretações).

    5)Mas do ponto de vista budista a caridade é dinâmica, não existe o conceito estático de "uma esmolinha pelo amor de Deus". No Budismo ajuda-se, mas coloca-se o indivíduo para trabalhar.

    6)O mais "provável" é, quem ajudou a cigarra, certamente cobrou dela trabalho:lavar a louça, fazer a comida, varrer a casa etc... coisas que se faz no inverno rigoroso.

    7)Me fez lembrar do ótimo livro: "A Ética Budista e o Espírito Econômico do Japão - Entenda como o Budismo influenciou o crescimento econômico do Japão Pré-Industrial", do prof. dr. Ricardo Mário Gonçalves,(USP, tese de Livre Docência em História do Extremo Oriente), editora Elevação, 2007.O prof. Ricardo é um monge brasileiro e fala fluentemente o japonês.

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    1. Sábio princípio, Antonio.
      E uma interessante explicação da caridade budista, cujo conceito, aliás, faz muito sentido.
      Obrigado.

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  5. Moacir Pimentel07/09/2016, 11:26

    Caro Antônio,alguém precisa escrever urgentemente uma fábula na qual a formiga se permitisse ser cigarra e a cigarra, formiga.
    Entre mortas e feridas se salvariam todas!
    Abração

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